Capítulo Catorze

EVE NÃO tinha ideia de por quanto tempo andaram na quase escuridão. O progresso do grupo era silencioso, exceto pelo suave barulho dos cascos dos pôneis e do estalar dos arreios de couro. Eve queria perguntar a Nathanial onde estavam indo, mas tinha medo de falar e quebrar o silêncio que os envolvia como um cobertor palpável, então meramente andou, dando passos largos nas velhas botas de couro de sua mãe. Ainda era noite, e apenas uma brisa muito leve mexia as folhas. A caminhada constante lhe dava muito tempo para pensar em Nick, e a escuridão em sua mente era ainda mais sombria que a noite. Sabia agora que o amava, mas, embora soubesse que ele a desejava, achava que a paixão de Nick estava esfriando. O que mais poderia explicar o modo como ele aceitara sua rejeição em Chelston Hall? Duas vezes agora, Eve lhe negara seu corpo, e duas vezes ele tinha ido embora. Sentia medo que Nick não a achasse mais atraente. Na verdade, pensou com tristeza, devia estar arrependido de ter se casado com ela. E Eve lamentava o fato de Nick ter entrado na sua vida e a tirado de seu pequeno mundinho aconchegante? Se nunca o tivesse conhecido, não teria me disfarçado e vasculhado o escritório de lorde Chelston. Nem estaria agora andando no meio da noite escura para coletar uma carga de contrabando. Mesmo enquanto as palavras se formavam em sua cabeça, Eve percebeu, com uma pequena onda de surpresa, que teria lamentado muito perder a visita a Chelston Hall e, de uma maneira estranha, estava apreciando sua aventura no pântano no meio da noite. Finalmente deixaram as casas e fazendas para trás, e a alameda não era mais sombreada por cercas vivas altas. Em vez disso, canais profundos alinhavam a trilha, e o terreno lamacento se estendia de cada lado, uma vasta extensão de pântano, onde a leve brisa salgada sussurrava através da grama. Eve podia sentir o cheiro do mar, e discernir a linha de dunas de areia que se erguiam para encontrar o céu azul da meia-noite. Alguns metros à frente, um canal estreito de água curvava-se através do pântano em direção à enseada conhecida como Jury’s Cut. Eve podia sentir a tensão em seus companheiros agora. Lá era onde Nathanial e Sam tinham sido atacados, e olhou ao redor nervosamente, seu corpo rígido e pronto para correr. Subitamente, Nathanial parou. Os pôneis ergueram seus corpos, resfolegando gentilmente. Eve ouviu um assobio curto e baixo, e o ruído de remos espirrando água. Um barco longo e baixo surgiu entre a grama alta. Diversas pessoas saltaram para fora e puxaram o barco para um terreno mais sólido. Os homens trabalharam depressa e silenciosamente para descarregar. Nathanial puxou Eve para a fileira, e ela se encontrou fazendo parte de uma corrente humana, passando mercadorias de mão em mão do barco para a praia. Seus braços começaram a doer, e logo ela estava com calor e desconfortável em seu casaco pesado e bata, mas não ousou removê-los, nem desenrolar o cachecol da parte baixa de seu rosto. Entendeu agora por que precisavam de mais homens. Havia certa distância entre o barco e a trilha onde os pôneis esperavam pacientemente para serem carregados. Quando as mercadorias eram passadas, tinha de estender os braços para cada pacote e alongá-los a fim de passar para seu vizinho. Os pacotes embrulhados em lanolina eram pesados o bastante, mas os meio-galões, os pequenos barris contendo aguardente, eram tão pesados que Eve tinha de dar um passo a cada vez, para completar a operação. Finalmente, o último barril foi amarrado a um pônei e o último pacote de renda foi guardado numa mochila. Eve relaxou as costas doloridas e observou quando alguns dos homens empurraram o barco para a água e começaram a remar para longe, os remos trabalhando quase silenciosamente dentro das águas acinzentadas. Um toque em seu braço lhe disse que estavam prontos para se mover e ela voltou para a trilha onde os pôneis já estavam começando seu retorno. Puxou a manga de Nathanial.

– O último pônei não carrega nenhum pacote – sussurrou ela.

Nat sorriu, seus dentes brilhando por um breve instante na luz pálida.

– Nós sempre mantemos um deles selado e pronto. Apenas por precaução.

– Precaução do quê?

– Apenas por precaução.

Ele pôs a mão nos lábios e seguiu em frente. Eve o seguiu, confusa e determinada a exigir uma explicação, assim que estivessem seguros.

A lua estava baixa no céu no momento que a primeira fazenda foi avistada, um contorno preto a distância. Eve percebeu como havia ficado tensa, e fez um esforço consciente para relaxar os ombros. Logo alcançariam o abrigo relativo das alamedas alinhadas por árvores novamente. Estava prestes a dizer isso a Nathanial quando houve um grito de aviso do primeiro da fila.

– Oficiais a cavalo. Corram!

Os pôneis começaram a trotar, suas cargas rangendo de maneira preocupante.

– Onde estão? – perguntou Eve, espiando dentro da escuridão.

Nathanial ergueu uma das mãos e apontou.

– Entre os estábulos, ali.

Eve só teve tempo de uma olhada rápida. A escuridão entre os contornos altos e quadrados das casas estava se movendo. Cavaleiros vinham apressadamente na direção deles. Ao perceber que tinham sido vistos, os cavaleiros abandonaram seu progresso clandestino e gritaram, o som alto carregando o ar noturno:

– Parem, em nome do rei!

Nathanial empurrou Eve para sua frente.

– Fuja.

Os pequenos pôneis se moveram com velocidade surpreendente, e Eve os seguiu, seu coração disparado. A estrada parecia se contorcer entre valas profundas, e num canto ficava um pequeno bosque de árvores baixas, que os escondia dos cavaleiros que os perseguiam. Uma repentina diminuição do ritmo dos pôneis fez Eve olhar para cima. Na ponta da fila, Sam estava liderando para que os pôneis saíssem da estrada e entrassem no canal. Ela arfou, esperando que os animais mergulhassem na água funda, mas meramente submergiram alguns centímetros antes de desaparecerem nas sombras além da vala.

– Onde estão indo? – ela perguntou para Nathanial quando um dos pôneis foi engolido pela escuridão.

– Para uma trilha abaixo da superfície – replicou ele. – Uma vez que a cerca e os juncos forem colocados no lugar, ninguém poderá nos ver. – Ela o ouviu rir. – Nós temos feito isso, homens e garotos, por tanto tempo que somos especialistas em enganar os oficiais aduaneiros.

Enquanto trotavam para a extremidade da vala, Nathanial desamarrou o último pônei e segurou-o, enquanto os outros atravessavam o canal e sumiam na escuridão.

– Venha, srta. Eve – chamou Sam, sem tentar esconder a identidade dela. – A água está somente na altura do tornozelo.

Ela hesitou.

– E quanto a Nathanial?

– Irei despistá-los.

– Isso não é perigoso no escuro? – perguntou ela.

– Não, estes pôneis conhecem o caminho – disse Nat. – Melhor que os oficiais aduaneiros, de qualquer forma.

– Venha, srta. Eve! – Sam já estava puxando os painéis cobertos de junco no lugar.

– Então deixe-me ir.

– Não, por Deus! – exclamou Nat, revoltado.

Eve estendeu a mão e pegou as rédeas.

– Você deve me permitir – insistiu ela. – Eu sou mais leve que você e posso ser mais rápida. E não se preocupe, acharei o caminho de casa.

Nathanial arfou quando ela passou por ele e subiu na sela. Estendeu os braços, como se para puxá-la do pônei, mas parou, incapaz de encostar as mãos numa lady.

Não, srta. Eve, isso não é adequado! O que o amo diria?

– O que Aggie diria se vocês fossem capturados? – devolveu ela. – Você e Sam têm famílias que precisam de vocês. – Não há ninguém para sentir minha falta. Ela reprimiu o pensamento não falado e disse: – Rápido, agora, estarão aqui a qualquer minuto.

– Senhora, por favor!

– Vá. Nós todos seremos pegos se você não for agora!

Nathanial hesitou por um momento, até que o assobio urgente de Sam o relembrou do perigo. Pisou na água e ajudou Sam a colocar os últimos painéis no lugar. Então houve silêncio. A água na vala tornou-se calma novamente, espelhando o céu estrelado. Eve olhou para os muros altos de junco; não havia sinal de uma abertura. Ergueu-se nos estribos, mas não pôde ver nada além de topos de junco, ondulando-se e sussurrando na brisa. O pônei batia as patas no chão, impacientemente, mas ela o segurou imóvel, lidando com a própria impaciência para se mover, enquanto olhava para trás e esperava a primeira visão dos oficiais aduaneiros. Não teve de esperar muito tempo. Um barulho como um trovão distante aumentou de volume, e quando o primeiro cavaleiro apareceu ao redor de uma curva, Eve bateu os saltos da bota nos flancos do pônei e saiu a galope. Gritos dos perseguidores a avisaram de que estava sendo perseguida. A fuga começou. A trilha era uma faixa cinza à sua frente, ocasionalmente desaparecendo na escuridão, onde árvores lançavam suas sombras pretas no caminho. A bata larga esvoaçava ao seu redor, enquanto o pequeno pônei praticamente voava sobre o solo. Eve se maravilhou com a velocidade confiante do animal, mas puxou as rédeas de leve, diminuindo um pouco o ritmo. Não podia perder seus perseguidores tão rápido. À frente, estava o contorno de um grupo de construções; um vilarejo ou fazenda, Eve não tinha certeza, mas sabia que conforme se moviam para o interior, haveria mais prédios e mais estradas, onde poderia desaparecer de visão e fugir. Através da semiescuridão, era possível ver que a estrada fazia uma curva acentuada para a esquerda, ao lado de um grande muro. Eve arriscou uma olhada para trás. Ainda liderava bem à frente, mas isso não duraria; os cavalos que a perseguiam estavam cobrindo o solo muito mais rapidamente que seu pequeno pônei.

Quando se virou para a frente e endireitou o corpo na sela novamente, teve ciência de uma forma preta saindo das sombras atrás dela. Alarmada, abaixou as mãos e inclinou-se para a frente sobre o pescoço do pônei, permitindo-lhe conduzi-la. A alameda era ladeada por árvores altas, e galopavam para dentro e para fora das sombras. O vento batia no seu rosto, movendo a aba larga de seu chapéu. Eve não ousou levantar a mão das rédeas, e instigou o pônei para um galope, rezando para que não houvesse obstáculos ou buracos profundos no caminho. Estavam correndo na escuridão, mas ela podia ouvir o som de outros cascos. Alguém a estava seguindo de perto. Eve bateu as botas no animal, seu coração violentamente disparado contra as costelas. O pequeno pônei prosseguia corajosamente, mas o barulho atrás de Eve se tornava cada vez mais alto. No momento seguinte, um cavalo de olhos selvagens estava ao seu lado, a boca espumando. O pânico a envolveu, e por um momento de parar o coração, imaginou que o demônio estava ao seu lado. Uma forma preta se agigantava, e Eve gritou quando o cavaleiro se inclinou para mais perto, agarrou-a pela cintura e a ergueu da sela.

– Solte as rédeas, querida.

O choque de ouvir a voz de Nick quase a fez desmaiar. As rédeas caíram de seus dedos nervosos quando a puxou para sua frente. O pônei saiu galopando sozinho, e Nick diminuiu o ritmo de seu cavalo, saindo da estrada e indo para a sombra profunda de um muro alto.

– Quieta, agora.

O aviso dele era desnecessário. Eve não poderia ter falado nem se quisesse. Observou o pônei correndo ao longo da estrada, e minutos depois, uma dúzia de cavaleiros perseguindo o animal com determinação mortal. Permaneceram nas sombras, imóveis e silenciosos, até que os cavaleiros tivessem desaparecido na escuridão. O barulho dos cascos parou, e foi substituído pelo sussurro tranquilo dos ventos salgados através das árvores.

– Com um pouco de sorte, irão seguir o pequeno pônei até de manhã. – Eve ouviu as palavras, e sentiu a respiração quente de Nick no seu rosto. Queria se beliscar para ter certeza de que aquilo não era um sonho. Ele falou novamente: – Onde estão os outros?

– Seguros, espero. Pegaram a trilha escondida.

– Ah. Então conseguirão fugir dos oficiais aduaneiros. Hora de levá-la de volta para Monkhurst, acho.

Eve agarrou-se a ele quando o cavalo começou a andar.

– Como você soube? – murmurou ela, inalando o cheiro familiar dele… um aroma tão delicioso de sabonete misturado com almíscar másculo que a fez fechar os olhos e inalar novamente.

– Os oficiais receberam informações de que haveria uma operação esta noite. Fui correndo avisar Silas, mas cheguei tarde demais. Felizmente, os oficiais aduaneiros também chegaram tarde demais. Quietinha, agora; deixe-me ver se consigo encontrar o caminho de volta para Monkhurst. Eu me sentiria muito mais em casa na água do que nestas alamedas cheias de curvas.

Eve acomodou-se mais confortavelmente contra ele, e passou os braços ao redor do corpo poderoso, tomando cuidado para tocá-lo acima do ferimento na lateral. Admiral ganhava o solo em passos longos e firmes, e ela tentou relaxar, balançar com o movimento do cavalo e do cavaleiro. Seu corpo inteiro ainda formigava com a excitação da fuga, o sangue pulsando em suas veias. Era assim que sua mãe havia se sentido ao sair com os comerciantes livres? Era assim que Nick se sentia quando se envolvia em aventuras perigosas? Guardou as perguntas para si mesma, enquanto cavalgavam pela escuridão, a lã áspera do casaco de Nick contra sua face. Nick colocou Admiral num ritmo tranquilo e olhou para a quase escuridão à sua frente. A lua estava baixa no céu, e as árvores altas lançavam sombras escuras na estrada. Estava muito consciente da forma delgada de Eve inclinada contra seu corpo, dos fios de cabelos dela que tinham escapado na fita e roçavam seu queixo. Virou a cabeça brevemente para descansar o rosto nos cachos despenteados, aliviado de tê-la ali, segura junto a si. Nick havia ficado surpreso quando Richard lhe contara que Eve tomara o lugar de Silas com os rapazes. No começo, quisera correr atrás dela para se juntar ao perigo, mas aos poucos, o medo o percorrera, um medo diferente de qualquer medo que experimentara antes. Conhecia os oficiais aduaneiros, que eram bons homens, mas muito disciplinados, e Deus sabia que não tinham motivo para gostarem dos comerciantes livres. Se capturassem Eve, não era possível prever o que fariam com ela, quando estavam com o sangue quente. Agora, com o corpo suave de Eve descansando contra o seu, Nick não tinha nada para fazer, exceto pensar no que teria acontecido se não a tivesse visto correndo na sua direção, se não tivesse chegado a tempo para resgatá-la. O alívio imenso de encontrá-la a salvo diminuiu e foi substituído por calafrios, enquanto sua imaginação corria solta. Admiral entrou no estábulo de Monkhurst. Um cavalariço sonolento mexia com um lampião, mas Nick não esperou. Desmontou, baixou Eve para o chão e entregou as rédeas para o garoto desnorteado.

– Não tire a sela dele. Partirei em breve novamente. – Nick segurou o braço de Eve com firmeza e conduziu-a em direção à casa. Granby abriu a porta lateral quando eles se aproximaram.

– Estava esperando vocês – disse ele calmamente. – Fico feliz que tenha voltado em segurança, srta. Eve. Se quiserem ir para a sala matinal, Martha fez um fogo lá.

Nick não lhe deu tempo de responder, praticamente arrastando-a ao longo do corredor escuro para dentro da pequena sala do grande salão, onde a criada os esperava, torcendo as mãos nervosamente no avental.

– Oh, srta. Eve, graças a Deus… – Martha parou, os olhos se arregalando em surpresa. – Capitão Wylder! Não achei que o senhor soubesse disso.

– E não sabia.

– Sim, e por que Granby estava nos esperando? – perguntou Eve, desvencilhando-lhe do aperto de Nick. – Você contou a ele, Martha?

A criada abaixou a cabeça.

– Contei, senhorita. Desculpe-me, sei que você me pediu para não contar a ninguém, mas estava preocupada!

Nick estava parado junto à porta, mantendo-a aberta.

– Deixe-nos a sós, por favor.

O rosto da criada estava repleto de curiosidade, mas Nick apenas a olhou, e sem uma palavra, Martha fez uma reverência e saiu da sala.

– Pobre Martha, está ansiosa – observou Eve, tirando as luvas. – Não descansará até que eu lhe conte tudo. – Ela o fitou, seu rosto iluminado com um sorriso. A raiva que estivera crescendo dentro de Nick durante a cavalgada deles sob a lua subiu à superfície agora.

– Por Deus, Eve, o que a possuiu para ser tão tola?

Ela piscou.

– Perdão?

– Você achou que brincar de contrabandista fosse uma boa brincadeira? Não percebe que isso é algo mortalmente sério?

– É claro que percebo! Por esse motivo quis ajudá-los. Silas tinha me prometido que esta seria a última vez que fariam o contrabando, mas não poderiam decepcionar sua gente.

– Você não parou para pensar sobre os riscos que estava correndo? Que poderia colocar todos em risco com sua inexperiência?

Ela sorriu.

– Que experiência é necessária para seguir um pônei carregado, e para pegar mercadoria das mãos de alguém e passá-las para seu vizinho? – Eve esfregou os braços. – Acho que me saí muito bem.

A resposta calma dela o enfureceu ainda mais.

– Pensei que você tivesse mais bom-senso do que arriscar sua reputação, talvez até sua vida, saindo com os rapazes Brattee.

– Estavam com pouca gente. Silas deve ter lhe contado…

– Sim, ele me contou, mas você realmente acha que sua presença fez muita diferença?

– Sim, acho! A corrente humana já estava estendida o bastante como era, e você sabe que os riscos são maiores durante o descarregamento, o qual tem de ser feito rapidamente! – Ela o encarou. – Você está mesmo zangado comigo.

– É claro que estou zangado! – Nick se aproximou, e antes que Eve percebesse o que ele ia fazer, estava lhe removendo a bata pela cabeça. – Os outros podiam ser capazes de vestir isto e passarem por simples trabalhadores de fazenda, mas não você! Pense no que teria acontecido se tivesse sido capturada. – Ele amassou o tecido da bata numa bola e jogou-o no canto da sala. – Como ousou fazer uma coisa dessas?

Eve franziu o cenho. Uma ponta de incerteza nublou-lhe os olhos.

– Este é o meu povo. Preciso ajudá-los da maneira que posso.

Nick bateu as mãos sobre a mesa, assustando-a.

– Você acha que os ajudaria se fosse parar na cadeia? Que ideia idiota. E com os oficiais aduaneiros na casa, também! Que impressão os dois homens teriam se descobrissem o que você estava fazendo? Ora, você é minha esposa!

– Sou sua viúva! Eve levantou-se, seus lábios se curvando. – Você me fez assim, e não tenho desejo de ser nada mais para você… nunca!

Eve reprimiu uma lágrima. Aquele não era momento de mostrar fraqueza, especialmente para Nick. Cavalgara de volta para Monkhurst num humor alegre, aliviada que os outros tinham escapado, satisfeita com a própria participação naquilo. A fúria de Nick era como um balde de água fria, mas suas terminações nervosas ainda estavam pulsando com excitação, e raiva a assolou. Não seria acovardada pela fúria irracional de Nick. Ele deu um passo na sua direção, e Eve se afastou, certificando-se que a mesa de madeira sólida estivesse entre os dois.

– E o que torna isso tão diferente para você – perguntou ela –, que esteve envolvido em situações muito mais perigosas?

– É diferente. Eu me arrisco a ser ferido, talvez morto, mas você, se eles a pegassem…

Ela bateu as próprias mãos sobre a mesa.

– Acha que minha ansiedade é menor, quando fico aqui imaginando o que pode ter lhe acontecido? Não que eu ainda me importe – acrescentou ela rapidamente. – Eu não quero ser enganada por você novamente. Na verdade, serei muito mais feliz sem você.

– Evelina…

– Não acho que você possa ter mais alguma coisa a me dizer. – Eve cruzou os braços e o encarou com raiva. – Peça para Granby trancar a porta, depois que você sair.

Nick estava como uma estátua, olhando-a por sob suas sobrancelhas pretas. Eve forçou-se a encontrar-lhe os olhos, esperando que os seus não revelassem nada mais do que desdém. O silêncio era enervante. A raiva deixava seu corpo rígido. Eve não se renderia. Finalmente, após meros momentos, mas que pareceu uma eternidade, Nick virou-se e saiu, batendo a porta. Toda a raiva e excitação em Eve foram drenadas. Tremendo, ela se sentou numa poltrona e abaixou a cabeça nas mãos. Sabia que não a amava, mas tinha sido tola o bastante para esperar que Nick a apreciasse mais, agora que ela lhe mostrara que possuía espírito de aventura. Isso não acontecera. Aquilo não era o que ele queria, em absoluto, e agora Eve o perdera completamente. Nick havia saído da casa, conseguindo apenas assentir brevemente com a cabeça para Richard ao passar por ele. Então pegara Admiral, e estava a dois quilômetros longe de Monkhurst antes mesmo que se desse conta. Sou sua viúva. Não tenho o desejo de ser nada mais para você. As palavras de Eve tinham atingido Nick como um golpe físico, desequilibrando-o. Não confiava nele, não entendia que sua raiva nascia da ansiedade. Nunca temera por si mesmo, mas a ideia de que a mulher frágil com quem se casara pudesse estar em perigo quase o enlouquecera. Você deveria ter lhe dito isso. Deveria contar-lhe que a ama. A revelação repentina o fez puxar as rédeas, e Admiral parou, de maneira obediente. Ele a amava? Sempre havia apreciado seus encontros com mulheres, mas nunca amara nenhuma delas. Tinha aprendido que amor, quando acontecia, era um sentimento caloroso e confortável. O que ele sentia por Eve estava longe de ser confortável. Era uma mistura de alegria, desejo desesperado e ansiedade. Sentia medo por ela, medo de que ela pudesse estar em perigo, medo que ela pudesse estar infeliz. E para si mesmo, havia a terrível perspectiva de uma vida sem ela. Virou seu cavalo. Voltaria, explicaria isso tudo, sugeriria que recomeçassem. Alguns metros à frente, Nick parou de novo. Os primeiros raios do amanhecer apareciam no céu. Eve estaria dormindo. Não o agradeceria por acordá-la, quando já estivera acordada pela maior parte da noite. Além disso, não poderia lhe oferecer nada até que o assunto com Chelston fosse resolvido. Era melhor esperar. Quando tudo aquilo acabasse, seria capaz de cortejá-la propriamente. Virou seu cavalo mais uma vez.

– Calma, Admiral – murmurou quando o cavalo resfolegou em desaprovação. – Acha que seu dono é um grande tolo, não acha? – Ele suspirou. – Bem, talvez você tenha razão.