XLIII

PIPER

PIPER PRECISAVA DE UM MILAGRE, não de uma história para dormir. Mas naquele momento, parada ali, em choque, enquanto a água negra jorrava em torno de suas pernas, ela pensou na lenda que Aqueloo mencionara: a história da enchente.

Não o conto de Noé, mas a versão cherokee que o pai costumava lhe contar, com os fantasmas que dançavam e o cão-esqueleto.

Quando era pequena, ela se aninhava ao lado do pai na grande poltrona reclinável dele. Olhava pelas janelas o litoral de Malibu enquanto o pai lhe contava as histórias que ouvira do avô Tom na reserva em Oklahoma.

— Um homem tinha um cachorro — começava ele sempre.

— Você não pode começar uma história assim! — protestou Piper. — Precisa dizer Era uma vez.

O pai riu.

— Mas esta é uma história cherokee. E eles vão sempre direto ao assunto. Bem, seja como for, um homem tinha um cachorro. Todos os dias esse homem levava o cachorro até um lago para buscar água, e o cão latia furiosamente para o lago, como se estivesse com raiva dele.

— E estava?

— Tenha paciência, querida. Por fim, o homem ficou muito aborrecido com o cão por latir tanto e ralhou com ele: “Cachorro mau! Pare de latir para a água. É apenas água!” Para a surpresa dele, o cachorro o encarou e começou a falar.

— Nossa cadela sabe dizer Obrigada — disse Piper. — E sabe latir Pão.

— Mais ou menos isso — concordou o pai. — Mas aquele cachorro conseguia formar frases inteiras. E disse: “Em breve, a tempestade virá. O nível das águas se elevará e todos se afogarão. Você pode salvar sua família construindo uma jangada, mas primeiro terá que me sacrificar. Você precisa me jogar na água.”

— Que horrível! — falou Piper. — Eu nunca afogaria meu cachorro!

— O homem provavelmente disse a mesma coisa. Ele achava que o cão estivesse mentindo... quer dizer, assim que se recuperou do choque de ouvir seu cachorro falando. Quando protestou, o cão disse: “Se não acredita em mim, olhe minha nuca. Já estou morto”.

— Que coisa triste! Por que está me contando isso?

— Porque você me pediu — lembrou-lhe o pai. E, de fato, algo naquela história fascinava Piper. Ela já a ouvira dezenas de vezes, mas continuava a pensar nela. — Bem, o homem agarrou o cachorro pela nuca e viu que a pele e o pelo já estavam se soltando. Debaixo deles, só havia ossos. O cachorro era um cão-esqueleto.

— Que nojento.

— Concordo. Assim, com lágrimas nos olhos, o homem se despediu de seu irritante cão-esqueleto e o atirou na água, e o animal afundou na mesma hora. O homem construiu uma jangada e, quando veio a enchente, ele e a família sobreviveram.

— Sem o cachorro.

— Sim. Sem o cachorro. Quando a tempestade passou e a jangada atracou, o homem e sua família eram os únicos sobreviventes. Ele podia ouvir sons vindos do outro lado de uma colina, como se milhares de pessoas rissem e dançassem, mas, quando chegou ao topo, não viu nada além de ossos cobrindo o solo... os esqueletos de todas as milhões de pessoas que haviam morrido afogadas. Ele se deu conta de que os fantasmas dos mortos dançavam. Aquele fora o som que ouvira.

Piper esperou.

— E...?

— E mais nada. Fim.

— Você não pode terminar a história assim! Por que os fantasmas dançavam?

— Não sei — respondeu o pai. — Seu avô nunca sentiu a necessidade de explicar. Talvez estivessem felizes por uma família ter sobrevivido. Talvez estivessem desfrutando a vida após a morte. São fantasmas. Quem pode saber?

Piper não ficou satisfeita com aquele fim. Havia tantas perguntas sem resposta. Será que a família encontrara outro cachorro? Obviamente, nem todos os cães haviam se afogado, pois a própria Piper tinha um.

Ela não conseguia esquecer aquela história. Nunca mais olhou para os cães da mesma maneira, perguntando-se se um deles poderia ser um cão-esqueleto. E não compreendia por que a família precisara sacrificar o cão para sobreviver. Morrer para salvar a família parecia algo muito nobre — uma coisa muito própria dos cães.

Agora, no ninfeu em Roma, com a água na altura da cintura, Piper se perguntava por que o deus do Rio Aqueloo havia mencionado aquela história.

Ela desejou ter uma jangada, mas na verdade acreditava que parecia mais o cão-esqueleto. Já estava morta.