Capítulo 2
Ao retornarem de Montefiascone, a sra. Aldwinkle e seu grupo, bastante desanimado, encontraram Mary Thriplow sozinha no palácio.
— E Calamy? — perguntou a senhora.
— Foi para as montanhas — disse Mary, séria e determinada.
— Por quê?
— Sentiu vontade — respondeu Mary. — Queria estar só para pensar. A perspectiva da volta de vocês deixou-o apavorado. Ficará fora por dois ou três dias.
— Nas montanhas? — repetiu a sra. Aldwinkle. — Dormirá na floresta, numa caverna ou algo parecido?
— Alugou um quarto na hospedaria de um camponês, na estrada que sobe para as pedreiras. É um lugar adorável.
— Isso me parece atraente — disse o mr. Cardan. — Acho que subirei até lá para dar uma espiada.
— Tenho certeza de que Calamy preferiria que não o fizesse — disse a srta. Thriplow. — Ele quer ficar só. Eu entendo isso muito bem — acrescentou.
O mr. Cardan olhou-a com curiosidade; o rosto dela expressava uma serenidade brilhante e séria.
— Surpreende-me que você também não tenha se retirado do mundo — disse ele, piscando. Não se sentia tão bem desde o lúgubre dia do funeral de Grace.
A srta. Thriplow deu um sorriso cristão.
— O senhor pensa que estou brincando — disse, balançando a cabeça. — Sabe que não estou.
— Tenho certeza disso — apressou-se em responder o mr. Cardan — Acredite-me, nunca pretendi dizer isso. Nunca, palavra. Disse apenas, e garanto-lhe que com muita seriedade, que fiquei surpreso por você...
— Bem, como vê, não tive necessidade de me afastar fisicamente — explicou a srta. Thriplow. — Sempre achei que, quando se quer, é possível levar uma vida de eremita mesmo no centro de Londres ou em qualquer lugar.
— Certo — concordou o mr. Cardan. — Você está absolutamente certa.
— Ele deveria ter esperado até eu voltar — disse a sra. Aldwinkle, quase ofendida. — Ou no mínimo ter escrito um bilhete. — Olhou com raiva para a srta. Thriplow, como se fosse ela a culpada pela falta de polidez de Calamy. — Bem, preciso livrar-me destas roupas empoeiradas — acrescentou bruscamente e foi para o seu quarto. A irritação era apenas um disfarce e uma manifestação pública de sua profunda depressão. Estavam todos indo embora, pensava ela, todos a abandonavam. Primeiro Chelifer, agora Calamy. Como os outros. Chorosa, ela revia sua vida. Não só as pessoas como todas as coisas estavam sempre escorregando de seus dedos. Perdia tudo o que era realmente importante e excitante; as coisas aconteciam sempre em outro lugar, longe de sua vista. E os dias eram tão curtos e tão poucos agora. A morte se aproximava. Por que Cardan trouxera aquela terrível criatura idiota para morrer bem na sua frente? Ela não queria se lembrar da morte. A sra. Aldwinkle ergueu os ombros. Estou ficando velha, pensou; e o pequeno relógio sobre o console da lareira de seu imenso quarto repetia o refrão: ficando velha, ficando velha — a sra. Aldwinkle olhou-se no espelho — e o massageador elétrico não chegava. Já estava a caminho, é verdade, mas levaria semanas para chegar. Os correios são tão lentos... Tudo conspirava contra ela. Se o tivesse comprado há mais tempo, talvez parecesse mais jovem... Será? Ficando velha, ficando velha, ficando velha, repetia o reloginho. Em poucos dias Chelifer estaria voltando à Inglaterra; iria embora, viveria longe dela uma vida bela e maravilhosa. E ela não estaria presente. Calamy já se fora; o que estaria fazendo lá naquelas montanhas? Pensando em coisas maravilhosas, que ocultavam o segredo que ela estava buscando e nunca encontrava, os pensamentos que lhe trariam consolo e tranquilidade para aquilo que sempre necessitara. E ela jamais saberia quais eram. Ficando velha, ficando velha. A sra. Aldwinkle tirou o chapéu e jogou-o sobre a cama. Era a mulher mais infeliz do mundo.
À noite, enquanto escovava os cabelos da tia, Irene, disposta a enfrentar os perigos de suas terríveis brincadeiras, armou-se de coragem e disse:
— Jamais poderei agradecer-lhe por ter me falado sobre Hovenden.
— Falado o quê? — perguntou a sra. Aldwinkle, de cuja mente os fatos dolorosos das últimas semanas tinham obliterado as memórias mais triviais.
Irene enrubesceu. Essa pergunta não estava prevista. Seria mesmo possível que tia Lilian houvesse esquecido aqueles momentos e suas palavras memoráveis?
— Bem — começou ela, tartamudeante —, o que a senhora disse... quero dizer... quando disse que ele me olhava como se.... bem, como se gostasse de mim.
— Ah, sim — disse a sra. Aldwinkle, desinteressada.
— Lembrou-se?
— Sim, sim — concordou ela. — O que tem isso?
— Bem — continuou Irene, ainda penosamente embaraçada —, como vê... fez-me... fez-me prestar atenção, entende?
— Humm — fez a sra. Aldwinkle. Silêncio. Ficando velha, ficando velha, repetia o reloginho sem nenhum remorso.
Irene inclinou-se para a frente e subitamente começou a despejar confidências.
— Eu o amo muito, tia Lilian — falava repetidamente. — Muito, muito. Desta vez é para valer. Ele também me ama. Vamos nos casar no ano-novo, muito discretamente; sem confusão, sem muita gente metida onde não é de sua conta; discretamente, num cartório. E depois iremos com o Velox para...
— Do que é que você está falando? — vociferou a sra. Aldwinkle, furiosa, e virou para a sobrinha um rosto cuja fisionomia expressava tanta raiva que Irene afastou-se não apenas assustada mas realmente aterrorizada. — Você não está querendo dizer... — começou, mas não encontrou palavras para prosseguir. — No que os jovens tolos estiveram pensando? — explodiu finalmente.
...Velha, ficando velha; o tique-taque cruel impunha-se sobre o silêncio. O rosto infantil de Irene, antes alegre e excitado, estava agora assustado e infeliz. Ela estava pálida, os lábios trêmulos. — Pensei que a senhora ficaria contente — disse. — Ficaria muito contente.
— Contente porque vocês se comportam como tolos? — perguntou a sra. Aldwinkle, resfolegando selvagemente.
— Mas foi a senhora mesma quem sugeriu — começou Irene.
A sra. Aldwinkle interrompeu-a antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, com uma brutalidade que uma psicóloga mais prática do que Irene entenderia como mera consciência do erro.
— Absurdo — disse. — Suponho que vá dizer agora — continuou, sarcástica — que fui eu quem lhe disse para se casar com ele.
— Não, a senhora não disse isso.
— Ainda bem — seu tom de voz era de triunfo.
— Mas disse que não entendia por que eu não me apaixonava...
— Bah! — fez a tia. — Eu só estava brincando. Namorico de crianças...
— E por que não deveria me casar com ele? — perguntou Irene. — Eu o amo e ele me ama. Por que não deveria?
Por que não? Sim, era uma pergunta intrigante. Ficando velha, ficando velha, martelava o relógio no breve silêncio que se fez. Talvez a pergunta não estivesse completa. Ficando velha! Estavam todos indo embora; primeiro Chelifer, depois Calamy, agora Irene. Ficando velha, ficando velha; logo estaria completamente só. E não era apenas isso. Era também o seu orgulho que estava ferido, seu prazer de dominar que padecia. Irene fora sua escrava; ela a adorara, tomara suas palavras como leis, as opiniões como verdades evangélicas. Agora transferia sua felicidade. A sra. Aldwinkle estava perdendo um súdito para um rival mais poderoso. Isso era intolerável.
— Por que não? — A sra. Aldwinkle repetiu com ironia essa frase duas ou três vezes enquanto buscava uma resposta. — Por que não deveria se casar com ele?
— Sim, por que não? — insistiu Irene. Tinha lágrimas nos olhos; mas, apesar da infelicidade, havia uma determinação em sua atitude, obstinação no rosto e no tom da voz. A sra. Aldwinkle tinha razões para temer o rival.
— Porque você ainda é muito jovem — disse ela por fim. A resposta era pouco convincente, mas não conseguira pensar em outra.
— Mas, tia Lilian, a senhora não se lembra? Sempre disse que as pessoas deveriam se casar jovens. Lembro-me muito bem de quando conversamos sobre Julieta ter apenas catorze anos ao ver Romeu pela primeira vez. Então a senhora disse...
— Isso não tem nada a ver. — A sra. Aldwinkle interrompeu bruscamente a exposição mnemônica da sobrinha. Sempre tivera razões para se queixar da ótima memória de Irene.
— Mas a senhora disse... — começou a outra novamente.
— Romeu e Julieta eram muito diferentes de você e Hovenden — retrucou a tia. — Insisto: você é muito jovem.
— Tenho dezenove anos.
— Dezoito.
— Praticamente dezenove — insistiu Irene. — Meu aniversário será em dezembro.
— Case-se correndo e arrependa-se com calma — disse a sra. Aldwinkle, lançando mão de qualquer arma, até mesmo um provérbio. — Daqui a seis meses você voltará se lamentando, pedindo-me que a tire dessa confusão.
— Por que faria isso? — perguntou Irene. — Nós nos amamos.
— Todos eles dizem a mesma coisa. Você não conhece os homens. — A sra. Aldwinkle decidiu então mudar de tática. — E o que a deixa tão ansiosa para fugir de mim? Não pode ficar comigo mais um pouco? Serei tão intolerável, tão odiosa... e... brutal e... — ela gesticulava como se arranhasse o ar. — Será que me odeia tanto assim?
— Tia Lilian! — protestou Irene, começando a chorar.
Com a falta de tato e as atitudes desmesuradas que lhe eram tão características, a sra. Aldwinkle empilhava perguntas sobre perguntas, até conseguir estragar completamente o efeito que tencionara, tornando ridículo o que, ao contrário, deveria ser comovente.
— Você não me suporta. Eu a maltratei? Diga-me. Judiei de você, repreendi-a... não a alimentei o suficiente? Diga-me!
— Como pode dizer isso, tia Lilian? — Irene enxugou os olhos com a barra da camisola. — Como pode dizer que não a amo? A senhora sempre disse que eu deveria me casar — acrescentou, explodindo em novas lágrimas.
— Como posso dizer que você não me ama? — ecoou a sra. Aldwinkle. — Não é verdade que está querendo me abandonar o mais depressa possível? É verdade ou não? Só estou querendo saber por quê; nada mais.
— Porque eu quero me casar. Eu amo Hovenden.
— Porque você me odeia — persistiu ela.
— Eu não a odeio, tia Lilian. Como pode dizer isso? Sabe que a amo.
— Mesmo assim está ansiosa para afastar-se de mim o mais depressa possível — disse a sra. Aldwinkle. — E eu ficarei sozinha, completamente sozinha — a voz estava trêmula; ela fechou os olhos e contorceu o rosto, esforçando-se para mantê-lo fechado e rígido. As lágrimas brotavam entre as pálpebras. — Sozinha — repetia entre soluços. Ficando velha, insistia o reloginho no console, ficando velha, ficando velha...
Irene ajoelhou-se ao lado da tia, tomou-lhe as mãos entre as suas e beijou-as, pressionando-as de encontro ao rosto umedecido pelas lágrimas.
— Tia Lilian — implorava —, tia Lilian...
A sra. Aldwinkle soluçava.
— Não chore — disse Irene. Imaginava ser a única responsável pela infelicidade da tia. Na verdade, era só um pretexto. A sra. Aldwinkle chorava por toda a sua vida, lamentava a aproximação da morte. Num primeiro momento de compaixão e autorreprovação, Irene estava a ponto de declarar que desistiria de Hovenden para ficar com a tia pelo resto da vida. Mas alguma coisa a impediu. No fundo tinha certeza de que não adiantaria nada, isso era impossível, seria mesmo um erro. Ela amava tia Lilian e amava Hovenden. De certa forma, amava mais a tia do que Hovenden. Mas alguma coisa dentro dela enxergava profeticamente o futuro, algo que estava com ela havia muitas vidas, vindo dos obscuros esconderijos do tempo para habitar em seu interior e impedi-la. A parte racional e individual de seu espírito inclinava-se para a tia. Mas a consciência e a individualidade, de modo precário, quase irrelevante, floresciam das raízes ancestrais da vida, plantadas nas profundezas do seu ser! As flores eram para tia Lilian, as raízes para Hovenden.
— A senhora não ficará só — prometeu. — Nós estaremos constantemente com a senhora. Quero que venha sempre nos visitar.
A promessa não consolou muito a sra. Aldwinkle, que não parava de chorar. O relógio trabalhava tão depressa como sempre.