Meu fumo e minha ioga/
Você é minha droga/
Paixão e carnaval/
Meu zen, meu bem, meu mal
“Meu Bem, Meu Mal”
(Caetano Veloso)
Capítulo 8
TDA e Outros Transtornos
DESENVOLVENDO QUADROS ASSOCIADOS: AS PARCERIAS NADA RECOMENDÁVEIS...
Fazia um lindo pôr do sol lá fora, era final de tarde e lá estávamos eu e um grupo de pessoas que passava pelos mesmos problemas, e por mais outros diferentes. Reuníamo-nos todas as semanas e nos sentíamos muito bem quando isso acontecia. Como era bom poder ouvir as pessoas relatarem problemas tão semelhantes aos meus. Você se sente menos anormal, menos inadequado, e, aos poucos, vai se livrando da incômoda sensação de ser “um estranho no ninho”. Fazíamos terapia em grupo.
Eu tinha acabado de desabafar sobre coisas pelas quais havia passado. Foram anos de luta contra uma depressão que insistia em se manter escondida pelos cantos de minha mente, e que me atacava pelas costas, quando pensava que já tinha superado. Quase sempre o que me arrastava novamente para o lodo era a borrada impressão que tinha de mim mesmo: eu era um incompetente, um completo incapaz. Enrolava-me todo no trabalho. É claro que eu tinha ótimas ideias, mas para executá-las era um horror... Vez por outra, era repreendido. Brigava em casa com a família porque me esquecia de datas importantes ou de coisas cotidianas, como as contas do mês. E lá ia eu arcar com os juros... Parecia que estava sempre fazendo a coisa errada o tempo inteiro. Então, eu sentava e ruminava: “Será que vai ser sempre assim? Como posso construir um futuro sólido se levo meu presente a passos trôpegos de bêbado? Não sou capaz de dar segurança a meus próprios filhos...” E, novamente, entrava em depressão.
Qual não foi minha surpresa e alívio ao descobrir que todo o meu jeito enrolado de ser não era devido a uma incapacidade básica que eu tinha para lidar com a vida, e sim a algo chamado transtorno do deficit de atenção. E era por isso que ficava tão deprimido, por não saber o que era aquilo, por achar que jamais teria solução. Agora, compartilho minhas experiências também.
À minha esquerda, ouvia uma jovem contar seu caso. Ela falava...
Quando estava entrando na adolescência, comecei a me incomodar demais com aqueles meus esquecimentos, minha desorganização, coisas por fazer que eu nunca fazia, ora porque esquecia, ora porque protelava... Eu estava me enrolando mais e mais porque a cada série os conteúdos se tornavam mais complexos e as responsabilidades bem maiores. Passei a recorrer a agendas, bilhetes e vários meios que me fizessem lembrar de lembrar. E tinha que me forçar a ter tudo organizado. Cada coisa em seu lugar, segundo critérios de tamanho, cor, utilidade, e por aí foi... Mas, com o tempo, estes meus métodos de organização e checagem começaram a tomar uma proporção enorme... eles serviam para me auxiliar, mas aos poucos, insidiosamente, se tornaram centrais em minha vida. Passei a gastar mais e mais horas nesses processos de checagem e arrumação. Recebi o diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e mais tarde foi descoberto que eu também tinha o TDA. Não sei se estou viajando, mas de repente desenvolvi todos esses rituais de organização para combater minha distração de TDA. Daí, eu sempre dizia uma coisa irônica, meio herética, que deveria ser mudada na Bíblia. Ela deveria começar assim: e no início era o TDA... Se eu tivesse sido diagnosticada antes, talvez pudesse evitar tudo isso. Talvez. Sei que não é algo assim comprovado, mas, quem sabe? Hoje em dia, sei que perdoei a menina bagunçada que fui. E não deveria ter sido tão dura com ela!
Em seguida falava um rapaz à minha frente. Ele dizia ter sido sempre muito perfeccionista e preocupado com tudo. Também não se perdoava por ser desorganizado e agora estava contando sobre seu primeiro ataque de pânico...
Lá fora, estrelas já cintilavam às primeiras horas de uma noite clara. Quando nos demos conta, a sessão já estava terminando.
As histórias citadas servem para exemplificar que, em grande parte dos casos, o TDA não vem sozinho. Ele pode vir em dupla, em trio e, o que felizmente não é comum, até em bando. O que significa isso? Estamos falando de algo que, em psiquiatria, chama-se comorbidades. Ou seja, um ou mais transtornos psiquiátricos em coexistência com um transtorno primário (de base). Obviamente, isso contribui, em muito, para agravar o quadro, obrigando o médico a atacar em várias frentes. Comumente, esses transtornos “acessórios” (que não são nada opcionais, como os acessórios de um automóvel, por exemplo!) desenvolvem-se secundariamente como consequência do transtorno primário. Isto é, o desconforto e o sofrimento causados por um determinado problema atingem de tal forma a vida de alguém que novos transtornos vêm se somar ao preexistente.
No caso do TDA, a distração, os frequentes esquecimentos, a desorganização, a perene sensação de que algo está errado, a costumeira protelação de tarefas são muito desconfortáveis ao paciente. Estas características típicas podem fazer com que a pessoa TDA desenvolva transtornos associados, como ansiedade generalizada, depressão, pânico, fobias, entre outros.
No entanto, ainda há outros transtornos específicos que “acompanham” o TDA, não porque são consequências dele, mas porque parece haver uma íntima relação em suas origens biológicas. As mesmas alterações bioquímicas e/ou funcionais parecem estar envolvidas em transtornos como o TDA e a dislexia, por exemplo.
Entretanto, neste livro, procuramos esmiuçar somente os transtornos comórbidos mais frequentes e com os quais temos deparado incontáveis vezes, em nossa atuação profissional.
TDA com ansiedade generalizada
A ansiedade generalizada é o transtorno da preocupação interminável e ruminante. Está presente naquelas pessoas que se organizam em torno da antecipação de problemas e ficam sondando o ambiente à caça de perigos e complicações. Tão logo o indivíduo ansioso consiga resolver algo que o aflige, imediatamente parte em busca de outra aflição. É um estado constante de preocupação e alerta, uma ansiedade crônica que leva a pessoa a começar o dia em busca de algum motivo de preocupação desnecessária, não importando se o problema é trivial ou doloroso. Como não consegue relaxar, permanece pairando em um mal-estar indefinível e subjetivo, que, por vezes, se manifesta em variados problemas somáticos (físicos), quase sempre causados por uma sobrecarga de adrenalina imposta ao organismo. Observe o que acontece quando alguém tem, ao mesmo tempo, TDA e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG).
Imagine aquela TDA distraída, que vive esquecendo suas coisas pelos cantos, inclusive documentos importantes de trabalho. Conhecendo bem esta sua incômoda característica, que já a colocou em várias saias justas, ela se põe em estado de alerta o tempo todo. Fareja o ambiente, mexe e remexe nas gavetas, vasculha constantemente a bolsa. Se, por uma fração de segundo, pensa que algo está faltando ou fora do lugar, imediatamente o coração dispara, a respiração fica ofegante e o sangue parece fugir do rosto. Não era nada de mais outra vez, o memorando que procurava estava ali entre outros papéis da pasta. Mas o estrago já feito e o mal-estar e a tensão poderão acompanhá-la pelo resto do dia.
Bem, pode-se pensar: já que ela é assim tão distraída, talvez seja bom que tenha esse jeito preocupado.
O fato é que muitos TDAs se organizam em torno da própria ansiedade. A ansiedade é, por vezes, tremendamente estruturadora; e estrutura é tudo que um TDA precisa, uma vez que é desorganizado. Mas como assim?
A ansiedade envolvida na sensação de que algo está sempre errado direciona a atenção do TDA. Ele se foca na procura de tais problemas potenciais. E se não houver um, é capaz de arrumar. Ou, então, transforma algo corriqueiro em um problemão. Essa preocupação infindável aumenta a acuidade de seu sistema atentivo, força sua área pré-frontal (“fronte”) a monitorar os estímulos e o ambiente, como os olhos de uma águia à procura de presas. Ante a incômoda alternativa de se sentir invadido por estímulos incessantes, variados e irrelevantes, o TDA ansioso prefere a igualmente incômoda sensação de se ver bombardeado por estímulos variados catalisadores de preocupação, mas que, pelo menos, não considera irrelevantes. Claro que essa preferência não é intencional, ou mesmo ativamente consciente. Mas o mal-estar e o estado de alerta parecem ser melhores do que se sentir assoberbado e confuso.
Logo, é necessário voltar àquela suposição: seria melhor ter este jeito preocupado do que ser desorganizado?
Decididamente, não. Há outros modos mais saudáveis e produtivos para um TDA se organizar, que não impliquem tanto desgaste. Responder sim a esta pergunta seria permitir a substituição de uma sobrecarga pela outra, o forno pela frigideira. A ansiedade generalizada, quando se torna crônica, arrasta o sujeito de volta ao ponto inicial que aflige um TDA: que é ter dificuldades em se concentrar, falhas de memória e muito, muito desconforto físico e mental. É o mesmo que beber água do mar quando se está com sede. Ao final, ele ficará desidratado e seu organismo desequilibrado e em perigo. É correr em círculos, atrás da própria sombra: estará exausto, sem sair do ponto de partida.
O desconforto é tamanho que leva muitos indivíduos a procurarem ajuda médica. E, assim, temos descoberto vários TDAs. Eles costumam procurar ajuda, obviamente, para a ansiedade generalizada. No entanto, após criteriosa “garimpagem” diagnóstica, é possível encontrar o transtorno do deficit de atenção, ali escondido, em meio aos cascalhos da ansiedade. Muitas vezes, tratando-se o comportamento TDA, os sintomas de ansiedade decrescem acentuadamente.
Por fim, é importante saber diferenciar o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) da ansiedade difusa e oscilante que normalmente acompanha o TDA. Um critério bastante sólido para distinguir uma de outra é a constância desse estado de ansiedade. Um TDA, com frequência, atravessa seus picos de ansiedade, mas se esta perdura por, no mínimo, seis meses e traz desconforto significativo, pode-se começar a levantar a suspeita de comorbidade (transtorno associado).
TDA com pânico
Dos casos mais sofridos que temos acompanhado, este é certamente um dos que mais nos mobilizam. O transtorno do pânico, por si só, causa um tormento inenarrável. É uma das faces mais representativas do sofrimento humano.
Um ataque de pânico caracteriza-se por um pico de ansiedade aguda e intensa, e dura de vinte a trinta minutos, em média. Mas essas dezenas de minutos parecem estender-se pela eternidade para quem as experimenta. Nesse espaço de tempo, o indivíduo é engolido por uma espiral de sensações aterradoras: taquicardia, sudorese, náuseas, sensação de falta de ar, tremores e outras reações fisiológicas acompanhadas da angustiante impressão de que irá morrer ali naquele momento, ou perder o controle e enlouquecer. Muitos relatam a nítida sensação de desrealização e de forte estranhamento de si mesmo e do ambiente. Frequentemente, o medo de vir a sofrer um novo ataque de pânico ocupa de tal modo a mente de uma pessoa que ela acaba por desenvolver o transtorno do pânico.
Assim, o transtorno se caracteriza pela ocorrência repetida de ataques de pânico. O medo constante de sofrer outros ataques faz com que a pessoa desenvolva uma série de formas de automonitoração. Ela já acorda atenta para sinais de que algo errado pode estar germinando em seu organismo. Sente a batida do coração, pode mesmo escutá-la; monitora a frequência respiratória, a tensão dos músculos, a firmeza das mãos. Enfim, torna-se superconsciente de seu estado interno, e a mínima alteração sentida no organismo (real ou não) pode desencadear apreensão antecipatória e estado de grande ansiedade, que se fundem em uma crescente expectativa cada vez mais catastrófica. Culmina-se, por fim, na experiência vertiginosa do ataque de pânico.
É um círculo vicioso que se alarga e se contrai repetidamente. É preciso rompê-lo!
Tais ligeiras variações em nossos processos fisiológicos passam completamente despercebidas por quem não sofre desse transtorno. E, mesmo que sejam percebidas, não são interpretadas como sinal de que algo está indo mal em nosso corpo. Assim, não é desencadeada a apreensão ansiosa que caracteriza o transtorno do pânico.
Você pode estar se perguntando: como um TDA distraído pode ater-se a estímulos tão sutis como alterações na frequência cardíaca, por exemplo? Não é mais coerente que a dispersão o impeça, ou mesmo o impossibilite de conseguir essa proeza?
Já responderemos a esta pergunta. Por ora, é importante lembrar o poder organizador que a ansiedade representa para um TDA. Ele pode se debater com sua ansiedade em um nível basal, mas esta pode, eventualmente, atingir um pico característico de um ataque de pânico. Se ele tiver a predisposição biológica (alterações serotoninérgicas), a porta estará aberta para desenvolver o transtorno do pânico. E, em acréscimo, se tiver a suscetibilidade psicológica, isto é, tendência a se preocupar com doenças e morte — por ter vivido em ambiente familiar e social que propiciava isso, ou por ter associado a algum evento traumático, como morte de pessoas queridas —, a porta não só estará aberta, como também, escancarada.
É importante também ter sempre em mente o fato de o termo deficit de atenção ser considerado, atualmente, errôneo ou incompleto, bem como relembrar que o que ocorre verdadeiramente é a inconstância de atenção, variando entre a incapacidade em mantê-la e a sua intensa e prolongada focalização em algum estímulo.
Assim sendo, a questão pode ser esclarecida. Um TDA que se organize em torno de sua ansiedade, predisposto biologicamente, vulnerável psicologicamente e intensamente hiperfocado em seu corpo e em suas respectivas reações, reúne, em um infeliz somatório, todos os requisitos para desenvolver o transtorno do pânico.
A capacidade de hiperfocar, tão útil na grande maioria das situações, pode também atrapalhar, e muito, quando inadequadamente direcionada. Esse hiperfoco precisa ser desviado. Se o TDA não for detectado também, em detrimento dos sintomas do pânico, que realmente sobressaem muito mais, a capacidade de desviar esse hiperfoco pode estar comprometida. Ou pior, pode nem chegar a se constituir num dos objetivos do tratamento.
TDA com fobias
Como foi possível perceber, é comum a comorbidade entre transtornos de ansiedade e TDA. Dentro desse grupo, tenho deparado com vários casos de TDAs fóbicos.
Entende-se por fobia o medo exagerado, desproporcional e persistente de determinados objetos e situações (fobia específica) ou de situações sociais e de desempenho (fobia social ou timidez patológica).
No caso da chamada fobia específica, esse medo é circunscrito e claramente relacionado ao objeto ou à situação. São bastante comuns as fobias por animais, sangue e ferimentos; chuvas e tempestades; elevadores, aviões, pontes, túneis.
No caso da chamada fobia social, o medo está relacionado a situações de interação social ou de desempenho na frente de outras pessoas. O indivíduo teme contatos sociais porque tem receio de ser ridicularizado e malvisto, assim como tem expectativas bastante irrealistas do que é ser bem-sucedido socialmente.
Assim como na depressão e no pânico, os transtornos relacionados à fobia estão associados a disfunções serotoninérgicas (relacionadas ao neurotransmissor serotonina). Tais disfunções também cumprem seu papel no TDA, embora de forma secundária.
Se uma criança TDA, que também tenha predisposição genética à fobia social, crescer em um ambiente crítico e punitivo, certamente será temerosa em relação a situações sociais. Crianças e adolescentes TDAs são muito suscetíveis a receber reprimendas sociais por variados motivos. Por serem impulsivos e distraídos, frequentemente cometem gafes e micos, dificultando sua interação com os demais. Outros fatores que contribuem para desencadear a fobia social são as eventuais dificuldades que enfrentam com a linguagem: trocam ordens de sílabas ou até palavras inteiras numa frase, além dos constrangedores brancos totais, que os deixam sem saber o que dizer, quando a palavra parecia estar na ponta da língua...
Enfim, crianças e adolescentes TDAs podem receber uma série de sinais sociais negativos que os levam a desenvolver uma autoimagem debilitada. Alguns até tentam ser os “palhaços” do grupo, o que os faz mais populares e os ajuda a lidar melhor com a situação. No entanto, outros podem buscar no comportamento de fuga e evitação de contatos sociais o meio de não se expor ao escrutínio de outras pessoas.
A adolescência é um período crítico na vida de uma pessoa, e forma o caldo de cultura perfeito para o desenvolvimento da fobia social. É nesse período que se iniciam os sintomas característicos desse transtorno de ansiedade. Com a predisposição biológica e o “empurrãozinho” de fatores sociais típicos da idade, um jovem TDA pode desenvolver um medo intenso de situações de interação social. Estas situações podem ser circunscritas e limitadas, como dificuldade de tomar um simples cafezinho em público ou de se apresentar para uma plateia; como podem estar generalizadas para toda e qualquer situação, causando intenso sofrimento e limitações.
Um TDA que sofra também de fobia social pode acabar jogando todo o seu talento pela janela, já que deixará de expressar sua criatividade e inventividade, por se julgar incapaz de defendê-las e sustentá-las.
É certo que este indivíduo terá um desempenho acadêmico e laboral bem abaixo de suas capacidades, uma vez que não pode nem pensar na possibilidade de se expor e mostrar o que tem de melhor. No trabalho, principalmente, pode ter poucas chances de ascensão, já que reluta em aceitar responsabilidades maiores e recolhe-se às penumbras de sua potencialidade. Pode estar escondido ali um talento desperdiçado, como pudemos confirmar em alguns casos que acompanhamos. A boa notícia é que, com o tratamento adequado, talentos ocultos podem ganhar o mundo externo em vez de permanecerem cerrados em si mesmos.
TDA com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
Não tem sido incomum em nossa clínica nos depararmos com TDAs que também apresentam transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) concomitantemente. Quem conhece algo a respeito do transtorno deve estar se perguntando: “Mas como? O TOC é justamente aquele que nada tem a ver com o TDA.” Realmente, tais condições possuem características tão díspares que, curiosamente, podem acabar sendo complementares. Antes de nos determos neste ponto, primeiro falaremos um pouco sobre o TOC para quem não o conhece.
O TOC, popularmente chamado de “manias”, é um transtorno de ansiedade caracterizado por pensamentos, imagens ou ideias intrusivas e obsessivas (obsessões), de difícil controle, que causam grande sofrimento ao portador e às pessoas do seu convívio. Para diminuir a ansiedade e o desconforto ocasionados por tais pensamentos (que são sempre de natureza ruim), as pessoas que sofrem de TOC lançam mão de comportamentos repetitivos (compulsões) com o intuito de “neutralizar” ou prevenir as imaginárias consequências nefastas associadas aos pensamentos.
Na grande maioria dos casos, o indivíduo reconhece que os pensamentos obsessivos são destituídos de sentido ou não possuem embasamento real, além de admitir que são produtos de sua própria mente. Em alguns indivíduos essa percepção é falha, ou seja, o insight é bastante pobre. No caso de crianças, também não se espera que reconheçam o caráter de estranheza e ausência de sentido desses pensamentos, uma vez que ainda não desenvolveram tal nível de autopercepção.
Como exemplo, podemos citar aquela pessoa que mantém objetos e utensílios rigorosamente arrumados e empilhados, experimentando acentuada sensação de incômodo se encontrar alguma coisa fora do lugar; a pessoa que lava as mãos várias vezes ao dia porque é assaltada por pensamentos de contaminação; ou aquela que checa repetidamente os trincos e as fechaduras porque não consegue se desvencilhar da preocupante ideia de que, se não o fizer, um assaltante entrará a qualquer momento.
O tempo perdido com a realização dessas compulsões é significativo (mais de uma hora por dia) e frequentemente causa prejuízo no desempenho profissional ou acadêmico, já que a ocorrência das ideias ou imagens obsessivas prejudica a concentração necessária à realização de tarefas. Além disso, normalmente há prejuízo considerável na sua vida social, uma vez que as obsessões e a realização de rituais podem ser tão incômodas e constrangedoras que o indivíduo acaba se isolando e evitando locais e situações nas quais tenha de se expor. Em alguns casos extremos, a pessoa deixa de sair de casa e, assim, fatalmente sucumbirá à depressão.
Aliás, o TOC tem uma alteração bioquímica em comum com a depressão: disfunções serotoninérgicas. Como será visto no capítulo referente à etiologia (origem da questão), a serotonina também cumpre seu papel no TDA, embora sem a mesma preponderância que a dopamina e a noradrenalina. De qualquer forma, há mais em comum entre o TDA e o TOC do que a sigla de três letras.
Pessoas com TDA que tenham a vulnerabilidade biológica e genética para o TOC podem ser mais suscetíveis a desenvolvê-lo do que pessoas que não tenham TDA. Como o TDA é assaltado por estímulos, ideias e imagens que não consegue filtrar eficientemente, a probabilidade de ter pensamentos considerados desagradáveis e desencadeadores de ansiedade aumenta de maneira dramática.
Mas, além do fluxo aumentado de ideias e imagens, as dificuldades de organização, as constantes distrações e esquecimentos do TDA podem causar desconforto adicional. Se o indivíduo passa a ser assaltado por pensamentos de que esqueceu algum objeto, de que alguma coisa pode estar fora do lugar, de que algo pode dar errado por conta de sua distração, e começa a desenvolver comportamentos ritualísticos de verificação ou contagem para prevenir tais situações, então, infelizmente, o TOC pode desenvolver-se como quadro associado.
Neste caso, o diagnóstico também deve ser feito com bastante critério, uma vez que os sintomas de TOC são muito mais aparentes e causam desconfortos mais significativos, podendo mascarar o TDA.
Uma condição muito mais comum e que, felizmente, não causa sofrimento tão acentuado é o do TDA que acaba desenvolvendo traços obsessivos para conseguir lidar melhor com suas distrações, frequentes esquecimentos, desorganização e rompantes impulsivos. Ele engendra seus esquemas de organização e acaba se tornando bastante meticuloso e crítico em seu trabalho. Como sabe que tende a cometer erros por causa de detalhes bobos, checa constantemente seus afazeres com cuidado redobrado. Este tipo perfeccionista materializa-se perfeitamente na figura do TDA bem-sucedido, que utiliza bem as vantagens de seu funcionamento, ao mesmo tempo que minimiza as desvantagens, desenvolvendo esses pequenos traços obsessivos. O problema aqui pode ser a ansiedade que inevitavelmente experimentará em função de seu perfeccionismo. Como foi visto no capítulo sobre tipos talentosos de TDA, este indivíduo iria se encaixar bem na figura de um TDA acionista.
TDA com depressão
Em uma pessoa com TDA, a depressão pode desenvolver-se de forma secundária ao desconforto provocado pelo comportamento TDA, como também pode surgir primariamente em função de alterações neuroquímicas e/ou funcionais semelhantes. Inicialmente, falaremos um pouco da primeira condição.
Não é muito difícil se imaginar a relação do TDA com estados depressivos. Como temos realçado repetidamente neste livro, a pessoa com TDA, na grande maioria das vezes, tem baixa autoestima. Ela desenvolve um baixo conceito de si mesma, não só pelas referências externas que recebeu, mas também pelas críticas, repreensões, castigos, comentários depreciativos acerca de suas características e tantos outros sinais sociais negativos. Além disso, ela se pauta em seus referenciais internos, no que sente em si mesma: suas dificuldades cotidianas de organização, a tendência a protelar tarefas, a desatenção, os erros bobos, a impulsividade e as inúmeras gafes consequentes desta, a inquietação, os esquecimentos e a penetrante sensação de baixo rendimento.
Ela se autodefine na frase “eu sou inadequada” e acaba mergulhando no pessimismo persistente que a acompanha, embora seja teimosa o bastante para continuar insistindo. Um TDA dificilmente desiste. Tal como a figura mitológica de Atlas, ela não pode permitir que seu mundo desabe, mesmo que sofra sob um peso esmagador que, muitas vezes, não sabe identificar de onde vem ou de que é feito.
Assim, resumidamente, um TDA não tem uma opinião favorável de si mesmo, nem do mundo e das pessoas que o cercam; afinal, por várias vezes e em fases críticas de sua vida, não recebeu reforços sociais. E, caso tenha recebido, não percebeu ou, simplesmente, desconsiderou ou não valorizou como deveria. Ele já não avalia muito bem o impacto que causa nas pessoas e no ambiente.
Sua vibração contagiante, criatividade e carisma podem ser percebidos por todos, menos por ele mesmo. Igual a quem está perdido em uma sala de espelhos modificados de um parque de diversões, vendo imagens distorcidas de si mesmo.
A partir daí, não fica difícil concluir que essa pessoa seja tremendamente desesperançada em relação ao futuro e à sua capacidade de enfrentá-lo. O futuro é um monstro à espreita na esquina, e, mesmo que muitas vezes essa pessoa dobre muitas esquinas da vida com eficiência, ainda acredita que foi por sorte e não por sua capacidade. Para ela, o monstro pode saltar a qualquer momento.
Essa situação muito comum de se sentir “remando contra a maré” predispõe o TDA a um estado de depressão que, a nosso ver, representa muito mais um estado de exaustão em função da grande quantidade de energia dissipada pelo próprio comportamento TDA e suas consequências cotidianas nos mais diversos âmbitos de sua vida (profissional, social, afetivo e familiar).
Por outro ângulo, temos o fato de que, provavelmente, TDA e depressão compartilhem alterações semelhantes (ver capítulo sobre origem do TDA). Estudos sugerem tal possibilidade, já que alguns medicamentos antidepressivos revelam-se eficazes no tratamento do transtorno do deficit de atenção, quando prescritos em baixas doses. Assim, é bastante provável que as duas condições coexistam em quem seja biologicamente vulnerável. E os sintomas de uma acabem por agravar os da outra e vice-versa.
De fato, já nos deparamos com vários casos de depressão em que, após criteriosa investigação, revelou-se também o transtorno do deficit de atenção, até então oculto pelos sintomas mais evidentes das alterações no humor. Aliás, é necessário que o médico seja bastante cuidadoso com a questão da instabilidade humoral. Normalmente, o indivíduo que tem TDA já apresenta oscilações de humor bastante acentuadas; às vezes, em curtos espaços de tempo. Diferenciar esse “sobe e desce” afetivo, característico do TDA, de um quadro realmente depressivo é de importância vital, pois implica alterar inclusive a conduta medicamentosa. Para diagnosticar-se a depressão, deve-se observar a consistência do quadro clínico, em contraposição à labilidade dos estados de humor de um indivíduo com TDA.
TDA com transtorno bipolar do humor
O transtorno bipolar, às vezes, pode ser confundido com o TDA porque ambos envolvem um alto nível de energia e atividade. A característica mais marcante do transtorno bipolar é a intensa variação de humor, indo do poço mais fundo da depressão aos píncaros da exaltação e do entusiasmo disparatados. Embora o TDA também possua mudanças de humor súbitas, o que diferencia os dois transtornos é a intensidade com que estas alterações se manifestam.
O bipolar sempre desce mais fundo e alça voo mais alto. A amplitude entre os estados de humor extremos é bem maior que no TDA. Um TDA pode ser visto como agitado, entusiasmado e “elétrico”, e ter seus pontos fortes justamente nessas características, sendo admirado por isso com frequência.
No entanto, a pessoa com transtorno bipolar e que esteja em fase eufórica dificilmente será vista da mesma forma. As outras pessoas logo percebem que algo está over ali e, frequentemente, consideram isso bastante desagradável. A pessoa em crise eufórica fala aos jorros, sem pausas, e salta de um tópico a outro sem nenhuma conexão aparente ou plausível entre os assuntos, assim como costuma discursar sobre a importância de si mesma. Pode tornar-se irritadiça e até agressiva. Perde completamente as estribeiras, esbanja somas de dinheiro que muitas vezes não tem, coloca-se em empreitadas arriscadas, perde a noção do perigo. Ela não tem limites. Quando entra na fase depressiva, cai no fundo do poço e um pouco mais ainda. Não parece a mesma pessoa. Mas é; só que murcha e desbotada.
O TDA, embora também tenha alguma oscilação de humor, não chega a despencar para um estado depressivo, a não ser que realmente entre em depressão, como já foi visto há pouco no tópico TDA e depressão.
Diferenciar os dois transtornos é determinante para o bem-estar do paciente, visto que a terapêutica psicofarmacológica é completamente diferente, e o que é eficaz para um é inócuo para o outro.
Saber diferenciá-los também é importante na medida em que há a possibilidade de uma pessoa apresentar os dois quadros simultaneamente. Muitas vezes, o TDA passará completamente despercebido por entre os sintomas muito mais floridos do transtorno bipolar. Mas o TDA pode estar presente e não ser adequadamente tratado. O médico perceberá que o tratamento não estará sendo tão eficiente como costuma e poderá ter dificuldades, se não perceber os rastros deixados pelo TDA no solo caótico do transtorno bipolar. Saber identificar esses rastros é uma tarefa desafiadora que requer observação cuidadosa e dedicada.
TDA com transtornos alimentares
Como já se sabe, comportamentos compulsivos são um tanto comuns em quem tem TDA. As compulsões podem tanto se apresentar na forma da dedicação exagerada ao trabalho (o workaholic) como no uso compulsivo de cigarro, bebida ou outras substâncias ilícitas, sexo ou ainda comida.
Por vezes, essas compulsões podem ultrapassar a condição de comportamentos característicos do TDA e tornarem-se transtornos à parte. Um exemplo muito comum é a dependência química.
Muitos TDAs se comportam como grandes comilões e apresentam dificuldades em controlar o impulso de comer “besteirinhas”. Como no caso das drogas, pode ser uma tentativa errada de automedicação. O indivíduo pode experimentar alívio em seus sintomas de inquietação e desconforto subjetivo quando está “roendo” alguma coisa. O problema começa quando isso acarreta algum prejuízo e desconforto à vida dessa pessoa, interferindo em seu funcionamento no ambiente familiar, acadêmico, profissional ou social. Em alguns casos, pode realmente existir comorbidade com algum transtorno alimentar, tais como o transtorno da compulsão alimentar, a bulimia e a anorexia nervosas. Os dois últimos não são tão comuns como comorbidades associadas ao TDA, pelo menos não a ponto de despertarem nossa atenção terapêutica. Diríamos que, dentre os transtornos alimentares que já observamos em alguns dos nossos pacientes TDAs, o transtorno da compulsão alimentar é o mais comum, seguidos de longe pela bulimia e anorexia nervosas.
Quando o TDA deixa de atacar a geladeira para comer simples “besteirinhas” e passa a ingerir grandes quantidades de alimentos, muitas vezes organizando-se em torno disso, pode estar apresentando o que se chama de transtorno da compulsão alimentar. A pessoa simplesmente não consegue controlar seus desejos de ingerir alimentos, esteja com fome ou não. Aliás, não se dá tempo de sentir fome. Seu organismo está constantemente sobrecarregado com a função digestiva e isso pode acarretar problemas no aparelho gastrintestinal, bem como em outros órgãos.
O transtorno da compulsão alimentar costuma levar o indivíduo a procurar ajuda em função dos prejuízos mais visíveis em seu aspecto físico (a obesidade), com consequente comprometimento de sua autoestima. Não é incomum esses pacientes procurarem, como primeiro tratamento, médicos especializados nos mais diversos tipos de dietas ou nutricionistas, antes de terem seus problemas relacionados aos sintomas de TDA. Portanto, é bastante útil questionar esses pacientes acerca de sintomas característicos de TDA, bem como de outros transtornos.
TDA com outros transtornos de aprendizagem
Além das dificuldades de manter a atenção e concentração, o TDA também pode vir acompanhado de outros problemas de aprendizagem, dificultando o desempenho escolar e acarretando sofrimentos incalculáveis. Abaixo, os problemas mais comuns, de forma resumida:
• Dislexia: é um transtorno de aprendizagem na área da leitura. Manifesta-se pela facilidade em trocar letras com diferenças sutis de grafia (d-p, p-q, b-q) ou com sons muito parecidos (d,t,f,m,n). Os disléxicos também podem trocar sílabas de uma palavra, ou até mesmo palavras inteiras que compõem uma frase, dificultando a compreensão do texto.
• Disgrafia: manifesta-se como uma dificuldade motora na execução da escrita. As letras podem ficar ilegíveis por falta de harmonia nos movimentos. Os traços variam entre pouco precisos (muito leves) e demasiadamente fortes, a ponto de vincarem o papel. Geralmente é confundido com “letra feia” ou “má caligrafia” e muitos professores acusam o aluno de não ser caprichoso, gerando ainda mais problemas.
• Discalculia: é um problema neurológico que torna difícil para o indivíduo realizar operações matemáticas, cálculos, classificar números ou mesmo colocá-los em sequência. O aluno pode confundir números parecidos, como 6 e 9, e ter enormes dificuldades em memorizá-los. Imagine o transtorno que isso pode acarretar a uma pessoa que mal consegue decifrar as horas, memorizar números de telefones ou fazer uma simples continha de somar.
Nenhum dos transtornos acima está relacionado com baixa inteligência, má vontade do aluno ou situação socioeconômica. São problemas neurológicos, de origem hereditária e que necessitam de uma equipe multidisciplinar para acompanhar o aluno em sua rotina escolar. Caso contrário, repetirá o ano letivo ou abandonará a escola precocemente.
TDA com transtorno desafiador opositivo
O transtorno desafiador opositivo é um distúrbio comportamental bastante perturbador e que causa muita consternação. Crianças e adolescentes com esse transtorno são mais do que rebeldes ou problemáticos. Eles apresentam comportamentos negativistas, desafiadores, hostis e de desrespeito a figuras de autoridade (pais, familiares, professores) e a regras estabelecidas. São teimosos ao extremo e relutam em obedecer às ordens ou negociar com os adultos ou colegas. Normalmente apresentam baixíssima tolerância à frustração, culpam os outros pelos seus erros, envolvem-se constantemente em brigas e discussões, incomodam deliberadamente os demais, são rancorosos e vingativos.
Para caracterizar o transtorno, é preciso que os sintomas estejam presentes por pelo menos seis meses, com prejuízos significativos no funcionamento social, acadêmico ou ocupacional da criança e do adolescente. Via de regra os sintomas se iniciam antes dos 8 anos de idade e acometem mais meninos do que meninas, numa proporção de 2:1.
Em algumas crianças com esse transtorno observa-se também a presença do transtorno do deficit de atenção, principalmente naquelas cujos sintomas de hiperatividade/impulsividade são predominantes. Neste caso, os dois problemas devem ser diagnosticados e tratados, o que requer muito mais dedicação e persistência dos envolvidos.
É importante salientar que o TDA pode manifestar alguns comportamentos que lembrem os sintomas do transtorno desafiador opositivo. No entanto, a criança, que é apenas TDA, pode apresentar comportamentos problemáticos muito mais em função da hiperatividade, impulsividade e desatenção do que comportamentos com a intenção clara de causar prejuízos ou burlar regras. Uma criança TDA, por exemplo, pode deixar de seguir uma ordem porque não está atenta o suficiente ou porque tem dificuldades em realizar a tarefa até o final, mas jamais porque realmente seja sua intenção principal desafiar a pessoa que fez o pedido ou então desrespeitar alguma regra. Há uma distinção clara de temperamento.
A criança TDA pode cometer alguns erros graves porque foi desastrada, imprudente e impulsiva e não motivada por sentimentos de rancor ou vingança. É necessário fazer cuidadosamente essa distinção, porque a criança que apresenta o transtorno desafiador opositivo pode também ter as características de impulsividade e hiperatividade do TDA, mas o temperamento primário é bastante diferente, assim como a motivação para os comportamentos problemáticos.
TDA com uso de drogas
Esta condição será relatada em detalhes no capítulo referente à dependência química: “Uma relação explosiva: TDA e drogas”.
TDA com transtornos do sono
Esta condição será relatada em detalhes no capítulo referente aos transtornos do sono: “A difícil tarefa de dormir bem”.