A solidão é uma coisa estranha.
Aproxima-se sorrateira, em silêncio, senta-se a nosso lado na escuridão, acariciando-nos o cabelo enquanto dormimos. Abraça-se aos nossos ossos, apertando tanto que quase não consegues respirar. Deixa-nos mentiras no coração, deita-se a nosso lado à noite, suga-nos a luz de cada canto. É uma companhia constante, apertando a nossa mão apenas para nos puxar para baixo quando tentamos levantar-nos.
Acordamos de manhã e questionamos quem somos. Não conseguimos adormecer à noite e trememos dentro da nossa pele. Duvidamos duvidamos duvidamos
eu
eu não
devo
porque não
E mesmo quando estamos prontos para a deixar ir. Quando estamos prontos para nos libertarmos. Quando estamos prontos para sermos novos em folha. A solidão é um velho amigo erguendo-se a nosso lado no espelho, olhando-nos nos olhos, desafiando-nos a viver a nossa vida sem ela. Não conseguimos encontrar as palavras para lutarmos contra nós mesmos, para lutarmos contra as palavras que gritam que não somos suficientemente bons que nunca o seremos nunca o seremos.
A solidão é uma companheira miserável e abjeta.
Às vezes, não nos larga. — Oláááááá?
Pestanejo e engasgo-me e afasto-me dos dedos que estalam à frente da minha cara enquanto as paredes de pedra familiares do Ponto Ómega ganham foco. Consigo virar-me.
O Kenji olha fixamente para mim.
— Que foi? — Olho-o com pânico enquanto abro e fecho as minhas mãos despidas, desejando ter alguma coisa quente para cobrir os dedos. Aquele fato não tem bolsos e não consegui salvar as luvas que arruinei no laboratório. E não me deram outras.
— Chegaste cedo — diz-me o Kenji, inclinando a cabeça e fixando em mim uns olhos ao mesmo tempo surpreendidos e curiosos.
Encolho os ombros e tento esconder a cara, não querendo admitir que mal dormi durante a noite. Estou acordada desde as 3 da manhã e, às 4, estava vestida e pronta para sair. Estava morta por um pretexto para encher a cabeça com coisas que não tenham nada a ver com os meus próprios pensamentos.
— Estou entusiasmada — minto. — O que vamos fazer hoje?
Abana a cabeça um pouco. Semicerra os olhos sobre o meu ombro enquanto fala comigo.
— Tu… humm… — Pigarreia. — Sentes-te bem?
— Sim, claro.
— Humm.
— Que foi?
— Nada — apressa-se a dizer. — É só… Tu sabes. — Um dedo distraído apontando-me a cara. — Não estás com grande cara, princesa. É mais ou menos a cara que tinhas no dia em que chegaste à base com o Warner. Assustada, mortiça e, sem ofensa, mas pareces alguém que precisa de um banho.
Sorrio e finjo que não sinto a cara palpitando com o esforço. Tento descontrair os ombros, tento parecer normal, calma, quando digo:
— Estou bem. A sério. — Baixo o olhar. — É só que… Faz um bocado de frio aqui em baixo. Não estou habituada a andar sem luvas.
O Kenji acena com a cabeça e continua sem olhar para mim.
— Certo. Bom. Ele vai ficar bem, sabes?
— O quê? — Respirar. Sou tão má a respirar.
— O Kent. — Olha-me. — O teu namorado. O Adam. Vai ficar bem.
1 palavra, 1 simples e estúpida
A recordação dele sobressalta as borboletas que dormem no meu estômago até me lembrar de que o Adam já não é o meu namorado. Já não é o meu tudo. Não pode ser.
E as borboletas caem mortas.
Isto.
Não consigo fazer isto.
— Então — digo, exagerando na animação. — Não devíamos começar? Devíamos começar, certo?
O Kenji olha-me com estranheza, mas não comenta.
— Sim — diz. — Sim, claro. Segue-me.