Vislumbro o relógio na parede e percebo que são só 2 da tarde.
O que significa que as 6 da manhã ficam a 16 horas de distância.
O que significa que tenho muitas horas para ocupar.
O que significa que preciso de me vestir.
Porque preciso de sair dali.
E preciso mesmo de falar com o Adam.
— Juliette?
Salto para fora da minha cabeça e regresso ao presente, vendo a Sonya e a Sara a olharem fixamente para mim.
— Podemos trazer-te alguma coisa? — perguntam. — Sentes-te suficientemente bem para sair da cama?
Mas movo o olhar de um par de olhos para o outro e, em vez de responder às perguntas delas, sinto uma vergonha esmagadora cravar-se na minha alma e não consigo evitar regressar a uma outra versão de mim mesma. Uma rapariguinha assustada que quer continuar a dobrar-se ao meio até ninguém conseguir encontrar-me.
Não paro de dizer:
— Desculpem. Sinto muito. Sinto muito por tudo, por tudo isto, pelos problemas todos, por todos os estragos. A sério, sinto tanto…
Ouço-me a continuar sem parar e não consigo fazer-me parar.
É como se um interruptor no meu cérebro estivesse partido, como se tivesse contraído uma doença que me obriga a pedir ajuda por tudo, por existir, por querer mais do que me deram, e não consigo parar.
É o que faço.
Estou sempre a pedir desculpa. Eternamente. Por quem sou e pelo que nunca quis ser e por este corpo com que nasci, por este ADN que nunca pedi, por esta pessoa que nunca deixei de ser. Passei 17 anos a tentar ser diferente. Todos os dias. A tentar ser outra pessoa para alguém.
E parece que nunca importa.
A seguir, percebo que falam comigo.
— Não tens de pedir desculpa…
— Por favor, não faz mal…
Tentam as duas falar connosco, mas a Sara está mais próxima.
Atrevo-me a olhá-la e surpreende-me ver como os seus olhos são meigos. Delicados e verdes e semicerrados pelo sorriso. Senta-se na minha cama do lado direito. Toca-me no braço exposto com a mão enfiada na luva de látex, sem medo. Sem vacilar. A Sonya ergue-se ao lado dela, olhando-me como se estivesse preocupada, como se estivesse triste por mim e não passo muito tempo a pensar nisso porque estou distraída. Sinto o perfume do jasmim que enche o quarto, como enchia na primeira vez que ali entrei. Quando chegámos ao Ponto Ómega. Quando o Adam estava ferido. A morrer.
Morria e salvaram-lhe a vida. Estas 2 raparigas à minha frente. Salvaram-me a vida e vivo com elas há 2 semanas e percebo, naquele momento, a que ponto tenho sido egoísta.
E decido tentar palavras novas.
— Obrigada — sussurro.
Sinto que começo a corar e espanta-me a minha incapacidade para ser tão livre com palavras e sentimentos. Espanta-me a minha incapacidade para fazer conversa, conversa fluida, para preencher silêncios desconfortáveis com palavras vazias. Não tenho um armário cheio de «humms» e reticências preparados para inserir no início e no fim das palavras. Não sei ser um verbo, um advérbio, um atributo qualquer. Sou um substantivo por inteiro.
Tão cheia de pessoas sítios coisas e ideias que não sei sair da minha própria cabeça. Ou como começar uma conversa.
Quero confiar, mas sinto arrepios.
Então, recordo a minha promessa ao Castle e a minha promessa ao Kenji e as minhas preocupações com o Adam e penso que talvez deva correr o risco. Talvez deva tentar encontrar um novo amigo ou 2. E penso como seria maravilhoso ter uma amiga. Uma rapariga como eu.
Nunca tive uma dessas.
Portanto, quando a Sonya e a Sara sorriem e me dizem que ficam «felizes por ajudar» e que posso chamá-las «quando quiser» e que estarão sempre por ali se «precisar de falar com alguém», digo-lhes que isso me agradaria muito.
Digo-lhes que isso me agradaria mesmo muito.
Digo-lhes que adoraria ter um amigo com quem falar.
Talvez algum dia.