10
O xerife de Nottingham (trata-se de lorde Fitz-Alwine, de feliz memória), ao saber que Robin Hood e uma parte do bando se encontravam em Yorkshire, achou ser possível, com a ajuda de forte tropa de valorosos soldados, livrar a floresta de Sherwood dos bandidos que, longe do chefe, se veriam em dificuldade para se defender. Planejando a certeira expedição, lorde Fitz-Alwine pensou também em vigiar as proximidades do velho bosque, com o intuito de prender Robin quando regressasse. Mas como sabemos, os heróis do barão não eram tão heroicos, e ele fez vir de Londres, então, uma tropa de bravos, instruindo-os pessoalmente sobre o tipo de caçada que empreenderiam contra os proscritos.
Os alegres homens da floresta, entretanto, conheciam muitas pessoas em Nottingham e foram avisados do que lhes preparava a generosidade do barão, antes mesmo de este último ter fixado o dia em que se travaria a sangrenta batalha.
Esse lapso de tempo deixou aos mateiros a possibilidade de se pôr na defensiva, com preparativos para receber as tropas do grande xerife.
Entusiasmados com a boa recompensa prometida, os homens do barão marcharam ao ataque com ares de indomável bravura. Assim que entraram no bosque, porém, receberam uma revoada de flechas tão violenta que metade das suas fileiras caiu morta no chão.
À primeira revoada sucedeu uma segunda, mais forte, mais rápida, mais mortal. Cada flecha atingia seu alvo e os arqueiros permaneciam invisíveis.
Depois de deixar em pânico a expedição inimiga, os fora da lei abandonaram seus esconderijos e partiram em gritaria, liquidando os que tentavam resistir.
Uma algazarra medonha dispersou a tropa que, com indescritível desordem, regressou ao castelo de Nottingham.
Nenhum dos alegres homens da floresta se feriu naquele estranho combate e no final da tarde, recuperados do cansaço, bem-dispostos como estavam antes do ataque, eles empilharam em macas os corpos dos soldados mortos e foram deixá-los à frente dos portões externos do castelo de lorde Fitz-Alwine.
Furioso e desesperado, o barão passou a noite a se lamentar da desgraça acontecida: acusou seus homens, inventou ter sido abandonado por seu santo padroeiro, culpou a tudo e a todos pelo insucesso da aventura, proclamando-se valoroso chefe, vítima da má vontade dos seus subordinados.
Já no dia seguinte àquele triste episódio, lorde Fitz-Alwine recebeu a visita de um amigo normando, que veio acompanhado de cerca de cinquenta homens. O barão contou a lamentável ocorrência, acrescentando, provavelmente para justificar suas eternas derrotas, que o bando de Robin Hood era invisível.
— Querido barão — respondeu tranquilamente sir Guy de Gisborne (era o nome do visitante) —, Robin Hood poderia ser o diabo em pessoa que eu lhe arrancaria os chifres, se assim quisesse.
— Falar é fácil, meu amigo — respondeu amargamente o velho senhor. — É muito fácil dizer: se quisesse faria isso, faria aquilo. Desafio-o então a prender Robin Hood.
— Se fosse essa a minha intenção — respondeu indolentemente o normando —, não precisaria que me desafiasse. Sou forte o bastante para domar um leão e, afinal de contas, esse seu Robin Hood é apenas um homem. Inteligente, é verdade, mas de forma alguma um personagem diabólico e invulnerável.
— Diga o que quiser, sir Guy — acrescentou o barão querendo levar o normando a se interessar por Robin Hood —, mas não existe na Inglaterra quem seja capaz, incluo nisso camponeses, soldados e grandes senhores, de fazer curvar-se à sua frente esse valente fora da lei. Ele desconhece o temor, nada o assusta. Não se intimidaria diante de um exército inteiro.
Sir Guy de Gisborne sorriu desdenhoso.
— Não tenho a menor dúvida — disse — quanto à valentia desse bravo proscrito, mas admita, barão, que até o momento Robin Hood teve que combater apenas fantasmas.
— O quê? — exclamou o barão, cruelmente ferido em seu amor-próprio de chefe militar.
— Isso mesmo, fantasmas! Digo mais uma vez, velho amigo. Seus soldados são feitos não de carne e osso, mas de lama e leite. Quem já viu coisa igual? Fogem diante das flechas dos bandidos e têm arrepios de medo ouvindo o simples nome de Robin Hood. Ah, se eu estivesse no seu lugar!
— O que faria? — perguntou sofregamente o barão.
— Mandaria enforcar Robin Hood.
— Não me faltam desejo nem boa vontade para isso — respondeu o barão decepcionado.
— Bem sei, barão: falta-lhe poder. Saiba que é grande a sorte desse seu inimigo nunca ter estado frente a frente comigo.
— Ah! Ah! — exclamou o barão querendo rir. — Teria atravessado o corpo dele com a sua lança, não é? Essas suas fanfarronices são muito divertidas, meu amigo. Tremeria da cabeça aos pés se tivesse mesmo pela frente Robin Hood!
O normando pulou da poltrona em que estava.
— Saiba que não temo homens, nem diabos, nem coisa alguma no mundo — enfureceu-se. — É a minha vez de fazer um desafio: ponha-me numa situação acima da minha coragem. Já que o nome de Robin Hood serviu de ponto de partida para essa conversa, peço, por favor, que me coloque na pista desse homem a quem diz invencível só por não ter conseguido vencê-lo. Prometo capturá-lo, cortar fora suas orelhas e pendurá-lo pelos pés, como um porco. Onde encontro esse indivíduo tão poderoso?
— Na floresta de Barnsdale.
— A que distância fica essa floresta de Nottingham?
— Dois dias de caminhada, se tomarmos alguns atalhos. Mas me sentiria muito mal, querido sir Guy, se por culpa minha lhe acontecesse alguma desgraça. Permita-me então juntar meus homens aos seus e partimos juntos em busca do celerado. Sei por fonte segura que nesse momento ele se encontra separado da melhor parte dos seus homens; será então mais fácil, se agirmos com prudência, cercar o esconderijo, prender o chefe e abandonar o bando à mercê da justa sede de vingança dos nossos soldados. Os meus sofreram muito na floresta de Sherwood e ficarão bem contentes de ter uma boa desforra.
— Aceito de coração o que oferece, caro amigo — respondeu o normando. — Terei com isso a satisfação de provar que Robin Hood não é um demônio nem é invisível. E para tirar a limpo as diferenças entre esse proscrito e eu, e também provar que não tenho a intenção de me subtrair ao combate, vou me vestir como yeoman e duelarei com Robin Hood corpo a corpo.
O barão mal conseguia esconder o prazer que lhe dava a orgulhosa resposta do hóspede e esboçou, em tom preocupado e cuidadoso, algumas tímidas observações sobre o perigo a que se expunha o excelente amigo, cometendo a imprudência de se disfarçar e entrar em contato direto com alguém conhecido pela destreza e grande força física.
Inflado de arrogante autoconfiança, o normando deu um basta às sonsas preocupações do barão, que se foi, com notável rapidez para alguém da sua idade, avisar à sua tropa que se armasse e pusesse de prontidão.
Uma hora depois disso, sir Guy de Gisborne e lorde Fitz-Alwine, acompanhados por uma centena de homens, tomaram com ares de conquistadores os caminhos que os levariam mais rapidamente à floresta de Barnsdale.
Fora combinado entre eles que Fitz-Alwine dirigiria a tropa até parte do bosque previamente designada e que o seu novo aliado, protegido contra qualquer aparência de má intenção por roupas de simples yeoman, tomaria uma outra direção, iria à procura de Robin Hood para travar combate, quisesse o fora da lei ou não, e, é claro, o enviaria para o outro mundo. O sucesso de sir Guy (absolutamente óbvio para ele) seria anunciado ao barão por um toque particular de uma trompa de caça. Ao ouvir o triunfante aviso, o xerife proclamaria a vitória do normando e iria encontrá-lo a galope no local do combate. Com o cadáver de Robin Hood comprovando a vitória, os soldados dariam buscas em matagais, cerrados e refúgios subterrâneos, matando ou aprisionando — tinham a livre escolha — os infelizes fora da lei que lhes caíssem nas mãos.
Cercada de mistério, a tropa já chegava à orla da floresta de Barnsdale e, enquanto isso, preguiçosamente deitado sob a espessa folhagem da árvore do Ponto de Encontro, Robin Hood dormia a sono solto.
João Pequeno, sentado ao lado, velava por seu repouso, pensando nas qualidades de coração e de espírito de sua encantadora mulher, a meiga Winifred. Perturbou esse suave devaneio o piado agudo de um melro, empoleirado num galho mais baixo da árvore, a se esganiçar e bater as asas.
A estridente agitação bruscamente acordou Robin, que se ergueu assustado.
— O que houve, meu caro Robin? — perguntou João.
— Nada — respondeu o amigo, se recuperando aos poucos. — Não sei se devia lhe dizer, mas tive um sonho que me deu medo. Eu era atacado por dois yeomen. Batiam em mim com vontade e eu retribuía à altura. Mas achei que seria derrotado e vi a morte me estender os braços, quando vi um pássaro, vindo de não sei onde, que me disse na sua cantoria: Tenha coragem, vou enviar-lhe socorro. Acordei e não vejo perigo nem aves; ou seja, era tudo uma ilusão — concluiu Robin com um sorriso.
— Não concordo, capitão — respondeu João preocupado. — Uma parte do seu sonho se realizou. Havia ainda há pouco, nesse galho logo acima, um melro cantando muito. Fugiu quando você acordou. Talvez fosse um aviso.
— Por acaso somos supersticiosos, amigo João? — perguntou Robin com ironia. — Vamos deixar essas bobagens para meninas e meninos, pois são ridículas na nossa idade. O que não impede — continuou Robin —, nessa existência aventureira que levamos, que prestemos atenção a tudo que se passa ao redor. Quem sabe o melro não estava nos dizendo: Sentinela, cuidado! E somos nós as sentinelas avançadas de uma tropa de bravos. Vamos em frente, um perigo identificado já está parcialmente evitado.
Ele tocou a trompa e os alegres homens espalhados por clareiras nos arredores rapidamente atenderam ao apelo.
Foram enviados à estrada de York, pois somente dali poderia vir algum ataque. Enquanto isso, ele e João revistariam o bosque pelo outro lado. William e dois fortes companheiros do bando tomaram a estrada de Mansfield.
Depois de passarem os olhos pelas trilhas que deviam examinar, Robin e João tomaram o caminho seguido por Will Escarlate. Foi onde, na trilha vindo de um vale, encontraram um yeoman, abrigado numa pele de cavalo que lhe servia de casaco. Naquele tempo, esse estranho agasalho era muito usado pelos yeomen de Yorkshire, que frequentemente criavam cavalos.
O desconhecido trazia consigo uma espada e uma adaga. A cruel expressão em seu rosto dizia muito sobre o uso homicida que estava acostumado a fazer daquelas armas.
— Ah! Ah! — exclamou Robin ao percebê-lo. — Por minha alma, não se trata de boa pessoa, tenho certeza. Sente-se de longe o cheiro do crime. Vou até ele, se não responder direito tentarei descobrir de que cor é o seu sangue.
— Parece um molosso de dentes afiados, meu caro Robin. Vamos com calma, espere aqui debaixo dessa árvore e pergunto eu quais o seu nome, sobrenome e ocupação.
— Amigo João, não sei por quê, mas tenho vontade de pessoalmente tratar disso. Deixe que cuido dele. Há muito tempo não me exercito de verdade e, por minha santa e protetora Mãe, jamais terei oportunidade se der sempre ouvidos aos seus cuidados. E veja bem, companheiro — acrescentou Robin, com voz que traía o quanto gostava do amigo —, sem ter mais adversários, vou acabar sendo obrigado a bater em você. É verdade que só para me manter em forma, mas vai acabar sendo vítima da preocupação que tem comigo. Vá atrás de Will e só apareça quando ouvir um toque de vitória.
— Sua vontade, para mim, é a lei, Robin Hood — respondeu João, nada contente. — Tenho o dever de obedecê-lo, ainda que a contragosto.
VAMOS DEIXAR QUE Robin siga ao encontro do desconhecido e continuemos com João Pequeno, que, sempre fiel cumpridor das ordens do chefe, apressou o passo a fim de alcançar William, a caminho de Mansfield com dois homens do bando.
A mais ou menos trezentos metros do lugar em que deixara Robin com o yeoman, ele viu Will Escarlate e os dois companheiros às voltas contra uma dezena de soldados, a trocar golpes de espada com toda a força dos músculos. Com um berro e um salto, João se pôs ao lado dos amigos. Mas o perigo, que já era grande, se tornou maior, pois o tilintar de armas e um tropel de cavalos chamou a atenção para a estrada.
No final do caminho, na semipenumbra das árvores, surgia uma companhia de soldados, tendo à frente um cavalo com luxuosa armadura. Montado no animal, altivo e de lança em punho, o xerife de Nottingham.
João precipitou-se na direção dos que chegavam, preparou o arco e visou o barão. Seus movimentos, porém, foram tão rápidos e violentos que a arma, retesada demais, se partiu como se fosse de vidro.
Ele praguejou pela flecha desperdiçada e tomou o arco de um dos companheiros, mortalmente ferido pelos soldados combatidos por William.
O barão, porém, compreendeu o gesto e as intenções do arqueiro e se curvou sobre a montaria, formando um corpo só, e a flecha a ele destinada apenas lançou na poeira um soldado que vinha logo atrás.
A queda do companheiro ainda mais irritou a tropa que, firmemente decidida à vitória e encorajada pelo número, esporeou seus cavalos e avançou rapidamente.
Dos dois companheiros de William, um estava morto e o outro ainda lutava, mas era fácil entender que a derrota era certa. Vendo o perigo que corria o primo, João se lançou contra os soldados e gritou para que Will fugisse.
— Nunca! — respondeu convicto o rapaz.
— Por favor, Will — insistiu João, sem parar de desferir golpes —, vá procurar Robin Hood e os alegres homens. Por Deus! A verde relva vai se encharcar de sangue hoje; o canto do melro era um aviso do céu.
William atendeu ao pedido do primo, pois era evidente a necessidade de buscar ajuda, visto o número de soldados que começava a invadir a clareira. Aplicou golpes fortíssimos contra quem tentava barrar o caminho e desapareceu no mato.
João Pequeno lutava como um leão, mas seria loucura achar que poderia enfrentar sozinho tantos inimigos. Foi finalmente vencido. Caiu no chão e os soldados o prenderam numa árvore, de pés e mãos atados.
A chegada do barão é que decidiria a sorte de nosso pobre amigo. Lorde Fitz-Alwine foi chamado aos gritos e veio correndo. Vendo o prisioneiro, um sorriso de ódio satisfeito aumentou no seu rosto a expressão feroz.
— Ah! Ah! — disse, saboreando com inaudita felicidade o triunfo. — Tenho enfim em minhas mãos o gigante da floresta! Farei com que pague caro a insolência, antes de despachá-lo ao outro mundo.
— Veja só! — disse João em tom descontraído, mesmo tendo que furiosamente morder o lábio inferior. — Por mais que invente torturas, isso não o fará esquecer que a sua vida esteve em minhas mãos. Só por bondade minha é que ainda, infelizmente, pode martirizar saxões. Mas tome cuidado e não cante vitória antes do tempo, pois Robin Hood não tardará a chegar.
— Robin Hood! — repetiu o barão com zombaria. — Robin Hood logo vai estar ouvindo soar a sua última hora. Dei ordem para que lhe cortem a cabeça e deixem o corpo aqui para servir de pasto aos lobos carniceiros. Soldados — acrescentou o xerife, voltando-se para dois dos seus mais servis lacaios —, coloquem esse bandido sobre o lombo de um cavalo e vamos esperar aqui a volta de sir Guy, que ficou de nos trazer a cabeça do maldito Robin Hood.
Os soldados, que haviam apeado, se puseram ao lado das montarias, prontos para novamente se pôr em sela, e o barão, comodamente sentado num montinho coberto de relva, com calma aguardou a chamada de trompa de sir Guy de Gisborne.
DEIXEMOS ENTÃO Sua Senhoria tranquilizar-se e vejamos o que se passou entre Robin Hood e o homem coberto com uma pele de cavalo.
— Meu senhor — disse Robin se aproximando do desconhecido. — Podemos imaginar, a julgar pelo excelente arco que tem em punho, que é um bravo e honesto arqueiro.
— Perdi meu caminho — disse o indivíduo, sem responder ao cumprimento e à observação feita. — E tenho medo de me perder cada vez mais nesse dédalo de encruzilhadas, clareiras e trilhas.
— Conheço bem todos os caminhos da floresta, senhor — respondeu polidamente Robin Hood. — Se me disser para qual parte do bosque quer ir, posso lhe servir de guia.
— Não vou a um ponto preciso — retrucou o homem, examinando atentamente seu interlocutor. — Quero me aproximar da zona mais central do bosque, pois espero encontrar alguém com quem quero muito ter uma conversa.
— Provavelmente um amigo seu? — perguntou Robin, ainda de forma bem-educada.
— Não — veio brutal a resposta. — É um patife da pior espécie, um proscrito que merece a corda.
— Ah! Ah! — exclamou Robin ainda com um sorriso. — E podemos saber como se chama esse candidato à forca?
— Com certeza! Chama-se Robin Hood, e posso lhe afirmar, meu jovem, que de bom grado daria umas dez moedas de ouro pelo prazer de encontrá-lo.
— O senhor pode agradecer ao acaso, que o colocou no meu caminho. Pois posso, sem pôr à prova a sua generosidade, levá-lo à presença de Robin Hood. Permita-me apenas saber como se chama.
— Meu nome é Guy de Gisborne, um fidalgo rico e com muitos vassalos. Meu traje, como deve calcular, é um manhoso disfarce, pois Robin Hood não se porá na defensiva contra um pobre-diabo tão miseravelmente vestido e conseguirei me aproximar mais facilmente. A questão, assim sendo, é simplesmente a de descobrir onde ele se encontra. Uma vez a meu alcance, ele morrerá, juro, sem ter tempo nem qualquer possibilidade de se defender. Vou matá-lo sem misericórdia.
— Imagino que ele deva ter causado muito mal ao senhor.
— A mim? Nunca! Sequer sabia do seu nome até poucas horas. Se me levar até ele, poderá confirmar que lhe sou totalmente desconhecido.
— Por que então quer matá-lo?
— Não tenho motivo nenhum, por puro prazer.
— É um estranho prazer, permita-me a observação. Na verdade, tenho pena do senhor, por ter ideias tão sanguinárias.
— Pois está enganado! Não sou tão mau assim e sem o idiota do Fitz-Alwine eu estaria a essa hora tranquilamente no caminho de volta para casa. Ele é que me levou a tentar essa aventura, desafiando-me a vencer Robin Hood. Meu amor-próprio ficou melindrado e preciso da vitória a qualquer preço. Mas, aliás — acrescentou sir Guy —, agora que lhe disse meu nome, minha posição social e meus planos, é a sua vez de responder minhas perguntas. Quem é o senhor?
— Quem sou? — repetiu Robin em voz alta e olhar sério. — Já vai saber: sou o conde de Huntingdon, o rei da floresta, este mesmo que você procura, sou Robin Hood!
O normando deu um salto para trás.
— Então se prepare para morrer! — gritou, já desembainhando a espada. — Sir Guy de Gisborne tem uma só palavra e jurou que vai matá-lo. Considere-se morto! Pode rezar, Robin Hood, pois dentro de minutos minha trompa de caça anunciará a meus companheiros, que se encontram bem perto, que o chefe dos bandoleiros é um cadáver informe, um corpo decapitado.
— O vencedor tem o direito e o poder de dispor do corpo do adversário — respondeu friamente Robin Hood. — Em guarda, sir Guy! Jurou não me poupar e juro então, por minha vez, se a santa Virgem me conceder a vitória, tratá-lo como bem merece. Vamos, sem trégua para nenhum dos lados; a vida e a morte estão frente a frente.
E os dois adversários cruzaram as espadas.
O normando não somente tinha uma força hercúlea como também era superior na arte da esgrima. Atacou Robin com tanto furor que o rapaz, pressionado, foi obrigado a recuar e se atrapalhou entre as raízes salientes de um carvalho. Sir Guy, de olho tão perspicaz quanto era hábil o braço, logo percebeu a vantagem que acabara de conseguir. Redobrou os golpes e várias vezes Robin sentiu a espada tremer sob a nervosa empunhadura da sua mão. A posição do herói se tornara dramática; as altas raízes da árvore, que chegavam à altura de seus tornozelos, atrapalhavam seus movimentos e ele não podia avançar nem recuar. Decidiu então pular para fora do círculo em que se achava encurralado e, com um impulso de gamo em desespero, saltou para o lado oposto. Ao fazer isso, porém, esbarrou num galho rente ao chão que lhe prendeu o pé esquerdo, fazendo-o rolar na terra.
Sir Guy não era homem de deixar escapar semelhante oportunidade de vingança; deu um grito de triunfo e se precipitou sobre o adversário, com a evidente intenção de lhe abrir ao meio a cabeça.
Percebendo o perigo, Robin fechou os olhos e murmurou com ardente fervor:
— Mãe de Deus, me ajude! Querida Senhora do Bom Socorro, vai permitir que eu morra nas mãos desse miserável normando?
Mal terminou de pronunciar essas palavras, que sir Guy não ousou interromper, tomando-as sem dúvida por um ato de contrição, Robin sentiu uma renovada força percorrer seus membros. Apontou sua espada para o inimigo e, enquanto este procurava afastar a arma ameaçadora, ele subitamente se pôs de pé, livre e firme, num terreno limpo e liso. O combate, por um curto momento interrompido, recomeçou com maior furor ainda; mas a vitória mudara de lado e passara a sorrir para Robin. Sir Guy, desarmado e atingido em pleno peito, caiu morto sem soltar um grito sequer. Depois de agradecer a Deus o sucesso nas armas, Robin confirmou que o normando de fato não respirava mais. Olhando-o, lembrou-se de que ele não viera sozinho à sua procura, e que uma tropa de soldados que o acompanhara esperava, escondida em algum lugar do bosque, o chamado da trompa de caça.
— Acho então aconselhável averiguar se esses bravos em questão não são os homens do barão Fitz-Alwine — pensou Robin — e observar pessoalmente o prazer com que receberão a notícia da minha morte. Vou vestir o capote de sir Guy, usar sua cabeça como troféu e chamar seus pacientes companheiros.
O corpo do normando foi despido das suas principais peças de roupa, que Robin Hood vestiu, não sem uma espécie de repulsa e, já com a pele de cavalo a cobrir-lhe os ombros, ficou muito parecido com sir Guy de Gisborne. Disfarçado e tendo deixado a cabeça do normando irreconhecível à primeira vista, tocou a trompa. Uma explosão de triunfo respondeu ao chamado do nosso herói que, correndo, se dirigiu ao lugar de onde vinham os gritos de alegria.
— Ouçam, ouçam ainda — gritou Fitz-Alwine se pondo de pé. — Não é o som da trompa de sir Guy?
— É sim, milorde — respondeu um soldado. — Não há engano possível; a trompa do nosso chefe tem um som particular.
— Vitória! — comemorou o velho fidalgo. — O bravo e digno sir Guy matou Robin Hood.
— Uma centena de sir Guys não venceria Robin Hood se o atacasse com lealdade, um de cada vez! — rugiu o pobre João Pequeno, cujo coração, no entanto, se comprimiu em terrível aflição.
— Cale-se, idiota de pernas compridas! — respondeu brutalmente o barão. — Se seus olhos forem bons, olhe para a entrada da clareira e poderá ver, vindo em nossa direção com passadas rápidas, o vencedor do seu miserável chefe, o valoroso sir Guy de Gisborne.
João se ergueu e viu, como disse o barão, um yeoman com o corpo semicoberto por uma pele de cavalo. Robin imitava tão bem a maneira de andar do normando que João achou mesmo ser o homem com quem ele deixara o amigo a sós.
Um urro de raiva impotente explodiu do peito de João.
— Miserável! Maldito! — vociferou em desespero. — Matou Robin Hood! Matou o mais corajoso saxão de toda a Inglaterra! Vingança! Vingança! Vingança! Robin Hood tem amigos e conta com milhares de irmãos no condado de Nottingham que haverão de punir o assassino.
— Faça suas orações, cão! — gritou Fitz-Alwine —, e pare de gritar. Seu patrão foi morto e o mesmo fim o espera. Faça suas orações e tente evitar para a sua alma as torturas que aguardam o seu corpo. Acha que conseguirá alguma misericórdia com essas vãs ameaças ao nobre cavaleiro que desinfetou a Terra de um infame bandido? Aproxime-se, corajoso sir Guy — continuou lorde Fitz-Alwine se dirigindo a Robin Hood, que rapidamente se aproximava. — Merece todos os elogios e nossa gratidão: livrou o país da invasão do banditismo, matou um homem que a crendice popular declarava invencível, matou o célebre Robin Hood! Peça a recompensa que o seu bom trabalho merece. Ponho à sua disposição meu prestígio na corte e o apoio da minha eterna amizade. Peça o que quiser, nobre cavaleiro, e estou pronto a satisfazê-lo.
Num piscar de olhos, Robin plenamente compreendeu a situação e a ferocidade do olhar de João Pequeno era mais eloquente do que toda aquela gratidão do velho xerife, confirmando o sucesso da sua metamorfose.
— Não mereço tanto agradecimento — respondeu ele, imitando com perfeição a voz do cavaleiro. — Matei em combate regular quem me atacou e já que o querido barão me permite pedir um prêmio pela vitória, quero, como recompensa para o serviço que acabo de prestar, autorização para lutar com o patife que ali está preso e me lança olhares de ódio. Vou enviá-lo para o outro mundo, onde poderá encontrar seu amável companheiro.
— Se é o que deseja — respondeu o barão esfregando-se as mãos bem satisfeito. — Mate-o, se assim quiser; sua vida lhe pertence.
A voz de Robin Hood não enganou João Pequeno e um suspiro de indizível felicidade tirou do seu coração o peso da terrível aflição por que havia passado.
Robin se aproximou de João, e o barão o acompanhou.
— Milorde — disse ele, dirigindo um sorriso ao xerife —, queira me deixar sozinho com o bandido. Estou convicto de que o medo de uma morte infame o fará dizer o local do refúgio secreto do bando. Afaste-se e afaste também os seus homens, ou darei aos curiosos o mesmo tratamento que dei ao antigo dono dessa cabeça.
Dizendo isso, Robin lançou o sangrento troféu nas mãos de Fitz-Alwine. O velho deu um grito de horror: a cabeça desfigurada de sir Guy rolou pelo chão, caindo com o rosto voltado para a terra.
Os soldados rapidamente se afastaram.
Sozinho com João Pequeno, Robin Hood tratou de cortar as cordas que o prendiam e entregou a ele o arco e as flechas que eram de sir Guy; em seguida tocou a trompa.
Mal o som ecoou pelas profundezas do bosque, ouviu-se um clamor furioso e a folhagem das árvores, bruscamente afastada, deu passagem a Will Escarlate, cujo rosto estava tão vermelho que mais parecia, na verdade, arroxeado. Logo atrás surgiu todo um pelotão de alegres homens, de espada em punho.
A fulminante aparição deu ao xerife uma impressão mais de sonho do que de realidade. Olhou sem nada ver, escutou sem nada ouvir, tinha a mente e o corpo totalmente paralisados por incontrolável terror. Esse minuto de suprema aflição pareceu durar um século. Ele finalmente deu um passo na direção daquele que julgava ser o cavaleiro normando e se viu diante de Robin, que, livre da pele de cavalo e empunhando a espada, mantinha longe os soldados, tão abatidos quanto o seu comandante.
De dentes cerrados e incapaz de pronunciar sequer uma palavra, o barão bruscamente se virou, montou a cavalo, abandonou sua tropa e fugiu a galope.
Arrebatados por tão elogiável exemplo, os soldados o imitaram, e partiram a rédeas soltas atrás do barão.
— Que o diabo o carregue! — gritou João ainda furioso. — A covardia não o salvará, minhas flechas chegam suficientemente longe para acertar-lhe a cabeça.
— Não atire, João — disse Robin retendo o gesto do amigo. — Pelas leis da natureza, esse homem tem pouco tempo de vida. Para que apressar por alguns dias a morte de um velho? Deixe-o entregue aos remorsos, à falta de qualquer laço com a família, ao seu ódio impotente.
— Ouça, Robin, não posso deixar esse velho patife ir embora assim. Permita que lhe dê uma boa lição, uma lembrança da sua vinda à floresta. Não vou matá-lo, dou-lhe minha palavra.
— Está bem, mas atire, atire depressa, ele já vai desaparecer na estrada.
João disparou a flecha e, se considerarmos o pulo que o barão deu na sela, a rapidez com que ele se apressou em sacá-la do ponto em que fora atingido, não se pode duvidar de que por muito tempo não montaria a cavalo e nem mesmo poderia tranquilamente se sentar numa cadeira.
João Pequeno apertou agradecido as mãos do seu salvador. Will pediu que Robin contasse suas recentes proezas e as últimas horas desse memorável dia se passaram na maior alegria.