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TEORIA GERAL DO DIREITO PENAL

1.1 CONCEITO

Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regula o poder de punir do Estado por meio da tipificação de crimes e da cominação de penas.

Trata-se, na verdade, do ramo do Direito Público destinado a tutelar os bens jurídicos mais indispensáveis ao harmonioso convívio social, por meio da intervenção do Estado nas relações sociais e da manifestação do poder punitivo deste. O Direito Penal não se destina a tutelar e proteger todos os bens jurídicos, mas apenas aqueles mais relevantes à manutenção do convívio social, tais como: vida, integridade física, integridade sexual, patrimônio, honra, probidade, moralidade administrativa, entre outros. Cabe salientar que a tarefa de estabelecer quais são os bens jurídicos que devem ser erigidos a bens jurídico-penais é do legislador, com base no direcionamento constitucional.

Não se pode esquecer da função de controle social exercida por este ramo do ordenamento. Todavia, esta assume caráter secundário, uma vez que há outros meios mais eficazes para realizar este controle, tais como políticas públicas, educação, família, entre outros.

1.2 FONTES DO DIREITO PENAL

Fonte é a maneira pela qual a norma jurídica é criada e exteriorizada. Pode ser de duas espécies: material (de produção ou substancial) ou formal (ou de cognição).

A fonte material refere-se ao órgão encarregado de elaborar a norma penal, sendo no Brasil, de acordo com o art. 22, I, da CF, o Poder Legislativo da União.

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (...)”.

A fonte formal refere-se à maneira pela qual se exterioriza o direito penal. Divide-se em fonte formal imediata, que é a lei; e fonte formal mediata, que compreende os costumes, os princípios gerais do direito e o ato administrativo.

Costume é o conjunto de normas de comportamento que as pessoas obedecem de maneira uniforme e constante (requisito objetivo), pela convicção de sua obrigatoriedade (requisito subjetivo). O costume, no Brasil, não pode criar ou revogar crimes e penas em virtude do princípio da reserva legal, que estabelece não existir crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Dessa forma, a contravenção penal do jogo do bicho, apesar de praticada por muitas pessoas como se fosse algo lícito, não pode ser entendida como revogada.

Princípios gerais do direito são as premissas éticas, sociais e jurídicas que inspiram a elaboração das normas jurídicas. A grande fonte emanadora destes princípios encontra-se no art. 5.º da CF, que elencou ideias básicas orientadoras de todos os ramos do direito brasileiro, tais como: preservação da vida e da dignidade da pessoa, isonomia jurídica entre os cidadãos, igualdade entre homens e mulheres, defesa da diversidade de gênero, sexual e cultural, liberdade de expressão e manifestação religiosa, combate ao racismo e ao preconceito, entre outros.

O ato administrativo é fonte formal mediata na hipótese de manifestação de uma norma penal em branco, ou seja, de uma norma que tipifique um crime, mas necessite de outra norma jurídica para completar seu sentido, entendimento ou aplicabilidade. Um bom exemplo disto é a Lei 11.343/2006, denominada Lei de Drogas, que tipifica várias condutas delituosas, como consumo e tráfico de drogas, mas não estabelece o rol das substâncias consideradas drogas ilícitas no Brasil. Para podermos entender e aplicar esta lei, é necessário consultar a portaria 344 do Ministério da Saúde, que elenca quais substâncias são drogas ilícitas.

Só para não esquecer:

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DICA IMPORTANTE:

Não se deve confundir Direito Penal com Criminologia.

Criminologia, como o próprio termo sugere, é a ciência que estuda o crime, o criminoso e as manifestações sociais da ocorrência do ilícito penal. Esta ciência não está restrita ou limitada à esfera penal, tampouco à norma jurídica, pois busca compreender o crime de forma mais ampla e aberta, pela percepção do fato delituoso em toda a sua plenitude sociológica, bem como de seus pormenores subjetivos.

Tomemos o seguinte exemplo: João empregou de violência contra Pedro e lhe subtraiu um telefone celular. Ao Direito Penal cabe estabelecer que esta conduta é ilícito previsto no art. 157 do Código Penal (roubo), cuja pena é de reclusão de quatro a dez anos e multa, que não admite a modalidade culposa por falta de expressa previsão no texto legal, entre outros requisitos. Já à criminologia caberia, além da análise essencialmente penalista, estabelecer o contexto social de onde origina o agente delituoso, o impacto que sua conduta provocou na vítima, na sociedade e nele mesmo, as medidas que poderiam ser adotadas para que outras pessoas nas mesmas condições não viessem a ser novas vítimas.

1.3 PRINCÍPIOS ELEMENTARES DO DIREITO PENAL

1.3.1 Princípio da intervenção mínima

O Direito Penal não é o ramo do direito destinado a intervir na vida das pessoas diariamente. Como sua missão é preservar os bens jurídicos estabelecidos pelo legislador como mais relevantes ao harmonioso convívio social, sua manifestação deve sempre ser de natureza excepcional ou mínima, ou seja, só deve ser aplicado em última instância para proteger os bens sociojurídicos mais importantes. Assim sendo, sua intervenção deve ser sempre excepcional, pois, sendo possível tutelar as condutas por outros ramos do direito, deve-se fazê-lo, devendo ser aplicadas as regras penais somente quando as demais normas do ordenamento jurídico forem ineficientes para reger o caso concreto.

Este princípio baseia-se na ideia de ser o Direito Penal ultima ratio, ou seja, “a última linha de defesa” da coletividade na proteção dos seus bens jurídicos mais elementares, não se prestando a tutelar toda e qualquer relação social. Deve o legislador observar quais relações sociais podem ser tuteladas, sem prejuízo da coletividade, por outros ramos do ordenamento e abstrair nesses casos a tutela pelo direito penal.

Podemos citar como exemplo o caso do adultério, antes crime e hoje retirado do código penal. Entendeu o legislador que não era mais necessário tipificar esta conduta como ilícito penal, pois existem formas de se reger tal situação previstas no ordenamento civil. Entendimento semelhante já possui nossos tribunais acerca do caso de bigamia que, embora ainda seja crime tipificado no ordenamento penal, encontra pouca aplicabilidade prática no dia a dia do direito, pois a manifestação da bigamia já é tutelada no âmbito civil, seja com a nulidade do segundo casamento, seja com a manifestação de direito indenizatório a título de perdas e danos por parte de que seja lesado pelo pretenso bígamo.

DICA:

Em decorrência do princípio da intervenção mínima, o direito penal assume caráter fragmentário, ou seja, nem todas as condutas ou bens jurídicos são protegidos ou tutelados pelo ordenamento penal, mas apenas um pequeno fragmento destes, considerados mais elementares e indispensáveis ao harmonioso convívio social. Ex.: a locação de imóveis é uma conduta tutelada pelo ordenamento jurídico, mas não pelo ordenamento jurídico penal, sendo objeto de regulamentação e proteção no âmbito civil.

1.3.2 Princípio da lesividade ou alteridade

O Direito Penal só agirá nas ações humanas que lesem ou possam vir a lesar os interesses sociais ou coletivos, tutelados pelo ordenamento penal, sendo necessário que a conduta extrapole o limite pessoal e seja prevista na lei penal. Este princípio busca a tolerância social, separando direito e moral.

Um bom exemplo seria a questão da troca de afeto público entre pessoas do mesmo sexo, considerado por alguns uma ofensa à moral social. Neste caso não existe razão para a manifestação do Direito Penal, pois a conduta não ofende a lei, mas só a moral de alguns indivíduos.

DICAS IMPORTANTES:

1 – Para que o Princípio da Lesividade esteja satisfeito, não basta que a conduta em análise extrapole o âmbito pessoal e atinja o âmbito social, sendo indispensável, também, que esta esteja tipificada como ilícito no ordenamento penal;

2 – Sempre que se manifestar um conflito entre moralidade e legalidade, esta última deve prevalecer.

1.3.3 Princípio da insignificância

Algumas situações, mesmo sendo tipificadas, não devem ser levadas à apreciação do Direito Penal, pois não possuem relevância significativa que se enquadre no caráter de exceção que deve configurar a aplicação do Direito Penal. Este princípio é considerado por muitos como uma forma de garantir a manutenção da excepcionalidade, prerrogativa indissociável da aplicação da norma penal.

Muitas pessoas, ao analisarem casos concretos envolvendo o Princípio da Insignificância, também denominado de Princípio da Bagatela, são levadas a erro por acreditarem que esta insignificância refere-se ao valor venal do bem jurídico ofendido, ou seja, seu valor econômico. Na verdade, o princípio refere-se à insignificância da situação e do dano provocado ao contexto social, ou seja, a forma com que a ação ou omissão podem afetar a ordem social.

Tomemos como exemplo a situação onde um agente subtrai um pacote de pão. Temos, em tese, o crime de furto, tipificado no art. 155 do CP. Todavia, o operador do direito deve arguir se tal conduta, dentro do contexto em que foi praticada, é suficientemente lesiva para ensejar a manifestação do Direito Penal. Ou seja, deve-se questionar se vale a pena aplicar o Direito Penal a esta conduta ou se estamos diante de uma bagatela, uma insignificância, insuficiente para motivar a manifestação de um ramo do ordenamento que por sua índole deve ter atuação excepcional e fragmentária.

Para aplicação prática do princípio da insignificância, devem ser arguidos, no caso concreto, alguns critérios:

I – a mínima ofensividade da conduta do agente.

II – nenhuma periculosidade social da ação.

III – reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.

IV – inexpressividade da lesão jurídica provocada.

O STJ aplicou pela primeira vez o princípio da insignificância em crime ambiental no julgamento do HC 112.563, absolvendo um pescador condenado por pescar durante o período de defeso, após ser flagrado com 12 camarões.

DICA:

Não se pode arguir insignificância em crimes praticados com violência ou grave ameaça a pessoa.

1.4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO PENAL

1.4.1 Princípio da legalidade

1.4.1.1 Princípio da legalidade em sentido amplo

“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude da Lei”.

Trata-se, na verdade, de um princípio genérico que norteia o ordenamento penal brasileiro, tendo aplicabilidade em todos os ramos do direito. Este princípio estabelece que apenas a norma jurídica tem poder para determinar condutas, tolher ações ou responsabilizar omissões. Em natureza específica de direito penal temos a Legalidade em Sentido Estrito, baseada no dispositivo constitucional que afirma não existir crime sem lei que o defina.

1.4.1.2 Princípio da legalidade em sentido estrito e da anterioridade da lei penal

“Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal”.

Os concursos também denominam este instituto de Princípio da Reserva Legal. Corresponde à aplicação do princípio da legalidade, de forma mais específica, no âmbito do direito penal, sendo baseado no entendimento que nullum crimen, nulla poena sine lege, ou seja, só existirá crime se a conduta estiver tipificada em lei.

Este princípio representa uma forma de afastar, em tese, o arbítrio de quem vai aplicar o Direito Penal. Crime não é o que o operador do direito entende ser, mas sim o que taxativamente a lei estabelece. Estabelecer crimes é função exclusiva de lei, emanada do legislador originário das normas penais – o Congresso Nacional. O art. 62 da CF proíbe que medidas provisórias tratem de matéria penal, sejam estas medidas favoráveis ou desfavoráveis ao réu.

Frente ao princípio da reserva legal, crime será a conduta delituosa prevista exclusivamente em lei, da mesma forma que a cominação da pena. Não existe tipificação por ato discricionário no direito penal brasileiro. Também não é admissível a configuração de crime mediante analogia ou baseado em costumes.

Cuidado com um detalhe: muitos afirmam que não se pode utilizar analogia ou interpretação extensiva no direito penal. Isto não é verdade. O que não podemos ter é analogia ou interpretação extensiva para tipificar crimes ou gerar prejuízo ao réu, mas nada impede a utilização destes institutos como forma de estabelecer benefícios ao acusado.

De uma forma bem simples: para ser crime tem que estar tipificado em lei. Esta tipificação tem que ser precisa e inequívoca. Se o fato praticado pelo agente apenas parece ou assemelha-se com o que está escrito na lei, não é crime.

Para satisfazer o princípio da reserva legal, não basta que a norma exista. Ela precisa também estar em vigor, ser exigível. Normas que tenham sido publicadas, mas que não tenham entrado ainda em vigor, não podem ser utilizadas para configuração de crime. Como assim? Você pode estar pensando. Calma, não criemos pânico.

Vejamos o seguinte exemplo: hoje foi publicada no Diário Oficial da União uma lei tipificando um determinado crime. Todavia, o texto desta lei estabelece que ela só entrará em vigor dentro de 90 dias. Durante esse período, entre a publicação e a vigência da lei, denominado de vacation legis, não se pode falar que alguém praticou o crime tipificado, nem tampouco que possa ser responsabilizado por sua conduta, visto que a lei deve estar em vigor antes da prática da ação ou omissão considerada delituosa. Normas penais em vacation legis não satisfazem o princípio da reserva legal.

Existe um ponto curioso sobre o princípio da legalidade em sentido estrito e da anterioridade da lei penal, baseado na ideia acima. Trata-se da questão da aplicação imediata de normas penais em vacation legis que de alguma forma possam beneficiar o réu, como, por exemplo, nos casos em que uma lei nova reduza a pena de um determinado crime. O entendimento doutrinário dominante hoje é que esta hipótese é perfeitamente possível, ou seja, ainda que não tenha entrado formalmente em vigor, a norma que beneficie o réu deve ser aplicada de imediato.

Tomemos a seguinte situação hipotética: uma lei foi publicada hoje, reduzindo a pena de um determinado crime, que era de reclusão de 10 a 20 anos, para detenção de 3 a 5 anos. Todavia, o texto da lei afirma que ela só entrará em vigor dentro de 180 dias. A questão básica consiste em saber se deve ser feita a adequação imediata da pena do réu, ainda que a norma esteja em vacation legis, ou se deve ser aguardado o momento que esta lei entre em vigor. Com base na razoabilidade e na ponderação, que sempre devem acompanhar a aplicação do Direito Penal, entende-se que deve a incidência da lei nova ser imediata.

Como o legislador já reconheceu e expressou através do texto legal se a punição para o crime anteriormente imposta era desmedida, tanto que promoveu sua redução, não existe razão para aguardar a entrada em vigor da lei. De um jeito bem simples: se o remédio é inadequado ao paciente, interrompa-se sua aplicação e passe a dar, o mais rápido possível, o remédio mais adequado.

DICAS IMPORTANTES:

Consequências da reserva legal:

1 – Não se admite o emprego da analogia no tocante às normas penais quando possa prejudicar o réu. Ao contrário, nada impede o emprego da analogia que traga benefícios ao acusado;

2 – Não se admite a incriminação vaga e indeterminada para fins de configuração de crimes;

3 – Não se admite a aplicação de crimes ou penas de meros costumes sem a previsão anterior e escrita tanto de um como de outro;

4 – Embora a norma constitucional utilize-se apenas da expressão crime, devemos ampliar o entendimento deste dispositivo também para as contravenções penais.

1.4.2 Princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica

“A Lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

O instituto da retroatividade consiste em analisar um fato passado à luz do direito presente. A lógica norteadora do ordenamento penal estabelece que os fatos sejam apreciados com base na lei em vigor no momento em que eles aconteceram, ou seja, a lei aplicável é a lei do tempo do crime. Assim sendo, na regra geral, as normas penais não retroagem, salvo se trouxerem algum tipo de benefício para o réu.

A lei penal que de algum modo beneficiar o réu retroagirá, tendo transitado ou não a sentença condenatória, como ocorre, por exemplo, quando a lei posterior deixa de considerar como crime, fato que anteriormente era tipificado.

Esta questão da retroatividade ou não da lei penal também é matéria expressa no Código Penal:

“Art. 2.º do CP: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.

Para que seja encontrada a lei mais benigna, basta fazer a comparação entre os dispositivos que interessam ao caso. A lei mais benigna pode ser aquela: que comina pena de menor duração; que comina pena de detenção em vez de reclusão; que contenha circunstâncias atenuantes; que dá ao fato definição de contravenção e não de crime, entre outras.

A retroatividade em benefício do acusado não poderá ser aplicada nos casos de crimes cometidos e tutelados durante a vigência de leis temporárias ou excepcionais. Estas normas são consideradas ultra-ativas, pois continuam produzindo efeitos aos crimes cometidos na época ensejadora da lei, mesmo que esta não esteja mais em vigor.

“Art. 3.º do CP: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.

A norma jurídica penal é criada para reger situações citadinas e cotidianas do convívio social. Assim sendo, o legislador originário, ao criar a lei, pauta-se pelo que lhe é comum, conhecido, previsível, tentando adequar a norma a esta realidade. Todavia, podem manifestar-se situações que não poderiam ser previstas pelo legislador.

Por causa disso, existem leis denominadas temporárias ou excepcionais, destinadas a uma vigência limitada ou necessária enquanto durarem as condições determinantes da criação da lei. Uma lei que fixa a tabela de preços de artigos de consumo é lei temporária; a lei que fixa a declaração do estado de sítio ou de emergência é lei excepcional. A lei temporária vigora até extinguir-se o seu prazo de duração previsto; a lei excepcional vigora enquanto persistirem as circunstâncias que a motivaram.

A lei excepcional é promulgada para regular fatos ocorridos dentro de uma situação irregular e perde sua vigência, cessada a excepcionalidade que a motivou. A lei temporária tem sua vigência previamente fixada pelo legislador. Decorrido o prazo predeterminado, a lei deixa de existir sem necessidade da edição de outra norma para que sua revogação aconteça. Em decorrência disto são denominadas de leis de eficácia transitória. São denominadas também de leis autorrevogáveis, pois não necessitam da entrada em vigor de uma nova norma jurídica que as revogue.

DICAS IMPORTANTES:

1 – Crimes praticados durante a vigência de lei temporária ou excepcional não podem ser beneficiados pela retroatividade de lei mais benéfica. Estes serão julgados pelo texto da lei em vigor quando eles foram cometidos;

2 – As normas penais começam a vigorar no Brasil 45 dias depois de publicadas, salvo disposição em contrário; se nesse prazo ocorrer publicação de novo texto destinado à correção, o prazo começa novamente a correr a partir da nova publicação. As correções da lei em vigor são consideradas lei nova;

3 – Permanece em vigor a lei até que outra a modifique ou revogue, salvo em caso de lei temporária ou excepcional (leis autorrevogáveis); a revogação da lei anterior pode ser por ab-rogação – quando a lei nova revoga a lei anterior completamente – ou derrogação – quando a lei nova revoga a lei anterior parcialmente.

1.4.3 Princípio da personalização da pena

“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Só o condenado pode sofrer a pena criminal, independentemente da sua natureza. Ninguém pode sofrer qualquer tolhimento de direitos ou de sua liberdade por fato que não praticou, por dano que não causou ou por acontecimento que não concorreu.

Quanto à questão do perdimento de bens extensivo aos sucessores, é válido ressaltar que este instituto, embora disciplinado no Código Penal, refere-se muito mais ao âmbito civil, no que diz respeito ao direito das sucessões. Estabelecida a sucessão, os herdeiros habilitados fazem jus aos ônus e bônus, ou seja, as obrigações e os direitos decorrentes da herança, até o limite do patrimônio transferido. Primeiro, pagam-se as dívidas do autor da herança, independentemente da natureza destas e, somente depois de satisfeitas todas as obrigações, apura-se o saldo a partilhar.

A obrigação de indenizar o prejuízo causado pelo condenado na esfera penal é sanção de natureza civil, podendo ser a sentença penal transitada, utilizada como instrumento probatório para fundamentar ações civis reparatórias, caso esta reparação já não tenha sido estabelecida na sentença penal. Assim, o dever de indenizar inclui-se entre as dívidas do morto, devendo ser satisfeito antes de qualquer partilha de bens entre os sucessores, limitando-se, no entanto, ao valor do patrimônio transferido.

1.4.4 Princípio da individualização da pena

“Art. 5.º, XLVI, da CF: A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a)   privação ou restrição da liberdade;

b)   perda de bens;

c)   multa;

d)   prestação social alternativa;

e)   suspensão ou interdição de direitos”.

A individualização da pena ocorrerá em três etapas: cominação, aplicação e execução.

Cominação é a fase legislativa do processo da individualização da pena, em que o legislador estabelece quais comportamentos humanos devem ser considerados como crimes e estabelece a pena que lhe pareça mais adequada, determinando a qualidade e a quantidade desta. Existe a pretensão teórica de que a cominação seja suficiente para coibir a prática do ato delituoso, pois os indivíduos seriam desestimulados a cometer crimes em decorrência da possibilidade de serem punidos.

Aplicação é a fase na qual o juiz irá aplicar a pena estabelecida em lei ao indivíduo que cometeu um ato criminoso. Nesta etapa será aplicada a pena dentro das mensurações de qualidade e quantidade previstas na letra da lei, a partir da análise das características do infrator da norma e do fato por ele praticado. O art. 59 do Código Penal estabelece várias circunstâncias que devem ser analisadas no momento de aplicação da sanção: a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do infrator da norma penal, os motivos, as circunstâncias e consequências do fato e o comportamento da vítima.

Execução é a fase em que, tendo transitado em julgado a sentença penal, o Estado colocará em prática a pena estabelecida na fase de aplicação, respeitando-se as particularidades de cada condenado. É válido ressaltar que a Constituição Federal proíbe expressamente o estabelecimento de cinco tipos de pena: de morte, salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento; e cruéis.

1.4.5 Princípio do devido processo legal

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Todas as prerrogativas processuais que cabem ao acusado devem ser arguidas ao longo do curso processual, não sendo possível o tolhimento de bens ou do direito à liberdade senão como consequência do andamento do processo legal.

1.4.6 Princípio da presunção de inocência

“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Este princípio também é denominado Princípio da não culpabilidade. Estabelece que a única forma de abstrair do acusado a premissa legal de que ele é inocente seria por meio de uma sentença condenatória que tenha tido trânsito em julgado.

Entende-se por trânsito em julgado de sentença a decisão judicial de caráter definitivo, a qual não cabe possibilidade de recurso, agravo ou qualquer outro meio de questionamento da sua validade ou eficácia.

Este princípio assume uma importância muito grande no dia a dia do Direito Penal, pois se baseia na premissa jurídica de que a inocência do acusado não poderá ser mitigada por nenhum outro instituto penal ou processual, que não a sentença condenatória transitada em julgado. Assim sendo, institutos como a prisão em flagrante, a confissão do réu, provas irrefutáveis de autoria, entre outros, são incapazes de retirar antecipadamente a presunção de inocência do acusado, devendo ser, na regra geral, assegurados a este todos os direitos básicos de um inocente.

Como exemplo de consequência prática da presunção de inocência temos o fato de que a regra geral constitui-se em o acusado responder ao processo em liberdade. Como o direito à liberdade configura-se elementar aos inocentes e a norma constitucional presume a inocência antes de a sentença condenatória transitar em julgado, não se devem manter os acusados presos na fase de inquérito ou processo. A decretação das prisões de natureza cautelar, como a prisão preventiva ou a prisão temporária, só deverá acontecer em casos excepcionais e nas condições de natureza específicas previstas em lei. A própria prisão em flagrante delito deve ser comunicada ao juiz para que este aprecie a legalidade desta e a necessidade de sua manutenção, evitando com isto ofender desnecessariamente o direito à liberdade do indivíduo e, consequentemente, a presunção de inocência.

Só para não esquecer:

PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

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1.5 LEI PENAL E NORMA PENAL

Lei penal é a regra escrita que descreve determinadas condutas como criminosas. Norma penal, diversamente, é a regra não escrita que está implícita na lei (é o comando que emana da lei penal). Podemos dizer que enquanto a lei cria o delito, a norma cria o ilícito.

A lei penal é composta por dois elementos: o preceito primário (ou “comando principal”), que é a descrição e a definição da conduta, dirigida a todas as pessoas (erga omnes); e o preceito secundário, que é a sanção penal, dirigida aos juízes encarregados de concretizar o poder de punir do Estado.

Cabe dizer que o preceito secundário sempre será completo, sob pena de haver infração ao princípio da legalidade. Quanto ao preceito primário, poderá estar incompleto, desde que haja um mínimo de determinação na descrição da conduta ilícita. Dessa forma, será incompleto (lei penal incompleta) quando necessitar de complementação por outra lei ou ato administrativo, caso em que haverá uma lei penal em branco.

As principais características da lei penal são:

a) imperatividade (a prática da conduta nela descrita acarreta a pena);

b) generalidade (destina-se a todos, inclusive aos inimputáveis, que se sujeitam às medidas de segurança);

c) impessoalidade (não se refere a pessoas determinadas);

d) exclusividade (somente a lei pode definir crimes e cominar sanções);

e) anterioridade (a lei penal aplica-se a fatos futuros, salvo quando aplicada em benefício do réu).

1.6 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL

Interpretar a lei penal significa extrair o seu exato alcance e real significado. O objeto da interpretação é a busca da vontade da lei e não da vontade do legislador.

Em relação ao sujeito que a realiza, a interpretação pode ser:

a) autêntica (ou legislativa), quando feita pelo próprio legislador;

b) doutrinária (ou científica), quando feita pelos estudiosos do Direito;

c) judicial (ou jurisprudencial), quando feita pelos juízes e tribunais de forma reiterada.

Em relação aos meios empregados, a interpretação pode ser:

a) gramatical (ou literal), quando se leva em conta o sentido literal das palavras contidas na lei;

b) lógica (ou teleológica), quando se busca a vontade da lei de acordo com o valor e a finalidade do dispositivo.

Em relação aos resultados obtidos com a interpretação, esta pode ser:

a) declarativa, quando há exata correspondência entre a lei e sua vontade;

b) restritiva, quando a interpretação tiver que restringir o alcance da lei adaptando-a à sua real vontade (a lei “diz” mais do que deveria);

c) extensiva, quando se amplia o texto da lei para adaptá-lo à sua real vontade (a lei “diz” menos do que deveria).

A analogia não se confunde com a interpretação analógica. A analogia é uma forma de autointegração da lei consistente na aplicação a uma hipótese não regulada por lei de uma disposição relativa a um caso semelhante. A interpretação analógica é empregada quando o legislador utiliza uma cláusula genérica após ter descrito uma fórmula específica.

A analogia em relação às leis penais incriminadoras é vedada em virtude do princípio da legalidade que estabelece não ser possível criar crimes ou impor penas pelo emprego da analogia. Em relação às leis penais não incriminadoras, a analogia só poderá ser empregada para beneficiar o réu diante das lacunas legais involuntárias (analogia in bonan partem). A interpretação analógica, por outro lado, não encontra restrição quanto ao seu emprego.

DICAS IMPORTANTES:

1 – O emprego de analogia que possa vir a prejudicar o acusado não deve ser aceito;

2 – Nada impede o emprego de analogia que não acarrete prejuízo ao acusado ou que lhe traga benefício direto.

1.7 APLICAÇÃO DA LEI PENAL

1.7.1 Lei penal no tempo

Em regra, a lei penal rege todos os fatos ocorridos no seu tempo (tempus regit actum). Excepcionalmente, o art. 5.º, XL, da CF admite a retroatividade da lei benéfica, bem como a sua ultratividade em relação às leis de excepcionais e temporárias.

Se uma conduta tiver sido praticada durante a vigência de uma determinada lei e esta for posteriormente modificada por outra (lei nova), poderá surgir um conflito de leis penais no tempo. Para que exista esse conflito, exige-se ainda que as consequências jurídicas da prática dessa infração penal ainda não tenham se esgotado (exemplo: uma conduta criminosa praticada sob a vigência de uma lei cuja consumação tenha ocorrido sob a vigência de lei posterior).

A nova lei penal, dependendo do seu conteúdo, possui as seguintes espécies:

a) abolitio criminis: é a lei nova que revoga um tipo penal. Está prevista no art. 2.º do CP, pelo qual “ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”. Nessa situação a lei nova deve retroagir para beneficiar o réu, alcançando até mesmo os fatos definitivamente julgados. Entretanto, os efeitos civis da sentença condenatória permanecerão (exemplo: obrigação de reparar o dano);

b) novatio legis in mellius: é a lei nova que, mantendo a incriminação do fato, beneficia a situação do réu mesmo que já tenha sido proferida uma sentença condenatória transitada em julgado (exemplo: imposição de pena menos rigorosa, novas hipóteses de extinção da punibilidade etc.). Nessa situação a lei nova também deve retroagir para beneficiar o réu (mesmo que haja coisa julgada), conforme determina o art. 5.º, XL, da CF e o parágrafo único do art. 2.º do CP;

c) novatio legis in pejus: é a lei nova que, mantendo a incriminação do fato, agrava a situação do réu (exemplo: aumento da quantidade da pena, imposição de regime de cumprimento de pena mais rigoroso etc.). Nessa situação, a lei não poderá retroagir para prejudicá-lo (princípio da irretroatividade da lei penal mais severa);

d) novatio legis incriminadora: é a lei nova que cria um novo tipo penal (ou seja, incrimina uma conduta anteriormente considerada irrelevante). Nessa situação a lei não poderá retroagir para alcançar os fatos praticados antes do início da sua vigência, sendo, da mesma maneira que a novatio legis in pejus, irretroativa.

Portanto, é possível sintetizar as aludidas consequências da seguinte forma:

1) a lei penal mais severa é irretroativa;

2) a lei penal mais benéfica é retroativa.

É importante destacar que as leis processuais não se submetem a esse regime da retroatividade da lei mais benéfica. De acordo com o art. 2.º do CPP, a lei processual terá incidência imediata sobre todos os processos em andamento, pouco importando se o crime foi cometido antes ou após a sua entrada em vigor ou se a inovação agrava ou piora a situação do réu (tempus regit actum).

A ultratividade, ou seja, a aplicação de uma lei após o término de sua vigência, pode ser aplicada em benefício do réu também. Ex.: se uma pessoa comete um crime qualquer durante a vigência de uma lei “a” que estipula pena de 1 a 3 anos de reclusão para tal ilícito penal, e o julgamento dessa pessoa se der quando já estiver vigendo uma lei “b” que aumentou a pena de tal crime para 2 a 6 anos de reclusão, o Juiz ao condenar essa pessoa deverá levar em conta a pena da lei “a”, por ser mais benéfica.

1.7.2 Lei excepcional e temporária

De acordo com o art. 3.º do CP, “a lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”.

Lei excepcional é a que possui vigência durante determinada situação emergencial (exemplo: guerra, calamidades públicas, revoluções etc.). Lei temporária é a que possui vigência previamente fixada pelo legislador. Por regularem fatos ocorridos durante sua vigência, mesmo após a sua revogação (pela cessação da situação emergencial ou pelo decurso do tempo), a lei excepcional e a lei temporária possuem ultratividade. Assim, mesmo diante da superveniência de lei, ainda que mais benéfica, a lei temporária e a lei excepcional devem ser aplicadas.

Em relação à lei penal em branco e aos atos que a complementam, algumas situações merecem ser consideradas:

1) se o complemento exigido for lei, a sua revogação retroagirá em benefício do agente (o fato torna-se atípico);

2) se o complemento for um ato normativo infralegal editado em situação de anormalidade (exemplo: tabelamento de preços em crise econômica), a sua revogação não poderá retroagir para beneficiar o agente (o fato continua sendo típico em relação aos que infringiram a lei durante aquela situação de anormalidade);

3) se o complemento for um ato normativo infralegal editado em situação de normalidade, a sua revogação retroagirá para beneficiar o agente (exemplo: portaria do Ministério da Saúde que arrola quais são as substâncias que devem ser consideradas como entorpecentes, para fins de repressão ao tráfico – a exclusão de uma determinada substância desse rol torna o fato atípico, nessa parte).

1.7.3 Conflito aparente de leis penais

O conflito aparente de leis surge quando duas leis penais em vigor são aparentemente aplicáveis ao mesmo fato. Pressupõe, assim: a) unidade de infração penal; b) incidência de duas ou mais leis; c) aparente aplicação de todas as leis para a mesma hipótese; e d) efetiva aplicação de apenas uma delas.

O conflito é solucionado por meio da aplicação dos seguintes princípios:

1) princípio da especialidade: segundo esse princípio, a lei especial prevalece sobre a geral. Lei especial é aquela que contém todos os elementos da lei geral e mais um ou alguns outros chamados de especializantes (pouco importa que sejam prejudiciais ou benéficos ao agente). De acordo com essa regra, os tipos derivados prevalecem sobre os tipos fundamentais (exemplo: o furto qualificado exclui o simples). Os tipos derivados são aqueles previstos nos parágrafos dos tipos penais como crime qualificado ou crime privilegiado; os tipos fundamentais são os crimes na forma simples, previstos no caput do artigo;

2) princípio da subsidiariedade: segundo esse princípio, a lei primária prevalece sobre a subsidiária. Lei subsidiária é aquela que descreve um grau menor de violação de um mesmo bem que integra a descrição típica de um outro delito mais grave, como uma das fases de execução deste. A subsidiariedade pode ser expressa (exemplo: art. 132 do CP – “... se o fato não constitui crime mais grave...”) ou tácita (exemplo: o furto é um crime subsidiário em relação ao roubo, que, além da subtração de coisa alheia móvel, pressupõe o emprego de violência ou grave ameaça);

3) princípio da consunção: segundo esse princípio um crime mais grave absorve um outro menos grave quando este integrar a descrição típica daquele. A consunção verifica-se nas seguintes situações:

a) crime progressivo: ocorre quando o agente, pretendendo desde o início produzir o resultado mais grave, pratica sucessivas violações ao bem jurídico (exemplo: não há homicídio sem a precedente lesão corporal). Nessa situação o resultado mais grave (morte) absorve o anterior (lesões corporais);

b) crime complexo: ocorre quando houver a fusão de dois ou mais crimes autônomos para formar um único crime (exemplo: roubo = furto + emprego de violência ou grave ameaça). Nessa situação o fato complexo (roubo) absorve os fatos autônomos que o integram (furto e violência);

c) progressão criminosa: ocorre quando o agente pretende e consegue produzir um resultado menos grave e depois resolve produzir outro mais grave (exemplo: primeiro o agente quis e conseguiu produzir uma lesão corporal; em seguida decide matar a vítima). Nessa situação o resultado final (e mais grave) absorve o menos grave.

1.7.4 Tempo do crime

De acordo com o art. 4.º do CP, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”.

Devemos ressaltar que a doutrina elenca três possibilidades para determinar o tempo do crime:

1 – Teoria da atividade: estabelece que o tempo do crime é o momento em que se manifesta a ação ou omissão considerada delituosa;

2 – Teoria do resultado: estabelece que o tempo do crime é o momento da manifestação da consumação ou do dano ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal;

3 – Teoria da ubiquidade: estabelece que o tempo do crime será ou o momento da conduta ou o momento do resultado.

DICAS IMPORTANTES:

1 – A teoria adotada explicitamente pelo Código Penal para estabelecer o tempo do crime é a Teoria da Atividade;

2 – É importante observar que em matéria de prescrição o Código Penal adotou a Teoria do Resultado, pois o prazo prescricional começa a correr a partir da consumação do crime.

Podemos elucidar a importância da adoção da teoria da atividade no âmbito penal, para se aferir a responsabilidade penal do agente no que toca aos crimes em que os atos executórios e a consumação ocorram em momentos diferidos. Imaginemos que alguém, na véspera de seu aniversário de 18 anos, decida matar outra pessoa, sendo que, para tanto, desfere dois projéteis de arma de fogo contra a vítima. Suponha-se ainda que a vítima viesse a óbito apenas um mês depois, quando o autor do ilícito já era responsável penalmente. Nesse caso, devemos considerar que o agente não responde pela lei penal (era inimputável à época dos disparos), levando-se em conta a teoria da atividade.

1.7.5 Lei penal no espaço

1.7.5.1 Territorialidade
1.7.5.1.1 Conceito de território

Ensina o direito romano que território é a universalidade das terras dentro dos limites de cada Estado. Segundo Maria Helena Diniz, “território é o âmbito de validade espacial do ordenamento jurídico de um país”.

Entende-se por território o espaço físico onde são exigíveis as normas que compõem o ordenamento jurídico de um Estado. Assim, aplica-se a lei brasileira no território brasileiro. Este território pode ser entendido como sendo de caráter geográfico, correspondendo às terras emersas brasileiras: área continental, ilhas oceânicas, fluviais ou lacustres, mar territorial e espaço aéreo. Também são considerados território brasileiro:

I – navios e aeronaves de caráter público – pertencentes ao ente administrativo ou particulares a serviço do estado brasileiro – onde quer que se encontrem, ressalvando-se que as aeronaves devem estar em voo;

II – navios ou aeronaves brasileiras, mercantes ou particulares, quando estiverem em águas internacionais ou em espaço aéreo internacional, respectivamente;

III – embaixadas, consulados ou representações diplomáticas;

IV – estação de pesquisa brasileira no continente Antártico.

O art. 5.º do CP determina a aplicação da lei penal brasileira ao crime cometido no território nacional, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional:

“Art. 5.º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.

§ 1.º Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

§ 2.º É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil”.

DICAS IMPORTANTES:

1 – Entende-se por Mar Territorial a faixa de 12 milhas náuticas que se estende em direção ao oceano, contada da faixa de baixa-mar (maré baixa) do litoral. Este entendimento está disciplinado na Lei 8.617/1993.

2 – Basta que um só fragmento da conduta delituosa ocorra em território nacional para que seja aplicável a lei brasileira, pouco importando que o restante da conduta e do evento danoso se efetive no exterior, conforme o art. 6.º do CP. A teoria adotada pelo Código Penal Brasileiro, nesse sentido, é a da ubiquidade.

Ao permitir em determinados casos a aplicação da lei penal estrangeira (quando houver tratados e convenções internacionais), o Código Penal adotou o princípio da territorialidade temperada. Excepcionalmente, a lei penal não será aplicada em relação a fatos cometidos no Brasil em virtude das imunidades diplomáticas, parlamentares e profissionais.

De acordo com o § 1.º do aludido artigo, para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

O § 2.º determina ainda a aplicação da lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

1.7.5.2 Lugar do crime

De acordo com o art. 6.º do CP, “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”.

Devemos ressaltar que a doutrina elenca três possibilidades de determinar o lugar do crime:

1 – Teoria da atividade: estabelece que o lugar do crime é o local onde se manifesta a ação ou omissão considerada delituosa;

2 – Teoria do resultado: estabelece que o lugar do crime é o local da manifestação da consumação ou do dano ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal;

3 – Teoria da ubiquidade: estabelece que o lugar do crime será ou o local da conduta ou o local do resultado.

O Código Penal adotou a teoria da ubiquidade (ou mista), pela qual se considera praticado o crime tanto no lugar da conduta como no lugar em que se produziu o resultado.

Entretanto, para a determinação da competência jurisdicional, a Lei dos Juizados Especiais Criminais (art. 63 da Lei 9.099/1995) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 147, § 1.º, da Lei 8.069/1990 – para a apuração de atos infracionais) adotaram a teoria da atividade. Para facilitar a persecução criminal nos crimes de competência do Tribunal do Júri, a jurisprudência tem fixado a competência pela teoria da atividade. O Código de Processo Penal, entretanto, adotou como critério de fixação da competência a teoria do resultado.

1.7.5.3 Extraterritorialidade

A extraterritorialidade representa a exceção, ocorrendo nos casos em que se aplica a lei brasileira sobre crimes que o Brasil obrigou-se por tratado ou convenção a reprimir ou, ainda, quando o crime for praticado por estrangeiros contra brasileiros ou por brasileiros no estrangeiro. A extraterritorialidade pode ser de dois tipos: incondicionada, quando manifestarem-se algumas das situações previstas no art. 7.º do CP, devendo a lei penal brasileira ser aplicada independentemente de qualquer condição, ou condicionada, quando ocorrerem crimes que o Estado brasileiro por tratado ou convenção obrigou-se a reprimir.

A extraterritorialidade da lei penal pode ser:

1) incondicionada – nessas situações o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro, pela prática dos seguintes crimes: contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; contra a administração pública, por quem está a seu serviço; de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

2) condicionada – nessas situações a aplicação da lei brasileira depende do preenchimento de algumas condições e somente em relação aos crimes em que o Brasil, por tratado ou convenção, se obrigou a reprimir; aos crimes praticados por brasileiro e aos crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

As condições para a aplicação da lei brasileira são as seguintes (art. 7.º, § 2.º, do CP):

a) entrar o agente em território nacional;

b) ser o fato punível também no país em que foi praticado;

c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

De acordo com o § 3.º do aludido dispositivo, a lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior:

a) não foi pedida ou foi negada a extradição;

b) houve requisição do Ministro da Justiça.

1.7.5.3.1 Questão do ne bis in idem

O instituto do ne bis in idem proíbe que uma mesma pessoa seja punida duas vezes pelo mesmo fato. Nos casos de extraterritorialidade, as normas penais brasileiras serão aplicadas independentemente de o infrator ter sido absolvido ou condenado no estrangeiro, ou, ainda, de ele já ter cumprido pena no estrangeiro pelo crime que será tutelado pelo ordenamento brasileiro. Nestes casos, para evitar o bis in idem, a pena cumprida no estrangeiro será diminuída da aplicada no Brasil, caso a brasileira seja maior. Sendo a pena estrangeira maior ou igual à brasileira, esta será comutada.

1.7.5.4 Eficácia de sentença estrangeira

Como regra geral, a sentença condenatória estrangeira não pode ser executada no Brasil. Entretanto, para que possa produzir determinados efeitos, poderá ser executada dependendo, para tanto, de homologação do STJ (art. 105, I, i, da CF – antes da EC 45/2004 a competência pertencia ao STF).

Assim, o art. 9.º determina que a sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produzir na espécie as mesmas consequências, poderá ser homologada no Brasil para:

I – obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis;

II – sujeitá-lo a medida de segurança.

A homologação depende:

a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada;

b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

Em relação aos outros efeitos penais (reincidência, proibição do sursis etc.), não é necessária a homologação, bastando a prova legal da existência da condenação estrangeira.

1.8 QUESTÕES

1.   (OAB Nacional 2010_I) Assinale a opção correta acerca da pena cumprida no estrangeiro e da eficácia da sentença estrangeira.

a) É possível a homologação, pelo STJ, de sentença penal condenatória proferida pela justiça de outro país, para obrigar o condenado residente no Brasil à reparação do dano causado pelo crime que cometeu.

b) A competência para a homologação de sentença estrangeira é do STF, restringindo-se a referida homologação a casos que envolvam cumprimento de pena privativa de liberdade no Brasil.

c) Apenas nas hipóteses de infração penal de menor potencial ofensivo, admite-se que a pena cumprida no estrangeiro atenue a pena imposta, no Brasil, pelo mesmo crime.

d) A pena cumprida no estrangeiro não atenua nem compensa a pena imposta, no Brasil, pelo mesmo crime, dado o caráter independente das justiças nacional e estrangeira.

2.   (OAB/NACIONAL 2009_1) Acerca do significado dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, assinale a opção correta.

a) Segundo o princípio da culpabilidade, o direito penal deve limitar-se a punir as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, ocupando-se somente de uma parte dos bens protegidos pela ordem jurídica.

b) De acordo com o princípio da fragmentariedade, o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados por sentença transitada em julgado.

c) Segundo o princípio da ofensividade, no direito penal somente se consideram típicas as condutas que tenham certa relevância social, pois as consideradas socialmente adequadas não podem constituir delitos e, por isso, não se revestem de tipicidade.

d) O princípio da intervenção mínima, que estabelece a atuação do direito penal como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.

3.   (OAB/SP 136.º) Assinale a opção correta com base nos princípios de direito penal na CF.

a) O princípio básico que orienta a construção do direito penal é o da intranscendência da pena, resumido na fórmula nullum crimen, nulla poena, sine lege.

b) Segundo a CF, é proibida a retroação de leis penais, ainda que estas sejam mais favoráveis ao acusado.

c) Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação de perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas até os sucessores e contra eles executadas, mesmo que ultrapassem o limite do valor do patrimônio transferido.

d) O princípio da humanidade veda as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, bem como as de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e as cruéis.

4.   (OAB/SP 136.º) Ainda de acordo com o que dispõe o CP, assinale a opção correta.

a) Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais e civis da sentença condenatória.

b) Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu o resultado, sendo irrelevante o local onde deveria produzir-se o resultado.

c) A lei excepcional ou temporária, embora tenha decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência.

d) Considera-se praticado o crime no momento da produção do resultado.

5.   (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) A Lei 9.099/1995 modificou a espécie de ação penal para os crimes de lesão corporal leve e culposa. De acordo com o art. 88 da referida lei, tais delitos passaram a ser de ação penal pública condicionada à representação. Tratando-se de questão relativa à Lei Processual Penal no Tempo, assinale a alternativa que corretamente expõe a regra a ser aplicada para processos em curso que não haviam transitado em julgado quando da alteração legislativa.

a) Aplica-se a regra do Direito Penal de retroagir a lei, por ser norma mais benigna.

b) Aplica-se a regra do Direito Processual de imediatidade, em que a lei é aplicada no momento em que entra em vigor, sem que se questione se mais gravosa ou não.

c) Aplica-se a regra do Direito Penal de irretroatividade da lei, por ser norma mais gravosa.

d) Aplica-se a regra do Direito Processual de imediatidade, em que a lei é aplicada no momento em que entra em vigor, devendo-se questionar se a novatio legis é mais gravosa ou não.

6.   (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) O art. 33 da Lei 11.343/2006 (Lei Antidrogas) diz: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.” Analisando o dispositivo acima, pode-se perceber que nele não estão inseridas as espécies de drogas não autorizadas ou que se encontram em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Dessa forma, é correto afirmar que se trata de uma norma penal

a) em branco homogênea.

b) em branco heterogênea.

c) incompleta (ou secundariamente remetida).

d) em branco inversa (ou ao avesso).

7.   (XI Exame de Ordem Unificado – FGV) No ano de 2005, Pierre, jovem francês residente na Bulgária, atentou contra a vida do então presidente do Brasil que, na ocasião, visitava o referido país. Devidamente processado, segundo as leis locais, Pierre foi absolvido. Considerando apenas os dados descritos, assinale a afirmativa correta.

a) Não é aplicável a lei penal brasileira, pois como Pierre foi absolvido no estrangeiro, não ficou satisfeita uma das exigências previstas à hipótese de extraterritorialidade condicionada.

b) É aplicável a lei penal brasileira, pois o caso narrado traz hipótese de extraterritorialidade incondicionada, exigindo-se, apenas, que o fato não tenha sido alcançado por nenhuma causa extintiva de punibilidade no estrangeiro.

c) É aplicável a lei penal brasileira, pois o caso narrado traz hipótese de extraterritorialidade incondicionada, sendo irrelevante o fato de ter sido o agente absolvido no estrangeiro.

d) Não é aplicável a lei penal brasileira, pois como o agente é estrangeiro e a conduta foi praticada em território também estrangeiro, as exigências relativas à extraterritorialidade condicionada não foram satisfeitas.

8.   (OAB/MG – Abril-2008) Tendo em vista o Direito Penal brasileiro, assinale a alternativa INCORRETA:

a) A interpretação literal é a primeira fase da exegese.

b) Interpretação teleológica é a que busca interpretar a disposição dentro do sistema normativo em que ela se insere.

c) Interpretação autêntica é a realizada mediante disposição legislativa contextual ou posterior à lei interpretada.

d) A interpretação lógica pode considerar, em sua análise, elementos históricos.

9.   (OAB/Nacional CESPE 2007.II) Assinale a opção correta acerca do direito penal.

a) O crime de extorsão é considerado crime de mera conduta e se consuma independentemente de o agente auferir a vantagem indevida almejada.

b) O crime de cárcere privado constitui espécie de delito instantâneo.

c) O princípio da consunção pressupõe a existência de um nexo de dependência das condutas ilícitas, para que se verifique a possibilidade de absorção da menos grave pela mais danosa.

d) Nos delitos instantâneos de efeitos permanentes, a atividade criminosa se prolonga no tempo, tendo o agente a possibilidade de cessar ou não a sua conduta e seus efeitos.

10. (OAB/MG – Agosto-2008) O artigo 171 do Código Penal brasileiro assim define o crime de estelionato: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena...” A parte final do dispositivo, qual seja, “... ou qualquer outro meio fraudulento”, indica a possibilidade de:

a) interpretação declarativa.

b) interpretação restritiva.

c) interpretação extensiva.

d) aplicação analógica da norma.

GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.