Estudos sobre a esquistossomose, feitos no Norte do Brasil, por uma comissão do Instituto Oswaldo Cruz

Relatório e notas de viagem*

A comissão designada pelo diretor do Instituto, dr. Carlos Chagas, para estudar a esquistossomose nos focos brasileiros, situados todos no Norte, era formada pelos drs. Adolpho Lutz e Oswino Penna levando cada um deles um empregado.

Sendo o nosso fim obter informações sobre a prevalência do Schistosomum mansoni e estudar as condições locais nos focos de infecção, resolvemos visitar as escolas de aprendizes marinheiros nas zonas do Norte, que já haviam fornecido observações para o dr. Penna e material de estudo para o dr. Lutz. Com as indicações, obtidas pelo exame de todos os aprendizes, procuraríamos então os focos do interior. Far-se-iam também numerosos exames em outras pessoas, doentes ou em boa saúde, aproveitando todas as ocasiões, a fim de chegar a uma apreciação do quociente de infecção e dos sintomas produzidos. Nos focos de infecção procurar-se-iam os moluscos transmissores, verificando as espécies e a proporção de infecções naturais. As cercárias obtidas seriam usadas para experiências em animais.

Atendendo ao fim principal da viagem, aproveitar-se-iam todas as ocasiões para outros estudos de patologia local, especialmente de moléstias parasitárias e de zoologia médica.

Assim, estabelecemos o nosso programa calculando uma ausência de dois meses pelo menos. Tomaríamos passagem para Recife, viajando depois por estrada de ferro até o Rio Grande do Norte, estado mais distante que pretendíamos visitar. Continuaríamos a viagem de volta, sempre em direção Norte-Sul, pelos estados Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe até a capital da Bahia, onde depois de acabar os estudos, embarcaríamos para o Rio de Janeiro.

Esse programa foi executado na sua totalidade e sem encontrarmos dificuldades sérias. Apenas a nossa intenção de fazer muita coisa em pouco tempo, sendo diametralmente oposta à tendência geral, não foi sempre favorecida pelas condições encontradas, posto que as autoridades nos ajudaram em toda a parte, assim como também grande número de colegas que nós procuramos. Se empregamos quase três meses nessa expedição, é preciso levar em conta que cobrimos uma distância entre 3 e 4 mil km, gastando cerca de um mês nas viagens indispensáveis, sem contar o grande número de excursões locais.

Vai, em seguida, um extrato do diário do dr. Lutz:

Embarcamos no pequeno vapor Itapacy, no dia 3 de agosto, às 16 horas, com mar bastante agitado. Em 5 de agosto, às 7 horas, entramos em Vitória, onde saltamos para uma excursão. Encontramos nas bromeliáceas, que abundam nas pedras, uma rica fauna e achamos nas praias algumas plantas interessantes. Aqui já aparece uma Montrichardia, grande Aracea, comum nos pântanos do Norte.

Em 6 de agosto de manhã passamos os Abrolhos.

Em 7 de agosto chegamos a Ilhéus, onde o Superintendente da Estrada de Ferro nos levou em carro automóvel andando nos trilhos, até o km 20.

Em 8 de agosto fizemos outra excursão até a lagoa de Almada. Nessas excursões colhemos alguns moluscos interessantes, mas não logramos achar o Planorbis olivaceus, que foi descrito por Spix, de Ilhéus e Almada, nem obtivemos informações seguras sobre a sua existência; pesquisas posteriores, feitas pelo sr. Zehntner, também ficaram sem resultados, de modo que nestes últimos cem anos essa espécie, muito conspícua, ou desapareceu ou tornou-se muito rara. O fato é de grande interesse, porque se trata da maior espécie entre os transmissores da esquistossomose. Também não achamos outra espécie de Planorbis. Todavia, a paisagem e a flora eram muito interessantes. O nosso navio saiu às 18 horas.

Em 9 de agosto estivemos na Bahia apenas umas quatro horas. Vimos alguns colegas e fizemos uma excursão ao Dique, lagoa bastante extensa, formada por uma antiga represa. Aqui abundam as Montrichardia. Colhemos exemplares de Pl. olivaceus e recebemos outros por intermédio do dr. Octavio Torres, mas nesses exemplares não encontramos infecção por Sch. mansoni, posto que houvesse outros trematódeos. Os caramujos eram quase todos adultos, com mais de trinta mm de maior diâmetro, que creio não ser alcançado em menos de dois anos.

Em 10 de agosto chegamos, de tarde, a Aracaju, onde o Itapacy demorou até as 11 horas do dia seguinte. Durante esse tempo visItamos a escola de aprendizes marinheiros, combinamos o necessário para fazermos estudos na volta e colhemos grande número de Pl. olivaceus, sem encontrar exemplares infectados.

Em 11 de agosto passamos a noite perto da barra do São Francisco e, no dia seguinte, subimos o rio até a ilha das Galinhas. O rio e as suas margens são mais bonitos aqui que mais para cima, perto de Juazeiro. Fizemos uma excursão em canoa, visitando duas ilhas com flora interessante, e observamos um bando de uma espécie de Caprimulgus. Não havia moluscos de água doce.

Em 12 de agosto, de tarde, passamos pela segunda vez pela perigosa barra do rio São Francisco, onde tivemos um belíssimo espetáculo de ressaca.

Em 13 de agosto chegamos a Maceió e fomos para Bebedouro, onde procuramos, sem resultado, o Pl. olivaceus, que parece faltar nessa região. Na casa do dr. Luiz Vasconcellos, vimos galinhas doentes de moléstia infecciosa com leucocitose, mas sem espirilos. Talvez se trate de leucemia aguda. Vimos o hospital e encontramos nas fezes muco-sanguinolentas de uma das doentes ovos de Sch. mansoni em grande número.

Em 14 de agosto, em Recife, aonde chegamos cedo, fomos recebidos pelo comandante da Escola de Aprendizes Marinheiros; aqui estabelecemos laboratório, visitando depois o governador, o prefeito e o diretor do serviço sanitário, que todos nos receberam muito bem e nos facilitaram as excursões necessárias. Hospedamo-nos numa pensão da rua Conde de Bom Fim.

Em 15 de agosto, com o automóvel do prefeito fomos para o matadouro, onde procuramos informações sobre parasitos e moléstias do gado. A respeito de trematódeos não soubemos nada, sendo também negativo o resultado de alguns exames. Um boi vindo do lado da Bahia era apontado como sofrendo de mal triste. Abatido, mostrou inúmeras hemorragias no intestino, na vesícula biliar e no mesentério, e nefrite hemorrágica, mas baço pequeno. O exame microscópio e cultural revelou o bacilo Anthracis. Trabalhamos no laboratório. O exame de grande número de Planorbis da Bahia e de Aracaju mostrava a ausência de cercárias.

Em 16 de agosto visitamos o Hospital D. Pedro II, onde vimos muitos doentes, uns suspeitos de esquistossomose, outros palúdicos, anêmicos, tuberculosos, cardíacos etc., deixando muitas latinhas de folha para colher amostras de dejeções. Depois fomos ao isolamento, onde havia alguns casos de peste bubônica e outros, dos quais se pediu material para exame. Pelo dr. Penna e os nossos empregados foram constatados ovos de Schistosomum em cinco dos meninos da escola.

Em 17 de agosto, de manhã, trabalhou-se no laboratório. De tarde visitamos, com o diretor do serviço sanitário, o Hospital dos Ulcerosos, onde existem mais de mil doentes, quase todos com úlceras, simples ou devidas à sífilis, ancilostomíase ou fusospirilos. Casos de leishmaniose faltavam ou eram raros, tanto como se podia julgar pelo aspecto. Encomendou-se material para estudos e combinou-se um dia para vir trabalhar. Depois vimos ainda o Hospital dos Lázaros.

Em 18 de agosto fomos à escola, onde recebemos aviso de que o diretor do Serviço Sanitário estava impedido. Resolvemos então visitar a Escola Veterinária, mantida em Olinda pela ordem de São Bento. Vimos o mosteiro, que tem reminiscências históricas interessantes e um jardim com árvores seculares, como também a escola e o hospital, onde havia um cavalo com osteomalacia e um cão com peritonite soro-hemorrágica e filariose.

Em 19 de agosto, convidados pelo diretor, o sr. Feliciano da Rocha, fizemos uma excursão à Escola Agrícola, em Socorro, onde vimos interessantes plantas de culturas e colhemos alguns insetos e moluscos, tanto terrestres como aquáticos. Entre estes havia uma Physa e uns Planorbis pequenos, que pareciam exemplares novos e pouco pigmentados do Pl. centimetralis Lutz. Não eram infectados.

Em 20 de agosto estivemos no manicômio, onde procurei, sem resultado, indícios de pelagra. Vimos ovos de opilação, sarna e uma úlcera fusospirilar com abundância de espelos. Havia alguns casos de infantilismo, mas notava ausência de papo.

Em 21 de agosto examinamos, no Hospital dos Ulcerosos, vinte casos de feridas não tratadas, dos quais muitos tinham opilação. Grande parte dessas feridas eram específicas, como se verificava pelas alterações ósseas que as acompanhavam; outras davam a impressão de úlceras simples com fauna bacterial pobre. Não achamos nela um caso de úlcera fusospirilar, nem de leishmaniose, mas encontramos dois casos de bouba típica (framboésia). De Socorro recebemos exemplares de Pseudolfenia meleagridis, mosca pupipara comum nos perus de Pernambuco. Lâminas de sangue dos hospedeiros não mostravam hematozoários.

No material recebido do hospício e do Hospital dos Ulcerosos verificaram-se mais duas amostras com ovos de Schistosomum. Num dos casos a infecção provavelmente se produzira em Palmares.

Notebook with daily Adolpho Lutz’ annotations during his trip to the Northeast with Oswino Penna. The page dated August 1917 is here reproduced.

Caderneta contendo anotações diárias de Adolpho Lutz durante a viagem ao Nordeste em companhia de Oswino Penna, reproduzindo-se aqui a página relativa ao dia 20 de agosto de 1917 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Lutz took daily notes of the expenses during his trip to the Northeast.

Lutz anotava diariamente as despesas feitas durante a viagem ao Nordeste (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Em lagoas, perto de Afogados, um empregado colheu o Planorbis melleus Lutz e larvas de Mansonia.

Em 22 de agosto, de manhã, trabalhou-se no laboratório, descobrindo-se ovos com espinho lateral em mais duas amostras do hospital geral.

De tarde fizemos um passeio a Dois Irmãos, onde examinamos uma lagoa com a vegetação aquática, achando poucos Planorbis, de tamanho pequeno, e larvas e ninfas de um mosquito. Não fomos molestados por dípteros sugadores de sangue.

Em 23 de agosto passamos a manhã no laboratório; de tarde visitamos as antigas represas em Beberibe. Pegamos mosquitos adultos dos gêneros Taeniorhynchus, Mansonia e Haemagogus. De larvas havia um Culex e um Anopheles, mas não achamos vestígio de Planorbis.

Em 24 de agosto examinamos duas lagoas no engenho de açúcar de São João, perto de Várzea, das quais uma em comunicação com o rio Capibaribe, mas, não obstante as aparências prometedoras, não continham Planorbis. Apanhamos umas rãs com girinos muito grandes, cujo intestino era tão livre de parasitos que nem continha opalinas.1 Colhemos larvas de Aedromyia squamipennis e de anofelinos.

Em 25 de agosto preparamos tudo para uma viagem a Natal.

Em 26 de agosto tomamos o trem para Natal e viajamos todo o dia por regiões que se tornavam gradualmente mais secas, depois de se deixar o litoral. Em muitos lugares havia cultura de algodão. À noite passamos em Guabira, ou Independência, onde há duas lagoas. Numa obtivemos algumas rãs da grande espécie – conhecida no Norte pelo nome de “gia, sapos jururu” – e grandes ampulárias, mas procuramos, sem resultado, algum parasito interessante. Os hotéis, que os viajantes não podem evitar, são muito primitivos e abundam em Stegomyia, o que torna o lugar perigoso.

Em 27 de agosto, de manhã, constatamos no lugar os estragos da lagarta rósea, que atacou o algodão em toda a região. Em toda a nossa viagem não encontramos plantação completamente livre dela. Continuamos depois a viagem e chegamos a Natal, ainda em tempo para procurar o governador, que nos apresentou às autoridades do lugar.

Em 28 de agosto visitamos os hospitais, onde encontramos uma doente com Schistosomos, vindo de Boacica.

Em 29 de agosto fizemos uma excursão à Lagoa de Extremos, onde não foi possível arranjar uma canoa. Assim mesmo obtivemos duas espécies de Planorbis, sendo a primeira, de que obtivemos bom número de exemplares vivos, guadaloupensis, e a outra, centimetralis. Desta apenas colhemos uns poucos exemplares vivos e estes muitos pequenos, mas havia grande número de cascas vazias, completamente brancas.

Em 30 de agosto, de manhã, visitamos o abastecimento de água e uma lagoa vizinha, sem encontrar Planorbis algum; à tarde estivemos na praia de Areia Preta. Voltamos pelas dunas sem encontrar nada de maior interesse.

Em 31 de agosto, excursão para Ceará-Mirim. Tomamos cedo o trem para Extremos, de onde seguimos nos trilhos por meio de troly com remadores. Durante o trajeto examinou-se grande número de lagoas e outras depois de chegar. Só numa delas achamos o centimetralis em número regular.

Em 1° de setembro voltamos, por trem. Um empregado colhia na própria cidade alguns P. centimetralis e muitos nigrilabris.

Em 2 de setembro, não achando o material para estudos bastante abundante, resolvemos nos mudar para a Paraíba. O trem parou em Independência para a noite, dando-nos ensejo de examinar a outra lagoa, onde achamos bastante centimetralis, que falta na primeira. Não é raro observar essas diferenças em águas muito vizinhas.

Em 3 de setembro, durante a viagem, vimos muito algodão com lagarta rósea. Chegamos cedo na Paraíba. Depois de uma visita ao governador, que nos recebeu muito bem, o diretor da Saúde Pública nos acompanhou ao hospital. Chamou atenção a relativa freqüência de cálculos. Há muita opilação e malária e numerosas feridas de pernas. Visitei a Lagoa de Baixo, que é bastante rasa e coberta de Pistia stratiote, na qual encontramos muitos Planorbis cimex e uma outra espécie pequena, também do subgênero Spiralina. Há alguns outros moluscos aquáticos e terrestres, mas não há larvas de Mansonia.

Em 4 de setembro visitei o Asilo de Mendicidade e fizemos algumas excursões, sem achar Planorbis. Apenas no Rio de Jaguaribe encontrara-se um pouco de centimetralis e a Physa preta comum. O resto do tempo foi passado nos hospitais, onde se verificaram diversos casos de Schistosomum.

Em 7 de setembro tomamos o trem de Pernambuco. Enquanto o dr. Penna com seu servente continuava a viagem até Pau d'Alho, o dr. Lutz, com o outro, andaram da Floresta dos Leões à Lagoa do Carro. Antes desse lugar há uma fábrica de tijolos, onde encontraram muitos Planorbis cultratus e alguns centimetralis. Na grande lagoa que deu o nome ao lugar não havia Planorbis. (O dr. Penna, em Pau d'Alho, encontrou o cultratus, o centimetralis com uma variedade alaranjada e o hemíptero Triatoma rubrofasciata.) O dr. Lutz depois tomou o trem para Limoeiro.

Em 8 de setembro, no rio Capibaribe encontrei o Pl. centimetralis com grande freqüência, e nas lagoas cobertas de Pistia stratiotes o Pl. cultratus e o Taeniorhynchus pseudomansonia em estado larvar e ninfal.

Em 9 de setembro, em Limoeiro, colheu-se mais Pl. centimetralis. Examinando excrementos depositados perto do rio Capibaribe, encontrou-se em dois os ovos do Sch. mansoni.

Em 10 de setembro saímos cedo, ficando o dia e a noite em Campo Grande, onde encontramos o centimetralis nos rios Traquinhaém e Capibaribe. Havia também uns Ancylus muito grandes. A lagarta rósea era freqüente. Nos perus apanhamos as moscas parasitárias. A flora local é interessante. Encontrei o Cochlospermum insigne St. Hil. (Bixaceae).

Em 11 de setembro chegamos ao Recife, onde tratamos dos negócios mais urgentes.

Em 12 de setembro vimos, no Hospital de Isolamento, um doente de febre amarela que veio de Natal, tendo dormido em Independência. Verificou-se, pelo exame das dejeções, casos de opilação, de Campo Grande e das margens do Capibaribe e Beberibe. Observou-se que os centimetralis, tanto claros como escuros, tinham muita atração para os miracídios do Schistosomum mansoni.

Em 13 de setembro, em companhia de um menino infectado com Sch. mansoni e que lá costumava banhar-se, examinei um açude de Jaboatão, encontrando muitos Pl. centimetralis, que não continham cercárias bifurcadas. Fizemos vários trabalhos de laboratório.

Em 14 de setembro, excursão ao Rio Beberibe, onde não se encontrou Planorbis. Todavia verificaram-se ovos de Schistosomum em fezes depositadas ao lado da água.

Em 15 de setembro foi feita a infecção de alguns Planorbis. Depois seguimos para Vitória onde, num pequeno rio que passa na cidade, encontramos muitos Pl. centimetralis e alguns cultratas. Ao lado havia dejeções contendo ovos com espinho lateral.

Em 16 de setembro embarcamos cedo e passamos Gravatá, onde o rio oferece condições favoráveis à formação de focos de infecção. Passamos a noite em Bezerros, onde no Rio Ipojuca havia muitos centimetralis.

Em 17 de setembro, por trem de lastro, seguimos a Gonçalves Ferreira, onde visitamos os focos de infecção; no rio havia muitos centimetralis. Depois seguimos em trem para Caruaru, onde ainda apreciamos a grandiosa vista de cima do Morro da Igreja.

Em 18 de setembro, de manhã, apanhamos muitos centimetralis no Rio Ipojuca, que passa dentro da cidade. De tarde fizemos seis léguas a cavalo até a fazenda Fortaleza, perto de Altino, onde sabíamos existir um foco de Triatoma megista. Na fazenda, o dr. Câmara e a sua família nos receberam muito bem, ajudando-nos com informações importantes.

Em 19 de setembro fizemos duas léguas a cavalo, indo e voltando de Furna d’Água, onde encontramos barbeiros não infectados. Achamos o Pl. centimetralis em águas que vão para o Rio Una, e verificamos também a existência de Schistosomum no homem. Na fazenda encontramos grandes criadores do C. taeniorhynchus. Na volta paramos nas cachoeiras do Rio Mentiroso, onde havia uma podostemonácea com larvas e casulos de S. orbitale. A flora era rica e interessante, porque o caminho passava por serras e a zona não era tão seca, como as últimas percorridas.

Em 20 de setembro seguimos por trem até Belo Jardim, onde encontramos o centimetralis no Rio Bitari e em algumas lagoas. Existe também o Sch. mansoni.

Em 21 de setembro voltamos em trem de Belo Jardim para Recife.

De 22 a 24 de setembro, trabalhamos no laboratório; visita a um hospital e preparos para nova viagem. O tempo é chuvoso.

Em 25 de setembro seguimos de trem até Palmares, onde se examinou o Rio Una, abaixo e acima da cidade, encontrando muitos centimetralis, uma espécie de Ancylus e várias de borrachudos.

Em 26 de setembro, passeio à Cachoeira da Ponte, onde se acham belas flores de uma podostemonácea e muitas larvas e ninfas de borrachudos. Depois aproveitamos de um amável convite do coronel Pedro Luiz Paranhos Ferreira, que nos mostrou a sua importante fazenda, onde existem belas matas, que visitamos com ele, apanhando umas 50 motucas de umas doze espécies. A mais comum, Tabanus (Macrocormus) oculus, encontra-se no Pará, sendo muito comum na Venezuela e no Equador.

Em 27 de setembro seguimos de trem de lastro, para saltar em Colônia, onde há um engenho de açúcar; tomamos depois o trem regular até Garanhuns, onde passamos à noite.

Em 28 de setembro seguimos às quatro horas da manhã, percorrendo em automóveis do coronel Delmiro Gouveia os 240 quilômetros que nos separavam da fábrica e vila industrial da Pedra. Atravessamos uma região muito árida, onde os rios estavam secos ou cortados. Encontramos nestes e nas lagoas que ainda existiam vários exemplares de Pl. centimetralis. A flora era muito pobre, mas encontramos alguns animais interessantes.

Em 29 de setembro vimos a fábrica e a vila, oferecendo ambos muitos pontos de grande interesse. À tarde fomos de automóvel até perto da cachoeira, fazendo os últimos 23 km a pé.

Em 30 de setembro, de manhã, examinamos a célebre cachoeira de Paulo Afonso que, embora muito subdivida e difícil de apreciar na sua totalidade, a menos de ficar a grande distância, oferece vistas belíssimas. O ponto de vista mais grandioso e emocionante é na escada que vai para a usina, colocada no paredão acima do último salto (que é também o mais vertical), como uma gaiola de passarinho numa parede. As águas nessa ocasião eram baixas, de modo que se conseguiu apanhar umas podostemonáceas (do gênero LigaeaT), nas quais existem lar vas e casulos de Simulium orbitale Lutz. Num braço do rio, que só nas enchentes tem água, encontrei os mesmos casulos na própria pedra, o que constitui um fato excepcional. É bastante singular que essa espécie seja a única que se encontra nas grandes cachoeiras de Pirapora e Paulo Afonso.

Em 1° de outubro, verificamos que na Pedra reinava uma pequena epidemia de alastrim. Examinamos quinze dejeções de pessoas, sem encontrar um ovo com espículo lateral.

Em 2 de outubro examinei e fotografei um caso de pé de Madura. Essa moléstia, provavelmente importada no Brasil, onde geralmente é muito rara, parece um pouco mais freqüente no estado de Alagoas, a julgar-se por algumas observações feitas na Bahia. Depois do meio-dia tomamos o trem e chegamos a Piranhas, um pouco antes das 16 horas. Alugamos uma canoa, que, na realidade, é uma barca grande e pesada, com toldo na proa. Seguimos às 18 h, mas partimos logo por causa do vento, só tornando a zingar às duas horas.

Em 3 de outubro passa-se Pão de Açúcar e muitos outros pequenos lugares. O vento é sempre muito forte. Não se acham moluscos, nem caça, nem pesca. Passou-se a noite a bordo.

Em 4 de outubro, com vento sempre desfavorável, vai-se bordejando todo o dia para chegar, à noite, ao porto de Propriá, onde saltamos.

Em 5 de outubro, numa lagoa, por dentro da cidade, já em grande parte entulhada por conta do governo federal, encontraram-se muitos Pl. centimetralis, contendo duas espécies de cercárias de cauda bifurcada, uma delas com olhos e outra caracterizada pela profunda divisão da cauda. Havia também uma terceira de cauda simples e comprida que encontrei em um centimetralis apanhado na Lagoa da Pedrinha, abaixo da cidade.

Em 6 de outubro visitamos, também a canoa, a Lagoa do Oiti, acima da cidade, onde, como na da Pedrinha, há grande cultura de arroz. Encontraram-se duas espécies de bivalves, mas nenhum Planorbis. Colhemos vários Paederus, aqui chamados potó.

Em 7 de outubro, com o dr. Moacyr Leite, vi o hospital e um caso de cirrose de fígado com grande número de ovos, envolvidos em mucosidades e tendo a casca branca. Visto que o doente admitia inclinação ao álcool, o papel dos Schistosomos ficou incerto. No mesmo dia seguimos para Aracaju. Durante a viagem encontrei em Murta, num afluente do Rio Japarituba, o primeiro Pl. olivaceus.

Em 8 de outubro entregamos uma carta de recomendação ao Secretário do Interior, que nos recebeu muito bem, facilitando tudo o que precisávamos. Colhemos muitos olivaceus, perto da escola e na Lagoa da Égua. Continham Tetracotylus e cercárias de cauda simples, mas nenhuma de Sch. mansoni.

Em 9 de outubro fomos por lancha a Laranjeiras onde, na ocasião, os Planorbis eram raros e não infectados, mas encontraram-se fezes com ovos de Sch. mansoni.

Em 10 de outubro, no hospital, vimos muitas feridas e processos gomosos. Notase bastante freqüência de cálculos vesicais. Examinou-se, sem resultado, a fauna de várias lagoas e verificou-se a existência de ovos de Schistosomum em vários casos.

Em 11 de outubro, a cavalo, visitamos a colônia agrícola, dirigida pelo sr. Travassos, que nos acompanhou. O caminho atravessa dunas e tabuleiros de areia pura, com vegetação muito interessante. No rio Poxi-Mirim havia uns Planorbis, que pareciam olivaceus ainda novos, nos quais encontramos três cercárias de cauda bifurcada, sendo uma a mansoni. As outras eram iguais às de Propriá. Na casa do velho Sixto, onde a sua existência já era conhecida, achamos, com dificuldade, alguns Triatoma rubrofasciata.

Em 12 de outubro, grande número de exames feitos aqui deu uma proporção de 27-28 por cento de resultados positivos para os ovos com espinho lateral. O maior número existia nas dejeções de uma moça de Capela. Estive na cadeia, onde escolhi uns vinte homens de várias localidades para obter mais informações sobre a distribuição da infecção.

Em 13 de outubro examinamos no hospital a moça de Capela que tinha baço e fígado pequenos. A mãe, menos infectada, tinha o baço grande e o fígado pequeno. Examinamos mais lagoas na zona do hospital, que dista bastante da cidade. Só na Lagoa de Telha encontramos Pl. olivaceus, entre os quais havia exemplares infectados pelo Sch. mansoni. Em 22 amostras, na maior parte mandadas da cadeia, encontraram-se sete vezes os ovos com espinho lateral. Levando em conta que infecções recentes ou fracas podem escapar a um exame microscópico mais sumário, a porcentagem média de infecção entre a gente do povo será provavelmente superior a um terço – Vi hoje um papo antigo e grande, adquirido em Propriá, onde parece o único caso conhecido.

Em 14 de outubro: passamos estes dias em trabalho de laboratório, preparativos de viagem e visitas de despedida.

Em 16 de outubro seguimos no trem que vai para a Bahia e passamos a noite em Timbó.

Em 17 de outubro encontramos muitos olivaceus adultos numa pequena lagoa, perto da estação. Continuamos a viagem por uma região onde existe o Pl. olivaceus. Colhemos alguns exemplares em Alagoinhas, onde, pelas informações do dr. Maurilho Pinto, não são raros. À noite chegamos à Bahia.

Em 18 de outubro, na casa do capitão do Porto, que nos foi amavelmente oferecida, abrimos laboratório com o material que nos acompanhou e outro que tínhamos mandado antes.

Em 19 de outubro colheram-se, no Tanque da Conceição, grandes Pl. olivaceus, constatando apenas cercárias de cauda simples, além de muitos equinostomos enquistados.

Em 20 de outubro, excursão à Lagoa da Amaralina, onde existe como único Planorbis o nigrilabris Lutz.

Em 21 de outubro examinamos os reservatórios de Queimadas e Cabula, sem encontrar caramujos. Achamos larvas e ninfas de Simulium brevibranchium, espécie característica do estado da Bahia.

Em 22 de outubro, trabalhos de laboratório.

Em 23 de outubro, viagem para Cachoeira, onde no Rio Catinga se colhe muito Planorbis que parecem pequenos olivaceus. Contém cercárias de Sch. mansoni e outra cercária de cauda simples.

Em 24 de outubro, de manhã, exploramos o Paraguaçu, encontrando poucos Planorbis. Nas cachoeiras há uma podostemonácea com muitas larvas e ninfas de Simulium orbitale. De tarde seguimos em trem para Feira de Santana.

Em 25 de outubro, num poço, perto da cidade, há muita Physa e, na grande lagoa, Pl. olivaceus, grande e infectado com Sch. mansoni. Do mesmo encontramos cascas mortas com raros exemplares vivos, todos pequenos, em várias outras lagoas, quase secas e muito expostas ao calor.

Em 26 de outubro, viagem de volta para a Bahia.

Em 27 de outubro, excursão para Itaparica. Na Lagoa Grande encontram-se uns poucos Planorbis, algumas motucas e muitos carrapatos. Por causa de mau tempo passamos a noite na ilha.

Em 29 de outubro voltamos cedo e resolvemos embarcar na Itaquera por não haver passagens nos vapores do Lloyd. Apressamos os preparativos e as despedidas e embarcamos debaixo de chuva torrencial.

Em 30 de outubro o tempo melhora.

Em 1° de novembro paramos pouco tempo em Vitória.

Em 2 de novembro chegamos e deitamos ferros no porto do Rio de Janeiro às 9 horas.

Dou agora a palavra ao dr. Oswino Penna para os capítulos que seguem.

Exames relativos à freqüência do Schistosomum mansoni nos estados percorridos

Durante toda a nossa viagem foram anotados 312 exames coprológicos, além de muitos outros feitos, mas não registrados, por motivos longos de explicar. Aqueles ficaram assim distribuídos:

Estado do Rio Grande do Norte

Em Natal foram feitos 25 exames de material, fornecidos pelos menores da Escola de Aprendizes Marinheiros; todos esses exames foram negativos relativamente a ovos de Schistosomum mansoni. No hospital da cidade examinamos dezenove amostras de fezes, com três casos positivos; eram esses doentes do lugar denominado Boacica, onde, segundo informações, existe uma lagoa em que se encontram Planorbis.

Estado de Paraíba

Foram examinadas 25 amostras de fezes dos menores da Escola de Marinheiros, entre os quais encontramos três portadores de ovos de Schistosomum, e 32 do Hospital de Santa Isabel, com quatro casos positivos. Parece que esses portadores se haviam infectado na capital e em Lagoa Grande, sendo que um deles era de Pau d'Alho, em Pernambuco.

Estado de Pernambuco

Examinamos, logo após nossa chegada, fezes de 25 aprendizes de marinheiros, entre os quais sete estavam infectados pelo trematódeo em estudo. Do Hospital, do hospício e do Asilo de Mendicidade nos foram enviadas 46 amostras de material para exame, das quais quinze continham ovos de Schistosomum; além disso, fizemos ainda, durante as viagens para o interior do estado, 22 exames de material colhido ao azar, sendo oito deles positivos. Esses portadores de ovos eram procedentes das seguintes cidades e vilas do estado de Pernambuco: Bom Jardim, Belo Jardim, Limoeiro, Campo Grande, Pau d'Alho, Vitória, Bezerros, Beberibe, Gonçalves Ferreira, Caruaru, Altinhos, Palmares e Jaboatão.

Essas cidades ficam à margem dos rios Capibaribe, Ipojuca, Beberibe, Una e seus afluentes, Jacuíbe e Pirangi; em todos esses rios, à exceção do Beberibe, foi encontrado o Planorbis centimetralis Lutz.

Estado de Sergipe

Como sempre, examinamos primeiro as fezes de menores da Escola de Marinheiros, em número de 25, entre os quais encontramos seis portadores de Schistosomum; examinamos fezes de mais dezoito indivíduos da cadeia, com cinco casos positivos; 24 doentes do Hospital, dos quais oito eliminavam ovos de Schistosomum e em oito exames de material colhido ao acaso, cinco foram positivos. Eram essas as cidades e vilas onde haviam permanecido ou passado os hospedeiros da forma adulta desse verme: Aracaju, Japaratuba, Maroim, São Cristóvão, Laranjeiras, Itaporanga, Capela e Propriá. Em alguns desses lugares pudemos verificar pessoalmente a existência de Planorbis olivaceus, sendo alguns deles infectados pelos miracídios do Schistosomum mansoni, pois já produziam cercárias desse mesmo trematódeo. Em Propriá encontramos ainda Planorbis centimetralis Lutz.

Estado da Bahia

Em 25 exames oo-helmintoscópicos de material da Escola de Aprendizes marinheiros, quatro foram positivos relativamente ao Schistosomum; do Hospital recebemos apenas oito amostras de fezes, das quais três continham ovos com espinho lateral. Em material, colhido ao acaso nas proximidades de rios e lagoas com caramujos naturalmente infectados, obtivemos cinco resultados positivos em nove amostras examinadas. As cidades e vilas da Bahia, onde esses portadores de Schistosomum permaneceram sempre ou estiveram durante um tempo mais ou menos considerável, são Feira de Santana, onde encontramos no Tanque da Nação o Planorbis olivaceus; Cachoeira, com os rios Pitanga e Caquende, sendo que neste último verificamos a existência de caramujos infectados por esse trematódeo; Itapagipe e Silva Jardim.

Quando de viagem para Pernambuco, desembarcamos em Maceió, e visitando o Hospital, indagamos se havia doentes de disenteria amebiana, ao que nos responderam haver um caso antigo e particularmente grave, por isso que se mostrava rebelde a qualquer tratamento. Pedimos que, caso fosse possível, nos mandassem uma amostra de fezes da doente para ser examinada a bordo. De volta ao navio encontramos o material; examinamo-lo imediatamente e não constatamos ameba alguma, mas ovos de Schistosomum em grande número; foi mesmo o material mais rico em ovos que já nos foi dado observar até hoje. Escrevemos várias vezes pedindo informações sobre essa doente, mas infelizmente nunca as conseguimos.

Das 312 amostras de fezes examinadas, 71 continham ovos de Schistosomum mansoni, o que faz, em média, um total de 22,75 por cento.

Resumimos nossa rápida e insuficiente estatística de portadores desse parasito humano nos estados do Norte que percorremos:

À primeira vista logo se nota a diferença na porcentagem de portadores de Schistosomum entre os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e outros estados que percorremos. E foi por esse motivo que pouco demoramos naqueles primeiros estados, deixando a maior parte de nosso tempo para estes últimos, sobretudo Pernambuco e Sergipe, mais propícios às investigações a que nos propúnhamos e menos estudados nesse particular. Era essa de resto a impressão que levávamos quando daqui partimos; nos exames, feitos em fezes de doentes do Hospital da Marinha, a maior porcentagem de portadores de ovos de Schistosomum foi sempre observada entre os indivíduos procedentes de Pernambuco, Sergipe e Bahia.

Em todas as amostras de fezes examinadas não conseguimos uma só inteiramente isenta de ovos de vermes, a não ser no material de quatro pessoas de uma família do Sul que chegara, havia quatro meses apenas, a Aracaju. A ordem de freqüência de ovos das diversas espécies de vermes encontrados nas fezes era a seguinte: 1° Ancylostoma;Trichocephalus, 3° Ascaris, 4° Schistosomum mansoni, sendo em muitas amostras encontrados ovos das quatro espécies; eram esses os casos que denominávamos “polivalentes”.

Peste

Chegando a Recife fomos convidados a visitar o Hospital de Isolamento de Santa Águida, onde eram recolhidos os doentes de disenteria; procurávamos casos de infecções com amebas e Schistosomum. Aí nos mostraram dois casos suspeitos de peste, um quase curado e o outro muito melhorado, do qual colhemos material de gânglio, que examinamos, encontrando um pus estéril, o que fala muito a favor da peste. Quando descíamos o Rio São Francisco, fomos informados de haver casos suspeitos dessa bacilose em Vila Nova, no estado de Sergipe, à margem daquele mesmo rio; pelas informações minuciosas e muitas vezes repetidas, estamos certos de tratar-se realmente de peste, sendo alguns casos mesmo de peste pulmonar. Mais tarde essas nossas suspeitas foram confirmadas pelo que nos contaram dois dos médicos, que, pelo estado de Sergipe, haviam sido nomeados para estudar aquela epidemia. Quando já de volta do Rio Grande do Norte, em Recife, ainda no Hospital de Santa Águida, encontramos mais quatro casos clássicos de peste, acompanhados os casos de todas as agravantes que autorizam o diagnóstico de uma dessas epidemias; esses doentes procediam todos de um mesmo ponto da cidade, de outras próximas, onde haviam sido encontrados, dias antes, cadáveres de ratos; um dos enfermos era de um outro ponto da cidade, mas havia pernoitado, dias antes, em uma das referidas casas, e, mais ainda, não era a primeira vez que daquele local procediam doentes com os mesmos sintomas, e as pesquisas de laboratório confirmavam o diagnóstico clínico.

Em viagem para Caruaru, no sul do estado de Pernambuco, no lugar chamado Gonçalves Ferreira, onde procurávamos Planorbis e doentes de esquistossomose, nos referiam que, distante alguns quilômetros daquele local, haviam falecido algumas pessoas com ínguas na virilha e debaixo do braço, fatos que sucederam ao aparecimento de ratos mortos; como nos propuséssemos a ir verificar o que nos acabavam de informar, nos dissuadiram dessa intenção, por não haver mais desses doentes.

Febre amarela

Sempre que indagávamos sobre febre amarela, obtínhamos informações negativas, mesmo em Alagoas, de onde, ao partirmos daqui, levávamos informações seguras de haver ou ter havido casos de febre amarela.

De quando em vez um médico nos falava vagamente de casos suspeitos, porém, imediatamente desfazia essas suspeitas, afirmando tratar-se de febre remitente biliosa. Assim chegamos até o Rio Grande do Norte e voltamos a Recife, sem muito adiantar de seguro, relativamente à febre amarela. Aí, depois de alguns dias de estada, fomos novamente ao Hospital de Isolamento à procura de casos de disenteria e lá nos convidaram para ver um doente interessante; encontramos então um caso clássico de febre amarela, já diagnosticado e convenientemente protegido contra os insetos sugadores, ou melhor, estes protegidos contra o doente.

Acompanhamos esse caso, cujo tempo de moléstia, depois que o vimos, foi apenas de dias, terminando pela morte. Esse doente procedia de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, tendo pernoitado em Guarabira (Independência), na Paraíba; adoecera três dias depois de chegar a Recife; tratava-se de um sírio recém-chegado ao Brasil (havia cerca de três meses). Durante todo o tempo em que viajávamos por esses dois estados, não tivemos notícia de outro caso de febre amarela, no dizer dos clínicos locais. Parece-nos que haja endemicamente casos frustos de febre amarela, que passam despercebidos, não se fazendo isolamento, o que facilita a infecção de Stegomyias, as quais picando indivíduos não imunizados, estrangeiros em geral, ocasionam o aparecimento desses casos graves. É muito possível que inúmeros doentes, classificados como casos de febre remitente biliosa, sejam de fato casos benignos de febre amarela e que, em vez de serem tratados como casos banais de infecções comuns, deviam, antes, ser isolados como casos suspeitos, único meio talvez de acabar com esses portadores de vírus, focos de infecção dos transmissores específicos.

Ao deixar o estado da Bahia fomos informados pelo dr. Octavio Torres de um outro caso verificado de febre amarela em um sacerdote que viera de uma cidade do interior desse mesmo estado, aonde fora fazer companhia a um seu companheiro doente, oferecendo sintomas semelhantes aos que ele agora apresentava.

Há pois por esses estados do Norte, endemicamente, casos de febre amarela e uma quantidade prodigiosa de Stegomyia.

Paludismo

No que diz respeito ao paludismo, nada observamos de mais notável ou menos conhecido; o que vimos já é por demais sabido. Impaludados e anofelinas por toda a parte; em alguns pontos havia exacerbações da endemia, tendo-se então verdadeiras epidemias mais ou menos graves; foi o que sucedeu ultimamente em Alagoinhas, na Paraíba, e na Cachoeira de Paulo Afonso. Levávamos daqui a impressão de que a maior parte dos hipoêmicos eram impaludados; voltamos, entretanto, com a convicção de que dois terços dos anêmicos o são por ancilostomíase e um terço pela malária; muitos doentes eram portadores do verme no intestino e do protozoário no sangue, e encontramos alguns até mesmo atacados pelas cinco infecções mais comuns que são os maiores males no Norte do país; a ancilostomíase, o paludismo, a sífilis, a disenteria e a esquistossomose; esta última, se bem que a mais benigna, se espalha, atualmente, com prodigiosa facilidade.

De todas as cidades e vilas que percorremos no Norte, apenas em uma única, na cidade de Propriá, à margem do São Francisco em Sergipe, fazia-se alguma coisa contra essa endemia, aterrava-se uma lagoa que, além de ser foco de larvas de anofelinas, era um viveiro de Planorbis, infectado por diversas espécies de cercárias, e na mesma lagoa se faziam despejos de toda sorte.

Ancilostomíase

Esse flagelo é uma verdadeira calamidade no Norte. Pode-se afirmar que 855 dos exames coprológicos feitos no interior dos estados do Norte revelavam a presença de ovos de Ancylostomum. Estamos certos de que pelo menos 70 por cento dos indivíduos que forneceram esse material eram realmente ancilostomosados e os restantes simples portadores.

Dessa verminose se encontram exemplos de todas as formas clínicas. É curioso como outras lesões, que, intercorrentemente, se assestam sobre os doentes dessa helmintíase, apresentam marcha e aspecto diferentes do comum.

Não se pode, por maior esforço que se despenda, fazer uma idéia do que será dessa gente e de sua prole com o correr dos tempos, a menos que se faça alguma coisa contra a moléstia.

Quando se tem visitado o interior destes quatro estados, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, sente-se como é ridículo falar em ancilostomíase em outros lugares, tal é a proporção em número e gravidade que aí assume esse parasitismo.

Ninguém, por maior que seja o esforço de imaginação, poderá fazer uma pálida idéia da intensidade e extensão da ancilostomíase nesses estados do Norte; também ninguém se preocupa com isso; raro é o habitante dessas paragens que em toda a sua vida já tenha tomado um anti-helmíntico, que se sirva de um aparelho sanitário ou que tenha o hábito de andar calçado.

Conclusão

Neste mesmo número deve aparecer uma monografia dos Planorbis brasileiros, e mais tarde publicaremos um estudo sobre os trematódeos encontrados neles.

Fig.1 – Rural Landscape, Eichhornia vegetation. Dique Lake, São Salvador, August 9 1918.

Paisagem rural, vegetação de Eichhornia. Lagoa do Dique, São Salvador, 9.8.1918. Foto inédita não publicada no relatório de 1918. Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Departamento de Arquivo e Documentação, Setor Iconográfico, Série Atividades Científicas, Subsérie Expedições, maço: FOC (AC-E) 5-1.

Fig.2 – Itapacurá River in Vitória de Santo Antão, Pernambuco.

Rio Itapacurá, no município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.3 – Carro Lake, Pernambuco.

Lagoa do Carro, Pernambuco (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.4 – Limoeiro Lake, downtown Limoeiro, Pernambuco.

Lagoa de Limoeiro, no centro da cidade de mesmo nome, em Pernambuco. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Figs.5, 6 – Head of Jaguaribe River, Oitizeiro district, in João Pessoa.

Nascente do rio Jaguaribe, bairro do Oitizeiro, município de João Pessoa. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.7 – Washer-women in the Jaguaribe River, Torre district (Dionísio Torres?) in João Pessoa, Paraíba.

Lavadeiras no rio Jaguaribe, bairro da Torre (Dionísio Torres?), em João Pessoa, Paraíba. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.8 – Washer-women in the Jaguaribe River, João Pessoa.

Lavadeiras no rio Jaguaribe, João Pessoa. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.9 – Extremoz Lake in Extremoz, Rio Grande do Norte.

Lagoa de Extremoz, no município de mesmo nome, em Rio Grande do Norte. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).

Fig.10 – Women fishing in one of the rivers visited by Lutz and Penna in Rio Grande do Norte. Negatives not identified.

Mulheres pescam num dos rios do Rio Grande Norte visitados por Lutz e Penna. Negativo sem identificação. Foto inédita não publicada no relatório de 1918 (BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 34, pasta 244, maço 6).