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“¡Vamos!

Cargao con sombra y recuerdo...

¡Vamos!

Al son de tu tranco lerdo...”45

El Pescante

HOMERO MANZIONE e SEBASTIÁN PIANA

Numa tarde em que o Doutor voltou cedo de La Moneda, passou pela cozinha, onde eu descarregava uma caixa de tomates de Limache, e me ordenou que o acompanhasse até seu escritório.

– Preciso que hoje à noite você nos acompanhe com sua caminhonete até Reñaca. Tenho um jantar ali. É imprescindível que você fique me esperando junto com os seguranças.

– Como o senhor mandar, Doutor – disse eu. – Algum problema se eu for vestido assim como estou?

Examinou-me de cima a baixo, inclinou a cabeça de lado e disse, sério:

– Você não está convidado para o jantar, Rufino, por isso não há problema. Mas é bom que saiba uma coisa, companheiro: um homem elegante nunca combina um cinto preto com sapatos cor de café.

Saímos em direção ao litoral às oito. Escurecia. Pouco depois, a comitiva acelerou como de costume e não demorei a perdê-la de vista. Fiquei nervoso porque gosto de atender bem o Doutor. Algumas quadras adiante, ainda na Alameda, fui parado por um carabineiro de moto, que me disse para aguardar ali, junto à calçada, o que me inquietou ainda mais, pois tive receio de não conseguir mais alcançar os Fiats 125 azuis.

Dez minutos mais tarde, parou ao meu lado um Oldsmobile que não demorei a reconhecer. É o automóvel que o Doutor usa para sair às vezes à noite, sub-repticiamente, com um chapéu enfiado até os óculos e um cachecol escuro em volta do pescoço. Leva também um jornal, que ele finge ler, e vai acompanhado apenas do motorista. Lá estava, com efeito, em plena Alameda, aquele calhambeque dos anos 1950, com para-lamas enferrujados e escapamento mal calibrado.

– Siga-me – ordenou-me o motorista. O Oldsmobile tinha suas histórias. Eu já tinha visto em seu porta-malas vários AK-M 47 russos, coletes à prova de bala chineses, munição, granadas de mão e máscaras antigas. – Vamos para Reñaca.

Três horas mais tarde, estacionamos junto a uma grande casa encarapitada na ladeira de um cerro, de frente para o mar bravio. Era uma mansão no estilo Hollywood, com esplêndida vista sobre a baía de Valparaíso e Viña del Mar. Na espaçosa garagem da casa, dissimulados atrás de algumas grades, descansavam os Fiats 125.

O motorista do Oldsmobile chegou perto de mim para perguntar se eu queria um pedaço de carne e uma cerveja. Aceitei. Subiu as escadarias até a casa e voltou com várias garrafas de cerveja Escudo e uma bandeja com uma farta porção de carne e salada à chilena. Disse para eu comer com calma e me munir de paciência. A comida e a Escudo estavam divinas. Mais que divinas, porque era difícil arrumar cerveja por aí, e carne, então, nem se fala, tanto pelo preço como pela escassez. Ao fundo, para lá do mar, as luzes de Valparaíso apagavam e acendiam como uma enorme onda congelada na franja da noite.

Fechei os olhos, ouvindo o rugido do Pacífico, respirando o ar que me fazia evocar a infância naquela cidade de ruelas e escadarias, de gatos que dormitam nos muros e anciãs que espiam pelas janelas, de paralelepípedos polidos e grades de elevadores escangalhados que brilham contra o sol da manhã, e no final acabei adormecendo no assento da caminhonete.

Fui acordado de surpresa por uma agitação. Olhei através do para-brisa, mas a praia continuava deserta. O mar era um cinema no escuro e Valparaíso era a tela, onde ele cintilava fragmentado em vagalumes estáticos. Foi o que vi pelo retrovisor que me assustou.

De uma das janelas da casa, o Doutor e dois seguranças empurravam para o pátio um tapete enrolado. Por baixo, o tapete era aparado por outros seguranças. Desceram-no depressa e em silêncio pela escada até a garagem. Observei tudo aquilo incrédulo e com a bandeja em cima dos joelhos.

Estremeci de horror. Suspeitei do que estava acontecendo. Já vi isso em filmes norte-americanos. É a forma clássica de se transportar um cadáver. Fiquei com a pele toda arrepiada.

A caçamba do meu Ford queixou-se sob o peso do tapete e, ato contínuo, um segurança entrou na cabina, pegou a bandeja, atirou-a na grama e ordenou:

– Pise fundo, Cachafaz. Vamos voltar voando para a residência.

45 Vamos! / Carregado de sombra e recordação / Vamos! / Ao som de sua passada lerda. [N. E.]