O concurso de crimes ocorre quando o agente pratica dois ou mais crimes, mediante uma ou mais ações ou omissões. Pressupõe, portanto, a existência de uma pluralidade de fatos/crimes. Não deve ser confundido com o conflito aparente de normas porque este pressupõe unidade de fato e aparente incidência de duas ou mais normas penais.
Para a aplicação da pena no concurso de crimes, existem os seguintes sistemas:
– sistema do cúmulo material (ou da acumulação material): segundo esse sistema, as penas cominadas a cada crime praticado deverão ser somadas. Esse sistema foi adotado para o concurso material (art. 69 do CP), para o concurso formal imperfeito (art. 70, 2.ª parte, do CP) e para o concurso das penas de multa (art. 72 do CP);
– sistema da absorção: segundo esse sistema, aplica-se somente a pena do crime mais grave, sem qualquer aumento, entendendo-se absorvidas as penas de todos os crimes menos graves. Esse sistema foi adotado somente em relação aos crimes falimentares cometidos pelo falido (cometendo vários delitos, ao falido será aplicada apenas uma única pena, sempre a do crime mais grave – princípio da unidade dos crimes falimentares);
– sistema da exasperação da pena (ou sistema do cúmulo jurídico): segundo esse sistema, aplica-se a pena do crime mais grave aumentada proporcionalmente até atingir uma quantidade sensivelmente inferior à do cúmulo material. Foi adotado para o concurso formal perfeito (art. 70, 1.ª parte, do CP) e para o crime continuado (art. 71 do CP).
É importante destacar que o art. 72 do CP determina que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.
O concurso de crimes pode assumir as seguintes formas (ou espécies): concurso material (ou real), concurso formal (ou ideal) e crime continuado.
De acordo com o art. 69 do CP, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.
O concurso material ocorre, portanto, quando o agente, mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes.
São requisitos do concurso material: a pluralidade de condutas e a pluralidade de crimes.
São espécies de concurso material:
– concurso material homogêneo: ocorre quando os crimes praticados são da mesma espécie (ou seja, produzem o mesmo resultado – exemplo: dois homicídios cometidos em situações diversas, de modo a não configurar crime continuado);
– concurso material heterogêneo: ocorre quando os crimes praticados não são da mesma espécie (ou seja, produzem resultados diversos – exemplo: roubo e estupro).
Reconhecendo a existência de concurso material no caso concreto, o juiz deverá fixar, separadamente, a pena de cada crime (porque a prescrição incide sobre cada um isoladamente – art. 119 do CP) para, em seguida, proceder à somatória de todas elas.
No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, o art. 69, 2.ª parte, do CP determina que será executada, primeiro, a pena de reclusão. É possível, ainda, cumular pena privativa de liberdade com restritiva de direitos desde que naquela tenha sido concedida a suspensão condicional de pena (sursis). Quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 do CP (art. 69, § 1.º, do CP). Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais (art. 69, § 2.º, do CP).
Conforme dispõe o art. 70 do CP, quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
O concurso formal ocorre, portanto, quando o agente, mediante uma só conduta, pratica dois ou mais crimes.
São requisitos do concurso formal: a unidade de conduta e a pluralidade de crimes.
O aludido dispositivo prevê as seguintes espécies de concurso formal:
– perfeito (ou ideal, ou próprio): ocorre quando o agente pratica dois ou mais crimes, idênticos (concurso formal perfeito homogêneo) ou não (concurso formal perfeito heterogêneo), mediante uma só conduta praticada com unidade de desígnio (ou unidade de vontade). Nos crimes culposos e na hipótese de aberratio ictus haverá sempre essa espécie de concurso. Exemplo: agente que subtrai dez relógios de uma loja;
– imperfeito (ou impróprio): ocorre quando o agente pratica dois ou mais crimes mediante uma só conduta praticada com pluralidade de desígnios (ou pluralidade de vontades). Essa espécie de concurso só é possível quando o agente deseja (dolo direto) os outros resultados ou aceita o risco de produzi-los (dolo eventual). Exemplo: agente que dispara contra duas vítimas, querendo matá-las.
Na hipótese de concurso formal perfeito homogêneo, será aplicada a pena de qualquer um dos crimes acrescida de 1/6 até 1/2; se houver concurso formal perfeito heterogêneo, será aplicada a pena do crime mais grave acrescida de 1/6 até 1/2; se houver concurso formal imperfeito, as penas deverão ser somadas (art. 70, 2.ª parte, do CP). O aumento da pena dentro dos limites é determinado pelo juiz de acordo com o número de infrações praticadas (quanto maior for o número de infrações, maior será o aumento).
O art. 70, parágrafo único, do CP determina que, na hipótese em que a aplicação da regra do concurso formal resultar em pena superior à que resultaria da aplicação da regra do concurso material, deve ser aplicada a regra deste último. Essa regra é denominada concurso material benéfico. Em qualquer situação, a sentença que fixa a pena decorrente de concurso deverá especificar qual a forma empregada (se material, formal etc.).
DICA IMPORTANTE:
CONCURSO MATERIAL DE CRIMES |
CONCURSO FORMAL DE CRIMES |
+ de uma conduta |
uma conduta |
+ de um resultado |
dois ou mais resultados |
as penas são somadas |
aplica-se a pena mais grave aumentada de 1/6 até 1/2 |
De acordo com o art. 71 do CP, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O parágrafo único do aludido dispositivo determina que nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do concurso material benéfico.
O crime continuado (ou continuidade delitiva) exige o preenchimento dos seguintes requisitos: pluralidade de condutas, pluralidade de crimes da mesma espécie, semelhança nas condições de tempo, espaço, modo de execução e ocasião.
Segundo a jurisprudência, haverá semelhança nas condições:
a) de tempo, quando os crimes praticados guardarem uma distância máxima de 30 dias um do outro;
b) de espaço, quando os crimes tiverem sido praticados na mesma comarca ou em comarcas vizinhas;
c) de modo, quando os crimes tiverem sido praticados por meio do mesmo modus operandi;
d) de ocasião, quando o agente tiver praticado um ou mais crimes aproveitando-se da mesma situação propiciada pela prática de um crime anterior.
No crime continuado, mesmo havendo pluralidade de crimes, o Código Penal determina que, para fins de aplicação da pena, somente seja considerada a existência de um só crime. Adotou-se, portanto, a teoria da ficção jurídica (ou da unidade fictícia limitada, ou ficção legal). Para outros efeitos penais como, por exemplo, a prescrição, cada um dos crimes que compõem a continuidade recebe tratamento autônomo, cada um tendo o seu prazo prescricional (art. 119 do CP).
Existem duas espécies de crime continuado:
– crime continuado comum: está previsto no caput do art. 71 do CP e ocorre quando os crimes que compõem a continuidade delitiva são praticados sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa;
– crime continuado específico: está previsto no parágrafo único do art. 71 do CP e ocorre quando os crimes dolosos que compõem a continuidade delitiva são praticados com o emprego de violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes.
A aplicação da pena será feita da seguinte forma: no crime continuado comum será aplicada a pena do crime mais grave aumentada de 1/6 até 2/3; no crime continuado específico, será aplicada a pena do crime mais grave aumentada até o triplo. O aumento da pena será determinado de acordo com o número de crimes (quanto mais crimes, maior será o aumento). Se da aplicação dessas regras resultar pena superior à que resultaria da aplicação do concurso material, o parágrafo único do art. 71 do CP determina a aplicação da regra do concurso material benéfico.
Prevalece na jurisprudência o entendimento de que crimes da mesma espécie, para fins de continuidade delitiva, são aqueles previstos no mesmo tipo legal. Assim, não são da mesma espécie: roubo e furto; roubo e latrocínio etc. A continuidade pode ocorrer também entre crimes consumados e tentados e, ainda, entre crimes simples e qualificados.
A maioria da doutrina destaca que, em virtude da reforma do Código Penal em 1984, a Súmula 605 do STF, que proibia a continuidade delitiva nos crimes contra a vida, não deve mais ser aplicada, estando prejudicada. Assim, a continuidade delitiva nos crimes contra a vida é perfeitamente possível.
Na hipótese em que o juiz da condenação não tiver reconhecido a existência de crime continuado (exemplo: processos que tramitam em comarcas distintas, que não foram reunidos – art. 82 do CPP), o juiz das execuções poderá fazê-lo por meio do incidente de unificação de penas (art. 66 da LEP).
O art. 75 do CP, em consonância com o art. 5.º, XLVII, b, da CF, que proíbe a aplicação de penas de caráter perpétuo, determina que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos. Esse limite refere-se ao tempo máximo que uma pessoa pode cumprir uma pena privativa de liberdade. Assim, na sentença condenatória o juiz não estará impedido de impor pena acima deste limite (o juiz poderá fixar, por exemplo, pena de 500 anos; entretanto o réu só poderá cumprir preso 30 anos).
De acordo com o art. 10 do Decreto-lei 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais, a duração da pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a cinco anos.
A única hipótese em que o limite se refere à imposição de pena na sentença condenatória está prevista no art. 9.º da Lei 8.072/1990 – Lei dos Crimes Hediondos. Nessa situação, portanto, o juiz não poderá impor, por meio de sentença condenatória, pena superior a 30 anos, ainda que incida a causa de aumento de metade quando a vítima estiver em alguma das hipóteses do art. 224 do CP (exemplo: a pena máxima do latrocínio é de 30 anos de reclusão; com o aumento de metade, a pena passaria para 45 anos – mesmo assim o juiz só pode impor 30 anos de reclusão).
Na hipótese de condenação superior a 30 anos, a pena imposta deverá ser unificada pelo juízo das execuções para atender ao limite máximo previsto (exemplo: imposta uma pena de 100 anos, o juiz das execuções determinará a sua unificação para que o réu cumpra somente 30 anos – é importante observar que, para a concessão de benefícios ao condenado, o cálculo se baseará na condenação de 100 anos). Nesse sentido a Súmula 715 do STF estabelece que: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do CP, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.
O art. 75, § 2.º, do CP dispõe que na hipótese de superveniência de sentença condenatória por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. Se o condenado cumpriu 15 anos, de uma pena já unificada em 30 anos, e sofre posterior condenação de 30 anos por outro crime, o tempo de pena cumprido anteriormente (15 anos) será desprezado, devendo o condenado cumprir o novo prazo unificado de 30 anos (15 anos que faltavam mais 30 da nova condenação – unifica-se para novos 30 anos).
1. (Nossa) O agente que, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, age em:
a) Concurso formal
b) Concurso material
c) Concurso formal homogêneo
d) Crime continuado
2. (Nossa) O crime continuado comum ocorre quando:
a) Os crimes que compõem a continuidade delitiva são praticados sem o emprego de violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes.
b) Os crimes que compõem a continuidade delitiva são praticados com o emprego de violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes.
c) Duas ou mais condutas produzem dois ou mais resultados.
d) Uma conduta possui dois ou mais resultados.
3. (Nossa) Assinale a alternativa incorreta acerca do concurso de crimes:
a) O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos.
b) O concurso material homogêneo ocorre quando os crimes praticados são da mesma espécie, produzindo o mesmo resultado.
c) No crime continuado, deve-se aplicar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
d) No concurso formal, deve-se aplicar a pena mais grave ou, se iguais, apenas uma delas, sem que haja aumento de pena.
4. (OAB/MS 77.º) Carlos Alberto, dirigindo seu veículo em alta velocidade, acaba por capotar, causando a morte de dois de seus acompanhantes e lesões corporais em outro. No que se refere ao concurso de crimes, pode-se dizer que:
a) houve concurso material.
b) houve crime continuado.
c) houve concurso formal.
d) houve concurso de pessoas.
5. (OAB 2010.2 – FVG) Com relação ao concurso de delitos, é correto afirmar que:
a) no concurso de crimes as penas de multa são aplicadas distintamente, mas de forma reduzida.
b) o concurso material ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes com dependência fática e jurídica entre estes.
c) o concurso formal perfeito, também conhecido como próprio, ocorre quando o agente, por meio de uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes idênticos, caso em que as penas serão somadas.
d) o Código Penal Brasileiro adotou o sistema de aplicação de pena do cúmulo material para os concursos material e formal imperfeito, e da exasperação para o concurso formal perfeito e crime continuado.
6. (CESPE/DELEGADO RN/ 2008) Em relação ao concurso de crimes e à extinção de punibilidade, julgue os itens subsequentes.
I – Ocorre o concurso material quando o agente, mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, situação em que as penas são cumuladas.
II – A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinada pelo CP, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
III – Havendo um concurso formal de crimes, quanto à pena de multa, aplica-se o sistema de cumulação material, ou seja, são elas impostas distinta e integralmente, sem que se fale no sistema da exasperação, que é voltado apenas para as penas privativas de liberdade.
IV – Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.
V – No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.
VI – No concurso de infrações, executar-se-á primeiramente a pena mais grave. Porém, no que se refere à prescrição, as penas mais leves prescrevem com as mais graves.
A quantidade de itens certos é igual a:
a) 2.
b) 3.
c) 4.
d) 5.
e) 6.
GABARITO: As respostas destes testes encontram-se no final do livro.