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Quanto voltamos a Santiago, jantamos no Chez Henry. Ostras e codornas com um sauvignon blanc, que em seguida substituímos por um cabernet para celebrar a pista que nos dera o professor Berenguer. Perto da meia-noite, deixamos o ambiente de pouca luz dos abajures de tecido do Chez Henry e fomos até a casa de Cassandra, no bairro de Bellavista.
Assim que entramos na escuridão refrescante da casa, não sei como foi, mas nos abraçamos e começamos a nos beijar com desespero. Fomos para o quarto, onde ela acendeu uma vela diante do espelho da cômoda. Eu comecei a tirar-lhe a roupa com delicadeza. Na penumbra, emergiram suas coxas finas, o triângulo escuro de seus pelos, seus seios pequenos e empinados, e a esplêndida curvatura de seus ombros.
Fizemos amor com o sossego e a ternura de um casal antigo, isto é, sem erupções fogosas nem gemidos estremecedores, como se envolvidos naquela espécie de languidez com que as serpentes deslizam sobre um leito de folhas úmidas. Dentro dela me senti confortável e seguro. Não me deitava com uma mulher desde que ficara viúvo, e havia vinte anos que não fazia amor com uma chilena. Depois ficamos nus na cama, no meio dos lençóis desarrumados, contemplando em silêncio a dança da chama diante do espelho, agradecidos por tudo ter transcorrido sem contratempos nem palavras comprometedoras. Levantamo-nos depois de algum tempo e tomamos um Sandeman, de roupão, na sala.
– Agora você tem que reservar passagem para Leipzig – lembrou-me Cassandra. Sem maquiagem, sua palidez de boneca japonesa dava-lhe uma aparência magnífica.
Pedi que jogasse de novo as cartas de Victoria.
– Tem certeza? – perguntou.
– Gostaria de saber se funciona com uma pessoa ausente...
– As cartas dizem a verdade sobre qualquer pessoa, presente ou ausente – afirmou, com autoridade. – E não importa se está longe ou perto.
– Então vamos jogar.
Saiu e voltou para a sala com o baralho de Waite. Pediu que a ajudasse a embaralhar e dispôs as cartas entre nós, na disposição piramidal, em cima do sofá. Consultou a primeira carta do canto inferior esquerdo. O nível que fala do passado.
– A Força – anunciou. – O leão é a força interior perigosa, brutal, que trazemos dentro de nós. A mulher que está ao lado do leão pretende controlá-lo com sua paciência. Precisamos aprender a controlar a própria violência fazendo uso da delicadeza para domesticá-la e orientá-la.
– Como na carta do Carro – disse eu.
– Exato. Sugere que o amor sempre triunfa sobre o ódio.
Examinou a segunda carta.
– É a Morte, em posição invertida – anunciou. Nesta carta, a morte cavalga pelo campo sobre um corcel branco. – É o medo do desconhecido. No Tarô, a morte não é o final de nada, mas simplesmente a transição para outro estado. A morte é igual para todos. Temos medo dela porque não a conhecemos nem sabemos quando irá nos atingir. Não devemos nos opor a ela, mas segui-la, orientar nossas energias na direção que ela mesma imprime. É preciso dobrar-se aos seus desígnios e aceitar sua necessidade.
– E a carta seguinte? – perguntei, sem ocultar meu nervosismo.
– É o Carro.
– Como a que saiu pra mim?
– A mesma.
Cassandra me olhou como se estivesse longe, numa extremidade inalcançável do espaço. Enquanto eu tentava me lembrar do significado de O Carro, pedi que continuasse. Mostrou então a carta esquerda do nível intermediário, aquela que fala do presente.
– A Temperança, em posição invertida – exclamou. – Aqui há muitas indicações desafortunadas. Vejo discussões, brigas, acusações, falta de harmonia espiritual. Vejo também desordens e possibilidade de um desastre.
– É uma carta ruim?
Balançou a cabeça e escondeu por uns instantes o rosto atrás de sua cabeleira.
– É uma carta complicada – especificou. – Depois explico melhor. Vamos à seguinte?
Era O Imperador. Também apareceu invertida. Sem levantar o olhar, Cassandra me disse que a carta falava de imaturidade, dependência emocional ou escravidão diante de uma figura paterna ou autoritária. Referia-se, em suma, ao perigo de que a pessoa se visse enganada por alguma coisa.
– Mesmo que seja adulta, toda pessoa continua sendo uma criança desprotegida – acrescentou.
– Isso vale para a minha filha?
– Estamos vendo o que ela enfrentou nessa etapa – esclareceu. – Mas O Imperador fala também da necessidade da razão e da autoridade, do perigo que se corre quando reinam apenas as emoções. Entendeu?
– Entendi.
– Continuamos?
– O que vem agora?
– A cúspide da pirâmide. Ela fala do futuro.
Vislumbrei um brilho de insegurança nos olhos de Cassandra. Sentia-se incomodada com a mensagem daquelas cartas.
– Vamos continuar – disse eu.
– A Torre.
– É uma carta boa? – Vi minha filha na cama do hospital, mas também a vi como estudante nesta cidade, como uma moça solitária por culpa do trabalho conspirativo que me consumia, aquele trabalho que de repente deixou de ser de coleta de informações para se tornar, depois do golpe militar, outra coisa, algo que prefiro esquecer.
– Indica o início de uma nova etapa – assegurou Cassandra, o que me fez perguntar a mim mesmo o que isso teria significado para minha filha em seus anos estudantis. Eu não sabia nada do que Victoria pensava então, nem no que ela acreditava. Não tinha noção de quais eram seus temores e suas esperanças, nem por que precisava se livrar de certas crenças e valores de nossa família. – Está vendo as línguas de fogo que saem da Torre?
– Sim, e há um raio também.
– A Torre queima tudo o que não serve mais, mas conserva aquilo que é valioso. É algo essencial para que a vida volte a começar sucessivas vezes. Toda estrutura e ideia obsoleta está condenada a morrer. Desse modo, surge a mudança drástica. É assim que nasce o futuro, David.
– O futuro da minha Victoria de então?
– O que aguardava Victoria se você tivesse decidido ficar por aqui naquela época. Quer averiguar?