—O quê? — O Kenji parece ter perdido as forças. A sua voz é um gemido horrorizado. — Quem? Como…?
— O Winston e o Brendan faziam a patrulha à superfície esta noite. — O Castle abana a cabeça. — Não sei o que aconteceu. Devem ter sido emboscados. Estavam longe demais, fora de alcance, e as imagens das câmaras de segurança só nos mostram que o Emory e o Ian viram algo e foram investigar. Não vemos mais nada nas gravações depois disso. O Emory e o Ian também não regressaram.
O Kenji voltou a sentar-se e escondeu a cara nas mãos. Olha para cima com uma esperança súbita.
— Mas o Winston e o Brendan… talvez consigam encontrar uma saída, não? Podem fazer alguma coisa… Têm os dois poder suficiente para pensar em alguma coisa.
O Castle dirige ao Kenji um sorriso compreensivo.
— Não sei para onde os levou ou como estão a ser tratados. Se os tiver espancado ou se já os tiver… — hesita. — Se já os tiver torturado ou alvejado… Se sangrarem até à morte… não conseguiriam resistir. E, mesmo que conseguissem os dois salvar-se — diz, após um momento —, não deixariam os outros para trás.
O Kenji pressiona os punhos contra as coxas.
— Então quer falar. — É a primeira vez que o Adam diz uma palavra.
O Castle acena com a cabeça.
— A Lily encontrou isto no sítio onde desapareceram. — Atira-nos uma pequena mochila e alternamos entre nós a revirar o interior. Contém apenas os óculos partidos do Winston e o rádio do Brendan. Cobertos de sangue.
Preciso de garrar as mãos para impedir que tremam.
Começava a conhecer aqueles tipos. Tinha acabado de conhecer o Emory e o Ian. Começava a aprender a construir amizades, a sentir-me confortável com as pessoas do Ponto Ómega. Tinha acabado de tomar o pequeno-almoço com o Brendan e o Winston. Olho para o relógio na parede do Castle. São 3:31 da manhã. Vi-os pela última vez há 20 horas.
O Brendan fez anos na semana passada.
— O Winston sabia — ouço-me dizer em voz alta. — Sabia que alguma coisa estava mal. Sabia que se passava alguma coisa com aqueles soldados todos por toda a parte…
— Eu sei — diz o Castle, abanando a cabeça. — Tenho lido e relido todos os relatórios dele. — Aperta a cana do nariz entre o polegar e o indicador. Fecha os olhos. — Tinha começado a juntar os indícios. Mas era tarde demais. Eu cheguei tarde demais.
— Que acha que planeavam? — pergunta o Kenji. — Tem uma teoria?
O Castle suspira. Afasta as mãos da cara.
— Bom… agora sabemos por que motivo o Warner saía todas as noites com os soldados… e como pôde deixar a base durante tanto tempo durante tantos dias.
— O pai dele — diz o Kenji.
O Castle acena com a cabeça.
— Sim. Penso que terá sido o próprio supremo a ordenar ao Warner que saísse. Depois, quis que começasse a procurar-nos de forma mais agressiva. Sempre soube da nossa existência — diz-me o Castle. — Nunca foi um homem estúpido, o supremo. Sempre acreditou nos rumores a nosso respeito. Sempre soube que estávamos aqui. Mas nunca antes fomos uma ameaça para ele. Até agora — diz. — Porque agora que os civis falam em nós, isso perturba o equilíbrio do poder. O povo sente uma nova energia… Procura esperança na nossa resistência. E isso é um risco que o Restabelecimento não pode correr agora. Seja como for — continua. — Penso que é claro que não conseguiram encontrar a entrada do Ponto Ómega e se contentaram em levar reféns, esperando forçar a nossa saída. — O Castle tira um pedaço de papel da pilha. Ergue-o. Tomou notas. — Mas há condições — diz. — O supremo deu-nos instruções muito específicas sobre como deveremos proceder.
— E? — O Kenji ficou rígido.
— Irão os três. Sozinhos.
Merda.
— O quê? — O Adam abre a boca de espanto enquanto olha para o Castle. — Porquê nós?
— Não pediu para me ver a mim — diz o Castle. — Não é em mim que está interessado.
— E vai aceitar isso? — pergunta o Adam. — Vai atirar-nos para as mãos dele?
O Castle inclina-se para diante.
— Claro que não.
— Tem um plano? — pergunto.
— O supremo quer encontrar-se convosco exatamente ao meio-dia amanhã… Bom, hoje, tecnicamente… num local específico em terreno desregulado. — Os detalhes estão no papel. — Inspira fundo. — E, mesmo que saiba que isto é exatamente o que quer, penso que devemos estar todos preparados para ir. Devemos avançar juntos. Afinal, é para isto que temos treinado. Sem dúvida que as suas intenções são más e duvido muito que vos convide para conversar enquanto tomam chá. Por isso, acho que devíamos estar preparados para nos defendermos de uma ofensiva. Imagino que os homens dele estarão armados e prontos para lutar e eu estou absolutamente preparado para comandar os meus em batalha.
— Então somos o isco? — pergunta o Kenji, franzindo a testa. — Nem sequer podemos lutar… Somos só a distração?
— Kenji…
— Isto é uma treta — diz o Adam e surpreende-me ver tanta emoção nele. — Tem de haver outra forma. Não devíamos jogar pelas regras dele. Devíamos aproveitar esta oportunidade para lhes montarmos uma cilada ou… não sei… criar uma distração para sermos nós a atacá-los! Raios, não há ninguém que consiga irromper em chamas ou coisa parecida? Não temos alguém capaz de fazer alguma coisa suficientemente maluca para deitar tudo por terra? Para nos dar a vantagem?
O Castle vira-se para olhar fixamente para mim.
O Adam parece prestes a esmurrar o Castle na cara.
— Está louco…
— A resposta é não — diz. — Não temos mais ninguém capaz de fazer alguma coisa tão… avassaladora.
— Acha que tem graça? — replica o Adam.
— Receio que não estivesse a tentar ser engraçado, Sr. Kent. E a sua raiva não ajuda a nossa situação. Pode decidir não participar, se preferir, mas… com todo o respeito… pedirei a ajuda da menina Ferrars nesta questão. É ela a única que o supremo quer ver realmente. Enviar-vos aos dois com ela foi ideia minha.
— O quê?
Ficamos os 3 atordoados.
— Porquê eu?
— Gostava muito de poder dizer-vos — responde o Castle. — Gostava de saber mais. Neste momento, posso apenas extrapolar a partir da informação que tenho e tudo o que concluí até agora foi que o Warner cometeu um erro gritante que precisa de ser corrigido. De alguma forma, conseguiu ser apanhada no meio. — Uma pausa. — O pai do Warner — diz ele — solicitou-a a si muito especificamente em troca dos reféns. Diz que, se não chegar à hora combinada, matará os nossos homens. E não tenho motivos para duvidar da sua palavra. Assassinar inocentes é algo que faz com muita naturalidade.
— E permite que a envolvamos nisto! — O Adam atira ao chão o caixote do lixo enquanto se levanta. — Nem sequer diria nada? Deixaria que partíssemos do princípio de que ela não é um alvo? Está louco?
O Castle esfrega a testa. Inspira algumas vezes para se acalmar.
— Não — diz, com voz contida. — Não a deixaria envolver-se em nada. O que digo é que lutaremos todos juntos, mas vocês os dois acompanharão a menina Ferrars. Já trabalharam os três juntos e tanto você como o Kenji têm treino militar. Estão mais familiarizados com as regras, as técnicas e a estratégia que poderão empregar. Ajudarão a mantê-la segura e a assegurar o elemento surpresa. A vossa presença pode dar-nos a vantagem nesta situação. Se a quer assim tanto, terá de encontrar uma forma de vos enfrentar aos três…
— Ou… sabe, sei lá — diz o Kenji, fingindo indiferença —, que talvez nos dê um tiro na cara a cada um e arraste a Juliette com ele quando estivermos suficientemente mortos para o impedir.
— Não faz mal — digo. — Faço-o. Eu vou.
— O quê? — O Adam olha para mim enquanto o pânico o força a arregalar os olhos. — Juliette… não…
— Sim, talvez queiras pensar nisto por um segundo — interrompe o Kenji, parecendo um pouco nervoso.
— Não precisam de vir se não quiserem — digo-lhes. — Mas eu vou.
O Castle sorri, com alívio visível na cara.
— É para isto que aqui estamos, certo? — Olho em redor. — Temos de lutar. Esta é a nossa oportunidade.
O Castle sorri. Nos seus olhos há um brilho que talvez seja orgulho.
— Estaremos consigo em cada passo, menina Ferrars. Pode contar com isso.
Aceno com a cabeça.
E percebo que será provavelmente aquilo o que estou destinada a fazer. Talvez seja exatamente por aquilo que aqui estou.
Talvez deva apenas morrer.