...Ouça-me bem! amor/
preste atenção/
o mundo é um moinho/
vai triturar teus sonhos tão mesquinhos/
vai reduzir as ilusões a pó...



“O Mundo é um Moinho”

(Cartola)
























Capítulo 9

Uma Relação Explosiva:
TDA e Drogas



PERIGOS CAMUFLADOS E
ATRAÇÕES FATAIS...

Dario tem 40 anos. Já trabalhou como analista de risco em investimentos em um grande banco. Hoje trabalha no pequeno bazar do pai. Perdeu o emprego porque, apesar de seu timing e arguto senso de oportunidade, a inconstância de seu comportamento não o tornava apto a manter um trabalho com hora de entrada e saída, prazos a cumprir, relatórios e justificativas a apresentar. Seu envolvimento com drogas desestruturou toda sua vida. Às vezes, no embalo do consumo, esquecia-se até de justificar as faltas no trabalho.

O mais curioso é que ele fazia uso da cocaína para “se inspirar”. Dizia que se sentia mais concentrado e eficiente. Quando estava sob efeito da cocaína, falava, “meus instintos ficam mais agudos”, “eu arrisco mais”. Algumas de suas jogadas financeiras bem-sucedidas eram atribuídas a esses ilusórios momentos de ápices perceptivos. Mas, certamente, todos os seus fracassos desde então também podem ser seguramente imputados ao vício que ele acreditava proporcionar tais momentos.

No início, a percepção que tinha era de que a droga me turbinava. Desenvolvi dependência rapidamente. Não demorou muito para começar a consumir a droga simplesmente para não passar pelo mal-estar da abstinência. Era como estar em areia movediça. Quanto mais eu me debatia, mais me afundava.

Dez anos depois de estabelecida a dependência, Dario recebeu o diagnóstico de TDA. Em uma consulta médica, o psiquiatra prestou especial atenção à declaração de Dario sobre os efeitos da cocaína em seu organismo. Ao contrário da maioria dos usuários, Dario não relatava sentir-se “alucinado”. E sim com “percepção aguçada”, capaz de ficar horas “fazendo a mesma coisa”. Esse efeito paradoxal norteou os questionamentos posteriores do médico até que concluísse pelo diagnóstico de transtorno do deficit de atenção.

Dario estava se “automedicando”. A cocaína o fazia se sentir mais concentrado e produtivo, no início. Trazia muito trabalho para casa e fazia a maior parte deles, assim, sob efeito da droga. No local de trabalho ficava disperso e inquieto, não se sentindo eficiente o bastante. Mas, ao cabo de certo tempo, os efeitos devastadores da droga começaram a se fazer notar e logo já não lhe serviam para nada, nem para se concentrar. Ele foi engolfado pela necessidade e dependência. Precisava da cocaína apenas porque seu organismo estava dependente. Mas já não sentia nenhum efeito pseudobenéfico. A droga tornou-se um fim em si, e não apenas o meio. Hoje em dia, declara:

Se houvesse outros modos de conseguir me organizar, ou se pelo menos soubesse que meu funcionamento dispersivo era devido a uma condição orgânica e não a uma tendência à preguiça, como eu acreditava antes, talvez tudo pudesse ter sido diferente. Não sei. Mas isso não ajuda em nada agora. O que interessa é me levantar dos escombros. Tentar reconstruir minha vida... Com esses entulhos construirei a base. Eles estarão sempre lá para me lembrar de tudo o que perdi e de tudo o que aprendi também.

Existe uma relação bem estreita entre o transtorno do deficit de atenção e o uso e/ou a dependência de substâncias denominadas “drogas”. Nesse universo tão complexo, nos defrontamos com uma triste realidade: pessoas com TDA são mais propensas ao uso de drogas do que outras que não apresentam tal funcionamento mental. Estima-se que só nos Estados Unidos existam cerca de 17 milhões de pessoas com transtorno do deficit de atenção e que, aproximadamente, 40% a 50% delas façam uso de drogas. Vale lembrar que esses números não incluem os indivíduos com TDA que utilizam comida, jogo, sexo, compras e outros comportamentos de forma compulsiva, que poderiam ser incluídos na categoria de dependência.

Diante dessa angustiante realidade, a sociedade, como um todo, e, em especial, os profissionais da área de saúde e educação passam a ter um compromisso ético de, ao deparar-se com um indivíduo com TDA, observar ou mesmo procurar sinais e sintomas que revelem o uso/abuso ou dependência de drogas. E vice-versa: diante de casos em que haja envolvimento com drogas, é fundamental que se tenha em mente a possibilidade da existência de TDA como “pano de fundo”. Assim podemos concluir que o TDA é uma das grandes causas do abuso de determinadas substâncias químicas. Por isso mesmo, é chamado de causa “camuflada” e, como tal, precisa ser rastreado de maneira minuciosa para que um tratamento mais digno e eficaz possa ser oferecido a milhões de pessoas que sofrem angustiadamente, vitimadas por esta combinação tão explosiva: drogas e TDA.

Muitos estudos vêm sendo realizados com o intuito de entender os mecanismos psicológicos e biológicos que regem essa relação tão perigosa. Pelo lado psicológico, deparamo-nos com a hipótese da “automedicação”, bem como com as características comportamentais compartilhadas entre TDAs e personalidades predispostas à dependência.

Quanto à hipótese da “automedicação”, sabe-se que foi postulada por Edward Khantzian, um psicanalista especializado no estudo e tratamento de pessoas com história de abuso e dependência de substâncias químicas. Segundo o autor, as pessoas que usam drogas o fazem com o objetivo de “tratar” sentimentos camuflados ou ocultos de natureza extremamente desconfortável. Assim, a automedicação seria a utilização de substâncias com os objetivos de: melhorar o rendimento, elevar o estado de humor ou, ainda, minimizar ou anestesiar os sentimentos dolorosos. Se deslocarmos esse conceito para o funcionamento TDA, poderemos entender, pelo menos parcialmente, o fato de muitos deles se tornarem dependentes de substâncias como álcool, maconha, tranquilizantes, nicotina, cafeína, cocaína, açúcares, analgésicos e anfetaminas. Isso ocorreria com o intuito, pelo menos inicial, de proporcionar alívio às suas mentes e/ou corpos inquietos. Assim, apesar de o termo automedicação não ter sido criado para explicar o abuso de drogas pelos TDAs, seu entendimento cai como uma luva no campo da psicopatologia do transtorno do deficit de atenção e sua relação com as drogas. É como abrir uma das portas do complexo universo das mentes TDAs e sua busca, às vezes desesperada, na tentativa de se organizar.

Em um primeiro momento, ou seja, assim que um TDA inicia seu contato com algum tipo de droga, o efeito da “automedicação” pode até apresentar-se de maneira eficaz (na verdade, pseudoeficaz), uma vez que drogas como a cafeína, a cocaína ou as anfetaminas fazem com que o TDA consiga se concentrar, encadear seus pensamentos e dar continuidade às suas tarefas. Já drogas como álcool, maconha, morfina e derivados, tranquilizantes e heroína proporcionam ao TDA um “anestesiamento” de seus sentimentos e de sua habitual ansiedade.

Muitas pessoas com TDA apresentam grandes dificuldades em se manter estáveis emocionalmente. Costumam se sentir tristes, ansiosas, angustiadas, exaltadas ou mesmo “estranhas”, sem qualquer motivo aparente ou plausível. Essa avalanche de sentimentos pode levar o indivíduo a vivenciar um estado que denominamos desconexão emocional, no qual predomina uma sensação de estranheza em relação a si mesmo. Uma situação vivenciada com grande desconforto (físico e mental) e muito sofrimento, levando com frequência ao abuso de substâncias, na tentativa de se automedicar.

Corroborando o conceito de automedicação na estreita relação entre TDA e drogas, pode-se destacar ainda o fato de muitas pessoas que ignoram ser TDAs, ao terem contato com cocaína ou anfetaminas, sentirem alívio em vários dos seus sintomas, como desatenção e desorganização. Esse alívio temporário faz com que muitos TDAs se tornem usuários crônicos dessas drogas. Vale lembrar que a Ritalina®, uma das medicações mais usadas e eficazes no tratamento do TDA, possui um mecanismo de ação parecido com o da cocaína e o das anfetaminas, por isso é também chamada de estimulante do sistema nervoso central. Assim, podemos deduzir que muitos adolescentes e adultos com TDA podem estar usando, de maneira inadvertida e perigosa, cocaína e anfetaminas como forma de automedicação.

Pelo exposto, conclui-se que a cocaína e alguns tipos de anfetaminas seriam as drogas em potencial para um TDA. No entanto, observa-se que o uso do álcool e da maconha também são bastante frequentes na vida destas pessoas.

Nesses casos, a utilização das drogas visa minimizar a grande angústia e ansiedade que esses indivíduos apresentam. O álcool, tal qual um tranquilizante, tem a capacidade de reduzir, a curto prazo, estes desconfortáveis sintomas. No entanto, com o abuso crônico, o álcool gera neste mesmo indivíduo sintomas depressivos e, uma vez estabelecida a dependência física, proporciona grandes doses de ansiedade em função das crises de abstinência.

Tal qual o álcool, a maconha, inicialmente, proporciona grande alívio na inquietação mental e física de um TDA, mas, a longo prazo, promove uma desmotivação vital que acaba por alimentar a desorganização que muitas vezes toma conta do cotidiano dos TDAs. Assim, pode-se concluir que, por um período, em geral curto, a “automedicação” pode trazer uma sensação bastante confortável a um TDA; todavia, com o passar do tempo, poderá acarretar uma grande lista de problemas desagradáveis relacionados com a dependência química. Uma vez que esta seja estabelecida, a droga consegue o que parecia impossível: transformar a vida de um TDA em algo muito mais difícil e desconfortável que antes. O que no início era solução transforma-se, agora, em um poço sem fundo de problemas que podem incluir: perda de emprego, violência doméstica, desestruturação de famílias, desastres automobilísticos, comportamento sexual de alto risco, crimes impulsivos, ruína financeira e, até mesmo, morte.

A afirmação de Wendy Richardson resume perfeitamente a situação de risco presente na relação TDA-Drogas-Automedicação: “Automedicar TDA com álcool e outras drogas é como apagar fogo com gasolina. Sua vida pode explodir se você tentar ludibriar as chamas do TDA.”

Ainda dentro dos aspectos psicológicos existentes na coligação TDA e drogas, devemos destacar o fato de que algumas características apresentadas no comportamento TDA se encaixam perfeitamente no perfil de personalidade de pessoas com tendência à dependência.

Ao se analisar a personalidade dos indivíduos que se tornam dependentes de algum tipo de substância, é possível deparar-se, na grande maioria das vezes, com alguém dotado de uma estrutura interna frágil, desprovida de recursos para enfrentar, de maneira adequada, os fatos e momentos marcantes de sua vida. Lidar com a vida é algo muito difícil para os dependentes, não só pelas dificuldades reais que os cercam, como pela sua incapacidade de utilizar suas vivências passadas como aprendizado útil no enfrentamento da realidade. Incapazes de suportar as frustrações e restrições inerentes à vivência humana, estas pessoas passam a agir de maneira extremamente impulsiva, com o intuito urgente de saciar sua ânsia de segurança interna. Dessa maneira, partem para o uso de uma substância (droga) e passam a ter a ilusão de estarem supridas e suficientemente fortes para enfrentarem as adversidades.

Quem não se lembra das aventuras de Popeye, personagem que retratava um homem simples e comum que, ao se deparar com problemas pessoais de qualquer ordem, recorria ao seu mágico espinafre, com o poder de transformá-lo em um super-herói seguro de si e imbatível? Diante do status que Popeye adquiria com o uso de seu espinafre, pode-se afirmar que existe nesta inocente relação (Popeye X espinafre) toda a dinâmica presente na interação dependente X droga. Afinal, uma substância, por si só, não é uma droga. O que determina a designação de droga dada a uma substância é a mudança de comportamento que ela produz e o status temporário de que o usuário desfruta com a transformação advinda de seu uso.

O indivíduo com características que o predispõem à dependência não consegue entender que uma mudança real e saudável é fruto, fundamentalmente, do desenvolvimento da paciência, do exercício da capacidade de reflexão e da aceitação dos sofrimentos e fracassos vitais. Para esse indivíduo, toda a demora no processo de uma mudança real é inaceitável. Isso ocorre porque, além da impaciência, ele nutre uma necessidade violenta e impulsiva de desfazer-se de uma identidade que ele próprio não estima e que, em muitos casos, foi também pouco estimada nas etapas iniciais de sua vida.

O dependente se vê como uma estrutura estática e incapaz de realizar mudanças positivas a partir de si mesmo. Assim, compulsivamente, segue em direção à negação de suas fragilidades, por meio do uso de substâncias mágicas que lhe ofereçam mudanças rápidas e sem qualquer tipo de esforço autorreflexivo.

Semelhante a uma personalidade predisposta à dependência, o TDA apresenta uma estrutura interna frágil, grande insegurança pessoal, baixa autoestima, impaciência, baixa tolerância à frustração e intensa impulsividade.

Não se sabe dizer se essas semelhanças possuem algum significado maior que nos leve a uma gênese comum, pelo menos parcialmente, entre o funcionamento TDA e a dependência química. Até o momento, no que concerne à análise comportamental desses dois funcionamentos, só se pode afirmar que suas estradas costumam cruzar-se com uma frequência bastante peculiar.

No que se refere ao aspecto biológico da questão, tudo começa a se encaminhar para o neurotransmissor dopamina. Parece que é justamente neste ponto que dependência e TDA usufruem de um território comum.

Em relação à dependência, sabe-se que muitos indivíduos usam drogas para obter, através delas, sensações ou comportamentos vantajosos e prazerosos. Se assim não fosse, as drogas não seriam hoje um problema de saúde pública em todo o mundo. É comum referir-se à dopamina como o neurotransmissor do prazer e da motivação, e logo se passa a associá-la ao prazer que algumas substâncias podem produzir nos indivíduos em função do seu uso.

Essa associação, inicialmente empírica, vem sendo bastante estudada e, nos últimos tempos, comprovada, graças a pesquisas realizadas recentemente sobre os efeitos da cocaína através de imagens cerebrais obtidas pela tomografia PET (Positron Emission Tomography), um sofisticado método que permite visualizar o funcionamento dos neurônios no exercício de suas funções, utilizando-se marcadores radioativos.

As pesquisas revelaram que a cocaína faz com que uma maior quantidade de dopamina fique disponível no cérebro, causando assim os efeitos eufóricos associados à sua utilização. Pode-se concluir que a cocaína em si não é responsável pelo prazer experimentado por seus usuários, e sim pelo aumento significativo de dopamina que promove no cérebro. Portanto, qualquer substância e comportamento que tenham o poder de aumentar os níveis de dopamina no organismo podem ser chamados de droga. Por isso mesmo se atribui, nos dias atuais, o status de droga ao álcool, cafeína, anfetaminas, maconha, nicotina, heroína e outras mais que, certamente, surgirão.

Se for lembrado que o metabolismo da dopamina encontra-se alterado no transtorno do deficit de atenção, pode-se imaginar, no mínimo, que reside neste fato a base cerebral desta interdependência — TDA X drogas — de consequências tão preocupantes quanto explosivas.

Quem se tornará dependente?

Todo TDA é vulnerável a abusar de qualquer substância que provoque alteração de comportamento com o objetivo de diminuir os sentimentos desconfortáveis que acompanham esse funcionamento cerebral. Contudo, existe uma variedade de fatores envolvidos no fato de uma pessoa com TDA tornar-se dependente e outras não. A causa disso não é única, pois uma combinação de fatores está envolvida no processo. Predisposição genética, neurobioquímica cerebral, história familiar, traumas, estresse, tipos de droga e outros fatores físicos e emocionais fazem parte dessa engrenagem.

Parte essencial na determinação de quem se tornará dependente ou não é a combinação desses fatores e a cronometragem (tempo de exposição a eles). Um TDA pode ter uma predisposição genética para o álcool, mas, se ele opta por não beber, consciente dos riscos aumentados que possui, nunca se tornará um alcoólico. O mesmo ocorre com as demais drogas. Se um TDA nunca fumar maconha, cheirar cocaína ou usar heroína, obviamente nunca se tornará um dependente dessas substâncias, independentemente de seu funcionamento e/ou de outros fatores predisponentes. Por isso, em se tratando de drogas e TDA, a máxima regente é intervenção precoce e prevenção.

Intervenção precoce e prevenção

Nem pense. Diga NÃO! Essa simples tomada de posição pode revolucionar positivamente a vida de um TDA no que tange à sua truculenta relação com as drogas. Isso pode soar muito simplista, mas, se fosse assim, não se teriam milhões de crianças, adolescentes e adultos usando drogas todos os dias em toda parte do planeta. Para alguns, a atração biológica e emocional pelas drogas é algo tão forte que conceituar os riscos de automedicar-se pode ser muito difícil. É o caso de pessoas com TDA que têm uma grande afinidade e atração por experiências estimulantes e arriscadas. Isso também se aplica a pessoas com TDA que estão sofrendo física e emocionalmente com inquietação, impulsividade, baixa energia, vergonha, problemas de atenção e organização, e um alto índice de dor social causados pelo seu não tratamento.

É difícil dizer não às drogas quando se tem dificuldade em controlar os impulsos. Em outras palavras, não é fácil resistir às drogas quando se é atormentado por um cérebro ruidoso e um corpo inquieto. Por isso mesmo é que se deve ter em mente que, quanto mais cedo as crianças, adolescentes e adultos com TDA forem tratados, mais aptos estarão os profissionais a ajudá-los no processo de minimizar ou eliminar o efeito da “automedicação”.

É importante destacar que muitos pais, psicólogos e mesmo médicos, não especializados, receiam usar medicamentos no tratamento dos TDAs. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o uso de medicações nesses casos não é uma obrigatoriedade e sim uma escolha de cada TDA, na busca de um padrão mais confortável para suas vidas e as dos demais ao seu redor.

Para aqueles que optam pelo uso de medicamentos como um instrumento a mais na busca desse objetivo, é importante lembrar que as medicações devem ser receitadas por um médico especializado no assunto e monitoradas de perto para que possam, de fato, prevenir ou minimizar a necessidade de “automedicação”. Quando os medicamentos ajudam os TDAs a se concentrarem, controlarem seus impulsos e regularem seus níveis de energia, eles se tornam menos propensos a se “automedicarem”.

O TDA, não tratado, contribui para o estabelecimento da dependência, bem como para a ocorrência de recaídas no processo de recuperação. Muitas vezes, sintomas como estados depressivos, sentimentos de incapacidade, vergonha e inadequação podem representar o gatilho que irá disparar uma recaída. Muitos TDAs em recuperação passam horas em terapias, trabalhando questões da infância, conhecendo sua criança interior e analisando seu comportamento na busca dos porquês que os levaram a abusar e a se tornarem dependentes de drogas. Todo esse conhecimento é útil e necessário para o processo de recuperação. No entanto, se, depois de anos de terapia individual ou em grupo, esses indivíduos ainda largam seus empregos de maneira impulsiva, rompem relacionamentos afetivos irrefletidamente, não conseguem dar continuidade a seus projetos e têm um nível de energia lento, rápido ou caótico, devemos atentar para a necessidade de estabelecer-se um tratamento mais direcionado para o funcionamento TDA. Uma terapia que tenha como principal objetivo reduzir sentimentos e situações que possam desencadear recaídas no árduo processo de recuperação.

Tratamento TDA/dependência

Não é suficiente tratar a dependência e não tratar o TDA, e vice-versa. Ambos precisam ser diagnosticados e tratados para que o indivíduo tenha uma chance de dar continuidade à sua recuperação.

É chegada a hora de especialistas em dependência compartilharem informações com aqueles que tratam TDA, na busca por um trabalho com objetivos comuns e mais eficazes. É fundamental que profissionais em dependência entendam que o transtorno do deficit de atenção é resultado de uma biologia diferenciada e que apresenta boa resposta terapêutica a um programa de tratamento informativo-educacional que, na maioria dos casos, inclui o uso periódico ou permanente de medicamentos. Importante, também, é que profissionais que lidam com os TDAs apoiem o envolvimento destes em programas de recuperação de dependência, bem como os ajudem a trabalhar o receio, ou mesmo o medo, de fazerem uso de algum tipo de remédio.

Um tratamento informativo-educacional para TDAs com história de abuso e/ou dependência de drogas inclui as seguintes etapas:

1. Realização de uma avaliação especializada para o TDA e dependências correlatas.

2. Informação com caráter educacional sobre como o funcionamento TDA causa impacto na vida dos indivíduos e das pessoas que os cercam.

3. Envolvimento em grupos de recuperação de dependência, preferencialmente no programa dos 12 passos (Alcoólicos e Narcóticos Anônimos).

4. Tratamento psicoterapêutico do TDA: feito através de terapia de base cognitivo-comportamental. Essa abordagem visa promover uma mudança positiva no comportamento e padrões de pensamento de um TDA, pelo entendimento adequado de seus sintomas.

5. Tratamento medicamentoso do TDA: deve ser efetuado toda vez que os sintomas do transtorno forem responsáveis por um nível muito elevado de desconforto vital, manifestado pela presença de incapacitações funcionais.

6. Trabalhar a busca de habilidades individuais que levem a um processo de produtividade pessoal e contribuam na reintegração social, familiar e profissional do indivíduo.

Há, ainda, no tratamento dos TDAs com dependência química, uma questão bastante delicada: em que momento deve-se enfatizar o uso de medicamentos para os sintomas específicos do TDA?

Entende-se que exista uma hierarquia nessa questão, que tem como base o momento de recuperação no qual uma pessoa se encontra. Assim sendo, sugere-se a existência de três estágios distintos de recuperação:

1. Estágio inicial:

Corresponde ao período em que a pessoa resolve iniciar o tratamento de sua dependência. Sintomas de abstinência como agitação, distração, alterações de humor, irritabilidade, confusões e impulsividade estão presentes e podem ser confundidos com os sintomas do TDA. Uma história infantil positiva para TDA pode ajudar a caracterizar melhor essa situação tão ambígua. Em princípio, deve-se evitar o uso de medicamentos psicoestimulantes nesta fase do tratamento, a não ser que os sintomas do TDA apresentados impeçam o indivíduo de atingir um estado de sobriedade.

2. Estágio intermediário:

Este é o período em que o indivíduo não está mais fazendo uso de sua droga e, em geral, busca ajuda para enfrentar os problemas que não desapareceram com a sobriedade. Tais problemas são, em geral, os próprios sintomas do TDA, como instabilidade de humor, desorganização, insegurança, baixo rendimento e impulsividade. Neste momento, o diagnóstico de TDA costuma ser facilmente realizado, e o medicamento pode ser utilizado com grande eficácia.

3. Estágio final de caráter contínuo:

Neste período a maioria das pessoas consegue expandir sua vida para além de tentar ficar sóbrio. É a hora excelente para tratar o TDA com medicamentos adequados, uma vez que possuem agora maior flexibilidade para lidar com outros problemas que não as drogas.

Medicamentos e dependência

Este item será iniciado com o depoimento de Mayra, artesã e química, 40 anos:

Receber o diagnóstico de TDA aos 40 anos foi, no mínimo, impactante, mas saber que todo o desconforto que sentia, até aquele momento, tinha uma explicação, tratamento e controle foi motivo de grande alívio.

Tive uma infância que considero feliz, adolescência angustiada e vida adulta confusa. Pratiquei esportes por anos, fiz curso superior e logo após a formatura iniciava minha vida profissional. Aos olhos dos outros, tudo parecia dentro da normalidade, porém não era dessa forma que os meus olhos me viam.

Sentia-me angustiada, ansiosa, exigente comigo mesma e em busca constante de algo que nunca soube definir. Era como se eu não fizesse parte do contexto, fosse apenas uma simples espectadora. Sonhadora, mas sem projetos, sem planejamentos, sem objetivos. Em eterna insatisfação, vivia apenas o presente, capaz de pensar e realizar várias coisas ao mesmo tempo, num ruído mental que me levava à exaustão.

Aos 23 anos, na tentativa de minimizar meu desconforto, comecei a fazer uso de tranquilizantes — automedicação favorecida pela minha própria profissão — que, com o passar do tempo, acarretaram a inevitável dependência física e psíquica. Por 17 anos consecutivos, experimentei uma grande variedade de tranquilizantes que o mercado oferece e, especialmente, o Lorazepan, que me acompanhou pelos últimos sete anos, em doses excessivamente altas.

O uso crônico dos medicamentos levou-me a um estado depressivo e insone que me fez abandonar uma vida profissional relativamente estável. Quando procurei uma psiquiatra, me sentia cética e sem esperanças.

Por meio de tratamentos psicoterápicos, medicamentos adequados e incentivos da médica que me assistiu, a depressão foi aos poucos se dissipando e fui me sentindo com mais vitalidade e desejo de um reinício. O diagnóstico do TDA me estimulou a colher informações sobre o transtorno, suas causas e consequências, as quais me fizeram me identificar cada vez mais com seus sintomas característicos.

O próximo passo foi libertar-me da dependência química. Embora tenha sido um processo tortuoso e doloroso, exigindo muita dedicação, empenho e paciência das pessoas que me eram íntimas, transpor esse desafio foi absolutamente possível.

Liberta do torpor dos efeitos dos tranquilizantes e ainda em tratamento psicoterápico, aos poucos estou adquirindo autoconhecimento e, com isso, autocontrole, podendo administrar e gerenciar melhor meus pensamentos, emoções e talentos. Estou saindo da confusão mental para a objetividade. Abandonando o adiamento crônico dos compromissos, que tanto me angustia, e aprendendo a priorizar as tarefas.

Saber ser portadora de TDA aos 40 anos acarinhou e enriqueceu minha alma, trouxe-me a paixão pela vida e mais respeito comigo mesma. Continuo sonhadora, mas hoje acalento meus sonhos, fazendo com que se projetem para o futuro de maneira prática, esperançosa e acreditando na possibilidade de realizações.

Os medicamentos psicoestimulantes (estimulantes do sistema nervoso central), quando adequadamente receitados e monitorados, são eficazes para 75% a 80% das pessoas com TDA. Esses medicamentos incluem a Ritalina®, Concerta®, Dexedrine® e Adderal® (os dois últimos não são comercializados no Brasil). É importante frisar que, quando usados para tratar TDA, a dosagem utilizada é muito menor do que a que alguns dependentes costumam usar para ficarem “altos”. Quando um TDA é propenso a esse tipo de medicação, ele não se sentirá “elétrico” ou “alto”. Em vez disso, relatará um aumento na habilidade de se concentrar e controlar seu nível de atividade física e mental, assim como seus impulsos.

Medicamentos não estimulantes como Efexor®, Pamelor®, Prozac®, Zyban®, Zoloft®, Prolift® e Strattera® também podem ser eficazes em aliviar os sintomas de TDA em muitos pacientes. Tais medicamentos são frequentemente usados em combinação com os psicoestimulantes; ambos em pequenas doses. Os medicamentos não estimulantes não apresentam nenhum risco de abuso e/ou dependência.

Até hoje, é comum médicos que hesitam, por diversos motivos, em usar medicamentos psicoestimulantes para tratar TDAs. No entanto, a prática clínica nos tem revelado que, quando uma pessoa, em recuperação de dependência, mostra-se, de fato, disposta a utilizar medicamentos com o objetivo claro de aumentar a eficácia de seu tratamento, a possibilidade de abuso se torna reduzida. Na verdade, a chave de tudo está na tomada de consciência e no envolvimento do indivíduo em um programa de tratamento informativo-educacional, que inclua supervisão dos medicamentos, intervenções comportamentais, na forma de terapias individuais e/ou de grupos para TDAs, e vinculação com programas de recuperação de dependentes.