Inicialmente, podemos dizer que crime é toda conduta humana, positiva ou negativa, que reproduz e se adéqua a um modelo definido em lei, de natureza antijurídica e penalmente reprovável.
Conduta humana porque, na regra geral, quem comete crimes são pessoas físicas. Animais, seres inanimados, vegetais não podem nunca cometer crimes, podendo, no entanto, figurar como objeto ou meio para a prática delituosa. Tomemos como exemplo o cão bravio que está solto e ataca uma criança, provocando-lhe lesões corporais ou até mesmo a morte. Não seria possível imputar a este animal uma conduta considerada criminosa, pois lhe falta racionalidade. O crime seria imputado a quem, na medida da responsabilidade objetiva, permitiu ou não adotou as cautelas necessárias para que o cão não atacasse a criança.
É importante ressaltar que, em casos excepcionais, a Constituição Federal prevê a possibilidade do cometimento de crime por pessoas jurídicas, como acontece nos casos de crimes ambientais ou de crimes contra a economia popular ou a ordem econômica e financeira nacional. Nestes casos, a responsabilização da pessoa jurídica não condicionará ou impedirá a punição das pessoas físicas titulares ou responsáveis por estas pessoas jurídicas. Nestes casos, poderia, por exemplo, ser estabelecida uma sanção patrimonial contra a pessoa jurídica e uma pena de detenção ou prisão para as pessoas físicas titulares da pessoa jurídica.
Já existe também entendimento jurisprudencial acerca da nova Lei de Falências, aceitando ser admissível a responsabilização da pessoa jurídica em crimes contra a massa falida ou seus contratantes.
DICA IMPORTANTE:
Casos em que a Pessoa Jurídica pode ser responsabilizada criminalmente nos termos literais da CF:
1 – Crimes contra a ordem econômica e financeira;
2 – Crimes contra a economia popular;
3 – Crimes contra o meio ambiente.
“Art. 173,§ 5.º, da CF: A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
“Art. 225, § 3.º, da CF: As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Só para fixar:
DICA MUITO IMPORTANTE:
Deve-se ter cuidado com o enunciado da pergunta, quando esta questionar sobre a possibilidade da responsabilização criminal da pessoa jurídica. Caso a questão faça referência às hipóteses expressas ou literais da CF em que uma pessoa jurídica pode ser responsabilizada no âmbito penal, deve-se considerar os crimes ambientais, os crimes contra a economia popular e a ordem econômica e financeira. Todavia, a jurisprudência entende ser o art. 173, § 5.º, da CF uma norma de eficácia limitada, pois a responsabilização da pessoa jurídica em casos de crimes contra a economia popular e a ordem econômica e financeira não possui regulamentação específica nas Leis 1.521/1951 (crimes contra a economia popular), 8.137/1990 (crimes contra o sistema financeiro) e 8.176/1991 (crimes contra a ordem econômica).
A única regulamentação de natureza específica sobre a imputação penal da pessoa jurídica encontra-se na Lei 9.605/1998 (Lei dos crimes Ambientais), mais especificamente no seu art. 3.º.
No caso específico dos crimes ambientais, a responsabilização criminal da pessoa jurídica segue a teoria da dupla imputação, que estabelece não ser possível responsabilizar a pessoa jurídica sem que exista a responsabilização concomitante das pessoas físicas, responsáveis diretas pelos atos da pessoa jurídica. Traduzindo: só será possível responsabilizar penalmente pessoa jurídica se também existir responsabilização das pessoas físicas. O contrário, todavia não é verdadeiro, pois a responsabilização das pessoas físicas em crimes ambientais independe da imputação criminal das pessoas jurídicas.
Pare tudo! “Como é?” Você pode se perguntar... Calma, sem pânico. Imaginemos a seguinte situação hipotética: uma determinada empresa praticou crime ambiental, mediante determinação direta dada por seu diretor administrativo e executada pelo chefe do serviço. Neste caso, a empresa (pessoa jurídica) pode ser responsabilizada penalmente, desde que também exista a responsabilização do diretor e do chefe do serviço (pessoas físicas). Porém, pode acontecer da empresa não ser responsabilizada penalmente e ainda assim o diretor e o chefe do serviço serem imputados como manda a lei penal. Esta é a teoria da dupla imputação penal em crimes ambientais.
Tal entendimento deriva do fato de que o art. 4.º da Lei dos Crimes Ambientais estabelece que a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada sempre que sua personalidade representar obstáculo à reparação efetiva do dano produzido ao meio ambiente.
No Brasil, a infração penal comporta duas espécies: crime (ou delito) e contravenção penal. A diferença entre essas duas espécies não é qualitativa, ontológica ou de essências, pois ambas são espécies do mesmo gênero, mas sim quantitativa, ou seja, de pena, conforme preceitua o art. 1.º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei 3.914/1941).
“Art. 1.º Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.
O crime pode ser conceituado sob três aspectos:
– conceito formal: crime é a violação da lei penal;
– conceito material: crime é todo fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos penalmente protegidos;
– conceito analítico: o nosso Código Penal adotou, embora não de forma expressa, a concepção finalista, de Hans Welsel. Há dois conceitos formados a partir dessa concepção: a) teoria tripartida (conforme o pensamento original de Welsel), segundo a qual o crime pode ser definido como fato típico, antijurídico e culpável; b) teoria bipartida (fruto de adaptações de doutrinadores pátrios), segundo a qual crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade pressuposto de aplicação da pena.
De acordo com a Teoria Tripartite, crime é uma conduta humana baseada em uma ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável.
A Teoria Bipartite desconsidera a culpabilidade como elemento de manifestação do crime, reconhecendo apenas como elemento que permitirá a manifestação da pena ao agente delituoso.
Em relação ao crime, podemos identificar três elementos que lhe são essenciais:
a) Tipicidade: é a perfeita e inequívoca adequação de uma conduta humana ao tipo descrito em lei;
b) Antijuridicidade: é a contradição do fato, eventualmente adequado ao modelo legal, com a ordem jurídica;
c) Culpabilidade: é a reprovabilidade de conduta quando comparada ao senso médio comum. É válido ressaltar que os doutrinadores que seguem a Teoria Bipartite não consideram este instituto como elementar ao crime, mas como uma mera indicação da possibilidade ou não de manifestação da sanção penal cominada em lei. Nesta teoria, a ausência de culpabilidade não seria suficiente para excluir o ilícito penal, mas, sim, a imputabilidade penal.
É tudo aquilo sobre o que incide a conduta delituosa. O objeto pode ser jurídico ou material.
Objeto jurídico é o bem-interesse protegido pela norma penal (exemplo: a vida, a honra, o patrimônio etc.). Não existe crime sem objeto jurídico.
Objeto material é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa (exemplo: no furto o objeto material é a “coisa alheia móvel” que foi subtraída do seu dono). Nem todo crime possui objeto material como ocorre nos crimes de mera conduta e nos crimes formais – este último pode ou não ter objeto material.
É o ser humano (uma vez que o delito em regra representa ação humana) a quem pode ser atribuída a prática de ação ou omissão considerada defeituosa. Sujeito ativo é, pois, aquele que pratica o fato descrito pela norma penal incriminadora.
Sujeito passivo do crime é o titular do bem jurídico lesado ou exposto a perigo de lesão pela conduta criminosa. Pode ser a pessoa humana, a pessoa jurídica, o Estado, a coletividade etc. Não podem ser sujeito passivo os animais (no delito de maus-tratos aos animais – art. 32 da Lei 9.605/1998, o sujeito passivo é a coletividade) e o ser humano morto (na calúnia contra os mortos o sujeito passivo é a família do falecido).
De acordo com Damásio de Jesus, sujeito passivo do crime é o titular do interesse cuja ofensa constitui a essência do crime. O sujeito passivo pode ser de duas modalidades:
a) Constante ou formal: sendo o crime a violação da norma penal, o Estado é o sujeito passivo ou formal, por ser o titular da lei incriminadora;
b) Eventual ou material: é o sujeito que efetivamente sofre a lesão do bem do qual é titular.
Sujeitos do Crime
O crime pode ser classificado de inúmeras formas diferentes, dependendo da premissa ou dos critérios adotados. Algumas classificações são mais recorrentes na doutrina e principalmente nos concursos. As mais importantes são:
1. Crime Comum → é o crime que pode ser praticado por qualquer pessoa (homicídio).
2. Crime Próprio → é aquele cujo tipo penal exige uma qualidade ou condição especial dos sujeitos ativos ou passivos (infanticídio, peculato).
3. Crime de Mão Própria → é aquele cuja execução é intransferível, indelegável, devendo ser levado a efeito pelo próprio agente. São infrações personalíssimas, que não admitem coautoria, apenas participação (reingresso de estrangeiro expulso, falso testemunho ou falsa perícia).
4. Crime Material → é o crime que necessita de resultado naturalístico para se consumar, ou seja, a consumação coincide com a ocorrência do evento. Ex: homicídio, pois a consumação ocorrerá com a manifestação do resultado naturalístico – a morte da vítima.
5. Crime Formal → a consumação independe da manifestação de resultado naturalístico, coincidindo com a prática da ação ou a manifestação da omissão. Ex: corrupção passiva, em que a simples ação de solicitar vantagem indevida por parte de funcionário público já consuma o delito, independentemente de esta ser efetivamente conseguida.
6. Crimes Hediondos → são os listados na Lei 8.072/1990, denominados de crimes hediondos próprios e também a tortura, o terrorismo e o tráfico de drogas, previstos na Constituição Federal e na própria Lei 8.072/1990, sendo denominados de crimes hediondos equiparados.
“Art. 1.º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2.º, I, II, III, IV e V);
II – latrocínio (art. 157, § 3.º, in fine);
III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2.º);
IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ l.º, 2.º e 3.º);
V – estupro (art. 213, caput e §§ 1.º e 2.º);
VI – estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1.º, 2.º, 3.º e 4.º);
VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1.º).
VII-A – (vetado)
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1.º, § 1.º-A e § 1.º-B, com a redação dada pela Lei 9.677, de 2 de julho de 1998).
Parágrafo único. Considera-se também hediondo o crime de genocídio previsto nos arts. 1.º, 2.º e 3.º da Lei 2.889, de 1.º de outubro de 1956, tentado ou consumado.
Art. 2.º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I – anistia, graça e indulto;
II – fiança.
§ 1.º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
§ 2.º A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
§ 3.º Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.
§ 4.º A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.”
DICA:
Ainda não existe entendimento jurisprudencial sobre a Lei 11.923/2009, que tipifica a conduta de sequestro-relâmpago, acrescentando um tipo penal ao art. 158 do Código Penal, não sendo possível afirmar ser este crime hediondo ou não, visto não existir previsão expressa na Lei 8.072/1990 para esta nova modalidade delituosa.
Código Penal: “Art. 158. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
(...)
§ 3.º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2.º e 3.º, respectivamente.” (Incluído pela Lei 11.923/2009)
7. Crime Preterdoloso → quando o agente atua com dolo na conduta e culpa em relação ao resultado, devendo existir dolo no antecedente e culpa no consequente (lesão corporal seguida de morte).
8. Crime de Dano → apresenta um dano efetivo como resultado da conduta. Caso não ocorra a efetiva lesão ao bem tutelado, não existirá consumação (dano, furto, homicídio).
9. Crime de Perigo → prevê um comportamento que traz perigo de dano ao bem tutelado. Este perigo ou risco ao qual se expõe o bem é suficiente para a consumação da prática delituosa. Pode ser subdividido em dois tipos:
a) perigo concreto → é preciso provar que o bem jurídico foi efetivamente exposto a risco (perigo de contágio de doença venérea, dirigir sem CNH, gerando perigo de dano);
b) perigo abstrato → também denominado de perigo presumido, em que basta para a consumação do crime a prática da conduta tipificada, não sendo necessária a prova de que o bem jurídico foi efetivamente exposto a risco (omissão de notificação de doença, porte de arma de fogo, abandono de incapaz).
10. Crime Instantâneo → é aquele que se consuma no momento da conduta praticada pelo agente (lesão corporal).
11. Crime Instantâneo de Efeitos Permanentes → o resultado decorrente da conduta praticada pelo o agente é irreversível (homicídio).
12. Crime Permanente → é aquele em que a consumação se prolonga no tempo, renovando-se enquanto durar a prática do delito (sequestro, cárcere privado).
13. Crime a Prazo → é aquele cuja configuração exige o decurso de certo lapso temporal (apropriação de coisa achada – nesta hipótese, o crime só ocorrerá depois de transcorrido o prazo de 15 dias; apropriação indébita previdenciária – nesta hipótese, o crime só se manifesta, findo o prazo de recolhimento da contribuição à Autarquia Previdenciária).
14. Crime Habitual → exige habitualidade, comportamento reiterado, repetição da conduta (exercício ilegal da medicina, manutenção de casa de prostituição).
15. Crime de Ação Múltipla → também denominado de crime de conteúdo variado – é aquele em que a lei descreve duas ou mais condutas, manifestando-se o crime com a realização de qualquer uma delas (auxílio, induzimento ou instigação ao suicídio).
16. Crime Monossubjetivo → a conduta pode ser praticada por uma única pessoa (furto, roubo, homicídio).
17. Crime Plurissubjetivo → também denominado de crime de concurso necessário – é aquele em que a conduta só pode ser praticada por duas ou mais pessoas (rixa, formação de quadrilha).
18. Crime Falho → corresponde à tentativa perfeita, quando o agente pratica todos os atos executórios, mas o crime não se consuma por circunstâncias alheias a sua vontade.
19. Crime Exaurido → ocorre quando há um esgotamento completo das consequências posteriores à consumação delituosa (no crime de sequestro, a consumação se dá com o arrebatamento da vítima, sendo o pagamento de resgate mero exaurimento).
20. Crime Vago → é aquele em que o sujeito passivo não possui personalidade jurídica, como a família, o público ou a sociedade (ato obsceno).
21. Crime Unissubsistente → realiza-se com um só ato, não se admitindo, na regra geral, tentativa, salvo em situações muito específicas (injúria).
22. Crime Plurissubsistente → pode ser fracionado dentro da lógica do iter criminis, no qual o agente cogita, prepara e executa o crime em momentos distintos e visualizáveis (furto, roubo, lesão corporal), admitindo a tentativa.
23. Crime Transeunte → é aquele cuja prática, na regra geral, não deixa vestígios (injúria, calúnia e difamação).
24. Crime não Transeunte → é aquele que permite a produção de provas periciais, pelo fato de deixarem vestígios (lesão corporal, estupro).
25. Crime Multitudinário → é o cometido por uma multidão delinquente, normalmente em uma situação de tumulto (linchamento).
26. Crime de Bagatela → deve-se verificar sua ocorrência no caso concreto, incidindo o princípio da insignificância ou da bagatela de acordo com o crime praticado.
27. Crime Político → está previsto na Lei 7.170/1983 – Lei de Segurança Nacional.
“Art. 1.º. Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão:
I – a integridade territorial e a soberania nacional;
II – o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito;
III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União.”
28. Crime de Ímpeto → ocorre quando o agente pratica a conduta de forma impensada, explosiva, emocionada, sem ter antecipadamente refletido sobre seu comportamento delituoso.
Fato típico é todo comportamento humano que se amolda perfeitamente ao tipo penal. O crime é instituto uno que se compõe do fato típico e da ilicitude ou antijuridicidade, ou seja, qualidade do que é contrário ao direito. A culpabilidade, por sua vez, faz a ligação entre o crime e a pena a ser imposta. No entanto, tanto o ilícito quanto a culpabilidade subordinam-se ao fato típico.
Na regra geral, o fato típico possui os seguintes elementos:
a) conduta (ação ou omissão);
b) resultado;
c) relação de causalidade;
d) tipicidade;
e) elemento subjetivo (dolo ou culpa).
Conduta é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime.
Buscando um conceito adequado de conduta, a doutrina formulou algumas teorias:
– teoria causalista (ou naturalística): segundo essa teoria, conduta é qualquer comportamento humano que produz modificação no mundo exterior, independentemente da verificação de dolo ou culpa do agente (estes pertencem ao campo da culpabilidade). Assim, para se concluir pela existência de crime, basta a mera relação de “causa e efeito” entre a conduta do agente e o resultado produzido. Não foi adotada porque, além de não considerar a intenção do agente como elemento propulsionador da conduta humana, não explicava suficientemente a existência dos crimes omissivos, de mera conduta e tentados;
– teoria finalista: segundo essa teoria, a conduta é todo comportamento humano, voluntário e consciente, dirigido a um fim. O mérito dessa teoria foi o de ter constatado a existência do elemento subjetivo do injusto, ou seja, a finalidade existente em toda conduta humana de comportar-se de modo contrário ao sentimento social de justiça. Dessa forma, se não existir vontade de realizar uma conduta reprovável, não há como enquadrar o fato num tipo legal. O dolo e a culpa, portanto, fazem parte da conduta (e não da culpabilidade, como defendiam os defensores da teoria causalista). Assim, para se concluir pela existência de crime é preciso que se busque, ao lado do evento produzido, a finalidade perseguida pelo agente;
– teoria social: segundo essa teoria, a conduta é toda ação socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. Essa teoria é uma ponte entre as anteriores. Não foi adotada em virtude da dificuldade em conceituar-se o que seja relevância social da conduta, tornando-se um critério vago e impreciso que, além de influir nos limites da antijuridicidade, torna também indeterminada a tipicidade, permitindo o arbítrio.
A prática do crime não se manifestará somente pela ação do sujeito ativo, mas também por sua conduta omissiva, que ocorre quando a norma jurídica impõe uma determinada conduta ao indivíduo e este não age, nada faz. É necessário diferenciar a conduta comissiva da omissiva. Na primeira, o sujeito ativo adota exatamente a conduta que a norma penal proíbe. Ex.: o art. 121 do CP estabelece que quem matar alguém será apenado com reclusão de 6 a 20 anos. O objetivo da lei é proibir que um homem mate outro. Caso isto ocorra, o sujeito ativo adotou uma conduta diametralmente oposta àquela exigida pela lei. Neste caso teremos a conduta comissiva, ou simplesmente uma “ação”.
Na conduta omissiva o sujeito ativo não age, ou age de modo diverso do que era pretendido pela lei, sem adotar, contudo, uma postura que seja exatamente o oposto da pretendida pelo texto da norma jurídica. Ex.: o art. 269 do CP estabelece ser crime o fato de um médico deixar de denunciar à autoridade pública doença cuja notificação é compulsória. Neste caso, o medico deve agir, fazendo a notificação. Caso não o faça, cometeu um crime, por não ter agido como a norma penal pretendia. Neste caso teremos uma omissão.
Em relação aos crimes omissivos, o Código Penal brasileiro adotou a teoria normativa. Segundo essa teoria, a omissão só terá relevância causal se existir uma norma impondo, na hipótese concreta, o dever jurídico de agir. Assim, a omissão é a inatividade, a abstenção de um fazer determinado pela lei penal.
Nesse diapasão, os crimes omissivos podem ser próprios e impróprios.
Os crimes omissivos próprios são aqueles em que não existe o dever jurídico de agir. Neles a conduta negativa é descrita no preceito primário da lei penal, sendo a simples omissão causa suficiente para a consumação, independentemente de qualquer resultado ulterior (exemplo: art. 135 do CP – omissão de socorro).
Os crimes omissivos impróprios são aqueles em que existe o dever jurídico de agir. Nesses crimes o agente não responde só pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se esse resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa (exemplo: art. 1.634 do CC/2002 – a mãe que deixa de amamentar o filho responde por homicídio, podendo ser doloso ou culposo, em virtude da sua obrigação legal de criar, proteger e cuidar dos filhos).
Existem ainda os crimes comissivos por omissão, em que a omissão por parte do agente delituoso é previamente orientada para garantir um resultado danoso pretendido. A omissão funciona como um mero instrumento para se obter o resultado delituoso (exemplo: um médico que não aplica anestésico em um paciente antes de realizar um procedimento notadamente doloroso, objetivando que este sofra, por ser sabedor que o paciente é criminoso conhecido na comunidade).
Existem duas espécies de resultado: o normativo e o naturalístico.
O resultado normativo é toda lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal. Todos os crimes possuem necessariamente resultado normativo, inclusive os formais e os de mera conduta. Não há, portanto, crime sem resultado.
O resultado naturalístico é toda modificação no mundo exterior provocada pelo comportamento humano voluntário. Essa modificação pode ser de ordem física (nos objetos inanimados), fisiológica (no corpo humano) ou psicológica (na psique humana). Nem todos os crimes possuem resultado naturalístico. De acordo com essa teoria, os crimes classificam-se em: materiais, formais e de mera conduta.
Crime material é aquele que só se consuma com a produção do resultado naturalístico (exemplo: homicídio – só se consuma com a morte da vítima).
Crime formal é aquele cuja consumação não depende da produção de um resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer (exemplo: art. 147 do CP – ameaça: a sua consumação ocorre no momento em que o mal é prometido, independentemente da sua concretização ou não).
Crime de mera conduta é aquele em que o resultado naturalístico não é apenas irrelevante, não é previsto na lei, contentando-se esta apenas com a ação ou omissão do agente (exemplo: art. 150 do CP – violação de domicílio: não causa nenhuma modificação no mundo concreto).
Relação de causalidade é a conexão estabelecida entre a conduta do agente e o resultado naturalístico produzido. Em outras palavras, é a relação de causa e efeito existente entre a conduta e o resultado.
Sobre o conceito de causa, o Código Penal adotou a teoria da conditio sine qua non (ou teoria da equivalência dos antecedentes). Segundo essa teoria, considera-se causa todo fato que concorre para a produção do resultado.
Para se determinar o que é causa aplica-se o procedimento hipotético de eliminação (de Thyrén) que consiste na análise individual de cada fato que compõe a cadeia de eventos do crime. Assim, excluindo-se mentalmente um dos fatos e constatando-se que sem ele o resultado não teria ocorrido, então este fato deve ser considerado como “causa do evento”. Para evitar o regresso ao infinito (regressus ad infinitum – ou seja, a responsabilização de pessoas que influíram no plano fático com total ausência de vontade, como, por exemplo, o operário que trabalha numa fábrica de armas de fogo), utiliza-se o filtro da causalidade psíquica (ou subjetiva) que exige a presença do dolo ou da culpa para a responsabilização dos agentes (no exemplo citado, o operário poderia ser responsabilizado se, desde o momento em que fabricava a arma, pretendia desviá-la para um conhecido que pretendia matar uma pessoa – a conduta dolosa do operário foi uma das causas do evento).
No plano físico da causalidade, o Código Penal abre uma exceção à teoria da conditio sine qua non, para adotar, no termos do art. 13, § 1.º, a teoria da causalidade adequada. Dessa forma, “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. As causas absolutamente independentes (preexistentes, concomitantes e supervenientes) rompem totalmente o nexo causal e o agente só responde pelos atos até então praticados. Nas causas relativamente independentes preexistentes e concomitantes o agente responderá pelo resultado, a menos que não tenha concorrido para este com dolo ou culpa. Nas causas relativamente independentes supervenientes o agente não responde pelo resultado, mas tão somente pela tentativa (por força do art. 13, § 1.º).
Nos crimes omissivos impróprios, a omissão só tem relevância causal quando estiver presente o dever jurídico de agir que, de acordo com o art. 13, § 2.º, do CP, incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância (exemplo: os pais em relação ao dever de criar e proteger os filhos);
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (exemplo: a babá que assume o compromisso de cuidar da criança);
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado (exemplo: a pessoa que jogou na piscina uma outra que não sabia nadar tinha o dever de salvá-la). Nessas situações o omitente responderá pelo resultado, a não ser que este não lhe possa ser atribuído em virtude da ausência de dolo ou de culpa.
A doutrina tem mencionado que após a comprovação material e física entre a conduta e o resultado, deve ser verificada, ainda, como complemento à teoria da equivalência dos antecedentes, a causalidade normativa da conduta, também conhecida por teoria da imputação objetiva. Segundo essa teoria, o agente só poderá ser responsabilizado penalmente por um fato na hipótese em que a sua conduta, que criar ou aumentar um risco proibido relevante, produzir um resultado jurídico previsto no âmbito de proteção da norma. Recebe esse nome porque procura descobrir se o fato pode ser imputado ao agente independentemente do seu dolo.
Tipicidade (ou adequação típica) é a perfeita adequação entre o fato concreto (a conduta praticada pelo agente no mundo real) e o tipo legal. Tipo legal, por sua vez, é a descrição abstrata do crime feita detalhadamente pela lei penal e correspondente a um fato criminoso. É, em outras palavras, o conjunto dos elementos descritivos do crime contidos na lei penal.
O tipo penal possui os seguintes elementos:
I – objetivos: são aqueles que se referem ao aspecto material do fato – exemplo: objeto do crime, lugar, tempo, entre outros;
II – normativos: são aqueles que exigem uma valoração jurídica, social, cultural, política, religiosa, entre outros – exemplo: “dignidade”, “decoro”;
III – subjetivos: são aqueles que se referem ao intuito do agente quando pratica o fato – exemplo: “... com o fim de...”.
O tipo penal possui as seguintes funções: função de garantia (pois aperfeiçoa e sustenta o princípio da legalidade) e função de fundamentar a antijuridicidade do fato (o Código Penal adotou a teoria do caráter indiciário da ilicitude pela qual um fato típico presume-se antijurídico até prova em contrário, ou seja, a não ser que esteja presente alguma causa de exclusão da ilicitude).
A adequação típica (ou tipicidade) pode ser de duas espécies:
1) de subordinação imediata: é aquela em que a adequação do fato ao tipo legal se opera de forma direta, integral e perfeita (exemplo: uma pessoa disparou arma de fogo contra outra causando-lhe a morte – há perfeita correspondência ao tipo legal previsto no art. 121 do CP);
2) de subordinação mediata (ou tipicidade indireta): é aquela em que a adequação depende de uma outra norma que promova a extensão do tipo até alcançar a conduta, como ocorre nos casos de tentativa (art. 14, II) e no concurso de agentes (art. 29, caput, do CP). A impossibilidade de adequação do fato à norma leva à atipicidade do fato (ou seja, não haverá crime).
Não é suficiente que a conduta reproduza o modelo legal, ou seja, que o fato seja típico. É necessário, ainda, que a conduta seja antijurídica, isto é, ilícita, para que se dê o crime. A antijuridicidade é, pois, a característica daquilo que é contrário ao direito.
Como assim? Na verdade toda norma jurídica possui uma “intenção”, ou seja, destina-se a produzir um efeito prático no âmbito social. Normalmente, no Direito Penal, esta “intenção” é que o agente adote a postura oposta à que está prevista na letra da lei. Por exemplo: o art. 121, caput, do CP estabelece que “matar alguém” é crime punido com pena de reclusão de 6 a 20 anos. O objetivo da lei é que o agente não mate. Assim sendo, quando a conduta do agente adéqua-se à “intenção” da lei, dizemos que a conduta goza de juridicidade ou licitude. Caso a conduta do agente seja oposta ou conflitante com a “intenção” da norma, a conduta será antijurídica ou ilícita.
A antijuridicidade pode ser formal ou material. Será formal quando existe simples contradição entre o fato praticado pelo agente e a norma que proíbe a conduta. Será material quando a conduta do agente fere o interesse protegido pela norma.
Talvez você possa pensar que basta o agente desempenhar a conduta descrita na norma para que exista a manifestação da ilicitude. Nem sempre. A ilicitude da conduta pode ser afastada por determinadas causas. Tais causas são denominadas excludentes de antijuridicidade, justificativas ou descriminantes. Representam situações que, em se verificando, justificam a conduta praticada. Por exemplo: as excludentes de ilicitude listadas no art. 23 do CP.
“Art. 23 do CP: Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”.
Assim sendo, é perfeitamente possível que a conduta seja típica sem ser considerada ilícita, como na hipótese do agente que mata outrem agindo em legítima defesa. Matar é conduta descrita em lei como crime. Logo, quem mata pratica fato típico. Porém, nesta hipótese analisada, não teremos crime, por ausência de ilicitude, inexistindo contradição entre a conduta do agente e a “intenção” da norma, já que esta considera aceitável que se mate no estrito limite da legítima defesa.
DICA:
Questão do caso fortuito e de força maior.
Caso fortuito é o evento imprevisível ou inevitável, manifestado por força estranha ao homem. Ex.: um raio que atingiu um avião e provocou a queda deste. Força maior é um evento externo ao agente, tornando inevitável a conduta adotada. Ex.: coação física irresistível.
Manifestando-se o caso fortuito ou de força maior, não existirá o instituto do crime.
É aquele praticado pelo agente que objetiva o resultado ou que, no mínimo, assume o risco de produzi-lo, isto é, tem consciência da conduta que pratica. Dolo é vontade livre e consciente de praticar a ação ou omissão, de executar o fato definido como crime pela letra da lei. Subdivide-se em: dolo direto, dolo indireto, dolo genérico e dolo específico.
Dolo direto ocorre quando o agente pretende, busca o resultado, de modo que o evento corresponde a sua vontade. Ex.: um sujeito A saí de casa com o intuito de matar um sujeito B. Ao encontrá-lo, deflagra disparos de arma de fogo que levam a óbito a vítima. O objetivo inicial de ferir o bem jurídico (a vida) foi alcançado.
Dolo indireto ocorre quando a vontade do agente não se orienta de forma segura em relação ao evento. Esta espécie de dolo subdivide-se em dois tipos: dolo alternativo, quando o agente executa a ação pretendendo um dos objetivos que esta possa vir a causar; dolo eventual, onde o agente prevê o resultado e mesmo não o querendo diretamente, assume o risco de produzi-lo. Um exemplo de dolo eventual seria um agente entrar atirando em um recinto fechado, cheio de pessoas. Embora não exista a intenção de ferir ou matar especificamente nenhum dos presentes, o agente assumiu o risco de acabar ferindo ou até matando alguns deles.
Dolo genérico ocorre quando o agente pretende apenas o fato descrito na norma penal, ou seja, sua intenção é de ferir especificamente a letra da lei.
Dolo específico ocorre quando o agente pretende algo além da conduta criminosa, como, por exemplo, o crime de extorsão, em que não basta ao agente constranger a vítima – deseja ele, ainda, obter vantagens econômicas indevida com a conduta praticada. É crime de vontade excedente.
DICA MUITO IMPORTANTE:
Sendo bem prático, podemos afirmar que a maioria dos concursos questiona sobre duas espécies elementares de dolo: direto e eventual.
Temos dolo direto quando o sujeito ativo do delito possui clareza e segurança sobre três elementos básicos: a intenção, a conduta e o resultado. Ou seja, antecipadamente o agente sabe o que quer fazer, como quer agir e qual bem jurídico ele pretende atingir.
Já no dolo eventual, falta ao sujeito ativo do delito esta clareza, esta certeza quanto a um, alguns ou todos esses elementos. Mas existe uma demonstração inequívoca de que ele não está nem um pouco preocupado com as consequências ou efeitos da sua conduta. Fica claro, pela análise da conduta do agente, que ele assume o risco de gerar o dano, de produzir o resultado delituoso, que ele não se importa com o que possa advir como consequência da conduta desempenhada.
Para existir crime, deve necessariamente ocorrer uma conduta voluntária do agente, seja esta positiva – fazer, agir – ou negativa – não fazer, não agir. Inexistindo a voluntariedade, inexiste o crime. Logo, o crime culposo irá se manifestar por uma atitude voluntária do indivíduo, mas esta atitude deve almejar um fim perfeitamente lícito. O resultado da conduta é que se torna diverso do pretendido, ou seja, o agente age, voluntariamente, para atingir fim lícito, mas acaba obtendo uma consequência considerada ilícita pela norma penal. A intenção do agente não foi ferir a letra da lei, mas se esta consequência se manifesta, responderá este por crime culposo.
“Art. 18, II, do CP: diz-se do crime culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.
Crime culposo é o que se verifica pela conduta voluntária, sem a devida atenção ou cuidado, que gera como resultado o que a lei descreve como crime. Assim, os elementos do crime culposo são: o ato voluntário e a negligência, imprudência ou imperícia de que resulta fato definido como crime.
O crime culposo apresenta os seguintes elementos:
– conduta inicial voluntária;
– violação do dever de cuidado (por imprudência, negligência ou imperícia);
– resultado involuntário;
– nexo de causalidade;
– previsibilidade objetiva do resultado;
– ausência de previsão;
– tipicidade.
O tipo culposo também é conhecido por tipo aberto, porque o seu preceito primário (conduta) não está completamente descrito, exigindo-se, para a sua complementação, a realização de um juízo valorativo, que decorre da comparação da conduta do caso concreto com a que seria ideal nessas circunstâncias. Por isso, um crime só pode ser punido como culposo quando houver expressa previsão legal (art. 18, parágrafo único, do CP).
O dever objetivo de cuidado é aquele imposto a todas as pessoas de sempre agir com o emprego das cautelas necessárias para que de seu atuar não resulte dano a bens jurídicos alheios. A punibilidade nesses crimes visa justamente a tornar o homem mais atento, obrigando-o a superar deficiências peculiares ou a agir com a diligência imposta em razão dessas mesmas deficiências.
A previsibilidade objetiva é a possibilidade de qualquer pessoa comum, dotada de prudência mediana, de antever a produção de um resultado involuntário lesivo (se o resultado for voluntário não haverá culpa, mas sim dolo). Não sendo possível a previsão do evento, a ocorrência deste decorre de caso fortuito, que exclui a própria culpa e, consequentemente, a tipicidade. Vale anotar que a previsibilidade subjetiva é a capacidade de previsão de cada indivíduo e, quando ausente, exclui apenas a culpabilidade.
A culpa pode ser distinguida de acordo com as suas modalidades e espécies.
As modalidades de culpa são:
– imprudência: é a prática de um ato perigoso, sem as cautelas necessárias. Trata-se de um comportamento positivo, ou seja, o agente faz o que não deveria fazer. Exemplo: o agente imprime velocidade excessiva ao veículo em local inadequado;
– negligência: é a prática de um ato sem a observância, por preguiça psíquica, dos cuidados exigidos pela situação em que o agente se encontra. Trata-se de um comportamento negativo, ou seja, o agente não faz o que deveria fazer. Exemplo: estacionar um veículo próximo a uma ladeira sem acionar o freio de mão;
– imperícia (ou culpa profissional, ou imprudência qualificada): é a incapacidade técnica, teórica ou prática durante o exercício de arte, ofício ou profissão (exemplo: médico que esquece instrumentos cirúrgicos dentro do paciente). A imperícia não deve ser confundida com o erro profissional, pois este se refere à falha do ramo da Ciência e, caso seja reconhecido, exclui a culpa (exemplo: um exame laboratorial que não detectou uma doença ainda desconhecida não pode acarretar a responsabilidade penal do médico). Na imperícia, portanto, a falha é do agente e o seu reconhecimento configura o crime culposo.
DICA IMPORTANTE:
Não esqueça:
1 – Negligência: modalidade de culpa em que o agente deixa de praticar ato que deveria ter praticado;
2 – Imprudência: o agente pratica ato que não deveria ter praticado;
3 – Imperícia: o agente pratica ato para o qual não possuía aptidão suficiente.
As espécies de culpa são:
– culpa consciente (ou culpa ex lascivia): ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que este não ocorra. Difere do dolo eventual porque neste o agente prevê o resultado e não se importa que ele venha a ocorrer. Na culpa consciente o agente, embora prevendo o resultado, não o aceita como possível (exemplo: caçador que, avistando um companheiro próximo do animal que deseja abater, confia em sua condição de perito atirador para não atingi-lo quando disparar, causando, ao final, lesões ou morte da vítima ao desfechar o tiro);
– culpa inconsciente (ou culpa ex ignorantia): ocorre quando o agente não prevê o resultado de sua conduta, apesar de ser este previsível (exemplo: indivíduo que atinge involuntariamente a pessoa que passava pela rua, porque atirou um objeto na janela por acreditar que ninguém passaria naquele horário).
É válido ressaltar que, de acordo com o parágrafo único do art. 18 do CP, a responsabilização por crime culposo carece de expressa menção em lei acerca da possibilidade de manifestação no tipo penal. Assim sendo, a responsabilização por crimes presume a modalidade dolosa da conduta, só sendo aceitável a responsabilização da conduta culposa quando existir expressa menção desta modalidade no tipo penal. Exemplo: existe o crime de homicídio culposo, pois o § 3.º do art. 121 do Código Penal prevê a possibilidade de ocorrência desta modalidade; todavia não existe o crime de infanticídio culposo por falta de expressa menção na letra da lei da possibilidade de ocorrência desta modalidade, só sendo admissível, portanto, a ocorrência de infanticídio doloso.
“Art. 18, parágrafo único, do CP: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”.
DICAS IMPORTANTES:
1 – A culpa inconsciente, mais comum na prática, ocorre quando o resultado é previsível, mas não é previsto pelo agente. Ex.: dirigir em via pública em velocidade excessiva, vindo a provocar um acidente. Neste caso, o agente deveria ter previsto o risco que sua ação acarretava e reduzido a velocidade, mas não o fez e manteve a velocidade excessiva. Como não havia intenção inicial de produzir o resultado penalmente relevante, o agente responderá pelo acidente culposamente;
2 – A culpa consciente ocorre quando o resultado é previsto pelo agente, mas este espera que ele não ocorra. Ex.: o caçador avista a caça e prevê a possibilidade de, se atirar, acertar o companheiro. Mesmo assim atira, esperando que o resultado previsto não ocorra;
3 – Embora parecidos, é sutil a diferença entre dolo eventual e culpa consciente. No dolo eventual não existe a intenção de lesar especificamente um bem jurídico tutelado pelo direito penal, mas existe a intenção de lesar algum bem jurídico tutelado pelo ordenamento penal. Neste caso, fica claro para o agente que ele não deve agir, pois existe um risco deveras acentuado, quando não uma certeza, de que algum bem jurídico será lesado pela conduta adotada.
Na culpa consciente, não existe a intenção de ferir nenhum bem jurídico protegido pelo direito penal. A conduta do agente objetivava atingir um fim lícito, embora seja claro para este agente o risco que sua conduta trás. Não existia a intenção delituosa configurando a culpa, mas a possibilidade de dano que foi assumida pelo agente, configurando a consciência da ação. Daí o termo culpa consciente.
Em suma, no dolo eventual, o agente prevê o resultado, não o deseja, mas aceita se ele ocorrer. Na culpa consciente, o agente prevê o resultado, não o deseja e não o aceita antecipadamente.
O crime preterdoloso é aquele em que o agente realiza uma conduta dolosa (delito-base), mas acaba produzindo um resultado mais grave do que o pretendido em razão da intensificação culposa (resultado agravador culposo).
Os principais requisitos de manifestação do crime preterdoloso são:
– crime doloso e culposo ao mesmo tempo;
– ação dolosa precede a ação culposa;
– ação dolosa é de menor monta que a ação culposa;
– não existia intenção de que a ação dolosa resultasse na ação imputada como culposa.
Pelo fato de o dolo abranger, de acordo com a teoria finalista da ação, a consciência e a vontade de realizar os elementos constantes do tipo legal, o desconhecimento do autor incidente sobre um ou alguns desses elementos poderá determinar a sua exclusão (do dolo).
Erro de tipo, portanto, é o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal (art. 20, caput, do CP).
É importante destacar que a expressão “elementos constitutivos do tipo legal” abrange os elementos objetivos, subjetivos, normativos e outras causas ou circunstâncias que qualificam o crime ou aumentam a pena.
Atualmente, existem no Código Penal as seguintes modalidades de erro:
– erro de tipo (art. 20);
– erro de proibição (art. 21 – será tratado no capítulo da culpabilidade);
– erro nas discriminantes putativas fáticas (art. 20, § 1.º).
O erro de tipo pode ser de duas espécies: essencial e acidental.
O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre as elementares e circunstâncias do crime. Tal erro é tão grave que impede que o agente compreenda o caráter criminoso do fato ou que conheça alguma circunstância a ele relacionada. Significa dizer que a conduta do agente que, por ignorância ou má interpretação da realidade, não sabe que está realizando um tipo objetivo, não pode ser tida como dolosa (exemplo: A, por engano, pega um objeto pertencente a B pensando ser seu – pelo fato de não estar ciente do equívoco, A não poderá ser responsabilizado pelo crime de furto, pois não houve dolo de subtrair coisa alheia móvel).
O erro de tipo sobre as elementares, dependendo da gravidade, produz efeitos diversos: a) se vencível (ou inescusável, ou indesculpável, ou seja, se o fato podia ter sido evitado mediante o emprego de alguma diligência por parte do agente), o dolo será excluído, mas será permitida a punição por crime culposo, se houver previsão legal deste; b) se invencível (ou escusável, ou desculpável, ou seja, se o fato não podia ter sido evitado mesmo que o agente empregasse alguma diligência), o dolo e a culpa serão excluídos levando à atipicidade do fato e à consequente exclusão do crime.
O erro de tipo essencial sobre as circunstâncias do tipo (qualificadoras, causas de aumento e circunstâncias agravantes), por outro lado, determina somente a exclusão da circunstância desconhecida (exemplo: A pretende furtar um objeto de grande valor; posteriormente, descobre que esse objeto possui valor irrisório – nesse caso, A não poderá beneficiar-se da circunstância prevista no § 2.º do art. 155 do CP).
O erro de tipo acidental é aquele que recai sobre dados acessórios ou secundários do crime. Pode recair, portanto, sobre o objeto material do crime, sobre o seu modo de execução ou sobre o nexo causal. Pelo fato de o agente estar perfeitamente ciente de que está praticando um crime, em todas essas hipóteses responde normalmente pelo fato criminoso, como se tivesse conseguido produzir o resultado pretendido.
O erro sobre o objeto material do crime pode ocorrer sobre a pessoa (error in persona) ou coisa (error in objeto) sobre a qual recai a conduta criminosa. O erro sobre a pessoa ocorre quando o agente olha um desconhecido e o confunde com a pessoa que quer atingir (exemplo: A quer matar B, mas confunde-o com C, que vem a entrar em óbito – nesse caso, A responde como se tivesse matado B, inclusive com a incidência de eventuais agravantes relacionadas a B). Para fins de sanção penal, o Código Penal determina que devem ser consideradas as condições ou qualidades da pessoa que o agente queria atingir, e não as da pessoa efetivamente atingida (art. 20, § 3.º). Assim, a eventual agravante de caráter pessoal que seria aplicada em virtude da condição de B, como, por exemplo, a prevista no art. 61, II, e, do CP (condição de ascendente, descendente, irmão ou cônjuge), continuaria a ser aplicada.
O erro sobre a coisa (error in objeto), em virtude da sua irrelevância, também não impede a caracterização do crime (exemplo: o agente em vez de furtar açúcar, furta sal – responde por furto em virtude da irrelevância da natureza da coisa). É importante observar que a coisa não poderá estar descrita como elementar do tipo, caso em que haverá erro de tipo essencial.
O erro sobre o modo de execução do crime pode ocorrer de duas formas:
I) erro na execução (aberratio ictus): ocorre quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução (ou “desvio no golpe”), o agente atinge alguém que não aquele que pretendia ofender, respondendo como se tivesse atingido a pessoa contra quem ele queria praticar o crime (exemplo 1: A quer atirar em B, mas, errando a pontaria, acerta C, que estava ao seu lado – responde por homicídio doloso, levando-se em conta as qualidades da pessoa que deveria ter sido a vítima; exemplo 2: A quer matar B e acaba atingindo também, de forma culposa, C – nesse caso aplica-se a regra do concurso formal, respondendo o agente por homicídio doloso com a pena aumentada de 1/6 até a metade);
II) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis): ocorre quando o agente pretende atingir determinado bem jurídico, mas, por erro na execução, atinge bem diverso (exemplo 1: A pretende quebrar uma janela alheia com uma pedrada e acaba atingindo um transeunte – nesse caso o agente só responde pelo resultado produzido e, mesmo assim, se houver previsão de crime culposo; exemplo 2: A acerta a janela e o transeunte – aplica-se a regra do concurso formal, com a pena do crime mais grave aumentada de 1/6 até a metade).
O erro sobre o nexo causal (aberratio causae) verifica-se quando o resultado desejado pelo agente é produzido, mas de maneira diversa da inicialmente planejada (exemplo: A pretende matar B efetuando disparos contra este que, sendo levemente atingido, vem a desmaiar; pretendendo livrar-se do suposto cadáver, A joga B de cima de um precipício, momento em que este vem a morrer em decorrência das fraturas decorrentes da queda – nesse caso, a conduta de A não interrompeu o nexo causal, vindo este a responder pelo homicídio doloso).
A descriminante putativa é a causa excludente da ilicitude erroneamente imaginada pelo agente. As consequências previstas para as descriminantes putativas por erro de tipo e para as descriminantes putativas por erro de proibição são as mesmas previstas para o erro de tipo e para o erro de proibição (este instituto será visto no capítulo da culpabilidade).
DICA PRÁTICA:
De forma mais simples, a diferença entre o erro de tipo e o erro sobre a ilicitude do fato é:
Erro de tipo → o agente adota uma determinada conduta por acreditar que ela não corresponde a um crime previsto na lei penal. Esse erro, na regra geral, elimina o dolo, mas permite a responsabilização a título culposo, caso a conduta seja punível a este título.
Erro sobre a ilicitude do fato ou simplesmente erro de proibição → o agente adota uma conduta que sabe estar descrita na lei como tipo penal, mas acredita estar diante de uma circunstância que o autorizaria ou justificaria a prática de tal conduta, eliminando a possibilidade de manifestação do crime. Esse erro, quando inevitável, isenta o agente de pena. Quando evitável, reduz a pena de 1/6 a 1/3.
Representa o conjunto de fases pelas quais pode passar o delito. Embora existam inúmeras divisões doutrinárias acerca do iter criminis, duas destacam-se, sendo todas variações sobre o mesmo tema. Segundo Damásio de Jesus, o iter criminis pode acontecer em quatro fases:
• Cogitação (fase interna do crime): o agente tem a ideia de cometer o delito;
• Atos preparatórios: o agente prepara o crime;
• Execução: o agente coloca em prática o planejado;
• Consumação: o agente atinge o resultado pretendido.
Todavia, a divisão que mais se adéqua ao modelo adotado atualmente nas provas de OAB seria:
a) atos preparatórios – Correspondem à fase de criação das condições abstratas e concretas para a prática do ato delituoso, ou seja, a busca pelas condições psíquicas e materiais para a ocorrência do delito. Estes Atos Preparatórios subdividem-se em duas espécies:
1.ª atos preparatórios abstratos ou de cogitação – Representam a fase meramente subjetiva do delito, em que o sujeito ativo desenvolve o animus, ou seja, a vontade de cometer o delito. Planeja, premedita e consolida a ideia do crime. Por tratar-se de uma fase meramente abstrata, estes atos preparatórios são impuníveis.
2.ª atos preparatórios concretos ou materiais – Representam a fase prática dos atos preparatórios, na qual o sujeito ativo busca a personificação de todas as condições e instrumentos que lhe sejam necessários para realizar a prática do ato delituoso. Na regra geral, estes atos preparatórios também são impuníveis, salvo situações em que, isolados e desvinculados do contexto geral do crime, possam ser tipificados como delito penal.
b) atos executórios – É a manifestação da ação ou omissão propriamente dita. A partir desta etapa o crime já é considerado praticado, pois, segundo o ordenamento penal, considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que seja outro o momento do resultado ou que este sequer venha a acontecer. A execução pode ser de dois tipos: completa e incompleta. Teremos a execução completa quando todos os atos executórios forem realizados. Por sua vez, a execução incompleta é aquela em que nem todos os atos executórios chegaram a ser práticos. O fato de a execução ser completa ou incompleta será irrelevante penalmente para a configuração do crime, pois basta que um único ato executório tenha sido realizado para que possa ser aplicada a punição ao sujeito ativo do delito.
Corresponde à manifestação do resultado tipificado em lei, ocorrendo a lesão ao bem jurídico tutelado pelo ordenamento penal.
Para melhor fixação, observemos o exemplo abaixo:
Luiz com a intenção de matar João (atos preparatórios abstratos ou cogitação), compra uma arma e o espera à saída do serviço (atos preparatórios concretos); atira contra ele (execução), produzindo-lhe a morte (consumação).
DICA:
Não existe punição por atos meramente preparatórios no direito penal brasileiro, salvo se estes, por si só, já configurarem um tipo penal.
Segundo disciplina o Código Penal, diz-se crime tentado aquele que não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente agressor. De forma mais doutrinária, pode-se dizer que o crime tentado é aquele que não conseguiu efetivamente provocar o dano ao bem jurídico protegido ou tutelado pela norma penal, em decorrência de circunstâncias diversas e alheias à vontade do sujeito ativo. Por exemplo: Pedro, objetivando matar seu desafeto, realiza cinco disparos de arma de fogo contra João, que é socorrido por terceiros e conduzido ao hospital, onde tem sua vida preservada por intervenção médica. Neste caso ocorreu a execução do delito, mas por circunstâncias alheias à vontade do agente agressor – o socorro prestado à vítima por terceiros e o atendimento médico realizado – não ocorreu o dano pretendido, ou seja, a morte da vítima, não existindo consumação. Assim sendo, o crime é, por sua natureza, tentado.
A tentativa pode ser de dois tipos:
a) tentativa perfeita ou crime falho – Ocorre quando todos os atos executórios foram realizados, mas o crime não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente agressor;
b) tentativa imperfeita – Ocorre quando a execução não foi realizada de forma completa, ou seja, o sujeito ativo do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade, não conseguiu levar a execução até o fim, deixando de realizar algum ou alguns dos atos pretendidos.
Existe ainda uma classificação da tentativa, que se divide em:
a) tentativa branca ou incruenta – Ocorre quando o agente desempenha total ou parcialmente a conduta, mas não consegue atingir o bem jurídico;
b) tentativa vermelha ou cruenta – Ocorre quando o agente desempenha total ou parcialmente a conduta, conseguindo atingir o bem jurídico.
Vejamos o seguinte exemplo: João, objetivando matar Pedro, deflagra contra este cinco tiros, esgotando, de acordo com o seu entendimento, todos os atos de execução previamente pretendidos, mas não consegue atingir com nenhum dos disparos a vítima. Nesse caso, teremos uma tentativa perfeita branca ou incruenta, pois o agente desempenhou todos os atos executórios previamente pretendidos, mas não conseguiu atingir o bem jurídico.
No caso de crime tentado, a responsabilização configurada pela aplicação da pena cominada ao delito segue a regra estabelecida no texto legal, segundo a qual, salvo disposição em contrário, o crime tentado terá a mesma pena do crime consumado, sendo esta reduzida de um terço a dois terços. Logo, pode-se perceber que, em regra geral, as penas previstas no ordenamento penal pressupõem o crime consumado. Ocorrendo tentativa, independentemente de ser perfeita ou imperfeita, a pena será estabelecida tendo como referência o crime consumado, reduzindo-se esta de um terço a dois terços.
O crime tentado deverá ser analisado tendo em vista o crime consumado, ou seja, se havia dolo por parte do agente na produção do resultado, o qual só não se efetivou por motivos alheios à vontade do agente, portanto, não existe tentativa em crime culposo. Nas contravenções penais a tentativa não é punível (art. 4.º do Decreto-lei 3.688/1941).
DICA:
Ao se estabelecer o instituto da tentativa ou da consumação, mediante análise do caso concreto, deve-se arguir duas acepções da conduta do agente: a ação ou omissão considerada delituosa, ou seja, típica e a intenção ou vontade do agente. Convém lembrar que tão importante quanto o que o sujeito ativo fez é o que ele queria fazer. Assim sendo, em um caso concreto em que Maria atirou em Carla, atingindo-lhe o braço e provocando dano, a diferenciação entre lesão corporal consumada e homicídio tentado só será possível conhecendo-se a intenção do agente agressor. Caso Maria desejasse matar Carla, teríamos uma tentativa de homicídio; objetivando feri-la, teremos lesão corporal consumada.
Alguns crimes não admitem a forma tentada: os culposos, os preterdolosos (de acordo com a Súmula 610 do STF, “há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima”), as contravenções penais (art. 4.º do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais), os omissivos próprios (pois não se exige o resultado naturalístico decorrente da omissão), os unissubsistentes (são aqueles cometidos com um só ato de execução; exemplo: injúria verbal), os habituais (são os delitos que exigem reiteração da conduta), os crimes de empreendimento (ou delitos de atentado – são aqueles em que a própria lei descreve a tentativa como elementar do tipo penal; exemplo: art. 352 do CP: “evadir-se ou tentar evadir-se...”), os de perigo abstrato e aqueles em que a lei só pune se ocorrer o resultado naturalístico (exemplo: art. 122 do CP).
De acordo com o art. 15 do CP, o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos praticados.
Na desistência voluntária o agente interrompe voluntariamente a execução do crime, desistindo do crime antes mesmo da consumação. Não é possível nos crimes unissubsistentes (aqueles em que há um só ato executório). É admitida somente na hipótese de tentativa imperfeita.
No arrependimento eficaz (ou resipiscência) o agente, após praticar todos os atos de execução, impede voluntariamente a consumação do crime (exemplo: o agente efetua disparos numa pessoa e, antes que esta venha a falecer em virtude dos ferimentos, providencia para que seja prontamente socorrida, salvando-lhe a vida). É admitido somente na tentativa perfeita. É imprescindível que a produção do resultado seja impedida por ato voluntário do agente. Caso o resultado seja produzido por circunstâncias alheias à vontade do agente, haverá tentativa.
Este instituto, bem como o do arrependimento eficaz, baseia-se na lógica segundo a qual a norma penal tenta fornecer ao sujeito ativo do delito, até o último momento, motivos para não produzir lesão ao bem jurídico tutelado e protegido, dando ao agente agressor o benefício de tornar atípica sua conduta, caso ele desista voluntariamente de prosseguir na realização dos atos de execução, evitando com isto que a consumação ocorra, preservando o bem jurídico tutelado. De forma mais clara, quem age em desistência voluntária, não responderá pelo crime tentado, desde que não tenha existido dano à vítima, só respondendo pelos atos já praticados.
A desistência e o arrependimento tornam atípicos apenas os atos de execução que iriam configurar a tentativa (exemplo: no homicídio a desistência ou o arrependimento não responsabilizaria o agente por homicídio tentado), subsistindo, no entanto, a responsabilidade pelos atos até então praticados (no exemplo anterior, o agente responderia somente pelas lesões corporais). Na hipótese de concurso de agentes, os efeitos comunicam-se aos coautores e partícipes, eliminando, por consequência, a sua responsabilidade penal (art. 30 do CP).
Para a ocorrência de desistência voluntária ou arrependimento eficaz, basta que o agente aja voluntariamente, não se exigindo que o ato seja espontâneo, ou seja, desde que o agente pare voluntariamente de agir e socorra a vítima, o instituto deve ser aplicado (exemplo: agente atira em desafeto em sala fechada. Atendendo aos apelos de sua mãe que grita de fora da sala para ele parar de atirar, sob o argumento de que pode estragar a vida da vítima e a sua própria. Nesse caso o agente não teve atitude espontânea – origem da ideia –, mas agiu voluntariamente – não foi coagido).
Quanto à natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, a doutrina se concentrou em duas correntes: 1.ª causa de exclusão da punibilidade; 2.ª causa de exclusão da tipicidade. A segunda é a mais aceita.
De acordo com o art. 16 do CP, “nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.
O arrependimento posterior possui os seguintes requisitos:
1 – crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa: a causa de diminuição é afastada quando a violência for dolosa. A violência culposa contra a pessoa e a violência dolosa contra a coisa permitem a incidência do art. 16 do CP;
2 – reparação integral do dano ou restituição da coisa;
3 – conduta voluntária: não se exige espontaneidade do agente quanto à reparação (outras pessoas podem sugerir ao agente a reparação);
4 – reparação até o recebimento da denúncia ou da queixa: se a reparação é feita posteriormente, incidirá somente a atenuante genérica prevista no art. 65, III, do CP. Entretanto, alguns crimes, como o peculato (art. 312 do CP), guardam consequências diversas.
Também nos crimes de sonegação fiscal a reparação do dano, feita por meio do pagamento do tributo devido, até o recebimento da denúncia ou queixa, extingue a punibilidade do agente. Na hipótese de emissão de cheques sem provisão de fundos, a reparação do dano também extingue a punibilidade do agente (Súmula 554 do STF). Nos Juizados Especiais Criminais, a reparação do dano nas infrações de menor potencial ofensivo apuradas mediante ação penal privada e ação penal pública condicionada à representação do ofendido importa renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/1995).
A redução da pena, de 1/3 a 2/3, será feita de acordo com a presteza e a eficiência da reparação do dano (exemplo: quanto mais rápida a reparação, maior será a redução).
Pelo fato de o arrependimento posterior ser uma circunstância objetiva (relaciona-se com as consequências do crime), a diminuição da pena deve ser estendida aos coautores e partícipes condenados pelo mesmo fato (art. 30 do CP).
Crime impossível é aquele cuja consumação é impossível ocorrer em virtude da ineficácia absoluta do meio empregado ou da absoluta impropriedade do objeto material atacado. Também é conhecido por tentativa inidônea, quase crime, tentativa inadequada ou tentativa impossível.
Meio é o instrumento que o agente utiliza para a prática do crime. O meio é absolutamente ineficaz quando não for apto a produzir determinado efeito ou evento (exemplo: ministrar açúcar a alguém, pensando se tratar de veneno; utilizar arma sem munição). Se a ineficácia for relativa, haverá, então, tentativa (exemplo: ministrar uma certa quantidade de açúcar a um diabético, sendo o agente conhecedor desta condição).
Objeto é a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta criminosa. Haverá impropriedade absoluta do objeto quando este não existir ou, nas circunstâncias em que se encontrar, tornar impossível a produção de algum resultado lesivo (exemplo: atirar em cadáver). Haverá impropriedade relativa quando a inexistência da coisa ou pessoa sobre a qual se exerce os atos executórios for eventual (exemplo: um ladrão atira em direção ao motorista de um carro blindado).
Na tentativa, a consumação que, em princípio, poderia ocorrer, só não se verifica por circunstâncias alheias à vontade do agente. No crime impossível, a consumação, desde o início, jamais poderia ocorrer.
No crime impossível, não haverá responsabilidade penal do agente pelo fato de não haver sequer tipicidade e risco de afetação ao bem jurídico (também foi adotada a teoria objetiva).
De acordo com a Súmula 145 do STF, “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. É a hipótese do chamado flagrante preparado ou provocado, também conhecido como crime de ensaio ou delito putativo por obra do agente provocador que, por analogia, equipara-se à figura do crime impossível (art. 17 do CP).
1. (OAB/NACIONAL 2009.I) Acerca dos institutos da desistência voluntária, do arrependimento eficaz e do arrependimento posterior, assinale a opção correta.
a) O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza responderá pelo crime consumado com causa de redução de pena de um a dois terços.
b) A desistência voluntária e o arrependimento eficaz, espécies de tentativa abandonada ou qualificada, passam por três fases: o início da execução, a não consumação e a interferência da vontade do próprio agente.
c) Crimes de mera conduta e formais comportam arrependimento eficaz, uma vez que, encerrada a execução, o resultado naturalístico pode ser evitado.
d) A natureza jurídica do arrependimento posterior é a de causa geradora de atipicidade absoluta da conduta, que provoca a adequação típica indireta, de forma que o autor não responde pela tentativa, mas pelos atos até então praticados.
2. (OAB/NACIONAL 2008_1) Acerca do dolo e da culpa, assinale a opção correta.
a) Quando o agente deixa de prever o resultado que lhe era previsível, fica caracterizada a culpa imprópria e o agente responderá por delito preterdoloso.
b) Quando o agente, embora prevendo o resultado, não deixa de praticar a conduta porque acredita, sinceramente, que esse resultado não venha a ocorrer, caracteriza-se a culpa inconsciente.
c) Quando o agente comete erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime, exclui-se o dolo, embora seja permitida a punição por crime culposo, se previsto em lei.
d) Quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito, há culpa consciente.
3. (IX Exame de Ordem Unificado – FGV) José subtrai o carro de um jovem que lhe era totalmente desconhecido, chamado João. Tal subtração deu-se mediante o emprego de grave ameaça exercida pela utilização de arma de fogo. João, entretanto, rapaz jovem e de boa saúde, sem qualquer histórico de doença cardiovascular, assusta-se de tal forma com a arma, que vem a óbito em virtude de ataque cardíaco. Com base no cenário acima, assinale a afirmativa correta.
a) José responde por latrocínio.
b) José não responde pela morte de João.
c) José responde em concurso material pelos crimes de roubo e de homicídio culposo.
d) José praticou crime preterdoloso.
4. (OAB/MG-Abril – 2008) O princípio da adequação social constitui hipótese de exclusão
a) Da ação
b) Da tipicidade
c) Da ilicitude
d) Da culpabilidade
5. (X Exame de Ordem Unificado – FGV) Jane, dirigindo seu veículo dentro do limite de velocidade para a via, ao efetuar manobra em uma rotatória, acaba abalroando o carro de Lorena, que, desrespeitando as regras de trânsito, ingressou na rotatória enquanto Jane fazia a manobra. Em virtude do abalroamento, Lorena sofreu lesões corporais. Nesse sentido, com base na teoria da imputação objetiva, assinale a afirmativa correta.
a) Jane não praticou crime, pois agiu no exercício regular de direito.
b) Jane não responderá pelas lesões corporais sofridas por Lorena com base no princípio da intervenção mínima.
c) Jane não pode ser responsabilizada pelo resultado com base no princípio da confiança.
d) Jane praticou delito previsto no Código de Trânsito Brasileiro, mas poderá fazer jus a benefícios penais.
6. (OAB/MG-Abril – 2008) Com relação aos crimes culposos, assinale a alternativa INCORRETA:
a) Em se tratando de crimes culposos, muitas vezes o dever objetivo de cuidado está estipulado em normas legais ou administrativas, relacionadas com a regulamentação de algumas profissões ou atividades geradoras de riscos.
b) A previsibilidade subjetiva é um conceito relacionado com a previsibilidade do “homo medius”.
c) Nos crimes culposos o tipo é aberto.
d) Na análise da tipicidade da conduta culposa, é preciso considerar, além de outros elementos, a conexão entre o desvalor da ação e o desvalor do resultado, ou seja, analisar se o resultado produzido está dentro do âmbito de proteção da norma de cuidado violada.
7. (OAB/CESPE 2006.III) O princípio da insignificância considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, entre os quais não se inclui
a) a mínima ofensividade da conduta do agente.
b) nenhuma periculosidade social da ação.
c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento.
d) expressividade da lesão jurídica provocada.
8. (OAB/CESPE 2006.III) Considere-se que, depois de esgotar todos os meios disponíveis para chegar à consumação da infração penal, o agente arrependa-se e atue em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente por ele pretendido. Nessa hipótese, configura-se
a) arrependimento eficaz.
b) desistência voluntária.
c) crime impossível.
d) arrependimento posterior.
9. (OAB/NACIONAL 2008.III) De acordo com o Código Penal, salvo exceção, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa caso o fato seja previsto como crime culposo.
Entretanto, se ocorrer, também, o resultado pretendido, o agente
a) não responderá por ele, sob pena de responsabilidade penal objetiva.
b) responderá por ele, segundo a regra do concurso formal.
c) responderá por ele, segundo a regra do concurso material.
d) não responderá por ele, sob pena de bis in idem.
10. (OAB/NACIONAL 2008.III) Constitui crime omissivo próprio:
a) o abandono intelectual.
b) a mediação para servir a lascívia de outrem.
c) a falsidade de atestado médico.
d) o atentado ao pudor mediante fraude.
11. (OAB/CESPE 2006.2) Se, durante os atos de execução do crime, mas sem esgotar todo o processo executivo do delito, o agente desiste, voluntariamente, de nele prosseguir, ocorre
a) arrependimento eficaz.
b) desistência voluntária.
c) arrependimento posterior.
d) tentativa perfeita.
12. (OAB/SP 136.º) Segundo o Código Penal (CP) brasileiro, quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, em vez de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, ele deve responder como se tivesse praticado o crime contra aquela. No caso de ser, também, atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do:
a) concurso material.
b) concurso formal.
c) crime continuado.
d) crime habitual.
13. (OAB/MG-Abril-2008) Constatou-se que, em um processo criminal havido em razão de um indivíduo trazer consigo drogas para consumo pessoal, juntou-se aos autos, antes da audiência de instrução e julgamento, o laudo toxicológico definitivo, que comprovou, de forma cabal, que o material apreendido quando da lavratura do termo circunstanciado, e que houvera sido objeto do laudo de constatação, na realidade não poderia ter sido considerado como “droga”, no sentido em que o termo é empregado na Lei 11.343/2006, pois não continha nenhuma das substâncias referidas na Portaria do órgão do Ministério da saúde que complementa os tipos penais contidos na Lei de drogas. Em virtude disso, pode-se afirmar que o caso descrito é de exclusão da:
a) Ação.
b) Tipicidade.
c) Ilicitude.
d) Culpabilidade.
14. (OAB/MG-Agosto-2008) O conceito analítico de crime é um conceito estritamente jurídico, próprio da dogmática jurídico-penal, e refere-se aos elementos constitutivos do crime. Tal conceito visa a observação, em ordem sucessiva, desses elementos. A análise assim realizada permitirá concluir se o fato observado constitui, ou não, um crime. Tal análise deve ser feita, do primeiro para o último elemento, na seguinte ordem sucessiva:
a) tipicidade; culpabilidade; ilicitude; ação.
b) tipicidade; ilicitude; culpabilidade; ação.
c) ação; ilicitude; tipicidade; culpabilidade.
d) ação; tipicidade; ilicitude; culpabilidade.
15. (OAB/MG-Agosto-2008) Com relação ao aspecto subjetivo do delito, tendo em vista o Direito Penal brasileiro, assinale a alternativa INCORRETA:
a) O Direito Penal não admite a compensação de culpas.
b) Crime preterdoloso é aquele cujo resultado produzido excede a vontade do agente, mas vincula-se, por culpa, à sua ação inicial dolosa.
c) O especial fim de agir amplia o aspecto subjetivo do tipo e somente aparece em tipos dolosos.
d) Com base na reforma da parte geral do Código Penal, havida em 1984, pode-se afirmar que o tipo penal corresponde à descrição das características objetivas da conduta proibida.
16. (OAB/SP 135.º) Assinale a opção correta quanto às formas de exteriorização da conduta típica.
a) O crime de sequestro exige uma conduta omissiva.
b) O crime de omissão de socorro é classificado como omissivo impróprio.
c) A apropriação de coisa achada é delito de conduta omissiva e comissiva ao mesmo tempo.
d) A apropriação indébita previdenciária é crime de conduta comissiva, apenas.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.