Capítulo Dez
A JORNADA para Hastings foi realizada com facilidade, com a estrada de Winchelsea consertada e aberta novamente para a passagem de carruagens. Não havia uma festa de recepção para Eve quando chegou à cidade, e a estrada para o pequeno porto era esburacada e ruim. No momento que Richard Granby lhe abriu a porta da carruagem, ela o olhou.
– Não há nada aqui, exceto barcos de pesca. Diga-me, sr. Granby, onde estão os conhecidos de negócios que meu marido estava visitando?
A fisionomia impassível do pajem não mudou.
– Não posso dizer, senhora.
Eve puxou o véu sobre o rosto.
– Bem, ajude-me, Granby. Nós devemos continuar com essa farsa, embora não haja ninguém aqui para testemunhar.
– Oh, acho que você está errada quanto a isso, senhora – murmurou Granby, dando-lhe a mão. Ele gesticulou a cabeça na direção de um grupo de pescadores, que estavam consertando suas redes no abrigo de um barco virado de ponta-cabeça. Eve os tinha visto olhando para a carruagem, e quando ela desceu, um dos homens aproximou-se, puxando seu chapéu com dedos nodosos.
– Perdão, senhora, nós a vimos descendo a estrada e pensamos… bem, vendo suas roupas de luto… pensamos se, por acaso, você seria a viúva do capitão? Capitão Wyldfire?
Eve olhou na direção de Granby, e, como se estivesse ciente dos olhos dela através do véu grosso, ele assentiu com um movimento discreto da cabeça. Ela se voltou para o pescador.
– Sim, sou – respondeu suavemente. – Você… conhecia meu marido?
Um sorriso amplo, revelando dentes pretos, foi esboçado no rosto enrugado pelo tempo.
– Sim, senhora. Nós todos conhecíamos o capitão Wyldfire. Um bom marinheiro ele era, da marinha do rei, nada menos, e um homem muito generoso também, sempre pronto para nos pagar bebidas no Stag por uma noite. Ele nos disse que viria aqui para levar embora os vilões que estavam vendendo smouch para nós como se fosse chá de verdade. – O sorriso desapareceu e ele balançou a cabeça. – Foi um dia triste quando o capitão se afogou, senhora. Todos nós ficamos tristes de ver o fim de um homem tão corajoso.
O coração de Eve parou de bater por um segundo.
– Você estava com ele, então? Viu meu marido na noite que ele… ele…
– Que Deus a abençoe, senhora, foi meu barco que o capitão usou naquela noite, o Sally-Ann. Queria chegar perto de um veleiro que estava indo para Hastings, sabe?
– E o que aconteceu?
– Oh, nós chegamos perto, perto o bastante. O capitão e alguns de nós já estávamos a bordo do veleiro, sendo amigáveis e fingindo que estávamos interessados em parte da carga deles, mas o barco costeiro subiu muito cedo. Havia pouca neblina, e quando avistaram meu barco, deram o grito de alerta, sabendo que tinham sido enganados. Eles nos atacaram. O capitão foi rápido, deu o sinal para a retirada e nos colocou seguramente a bordo de Sally-Ann de novo, mas um dos vilões apontou sua arma para o capitão, e atirou antes que pudesse escapar. Foi assassinado. Caiu na água sem um murmúrio.
– E vocês não tentaram encontrá-lo, recuperar o corpo dele?
– É claro que tentamos, mas não havia sinal dele e nós tínhamos de navegar, pois o mar estava nos carregando em direção às pedras de Nore. Já começava a escurecer, e com o veleiro cheio de armas, nós decidimos ir para a praia. O barco costeiro procurou o capitão, mas não por tempo o bastante. – O pescador mostrou seu desprezo pelos esforços deles, virando a cabeça para cuspir. – A guarda costeira pode ter assustado os vilões e os expulsado por enquanto, mas eles voltarão, especialmente agora que sabem que o capitão não está aqui para intimidá-los. – O pescador meneou a cabeça, e disse num tom de voz saudoso: – Sim, o capitão Wyldfire era um grande homem, sempre alegre e corajoso, procurando excitação ou qualquer tipo de confusão. Temos observado as praias todos os dias desde então, senhora, esperando que as ondas tragam seu corpo, para que possamos dar-lhe um enterro cristão em All Saints. E ainda há tempo. Continuaremos de olho, não se preocupe.
– Obrigada. – Eve abriu sua bolsa e tirou um punhado de moedas, pressionando-as na mão do homem. – Quando você e seus companheiros forem ao Stag esta noite, façam um brinde em nome da memória do meu marido.
Novamente, Eve ganhou o sorriso que revelava dentes pretos.
– Bem, senhora, isso é muita generosidade sua, muita generosidade. O tipo de coisa que o capitão aprovaria, se não se importa que eu fale. – O pescador puxou o chapéu mais uma vez e virou-se para o pequeno grupo atrás dele.
– Levantem-se, homens, levantem-se e prestem seus respeitos para a viúva de Wyldfire!
Tirou o chapéu, enquanto Eve se virava para a carruagem.
– De volta para Monkhurst, senhora? – perguntou Granby, segurando a porta aberta.
– Sim, por favor. Mas iremos parar na igreja, antes de sairmos de Hastings, eu acho.
A IGREJA All Saints ficava localizada na extremidade leste da cidade, bem acima do porto, e era cercada por seu cemitério. Quando Eve desceu da carruagem, um calafrio a percorreu ao pensar que ali era onde Nick poderia estar enterrado. O vento soprou da costa, movendo seu chapéu, e levantando o véu de seu rosto. Ela o colocou de volta e respirou o ar marítimo.
– O que há além daquelas casas? – perguntou ela para Granby, apontando para um grupo de construções e para a pequena alameda mais à frente da igreja.
– Campos, senhora, e o penhasco.
– O penhasco dá vista para as pedras que o pescador mencionou?
– As pedras de Nore? Sim, senhora.
– Então vamos lá.
Eve atravessou o cemitério e passou pelo pequeno portão a caminho do campo. Encontrou-se numa alameda que corria entre fileiras de pequenas casas em situação precária. Mulheres malvestidas e crianças descalças a olhavam com expressões hostis enquanto passava, e Eve ficou aliviada que Granby a estava seguindo de perto. Quando emergiram da alameda numa campina aberta, não havia abrigo das forças da natureza, e Eve foi parada abruptamente pelo vento forte da praia. A rajada a atingiu sem piedade, movendo seu casaco e suas saias, e ela levou uma das mãos à cabeça, para segurar o chapéu. Granby parou ao seu lado.
– Permita-me, senhora.
Eve lhe pegou o braço e, juntos, andaram em direção à extremidade do penhasco, até que pudessem ver a água marrom agitada estourando em espuma branca contra as pedras abaixo.
– Se a noite anterior não tivesse acontecido – observou Eve –, se nós não tivéssemos parado em Mermaid, suponho que você teria me contado uma lorota sobre os amigos do meu marido terem deixado Hastings a estas alturas.
– Teria sido obrigado a pensar em alguma coisa, sra. Wylder.
– Então você é um patife completo – disse ela. – Agora, afaste-se e me permita um momento sozinha para contemplar meu destino.
– Por favor, não chegue muito perto da extremidade, senhora!
Eve gesticulou uma das mãos para mandá-lo embora. Ficou parada por um momento, olhando para as águas acinzentadas enquanto o vento levantava suas saias. Pensou em como sua vida tinha mudado. Não era mais a queridinha do vovô, vivendo protegida e segura em Makerham. Era uma mulher casada agora, e não havia volta. Nick se casara por Monkhurst, todavia, o que mais queria dela? O seu casamento seria de conveniência? Seria instalada em uma das casas dele, e deixada lá para cuidar da propriedade, enquanto ele ia em busca de aventura? Eve endireitou os ombros e estreitou os olhos contra o vento. Não tinha ideia do que o futuro lhe reservava, mas quanto ao presente… bem, tinha um papel a representar. Era viúva. A imagem de como ela o vira pela última vez surgiu em sua mente, com Nick usando seu velho casaco de lã, com toda a segurança e arrogância de um pirata. Ela era a viúva do capitão Wyldfire.
– O QUE vou fazer agora? – Evelina estava de pé na sala de visitas e olhou ao seu redor. Tinha voltado a Monkhurst excitada com o pensamento de fazer sua parte na aventura de Nick, mas agora, quando o silêncio confortável da velha casa se instalou à sua volta, achou difícil acreditar que alguma coisa excitante aconteceria lá. Virou-se para olhar para Granby, que a seguira para dentro da sala.
– Não tenho dúvida que seu amo acha que estou segura aqui, fora do caminho, enquanto ele vai atrás de jogos perigosos.
– Está preocupado com seu bem-estar, senhora. Era o desejo do capitão que você fosse para o norte, para a família dele, onde certamente seria protegida.
– E você me culpa, Granby? Acha que estou errada em não aceitar o conselho dele?
– Não ousaria criticar as suas ações, senhora.
– Ora, ora, você me critica com cada olhar! – exclamou ela. Com um suspiro, sentou-se numa poltrona e abaixou a cabeça nas mãos.
– Senhora, eu… – Granby parou. Ela o ouviu dando alguns passos na sala antes que recomeçasse, a voz desprovida de emoção: – O capitão Wylder me ordenou que permanecesse com você, e sei que ele acha que estaria mais segura em Wylderbeck Hall. Naturalmente, sempre faço o possível para cumprir as ordens dele, mas admito que neste caso, eu não estava… infeliz… por permanecer em Kent.
Ela levantou a cabeça.
– Obrigada, sr. Granby – disse Eve suavemente. – Nenhum de nós quer estar muito longe dele, certo?
– Certo, senhora.
As palavras de Nick voltaram para ela. Ter você por perto será um conforto para mim. Aquilo era uma migalha de consolo, e deu novo ânimo a Eve. Ela se levantou.
– Bem, não há razão para que nós não sejamos úteis aqui, enquanto esperamos que esta missão do meu marido chegue ao fim! Podemos pelo menos transformar Monkhurst num lar novamente. – Ela desamarrou seu chapéu e segurou-o de lado. – Posso ter de bancar a viúva de luto, mas não há motivo para que eu não seja ativa dentro de minha própria casa!
DURANTE A semana que se seguiu, Evelina descobriu um escape para suas energias presas, tornando a velha casa confortável. Aceitou a oferta de Richard Granby para agir como seu “faz-tudo”, até que Nick retornasse e concordasse que Aggie levasse mais garotas do vilarejo para ajudá-la com a limpeza. Num esforço de impedir que Silas e os filhos voltassem a fazer contrabando, deu-lhes o trabalho de consertar janelas e cuidar do jardim. A própria Eve pôs um velho vestido de algodão e se juntou à Martha no sótão. Separaram muitos móveis quebrados, a maioria que só prestava para o fogo, mas algumas das melhores peças foram enviadas para o andar de baixo, a fim de serem usadas na casa. Era um trabalho duro, mas ajudava a preencher seus dias, e à noite, sentia-se tão cansada que dormia assim que se deitava na cama. Uma vez que o sótão estava limpo, Eve voltou sua atenção para os baús estocados lá. Eles estavam repletos de linho e tecidos finos, cuidadosamente empacotados por algum dono anterior, e Eve anotou os conteúdos do baú para uso futuro. Havia um baú, contudo, que a fez gritar em deleite, fazendo Martha se aproximar para inspeção.
– Eu me lembro deste! – exclamou ela, deslizando as mãos sobre o topo amassado. – Ficava no quarto de mamãe.
– Ora, srta. Eve – discordou Martha. – Você certamente não pode se lembrar de algo que aconteceu tanto tempo atrás.
– Bem, ela está certa – concordou Aggie, que tinha subido para ajudá-las a vasculhar os baús. – Este baú ficava sob a janela no quarto da ama.
– Sim! – exclamou Eve, de maneira empolgada. – Tinha almofadas no topo, como um assento de janela. Veja, tem as iniciais de mamãe na tampa: H. W. … Helena Wingham.
Aggie estendeu a mão enrugada e traçou as letras. Então deu um suspiro alto.
– Eu me recordo do pai da srta. Helena lhe dando o baú quando ela era uma menina, e ela sempre o manteve no quarto desta casa, mesmo depois que se casou e não podia vir aqui com tanta frequência. Quando seus pais morreram, Sir Benjamin levou todos os objetos pessoais deles para Makerham e fechou a casa. Se ele deixou este baú para trás, não deve conter nada de valor.
– Nós precisamos abri-lo – disse Eve. – Está trancado. Tente suas chaves, Aggie; uma delas deve servir.
Depois de 15 minutos sem resultados, foram forçadas a admitir que nenhuma das chaves da governanta abriria o baú.
– Nós poderíamos quebrar a fechadura – ofereceu Martha.
– Não. Havia algumas chaves velhas na escrivaninha de mamãe – disse Eve. – Eu as vi quando estava procurando um selo para pôr na carta que enviarei para meu primo. Não lhe contei, Martha, mas recebi uma carta dele ontem, uma tão lisonjeira, se desculpando por ter me assustado e me feito ir embora de Makerham, e perguntando se poderia me visitar aqui, em Monkhurst.
Martha bufou.
– Espero que você tenha lhe dito que isso não é possível.
– Disse. Deixei muito claro que não o quero diante de minha vista.
– Você fez muito bem, srta. Eve. O sr. Granby lhe dará um tratamento rude se ele se aproximar desta casa, pode ter certeza, senhorita. Contei a ele como Bernard estava tentando seduzi-la, quando você acabara de descobrir que o amo tinha morrido afogado.
Eve deu um olhar de aviso para sua criada.
– Sim, bem, se meu primo decidir visitar Monkhurst, irei contar com Granby e Silas para mandá-lo embora. E falando nestes dois, você acha que poderia ir encontrá-los agora, Martha, e pedir que levem este baú para meu quarto no andar de baixo? Então podemos experimentar as chaves que achei.
O baú logo foi carregado para baixo. Martha e a governanta acompanharam o processo, com Aggie declarando que Eve não deveria estar perdendo tempo com tais bobagens.
– O conteúdo do baú será de velhas quinquilharias, marque minhas palavras – disse ela, balançando a cabeça enquanto Eve vasculhava as gavetas da pequena escrivaninha.
– Talvez, mas quero ter certeza. Sei que vi as chaves em algum lugar… ah, aqui estão elas. – Ela puxou um pequeno molho de chaves do fundo de uma gaveta e ergueu-o no ar, sorrindo de modo triunfante. – Agora poderemos ver! – Selecionou a chave mais provável e enfiou-a na fechadura, enquanto Aggie resmungava sua desaprovação. No começo, a chave não se moveu, mas Eve encaixou-a melhor e tentou novamente. Desta vez, ela virou com um suave rangido.
– Você conseguiu, srta. Eve! – declarou Martha boquiaberta quando Evelina levantou a tampa.
– Aí está – disse Aggie, espiando dentro do baú. – O que eu falei? Cheio de roupas velhas. Deixe isto, senhora.
Eve a ignorou e continuou manuseando os conteúdos.
– Não entendo. – Ela franziu o cenho. – Sei que este era o baú de minha mãe – murmurou, removendo um velho casaco marrom de dentro. – Mas este é um casaco de homem, pequeno demais para pertencer ao meu pai.
– Agora, srta. Eve, largue isto – exclamou Aggie, quando Eve puxou mais roupas para fora.
– Camisas, meias, calças… e um par de botas.
– Os pertences do ajudante do estábulo, talvez – ofereceu Martha.
Eve pegou uma das botas e segurou-a contra seu próprio pé delicado. Excitação a percorreu.
– Sabe o que acho? – disse ela suavemente. – Acho que estas roupas pertenciam à mamãe.
Martha riu.
– Agora perdeu o juízo, senhorita? São roupas de homem.
– Acho que não. – Eve fixou os olhos na velha governanta, que se movimentou desconfortavelmente. – E então, Aggie?
– Por que eu deveria saber alguma coisa sobre isso, senhorita?
– Porque você morou em Monkhurst durante toda sua vida. Estava aqui quando mamãe visitou a casa quando criança, e a viu crescer. Posso ver em sua expressão que você sabe de alguma coisa. – Eve se levantou e pegou as mãos da mulher idosa. – Por favor, conte-nos, Aggie.
– Não, senhorita, não é nada. Está tudo no passado. Esqueça isso – implorou ela, o semblante angustiado.
– Não, eu insisto. – Eve sacudiu-lhe as mãos de leve. – Conte-me, Aggie. Quando mamãe usou estas roupas?
– Talvez estas roupas fossem fantasias – sugeriu Martha, com olhos arregalados.
Eve meneou a cabeça e manteve seu olhar fixo na governanta.
– Não, eu não acredito nisso. Então, Aggie?
A mulher idosa a olhou, leu a determinação no rosto dela e cedeu:
– A ama às vezes saía nestas roupas. – Ela pausou, parecendo desconfortável, mas o olhar de Eve não vacilou, e Aggie acrescentou num sussurro: – À noite. Ela saía com os rapazes, os comerciantes livres.
Eve bateu palmas.
– Eu sabia! Era contrabandista.
– Não! – declarou Aggie, chocada. – Sua mãe ficaria ofendida em ouvi-la falando assim. Sempre houve mercado entre aqui e o continente. Silas e os outros rapazes do vilarejo traziam algumas garrafas de aguardente de vez em quando. Apenas coisas pequenas… nós não tínhamos nada a ver com os grandes barcos levando chá e bebida para as cidades pequenas, apenas trazíamos o suficiente para uso local. Todos sabiam sobre isso, e a srta. Helena também descobriu numa de suas visitas para cá com a família. Conseguia tudo que queria de Silas. Ele a adorava, então, quando ela quis acompanhá-los, ele não conseguiu impedi-la, pois jamais contaria o que estava acontecendo para sr. Wingham. Afinal de contas, eram apenas os moços locais viajando para fazer seu mercado, não uma das gangues cruéis que cortariam seu pescoço assim que olhassem para você.
– E ela parou de acompanhá-los depois que estava casada?
– É claro. Ela desistiu de tudo quando se tornou a sra. Shawcross.
Eve olhou para o retrato de sua mãe. Estudando o rosto sorridente, pensou agora que podia detectar um brilho naqueles olhos escuros que não notara antes. Riu subitamente.
– Talvez eu não seja uma parceira tão fraca para o capitão Wyldfire, afinal de contas!
– Perdão, senhorita? – disse Martha.
Eve balançou a cabeça, sorrindo de maneira travessa. Começou a guardar as roupas de volta no baú.
– Está quase na hora do jantar e este é um trabalho no meio de tanta poeira que acho que vou tomar um banho, Aggie. Continuaremos a mexer nos baús amanhã.
TODAVIA, NA manhã seguinte, Evelina mal tinha acabado de se levantar da mesa do café da manhã quando Granby entrou para lhe dizer que tinha uma visita.
– Lady Chelston está aqui, senhora. Eu a levei para a sala matinal.
Eve olhou para ele.
– Lady Chelston! O que, em nome de Deus, pode querer comigo?
– Oferecer-lhe as condolências, talvez? – sugeriu ele suavemente.
Ela engoliu em seco.
– E você acha que devo recebê-la? – O olhar sério de Granby deu a resposta a Eve. – Oh, céus! – Ela mordeu o lábio. – Suponho que tenho de ir, mas eu não a receberei usando este vestido velho! Volte à sala matinal, Granby, e diga-lhe que logo estarei com ela… e se ela protestar e não esperar enquanto eu troco de roupa, então melhor ainda.
Quando Eve entrou na sala matinal, aproximadamente vinte minutos depois, encontrou sua visita sentada calmamente, folheando uma das revistas que Eve havia deixado sobre a pequena mesa lateral. Eve adentrou a sala em silêncio, passando as mãos sobre as saias pretas pesadas de seu traje de luto. Não usava enfeites, exceto pela aliança de ouro do casamento, e seus cabelos estavam cobertos por um chapéu de renda preta.
– Lady Chelston. Sinto muito por tê-la feito esperar. – Eve fez uma pequena cortesia, antes de erguer os olhos para observar sua visitante.
Catherine Chelston era uma mulher alta e magra. Seu rosto, um dia bonito, tinha muitas rugas, as quais não combinavam com os cachos pretos que saíam de baixo do chapéu largo. Seu vestido verde farfalhou quando correu na direção de Eve, estendendo os braços e murmurando impetuosamente:
– Oh, minha pobre criança, tão linda, tão parecida com sua querida mãe.
Eve piscou.
– A senhora… conheceu minha mãe?
– Sim, sim. Isso foi muitos anos atrás, é claro, e nós perdemos contato depois que estávamos casadas. Quando soube que você tinha vindo para morar em Monkhurst, determinei-me a vir lhe fazer uma visita e me apresentar para você. E oferecer minhas condolências. Perder seu avô e seu marido num período de tempo tão curto foi uma tragédia tão grande, minha querida.
– Nós suportamos a dor da melhor maneira possível, senhora. – Eve recolheu as mãos num movimento gentil, e gesticulou para que sua visitante se sentasse. – Parece que as notícias correm depressa por aqui.
Lady Chelston riu suavemente.
– É assim mesmo em áreas campestres, e vizinhos devem oferecer uns aos outros o máximo consolo que puderem.
– Oh? Então nós somos vizinhas?
Novamente, aquela risada suave, confiante.
– Chelston Hall não fica a muito mais que vinte quilômetros daqui, e numa área onde há tão poucas boas famílias; não gostaria de ser negligente em minhas atenções.
Eve inclinou a cabeça. Não sabia como responder, mas foi poupada da necessidade de dar uma resposta, pois lady Chelston continuou após uma pequena pausa para respirar:
– A propósito, minha querida, quem é aquele jovem encantador que me trouxe para esta sala? Não é seu mordomo, presumo.
– Não, aquele é sr. Granby. Era o pajem de meu marido, e concordou em ficar comigo – explicou Eve, decidindo que seria melhor ser o mais sincera possível. – Ainda não organizei minha residência aqui, e Granby é muito útil. Apesar de não ser mordomo, faz este papel muito bem.
– É certamente muito formoso – murmurou Lady Chelston, os olhos semicerrados. – Quando você terminar com ele, querida, envie-o para mim, e lhe encontrarei um trabalho em minha casa. Gosto de ser cercada por jovens atraentes. Oh, eu a choquei? Desculpe-me, sra. Wylder, deixei minha língua correr solta, mas você se parece tanto com sua santa mãe que esqueci que não estava falando com ela.
– A senhora… conhecia bem minha mãe?
– Oh, sim, nós éramos grandes amigas. Helena e eu fomos à escola juntas, sabe? Éramos ambas levadas, sempre entrando em encrencas. Era difícil saber qual de nós era a líder! Fiquei muito surpresa quando Helena se casou com Shawcross… era um cavalheiro tão quieto, nada como eu imaginei que ela… – Lady Chelston parou subitamente e sorriu. – Mas estou tagarelando sem parar, e você deve estar querendo me ver longe daqui.
– De modo algum, senhora – murmurou Eve educadamente.
– Agora, minha pobre sra. Wylder, você está aqui, sozinha, sem família, sem amigos…
– Tenho muitas pessoas leais ao meu redor. – Eve foi rápida em corrigi-la, mas lady Chelston meramente gesticulou uma mão no ar, dispensando seu comentário.
– Criados. Isso não é a mesma coisa, em absoluto. A vida pode ser muito solitária aqui no pântano. Entendo que você queira viver na tranquilidade, mas não lhe fará bem algum se tornar uma eremita. Sei o que você deve fazer… deve viajar para Chelston Hall e ficar na minha casa! Há quartos vagos lá, e você será muito bem-vinda.
– Isso é muita gentileza, lady Chelston, mas…
– Melhor ainda – continuou ela, ignorando a interrupção –, você deve se juntar ao meu grupo de hóspedes! Eu tenho amigos que virão se hospedar comigo para a festa que darei, com duração de uma semana, e será a coisa perfeita para você ter companhia. Haverá um baile de máscaras, também, o qual é muito excitante. Já encomendei uma fantasia para mim e para Chelston. Ele será Hades e eu serei Perséfone. Será tão divertido… oh, diga que você irá!
– Realmente não posso, senhora. Meu luto é muito recente…
– Bobagem. Luto no interior é muito diferente da demonstração pública que teria de fazer na cidade, onde todos conheceriam você e suas circunstâncias. Aqui não é conhecida, e ninguém ficará ofendido se você sair um pouco. Nunca achei que viúvas devessem se fechar em si mesmas, pois isso apenas as leva a uma melancolia ainda mais profunda. E não pense que quero que você se divirta o dia inteiro. Chelston Hall é uma casa grande, possibilitando solidão e quietude, se desejar de vez em quando, mas estarei lá para cuidar de você, para me certificar de não a deixar sucumbir à depressão. É claro que você não dançará no baile, mas ficará bem, vestida toda de preto, com uma máscara de seda preta para esconder sua identidade! Parecerá tão elegantemente misteriosa que todas as ladies sentirão inveja, e os cavalheiros ficarão loucos para descobrir quem você é!
Eve estremeceu, chocada.
– Senhora, não poderia! Isso seria muito impróprio.
– Quem vai saber? – replicou lady Chelston, sorrindo. – Sua mãe teria adorado esse tipo de farra.
– Não se estivesse recentemente viúva!
O sorriso de lady Chelston diminuiu um pouco, como se tivesse percebido que fora longe demais. Suspirou.
– Talvez você tenha razão – disse ela, levantando-se. – Posso ver que não está convencida, minha querida, mas acredite, uma companhia alegre, um pouco de conversa estimulante… são coisas que podem fazer maravilhas para aliviar sua dor. Sua fisionomia me diz que você está determinada a me recusar hoje. Bem, eu lhe enviarei um convite, de qualquer forma; talvez, depois que refletir um pouco sobre isso, mude de ideia. – Ela pegou as mãos de Eve, sorrindo-lhe. – Você é muito jovem e muito bonita para se enterrar em casa, minha querida. Envie uma mensagem para Chelston Hall, se houver alguma coisa que possa fazer por você.
– Obrigada, milady, mas não entendo por que a senhora está tão ansiosa para ser minha amiga.
Os olhos azul-acinzentados de lady Chelston se arregalaram.
– Tão franca… que revigorante – murmurou ela. – Vamos dizer que é por causa de sua mãe. Agora devo ir. – Lady Chelston apertou os dedos de Eve. – Ficar mais tempo ultrapassaria os limites do que você considera apropriado. Adeus, sra. Wylder, e pense sobre meu convite!
Eve não podia pensar em mais nada, e quando sua visitante perturbadora foi embora de sua casa, andou lentamente para a cozinha, onde encontrou Aggie descascando ervilhas para o jantar delas. Richard Granby estava empilhando lenha numa grande cesta quadrada ao lado da lareira.
– Essa não é tarefa sua – ela lhe disse, franzindo o cenho.
– Você tem apenas um criado na casa além de mim, e ele está a serviço no hall, esperando sua visitante ir embora. – Ele sorriu. – Achei que seria melhor ficar menos à vista, e deixar Matthew acompanhá-la até a porta; a lady parecia disposta a me questionar.
– Lady Chelston realmente perguntou sobre você. Disse a ela que você era o pajem de meu marido, e que tinha ficado para gerenciar a casa para mim. – Ela riu. – Lady Chelston ficou tão encantada com você que me pediu que eu o enviasse para ela quando não precisasse mais dos seus serviços.
– Espero que você não faça uma coisa dessas, senhora!
– Não, é claro que não, mas eu não podia falar isso para ela. Aggie, lady Chelston diz que conheceu minha mãe. Eram vizinhas, e foram para a escola juntas. Você se lembra dela?
Aggie meneou a cabeça, enquanto franzia a testa.
– Eu não me lembro de nenhuma amiga íntima de sua mãe, senhora, exceto… sim, havia uma: Catherine Reade, filha do comerciante, aproximadamente um ano mais nova que Helena. Uma menina mimada, que seguiu a srta. Helena para a escola em Tenterden. Sim, pensávamos que fosse uma brincadeira na época, porque o sr. Reade não passava de um arrendatário das terras de seu avô Wingham na ocasião, embora tenha comprado a casa em Abbotsfield do seu avô mais tarde. Todavia, a pequena Cathy tinha tudo que queria. E fez um bom casamento, capturando um lorde dono de propriedades do outro lado da fronteira. Nós nunca mais a vimos depois disso.
– Em Sussex? Isso poderia ser Chelston Hall. – Eve sentou-se à mesa e segurou o queixo nas mãos. – Se Catherine realmente foi muito amiga de mamãe, pensei que você saberia disso, Aggie, mesmo se eu não posso me recordar dela.
– Estou certa que nunca visitou sua santa mãe depois que se casou, pelo menos não aqui, em Monkhurst. Pergunto-me por que teria procurado você agora – murmurou a governanta.
Eve viu a expressão de aviso nos olhos de Granby e deu de ombros.
– Acho que estava curiosa para conhecer a filha de Helena Wingham. – Eve hesitou. – Lady Chelston me convidou para me hospedar na casa dela. – Aggie derrubou a vasilha de ervilhas que estava descascando e olhou fixamente para Eve, que assentiu. – Ela acha que eu ficarei solitária aqui.
– Bem, não se pode negar, srta. Eve, que há pouca companhia preciosa para você aqui. Talvez devesse considerar contratar uma companhia para morar nesta casa.
Eve não ousou olhar para Granby.
– Pensarei sobre isso, Aggie, mas não por enquanto. Sinto-me contente de estar aqui sozinha no momento. E há muita coisa a fazer. Sr. Granby, se puder me encontrar no sótão dentro de 15 minutos, irei trocar de roupa, e depois você pode ajudar Martha e eu a esvaziar os últimos baús.
A TARDE movimentada passou rapidamente, mas a visita de Catherine Chelston não saiu da cabeça de Eve. Não foi até a hora do jantar que ela encontrou a oportunidade para falar sobre isso com Granby. Tinha se tornado hábito do pajem servi-la no jantar, anulando seus protestos ao dizer que fizera o mesmo por seu amo em inúmeras ocasiões. Estava contente pela companhia dele, que era seu elo com Nick, e era um conforto poder falar sobre o amo de Granby. O sol de setembro estava se infiltrando pelas janelas da sala de jantar, tornando as velas desnecessárias, enquanto ele tirava seu prato e colocava uma cumbuca com doce diante dela.
– Aggie se superou – disse Eve, estendendo o braço para pegar sua taça de vinho. – O carneiro estava delicioso. Você experimentou, sr. Granby?
– Não, senhora. Farei minha refeição mais tarde. A sra. Brattee deixará um prato para mim na pedra da lareira, antes de voltar para o portão.
– Diga-me o que você acha da visita de lady Chelston.
– Não tenho certeza. Acho que foi enviada aqui pelo marido, mas por qual propósito, não sei.
– Devemos contar isso ao capitão Wylder – decidiu ela.
– Era nisso que eu estava pensando, senhora.
– Você pode mandar um bilhete para ele, sr. Granby? Nick disse que você saberia como contatá-lo.
– Sim, senhora, eu…
– Ótimo. – Ela se levantou. – Escreverei diretamente para ele.
– Isso não será necessário, sra. Wylder.
– Não, você tem razão, seria melhor se nós não escrevermos nada que possa vir a comprometê-lo.
– Não foi isso que quis dizer, senhora. – Alguma coisa no tom de voz do pajem a fez olhá-lo com intensidade. O começo de um sorriso podia ser discernido no rosto normalmente impassível. – Você será capaz de lhe falar pessoalmente, sra. Wylder. O amo está vindo para cá esta noite.
Desde a última noite deles na Hospedaria Mermaid, Eve tinha passado muitas horas imaginando como iria lidar com Nick Wylder. Era seu marido, e era impossível cortá-lo de sua vida. Ele jurara ganhar sua confiança, e ela queria lhe dar esta chance, mas isso não significava que iria cair naqueles braços fortes assim que lhe sorrisse. Não, Eve seria educada, ajudaria seu marido a capturar os contrabandistas, mas Nick não teria seu amor até que o conquistasse! Mais tarde, quando o relógio na parede indicou que eram 23h, Eve pegou sua vela e atravessou os corredores escuros e silenciosos para a cozinha. Granby estava sentado à grande mesa no centro do cômodo, jogando paciência sob o brilho dourado de um único lampião a óleo. Olhou para cima quando ela entrou.
– Está tudo bem, senhora, nós estamos sozinhos. Aggie voltou para a casinha da entrada.
– E eu disse a Matthew que ele podia ir dormir – replicou ela. – O capitão Wylder não chegou ainda?
– Não – respondeu Granby, levantando-se. – Tenha paciência, senhora, o capitão virá. Por favor, volte para a sala de estar. Eu a avisarei assim que ele chegar.
Eve meneou a cabeça e pôs seu castiçal sobre a mesa.
– Esperarei por ele aqui. Não consigo ficar parada na sala. A casa está gelada esta noite. Pelo menos aqui, o fogo queimou o dia inteiro…
Ela parou quando Granby levantou a cabeça, os ouvidos atentos. Eve também ouviu o barulho suave de passos, seguida por uma batida fraca na madeira. Granby atravessou o cômodo e puxou o cesto de lenha para o lado. Segundos depois, as tábuas do assoalho ao lado da lareira começaram a se erguer.
– Bem-vindo, Sir! – Granby puxou o alçapão e a cabeça e ombros de Nick Wylder se ergueram da abertura preta. Ele sorriu para Eve.
– Permissão para entrar a bordo, senhora!
Ela estava tão perplexa pela entrada não ortodoxa de Nick que seus planos de permanecer fria e distante foram esquecidos.
– Você usou a passagem subterrânea à margem do rio – exclamou ela. – Mas está trancada!
Nick pisou dentro da cozinha.
– Eu sei. – Ele deu um tapinha no seu bolso. – Rick deixou a chave de dentro a meu alcance.
– Você não teve dificuldade de navegar pelo canal? – perguntou Granby.
– Não, o canal está livre desde Jury’s Cut até o ancoradouro.
Nick pegou um banco e sentou-se, estremecendo de leve.
Eve notou o tremor de imediato.
– Seu ferimento ainda lhe causa dor.
– Ainda não está curado. – Ele deu um sorriso amargo. – Eu não descanso o bastante.
– Quando a bandagem foi trocada pela última vez? – O dar de ombros dele disse a Eve tudo que precisava saber. Foi para a porta. – Fique aí enquanto eu vou buscar um pano limpo. Trocarei seu curativo.
– Vim aqui para falar com você!
– Você pode fazer isso enquanto eu cuido do seu ferimento.