Anexo 3 – Relação da viagem feita a Sergipe, em serviço do Instituto Oswaldo cruz, em 22 de julho de 1916*

Theophilo Martins

Aracaju

29.

Hospedei-me no hotel familiar; nesse mesmo dia fui à escola de aprendizes de marinheiros a fim de falar ao comandante, servindo-me da carta de apresentação fornecida pelo Dr. Penna. Fui bem recebido, porém não pôde principiar a colheita de material no mesmo dia por não se encontrar no hospital o Dr. Aristides, chefe da enfermaria.

30.

Voltei à Escola, onde tive ocasião de falar com o Dr. Aristides, entregando a carta dirigida pelo Dr. Penna. Começando nesse mesmo dia a fazer os exames de fezes nos aprendizes suspeitos.

1° exame.

Aprendiz n° 83. Dercilio Vianna das Chagas, 17 anos, natural do estado do Espírito Santo (Campo Grande). Alistou-se na escola do mesmo Estado em 20 de junho de 1914, foi transferido para a escola de Sergipe em 4 de abril de 1915, onde continua. Diz que quando paisano, tomava banhos nas lagoas de Campo Grande. No exame microscópico encontrei abundante material de bilharziose, e ovos de outros vermes.1 Disse o doente ter visto numerosos caracóis nas lagoas em que se banhava.

2° exame, em 1° de junho [de] 1916

Aprendiz n° 42. Antenor Cavalcante Lima, 15 anos, natural de Aracaju. Alistou-se na escola em 16/3/1915. Diz que quando paisano tomava banhos nas lagoas de Mirão (Japaratuba), não conhecendo caracóis. No exame microscópico encontrei grande quantidade de ovos de bilharziose e algumas larvas móveis.

2/6 (3° exame)

Não fui à escola, aguardando no hotel material (fezes) que me devia enviar [o] Dr. Aristides, de uma doente suspeita, não encontrando absolutamente nada no material em questão.

4° exame: 3/6/1916

Aprendiz n° 25. Elias Mathias dos Santos, 15 anos, natural de Pernambuco, mora há três anos em Aracaju. Alistou-se na Escola em 10/2/1915. Já morou na Cidade de Capela (Sergipe). Disse que quando paisano tomava banhos nas lagoas de Aracaju, onde sempre notou presença de caracóis.

Encontrei abundante material de bilharziose.

5° exame.

Marcelino Chagas, enfermeiro da escola, natural da Bahia, 28 anos. Mora em Aracaju há 3 anos. Nunca tomou banho em lagoa, sendo negativo o resultado do exame.

4 de julho de 1916

Fui convidado pelo Dr. Aristides para ser apresentado ao governador do estado; recusei terminantemente, mas em vista da insistência, tive de o acompanhar ao Palácio Presidencial, em seguida fui também apresentado ao Dr. chefe de Polícia, ao Dr. Octaviano, Diretor de Higiene, e ao comandante do Corpo de Polícia de Aracaju. Todos me trataram com a maior atenção, por terem conhecimento de que eu era empregado do Dr. Oswaldo Cruz, oferecendo-me tudo o que fosse necessário, não os incomodando a não ser quando fui a Cabrita e Laranjeiras, que, por gentileza do Dr. Octaviano, fui acompanhado por um praça a fim de me indicar os caminhos das lagoas.

5/7/1916

Fui a Cabrita por ter informações de que lá havia grande quantidade de caracóis em algumas lagoas. Em companhia do enfermeiro da Escola, do praça fornecido pelo Dr. Octaviano, saí de Aracaju às 5 horas da manhã; durante a ida fui parando nas lagoas do caminho a fim de ver se encontrava alguns caracóis, não [os] encontrando absolutamente em nenhuma das lagoas que pude verificar. Chegamos a Cabrita às doze horas do dia, fiz uma vista da casa das máquinas e do Rio Pitanga que fornece água para o tanque que abastece a cidade. Neste tanque colhi alguns caracóis, e fora da água encontrei uma espécie diferente.

Na volta, tendo passado por lugares diferentes, examinei algumas bromélias, não encontrando larvas de mosquitos devido às águas serem novas. Encontrei também em algumas lagoas poucos caracóis; durante a viagem, os animais não foram atacados por mosquitos nem mutucas, devido à chuva lenta porém constante. Chegamos a Aracaju às 7 horas da noite.

6/7/1916

Pedi permissão ao comandante da escola para improvisar uma câmara escura, visto no hotel não haver lugar que se prestasse, e no próprio edifício da escola existir um pequeno quarto, único e mais prestável, apesar de pouca capacidade cúbica, pois mal podia revelar as chapas.

7/7/1916

6° exame, aprendiz n° 5.

Oscar Polido de Sant'Anna, 16 anos, natural de Sergipe (Curral do Meio), alistou-se na escola em 16/3/1915.

Quando paisano tomava banhos nas lagoas do Curral do Meio. Esse aprendiz era o mais amarelo; encontrei grande quantidade de ovos de bilharziose, e muitos com larvas que se moviam. No mesmo dia, por indicação do Dr. Travassos, diretor da Colônia Agrícola, que disse-me poder apanhar muitos mosquitos e mutucas, às 12 horas do dia montei a cavalo, em companhia de um guia, por ordem do Dr. Travassos, às 5h:30 da tarde chegamos à colônia. No mesmo dia colhi alguns anofelinos no cavalo, percorremos algumas lagoas não encontrando caracóis; só em um pequeno braço de um tanque, perto da casa do Dr. Travassos, colhi alguns caramujos.

8/7/1916

Voltei da colônia, chegando à tarde na pensão. Em caminho colhi algumas mutucas que picavam as orelhas do cavalo. Em uma casa onde parei para beber água, mesmo fora da porta, eu vi que as paredes estavam com pintas brancas em alguns lugares. Entrei, examinei alguns buracos e encontrei, com muita facilidade, larvas e ninfas do Triatoma rubrofasciata. A casa fica pouco mais de uma légua distante de Aracaju. Pertence ao Velho Xisto.

9/7/1916

7° exame. Aprendiz n° 43, João de Vasconcelos, 15 anos, natural de Sergipe (Laranjeiras). Alistou-se na escola em 18/3/1915. Antes de entrar para a escola, tomava banhos nos riachos e lagoas de Laranjeiras, onde viu sempre muitos caracóis. Grande abundância de ovos de bilharziose.

8° exame. Aprendiz n° 37, Josino Ferreira de Sant'Anna, 17 anos, natural de Sergipe (Curral do Meio), alistou-se na escola em 16/3/1915. Quando paisano tomava banhos nos rios e lagoas do Curral do Meio, onde viu caracóis. Encontrei bastantes ovos de bilharziose e alguns com larvas móveis.

9° exame. 10/7/1916. Aprendiz n° 34, João Francisco Figueredo, 17 anos, natural de Sergipe (Capela). Alistou-se em 1915. Quando paisano tomava banhos nas lagoas de Capela, nunca viu caracóis nas referidas lagoas. Encontrei grande quantidade de ovos de bilharziose.

10° exame. Aprendiz n° 71, Lemitho do Carmo, 16 anos, natural do Espírito Santo (Cachoeira). Quando paisano tomava banhos no rio da cidade onde nasceu. Alistou-se na Escola do Espírito Santo em 3/7/1914, foi transferido para a de Sergipe em 3/5/1915, onde continua. Viu muitos caracóis, e no exame encontrei muitos ovos de bilharziose e de outros vermes.

Exames feitos em menores moradores vizinhos da Lagoa do Céu, lugar Canto Escuro.

José Correia dos Santos, 9 anos, natural de Propriá, Lagoa Comprida, mora em Aracaju há 4 meses, costuma tomar banhos na Lagoa do Céu. Encontrei ovos de outros vermes.

Pedro, filho de Regina, 5 anos, natural do Rosário (Maruim), Aracaju. Encontrei abundante material de bilharziose.

Joãozinho, irmão de Pedro, 2 anos, natural de Rosário; esses dois pequenos moram há meses na casa mais próxima à lagoa do Céu, onde encontrei caracóis em abundância.

12/7/1916.

Às 4h:30 da tarde, embarquei para a cidade de Laranjeiras, onde cheguei às 6 horas da noite, tomei hospedagem na Pensão Filomena.

Laranjeiras, 13/7/1916

Muito cedo, juntamente com o praça que me acompanhava por ordem do Dr. Octaviano, fui correr os rios e lagoas do lugar, encontrando todas muito cheias devido às chuvas que têm sido constantes; na volta entendi-me com o Dr. Bragança, o primeiro médico de Laranjeiras, que ofereceu-me lugar no hospital para que fizesse alguns exames sobre o material procurado.

À tarde fui ao Barro Vermelho, Rua do Buquim, onde me encontrei com o aleijado José Martins dos Santos, padrasto do Álvaro; indaguei sobre os rios e lagoas [em] que o Álvaro costumava tomar banhos, se existia aí algum menor que costumasse acompanhar este para os banhos; se existia também algum parente.

Foram-me apresentados 4 meninos, sendo um como irmão do Álvaro, e os outros, como companheiros de vadiagem; então combinei com os pequenos que me procurassem no hospital no outro dia, às 11 horas.

14/7/1916

1° exame: Aprijio José Martins, irmão de Álvaro, com 10 anos de idade, natural de Laranjeiras, morador no Bairro Vermelho, Rua do Buquim, que costumava tomar banhos na lagoa do Bom Gosto. Encontrei grande quantidade de ovos de bilharziose e muitas larvas móveis.

2° exame: Enicetho Antonio Menezes, com 14 anos de idade, natural de Laranjeiras, morador na Rua do Buquim. Este é bastante pálido. Também se banhava na Lagoa do Bom Gosto. Encontrei abundante material de Bilharziose.

15/7/1916

3° exame: Norival José dos Santos, com 12 anos de idade, natural de Laranjeiras, Bairro Vermelho. Tendo também por costume banhar-se nas águas da mesma lagoa, e no Rio Maruim. No exame microscópico encontrei abundância de ovos de bilharziose, com larvas móveis. Com o mesmo material injetei uma cadela pelo ânus, sendo informado de que a cadela nunca entrara em rios e lagoas; mesmo assim, antes de ser injetada fiz um exame de fezes, não encontrando ovos de vermes de espécie alguma.

4° exame: João Telles dos Santos, 13 anos, natural de Aracaju, disse costumar banhar-se no riacho de Tamandaí, que fica próximo da estação, encontrando no exame ovos de bilharziose.

Em alguns rios e lagoas de Laranjeiras colhi poucos caracóis devido às enchentes. Também colhi algumas plantas aquáticas, tirando poucas devido ao tempo que não permitia.

Em uma excursão que fiz ao sítio do Dr. Bragança, no caminho, pude colher algumas mutucas na ocasião em que picavam a orelha do animal. O material de mosquitos, apesar de meus esforços, não me foi possível, devido às chuvas que eram constantes.

Colhi carrapatos, muquiranas de porcos e micuim.

16/7/1916

Às 12 horas do dia, juntamente com o praça e meu material, embarcamos com destino a Aracaju, onde chegamos às 3 horas da tarde devido ter havido um descarrilamento.

Aracaju, 17/7/1916

Pela manhã fui à escola a fim de revelar algumas chapas.

Aracaju, 18/7/1916

Fiz novos exames de fezes. Examinei Ozório José da Silva Pereira, com 9 anos, morador em Aracaju há 8 anos, na Rua Canto Escuro. Disse costumar banhar-se na Lagoa do Céu. Este era natural de Capela,2 não tive tempo suficiente para examinar o material, devido estar próximo o meu regresso.

Aracaju, 19/7/1916

Às 5 horas da manhã, fui ao sítio do Sr. Tunico, onde fica a Lagoa da Coceira, e Arão, lugar indicado pelo Álvaro, que dissera costumar nestas lagoas lavar cavalos e mesmo banhar-se.

Essa informação foi confirmada pela avó do Álvaro, que consegui encontrar morando na rua do Buquim, em Aracaju.

Nestas lagoas não encontrei caracóis, devido às enchentes, porém colhi algumas plantas aquáticas e águas, para serem examinadas.

De volta passei na Lagoa Caborje. Aí então encontrei alguns caracóis, fazendo o mesmo na Lagoa do Céu, onde existe com mais abundância que em qualquer outro lugar.

Voltei à pensão a fim de arrumar o meu material, em vista de se aproximar a chegada do paquete “Almirante Jaceguay,” que era esperado a 20 do corrente.

Em Aracaju fiz mais dois exames de fezes, sendo um de uma doente do Dr. Aristides, e o outro da menor Elza, com 2 anos de idade, e filha natural de Aracaju.

Por informações dos pais, essa menina nunca tomou banho em lagoas e rios. No exame feito não encontrei ovos de bilharziose e sim de outros vermes.

20/7/1916

Depois de ter minha bagagem arrumada, a fim de partir, fui despedir-me das pessoas [a] que fui apresentado pelo Dr. Aristides, ao mesmo tempo agradecer os auxílios que me prestaram durante minha permanência em Sergipe.

Finalmente, fui à Escola de Aprendiz de Marinheiros mais agradecer ao capitão-tenente, comandante da mesma, por ser o que mais se prestou, ao mesmo tempo mostrando-se interessado para melhor resultado possível das minhas pesquisas.

Em um dos exames, no aprendiz 34, encontrando material muito interessante, chamei a curiosidade do comandante para observar no microscópio um perfeito ovo de bilharziose, na ocasião em que a larva se deslocava, e ele mostrou-se perfeitamente admirado.

21/7/1916

Continuei a esperar o vapor, com o material pronto para embarcar.

22/7/1916

A fim de deixar em Aracaju uma pessoa prática para remeter material ao Instituto, combinei com o Sr. Marcelino Chagas, enfermeiro da Escola, que muito me auxiliou em meus serviços, prometendo-me satisfazer a qualquer pedido que lhe fosse dirigido.

Também combinei com o Sr. Antonio Gaston (Tunico), proprietário do sitio S. Francisco e [da] Lagoa da Coceira, lugar onde o Álvaro costumava lavar cavalos e tomar banhos. O Sr. Gaston ficou de remeter caracóis logo que a lagoa secasse. Para correspondência desse senhor, Rua da Estância, n° 17, Aracaju.

23/7/1916

Continuei a esperar o Jaceguay, que se achava encalhado em Penedo.

24/7/1916

Às 14 horas do dia, chegou o Jaceguay. Mandei todo o material nesse dia para bordo, e às 10 horas de 25, embarquei. Às 12 horas deixamos o porto de Aracaju, chegamos na Bahia a 26, e a 27 em Ilhéus, a 28 em Ponta d'Areia e Caravelas, onde saltei, colhendo em uma vala próxima alguns caracóis, e uma outra espécie sobre as pedras, colhendo mais algumas espécies na água salgada.

Voltei ao vapor. Chegamos a Vitória a 29.

Tendo eu indicações do Dr. Lutz para colheita de larvas em bromélias neste porto, e já preparado para saltar, achei-me impossibilitado devido à pouca demora do vapor, que chegando às 8:30 da manhã, largou às 10 horas, acontecendo o mesmo na minha ida.

Em Aracaju, procedi a um exame em fezes de um cão, que observei muitas vezes deitar-se perto da água na Lagoa do Céu, sendo o resultado do exame negativo.

De todas as pessoas que foram examinadas trouxe uma amostra de fezes, conservadas em formol a 10%, e tirei também fotografias, que acompanham com o material. Dia 30, à 1 hora, desembarquei no porto do Rio.