LI

ANNABETH

ANNABETH VIRA ALGUMAS COISAS ESTRANHAS antes, mas nunca uma chuva de carros.

Quando o teto da caverna desabou, a luz do sol a cegou. Ela teve um brevíssimo vislumbre do Argo II pairando lá em cima. A tripulação devia ter usado a balista para abrir um buraco no chão.

Pedaços de asfalto do tamanho de portas de garagem despencaram junto com seis ou sete carros italianos. Um deles teria esmagado a Atena Partenos, mas a aura reluzente da estátua agia como um campo de força, e o automóvel ricocheteou. Infelizmente, continuou a cair na direção de Annabeth.

Ela saltou para o lado, torcendo o pé machucado. Uma onda de dor quase a fez desmaiar, mas Annabeth virou-se a tempo de ver um Fiat 500 vermelho atingir a armadilha de seda de Aracne, atravessar o piso da caverna e desaparecer com as algemas chinesas para aranhas.

Ao cair, os gritos de Aracne pareciam os freios de um trem de carga prestes a colidir, mas seus lamentos rapidamente desapareceram. Ao redor de Annabeth, mais escombros batiam com violência no piso, crivando-o de buracos.

A Atena Partenos permaneceu intacta, embora o mármore debaixo de seu pedestal estivesse todo recortado por fissuras. Annabeth estava coberta de teias de aranha. Fios de seda pendiam de seus braços e pernas como os cordões de uma marionete, mas, de alguma forma, por mais incrível que parecesse, nenhum dos destroços a atingira. Ela queria acreditar que a estátua a havia protegido, embora suspeitasse que não devia ter sido nada além de sorte.

O exército de aranhas havia desaparecido; ou fugiram correndo de volta à escuridão, ou caíram no abismo. Quando a luz do sol encheu a caverna, as tapeçarias de Aracne ao longo das paredes desintegraram-se, o que Annabeth mal suportava ver — principalmente o tapete retratando-a com Percy. Mas nada daquilo teve importância quando ela ouviu a voz de Percy vinda do alto.

— Annabeth!

— Aqui!

Ela soluçou, e todo o terror pareceu deixá-la em um único grito. Enquanto o Argo II descia, ela viu Percy debruçado na amurada. O sorriso dele era melhor do que qualquer trabalho de tapeçaria que ela já tivesse visto.

A câmara continuava a sacudir, mas Annabeth conseguiu se levantar. O chão aos seus pés parecia estável no momento. Sua mochila havia sumido junto com o laptop de Dédalo e a faca de bronze, que estava com ela desde os sete anos — provavelmente tinham caído no poço. Mas Annabeth não se importava. Estava viva.

Aproximou-se com cuidado do imenso buraco aberto pelo Fiat 500. Ela vislumbrou paredes de pedras irregulares mergulhando na escuridão. Umas pequenas saliências projetavam-se aqui e ali, mas Annabeth não viu nada preso nelas — apenas fios de seda de aranha escorrendo pelas laterais como festões de Natal.

Annabeth perguntou-se se Aracne falara a verdade sobre o abismo. A aranha tinha despencado no Tártaro? Ela tentou ficar satisfeita com a ideia, mas aquilo a entristecia. Aracne tinha feito algumas coisas bonitas. Já havia sofrido por éons e agora suas últimas peças de tapeçaria tinham se transformado em pó. Depois de tudo isso, cair no Tártaro parecia um fim muito cruel.

Annabeth estava vagamente ciente do Argo II pairando a pouco mais de dez metros do chão. Uma escada de corda baixou, mas Annabeth continuava em transe, fitando a escuridão. Então, de repente, Percy estava ao seu lado, segurando sua mão.

Ele virou-a delicadamente, afastando-a do abismo, e a abraçou. Annabeth enterrou o rosto em seu peito e as lágrimas irromperam.

— Está tudo bem — falou ele. — Estamos juntos.

Percy não disse você está bem ou nós estamos vivos. Depois de tudo por que passaram ao longo do ano anterior, ele sabia que a coisa mais importante era estarem juntos. Ela o amou ainda mais por dizer aquilo.

Seus amigos reuniram-se em torno deles. Nico di Angelo estava lá, mas a mente de Annabeth estava tão confusa que aquilo não a surpreendeu. Apenas parecia certo que Nico estivesse com eles.

— Sua perna. — Piper ajoelhou-se ao lado dela e examinou a tala de plástico bolha. — Ah, Annabeth, o que aconteceu?

Ela começou a explicar. Falar era difícil, mas, quanto mais contava, mais facilmente as palavras saíam. Percy não soltou a mão dela, o que também lhe deu mais força. Quando terminou, a expressão no rosto de seus amigos era a de espanto.

— Deuses do Olimpo! — exclamou Jason. — Você fez tudo isso sozinha. Com um tornozelo quebrado.

— Bem... fiz parte disso com um tornozelo quebrado.

Percy sorriu.

— Você fez Aracne tecer a própria armadilha? Eu sabia que você era boa, mas por Hera... Annabeth, você conseguiu. Gerações de filhos de Atena tentaram e falharam. Você encontrou a Atena Partenos!

Todos olharam para a estátua.

— O que a gente vai fazer com ela? — perguntou Frank. — É imensa.

— Vamos ter que levá-la com a gente para a Grécia — falou Annabeth. — A estátua é poderosa. Algo nela vai nos ajudar a deter os gigantes.

— “A ruína dos gigantes se apresenta dourada e pálida” — citou Hazel. — “Conquistada por meio da dor de uma prisão tecida.” — Ela olhou para Annabeth com admiração. — Era a prisão de Aracne. Você a enganou e a fez tecê-la.

Por meio de muita dor, pensou Annabeth.

Leo ergueu as mãos. Fez uma moldura com os dedos, enquadrando a Atena Partenos, como se tirasse medidas.

— Bem, talvez seja preciso fazer algum ajuste, mas acho que podemos passá-la pelo alçapão do compartimento de carga e encaixá-la nos estábulos. Se uma parte ficar de fora, talvez eu tenha que envolver os pés dela em uma bandeira ou algo assim.

Annabeth estremeceu. Imaginou a Atena Partenos projetando-se da trirreme com uma placa no pedestal onde se lia: CARGA LONGA.

Então pensou nos outros versos da profecia: Gêmeos ceifaram do anjo a vida, que detém a chave para a morte infinita.

E quanto a vocês, pessoal? — perguntou ela. — O que aconteceu com os gigantes?

Percy contou sobre o resgate de Nico, a aparição de Baco e a luta contra os gêmeos no Coliseu. Nico mesmo não falou muito. O pobre garoto parecia ter perambulado pelo deserto durante seis semanas. Percy explicou o que Nico descobrira sobre as Portas da Morte e como tinham que ser fechadas de ambos os lados. Mesmo com a luz do sol entrando pelo buraco no teto, as notícias de Percy faziam a caverna parecer escura de novo.

— Então o lado mortal é em Épiro — falou ela. — Pelo menos esse é um lugar a que temos acesso.

Nico fez uma careta.

— Mas o outro lado é o problema. Tártaro.

A palavra pareceu ecoar pela câmara. O poço atrás deles soltou uma rajada de ar frio. Foi quando Annabeth soube com certeza. O abismo levava mesmo ao Mundo Inferior.

Percy também deve ter sentido. Ele a afastou um pouco mais da borda. As teias de aranha presas em seus braços e pernas se arrastavam como uma cauda de noiva. Annabeth desejou ter sua faca para se livrar daquilo. Quase pediu a Percy que fizesse as honras com Contracorrente, mas, antes que tivesse oportunidade de falar, ele disse:

— Baco mencionou algo sobre a minha viagem ser mais árdua do que eu esperava. Não entendi por quê...

Um gemido tomou a câmara. A Atena Partenos inclinou-se para um lado, sua cabeça prendeu-se em uma das teias de Aracne, mas o mármore da base sob o pedestal estava se desintegrando.

A náusea atingiu Annabeth com toda a força. Se a estátua caísse no abismo, todo o seu trabalho teria sido em vão. A missão teria falhado.

— Segurem a estátua! — gritou Annabeth.

Seus amigos compreenderam imediatamente.

— Zhang! — exclamou Leo. — Me leve para o leme, rápido! O treinador está lá em cima sozinho.

Frank transformou-se em uma águia gigante, e os dois alçaram voo na direção do navio. Jason envolveu Piper com os braços e voltou-se para Percy:

— Volto para buscar vocês em um segundo.

Ele invocou o vento e disparou para cima.

— O piso não vai aguentar! — advertiu Hazel. — Seria melhor se a gente fosse para a escada.

Nuvens de poeira e teias de aranha eram soprados em jatos dos buracos no chão. As teias que sustentavam o lugar tremeram como gigantescas cordas de violão e começaram a se romper. Hazel disparou para a base da escada de corda e gesticulou para que Nico a seguisse, mas ele não estava em condições de correr.

Percy apertou mais a mão de Annabeth.

— Vai ficar tudo bem — murmurou ele.

Ao olhar para cima, ela viu cabos com ganchos nas pontas sendo disparadas do Argo II e se enroscando na estátua. Um deles envolveu o pescoço de Atena como um laço. Leo gritava ordens do leme enquanto Jason e Frank voavam freneticamente de cabo em cabo, tentando firmá-los.

Nico tinha acabado de chegar à escada quando uma dor aguda atravessou a perna machucada de Annabeth. Ela arquejou e tropeçou.

— O que foi? — perguntou Percy.

Ela tentou cambalear na direção da escada, mas então por que estava indo para trás? Suas pernas foram puxadas e ela caiu de cara no chão.

— O tornozelo dela! — gritou Hazel da escada. — Corta! Corta!

A mente de Annabeth estava confusa por causa da dor. Cortar seu tornozelo?

Aparentemente, Percy também não tinha compreendido o que Hazel queria dizer. Então alguma coisa puxou Annabeth bruscamente para trás e a arrastou na direção do poço. Percy saltou e agarrou o braço dela, mas foi arrastado também.

— Ajudem os dois! — gritou Hazel.

Annabeth vislumbrou Nico mancando na direção deles e Hazel tentando desvencilhar sua espada da escada de corda. Os outros ainda estavam concentrados na estátua, e o grito de Hazel se perdeu no meio de tantos gritos e estrondos da caverna.

Annabeth soluçou quando chegou à beira do poço. Suas pernas passaram da borda. Ela percebeu tarde demais o que acontecia: estava emaranhada na seda da aranha. Devia ter cortado aquilo imediatamente. Pensara que eram apenas fios soltos, mas, com o piso inteiro coberto de teias, ela não havia notado que um deles estava enrolado em seu pé — e que a outra ponta dele seguia direto para o poço. Estava preso a alguma coisa pesada lá embaixo na escuridão, algo que a estava puxando.

— Não — murmurou Percy, a luz surgindo em seus olhos. — Minha espada...

Mas ele não conseguiria pegar Contracorrente sem soltar o braço dela, e Annabeth estava sem forças. Ela escorregou pela borda e Percy caiu com ela.

O corpo de Annabeth bateu em alguma coisa. Ela provavelmente desmaiara por um breve momento por causa da dor e, quando recobrou a consciência, percebeu que já estava dentro do poço, pendurada no vazio. Percy conseguira agarrar uma saliência a cerca de cinco metros do topo e segurava-se ali com uma das mãos, enquanto a outra envolvia o pulso de Annabeth. No entanto, a força que a puxava para baixo era forte demais.

Não tem saída, disse uma voz na escuridão abaixo. Eu vou para o Tártaro, mas vocês também virão.

Annabeth não tinha certeza de se de fato ouvira a voz de Aracne ou se aquilo surgira apenas em sua mente.

O poço tremeu. Era só Percy que a impedia de cair, e ele mal conseguia se segurar em uma saliência do tamanho de uma prateleira.

Nico se debruçou na borda do abismo, estendendo a mão, mas estava longe demais para poder ajudar. Hazel gritava, chamando os outros, mas, mesmo que a ouvissem acima de todo aquele caos, não conseguiriam chegar a tempo.

Annabeth tinha a sensação de que sua perna estava sendo arrancada. A dor tingia tudo de vermelho. A força do Mundo Inferior a puxava como uma gravidade terrível. Ela não tinha forças para lutar e sabia que já estava muito longe para ser salva.

— Percy, me solte. — Ela soltou um gemido. — Você não pode me levantar.

O rosto dele estava branco com o esforço. Annabeth podia ver em seus olhos que ele sabia ser impossível.

— Nunca — disse ele. Ergueu os olhos para Nico, cinco metros acima deles. — No outro lado, Nico! Encontramos vocês lá. Entendeu?

Os olhos de Nico se arregalaram.

— Mas...

— Leve-os para lá! — gritou Percy. — Prometa!

— Eu... eu prometo.

Abaixo deles, a voz riu na escuridão. Sacrifícios. Belos sacrifícios para despertar a deusa.

Percy apertou ainda mais o pulso de Annabeth. Seu rosto estava macilento, arranhado e ensanguentado, o cabelo cheio de teias, mas, quando seus olhos encontraram os dela, ela pensou que ele nunca fora tão bonito.

— Vamos ficar juntos — prometeu ele. — Você não vai escapar de mim. Nunca mais.

Só então ela compreendeu o que iria acontecer. Uma viagem só de ida. Uma queda muito alta!

Desde que a gente fique junto — disse Annabeth.

Ouviu Nico e Hazel ainda gritando, pedindo socorro. Viu a luz do sol muito, muito longe, lá em cima — talvez fosse a última vez que a veria.

Então Percy se soltou, e juntos, de mãos dadas, ele e Annabeth caíram para a escuridão sem fim.