Prefácio/Preface

Adolpho Lutz e a veterinária

Muito pertinente e positiva a idéia de Magali Romero Sá e Jaime Larry Benchimol de empreenderem a gigantesca tarefa, investigativa e sistematizadora, de edição da Obra Completa de Adolpho Lutz. Recebi dos organizadores o honroso convite para prefaciar a parte que diz respeito à veterinária, cuja matéria também se encontra distribuída pela parte relativa à helmintologia, neste mesmo livro, e por escritos reunidos em outros livros da vasta obra do cientista.

Começo com a constatação de que são justos e corretos os comentários de Benchimol em História, Ciências, Saúde – Manguinhos (v.10, n.1, jan.-abr. 2003, p.23-5): na cidade paulista de Limeira, Lutz realizou investigações importantes, tanto no domínio da clínica como no da helmintologia dos animais domésticos e do homem; datam desse período as primeiras investigações sobre vermes, que alargavam o repertório de patologias estudadas pela Escola Tropicalista baiana, abrindo caminho até mesmo para o estudo das doenças de animais no Brasil. Em outro trecho do citado artigo lê-se: “os biógrafos de Adolpho Lutz são unânimes em ressaltar o seu pioneirismo nas pesquisas veterinárias brasileiras”.

No testemunho do Dr. Arthur Neiva, o trabalho com o qual inaugurou essa vertente da medicina experimental foi a descrição publicada no ano de 1885, em uma revista médico-clínica suíça, sobre uma espécie de Rhabdonema e Anguillulas encontrados no intestino de porcos domésticos, em Limeira.

A fim de traçar um quadro mais consistente da maneira pela qual Adolpho Lutz contribuiu, indireta ou direta e eficientemente para o desenvolvimento da veterinária nacional, no final do século XIX, indico as observações que publicou sobre essa ciência e esse ramo da medicina.

Em 1885-1886 Lutz escreveu sobre parasitas intestinais do porco, e ainda sobre helmintos em cães, gatos e cavalos na revista alemã de medicina veterinária fundada em Iena, uma década antes, por Otto von Bollinger, o Deutsche Zeitschrift für Thiermedizin und Vergleichend Pathologie. Relatou a verificação de Oxyuros sp., Cysticercus cellulose e de Echinococcus sp., considerando freqüente sua existência. Encontrou a forma adulta do cisticerco da Taenia solium, além da T. saginata em pacientes seus. Em suínos, constatou o Echinorhincus gigas, o Trichocephalus sp. e o Ascaris suilla, muito comum; o Stephanurus dentatus foi localizado, por vezes em quantidade enorme, no tecido adiposo suíno.

No presente livro da Obra Completa de Adolpho Lutz apenas cinco trabalhos foram reunidos na parte correspondente à veterinária: “Mormo em São Paulo,” “Observação de uma cotia infeccionada com Echinococcus,” “Cara inchada ou osteoporose do cavalo,” “Estudos e observações sobre o quebrabunda ou peste de cadeiras” e, por último, “Informações sobre as moléstias observadas no Brasil em animais domésticos”. Contudo, o número de estudos que dizem respeito à veterinária é muito maior: abrange praticamente todos os trabalhos reunidos na parte relativa à helmintologia e alguns outros, reeditados pelos organizadores nos livros concernentes à microbiologia, à entomologia e a outras áreas da zoologia médica.

O contato permanente com o exterior é revelado pela volumosa correspondência de Lutz. Na lista publicada na referida edição de História, Ciências, Saúde – Manguinhos é citado o veterinário inglês Alberto Hassal, graduado pelo Royal Veterinary College, de Londres, no ano de 1880, que emigrou para os Estados Unidos e lá obteve projeção internacional. Indicado em 1887 inspetor veterinário no Bureau of Animal Industry, especificamente na Divisão de Zoologia, Hassal realiza amplas pesquisas parasitológicas e helmintológicas. Foi dos primeiros membros da Helminthological Society de Washington (DC), presidiu-a em 1921 e 1922, e em 1931 foi eleito membro vitalício.

Na lista da revista Manguinhos encontramos, também, referência a Daniel Elmer Salmon, veterinário norte-americano graduado em 1872 pela Universidade de Cornell com o título de Bachelor of Veterinary. Em seguida, freqüentou na França a já famosa École Nationale Vétérinaire d'Alfort. Retornando ao seu país, Salmon recebeu o grau de doutor em medicina veterinária pela Universidade na qual se formara. No ano de 1879, aceitou cargo no United States Department of Agriculture, encarregando-se em 1883 de implantar a Veterinary Division no âmbito do Bureau of Animal Industry. Muito eficiente e prestigiado, tanto pelo governo como pelos pecuaristas, combateu com sua equipe zoonoses mortíferas: pleuropneu-monia dos bovinos, febre aftosa, febre do Texas (piroplasmose ou babesiose) e outras. A gestão de Salmon durou de 1884 até 1905, quando renunciou.

Na relação de correspondentes de Adolpho Lutz, ainda incompleta quando publicada na revista de Manguinhos, do total de oitocentos nomes identificamos 121, isto é, 15 por cento de autores direta ou indiretamente envolvidos com a ciência e/ou profissão veterinária.

Não cabe detalhar aqui as informações biográficas relativas aos autores com o quais se correspondeu Lutz, citadas nas pesquisas por ele publicadas. Apenas faremos uma identificação sumária dos dados pessoais e da bibliografia, pois isso será útil para os leitores do presente volume da Obra Completa do cientista.

Isaac Moussatché

Membro e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária

membro fundador da Academia Brasileira de Medicina Veterinária

Cidadão Benemérito do Estado do Rio de Janeiro.