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Onde começo a procurar uma pessoa chamada Héctor numa cidade de seis milhões de habitantes, da qual mal reconheço a arquitetura e os caminhos? Durante toda minha vida, fiz investigações com o respaldo da CIA. Minhas pesquisas começavam com um dossiê que chegava a meu escritório com perguntas, pistas, dados e sugestões. Era um esquema incompleto, que eu devia completar com fotos, comentários, descrições físicas ou psicológicas de determinada pessoa ou assuntos, fazendo um resumo compacto de opiniões a respeito de alguns tópicos. Nunca comecei uma coisa a partir do nada e por conta própria num território hostil, como estou fazendo agora.

Levantei-me cedo e continuei a traduzir o caderno, mas já não sabia mais o que pensar. Apesar da falta de perícia do narrador, trata-se de um relato vivo que me remete a uma atmosfera verossímil. Não sou especialista na arte das ficções literárias, mas passei décadas escrevendo relatórios, porque no final é a isso que se reduz o trabalho de um espião: redigir relatórios minuciosos, abarrotados de dados confiáveis, despojados de suposições. Trata-se de pôr na mesa um osso bem roído de especulações. Por isso, o que talvez me anime a continuar traduzindo esse texto é imaginar que os olhos de Victoria percorreram antes dos meus essas mesmas frases escritas a lápis, que agora se apresentam como uma trilha enveredando como uma faca ou um facho de luz por uma selva densa que, no final, permitirá nosso reencontro.

Um pouco mais tarde, peguei um táxi para ir ao bairro Macul, até a velha mansão da Escola de Antropologia e Arqueologia da Universidade do Chile, onde Victoria estudou entre 1972 e 1973. Ao descer, vi que a mansão já não é mais a sede da escola e que o bairro mudou radicalmente de aparência. Um muro coroado por arame farpado rodeia hoje aquela construção de dois andares, as ameias, a sacada de concreto e o telhado, que atualmente pertencem a uma empresa eletrônica.

Fui andando até um café localizado em frente ao antigo Instituto Pedagógico e me acomodei numa mesa do terraço, sob um toldo da Coca-Cola. Estamos no período de férias e o campus está vazio. Na década de 1970, aqui era o centro da agitação comunista, socialista e mirista. Uma bruma de piche sobe da rua asfaltada em direção ao céu claro, fazendo ondular aos meus olhos os muros grafitados da universidade. Um casal atravessa a rua de mãos dadas, seguido por um cão de rua. Nada, exceto as árvores, hoje maiores e mais frondosas, restou da época de minha filha.

Quantas vezes eu vim deixá-la aqui para as aulas? Três ou quatro vezes, em dois anos? Acho que foram três. Não mais que isso. Meus compromissos de trabalho me impediam. A Guerra Fria entre Oriente e Ocidente não me dava trégua. Será verdade? Talvez não fosse apenas isso.

Esta área da capital me dava urticária. Eu a evitava e a temia. Será que foi aqui que Victoria se tornou liberal ou foi antes, no ambiente conservador e supostamente protegido do Nido de Águilas? Por isso teria preferido essa escola universitária esquerdista do Terceiro Mundo em vez dos nossos colleges, construídos entre prados e parques bem conservados? Em casa, Victoria não falava de política. Eu estava convencido de que seus colegas universitários vinham de colégios particulares e de bairros sólidos como o nosso, e que se opunham ao regime do Doutor. Agora sou assaltado pela dúvida. Talvez seus amigos não fossem de colégios particulares, como Keka sugeriu, mas incorrigíveis idealistas de escolas públicas, como nossos hippies dos anos 1960, jovens simpatizantes de uma revolução que, como toda revolução, não podia terminar bem.

Pedi um café, perguntando-me se não seria mais prático contratar um detetive particular para me ajudar a reconstruir a história de Victoria e localizar Héctor. Não seria melhor voltar o quanto antes à paz e à vastidão de Minnesota, à delicada gentileza e discrição das pessoas do Meio-Oeste, à sua tolerância e aos olhares afáveis entre a planície e o céu infinito? O rosto extenuado de minha Victoria nos últimos dias surgiu-me na mente como um reflexo num lago crepuscular, enquanto de minha mesa, junto à xícara de café, eu contemplava os carros e ônibus que passavam.

– Trabalha aqui há muito tempo? – perguntei ao garçom, um gordo todo suado.

– Sete anos. De segunda a domingo, das oito da manhã às seis da tarde – respondeu enquanto passava um pano malcheiroso em minha mesa.

“Sete anos não é nada”, pensei. Avaliei que o cara devia ter uns quarenta. Se continuar trabalhando nesse ar contaminado da capital, mal vai chegar aos sessenta, calculei.

– Onde foi parar a Escola de Arqueologia que ficava a uma quadra daqui? – perguntei.

– Não sei para onde foi, cavalheiro. Como iria saber?

– É impressionante como o bairro mudou nesses anos – comentei, para mudar de assunto.

– E o que não muda nesta vida? – retrucou ele, agora da outra mesa, limpando com afinco, esquivo como uma lagartixa.

Só neste país as pessoas respondem a uma pergunta com outra. Estes chilenos são um paredão de squash, que sempre devolve a bola. No meu país, quando lhe apresentam alguém, você o recebe de braços abertos e faz dele um amigo até que prove o contrário. Aqui todos são seus inimigos, pelo menos até que demonstrem não sê-lo. O garçom se afastou, fugindo da conversa. Terminei minha bebida e deixei uma nota, com a gorjeta incluída. Saí lentamente do local, dando tempo ao garçom para que reagisse.

– Senhor! – gritou, de longe.

Virei-me. Ele já estava junto à minha mesa com a nota na mão. Parecia agradecido. Fez um sinal para que o esperasse.

– Está procurando alguém em especial? – perguntou, guardando o dinheiro no bolso da calça.

– E quem eu poderia procurar num país que eu não conheço? – respondi, antes de voltar para a calçada resplandecente.