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O coronel da reserva Edmundo Palacios me recebeu às dez da manhã em sua concessionária de automóveis. Era o mesmo que conheci em 1971, num churrasco em Limache com outros oficiais do Exército chileno, que estavam preocupados porque um socialista governava em La Moneda. Era o mesmo, mas um quarto de século mais velho, o que se notava nas bochechas mais volumosas, no cabelo ralo e na barriga proeminente.

Abraçou-me com afeto, ofereceu-me uma cadeira e voltou a sentar-se atrás da mesa de seu escritório cheio de fotos de veículos e certificados profissionais. Uma janela à minha direita permitia que ele monitorasse o atendimento na sala de vendas.

– Você está igualzinho – afirmou Palacios depois de me oferecer café.

– E eu teria reconhecido você em qualquer aeroporto – menti. – Prefiro um chá.

– Não invente moda. Com essa vida sedentária, de coquetéis e churrascos, não há corpo que resista. E você deve levar uma vida bem disciplinada para se manter tão jovem, David! O que o trouxe aqui?

– Estou procurando alguém que foi detido e desapareceu.

Puxou, lívido, um cigarro de um estojo, acendeu-o com parcimônia usando fósforos e depois deu uma tragada profunda.

– Está brincando, não? – perguntou com uma careta que pretendia ser um sorriso.

– Não. Estou procurando alguém que foi detido e desapareceu.

– Quem lhe deu essa incumbência?

– Eu mesmo. Estou em visita particular.

Fiquei imaginando o que o coronel estaria pensando. Quando o conheci, era capitão, se não me falha a memória. Vivia atormentado com a crise econômica do governo Allende, com a polarização política extrema e a probabilidade de que os países vizinhos, aproveitando a divisão nacional, invadissem o Chile e o repartissem entre eles. Nós nos demos bem desde o início. Após o golpe militar, em novembro de 1973, Palacios foi integrado à Dina, o órgão que se encarregou de reprimir a esquerda no Chile e no exterior.

– Estou farto do passado – disse Palacios e calou-se, enquanto uma jovem de minissaia justa e longas pernas me servia o chá. Então acrescentou: – O que está acontecendo com você? Por que um norte-americano com seu currículo anda procurando esse tipo de gente?

– Eu também estou farto desse passado – disse eu, mexendo a xícara, apesar de não ter colocado açúcar nem pretender fazê-lo. – E olha que eu já estava com ele bem enterrado.

– Então? – A ansiedade marcou rugas profundas na testa do ex-oficial.

– Ainda há muitos mortos que não alcançaram a paz.

– Não me diga que vai ficar agora como o bosta do Sting, que fica cantando as almas penadas e põe umas mulheres dançando sozinhas no palco como se fossem viúvas. A única coisa que ele quer é vender mais discos para encher o bolso.

– Bem, vocês com certeza deixaram viúvas.

– Nós? – O coronel levou uma mão ao peito. – Nós fizemos isso também por vocês, para salvar esta parte do continente da infiltração cubana, que tanto pânico causava lá entre vocês. Só de ouvir os nomes de Castro e Guevara vocês já ficavam com diarreia.

– Preciso lembrá-lo de que foram vocês que tomaram a iniciativa. Foram vocês que trataram os prisioneiros dessa maneira, não nós.

Palacios ficou em pé, acalorado, e tirou o paletó. Usava suspensórios grená que combinavam com a cor da gravata.

– Francamente, nunca pensei que um dia ia ouvir isso de você, David – comentou, passeando pelo escritório com as mãos nos suspensórios. – Vocês nunca pediram para suavizar o trato. Com certeza em alguns casos exageramos, mas vocês sabiam disso e nunca disseram nada. Ao contrário, só queriam saber se havia informações sobre armamento soviético e sobre vínculos dos extremistas com norte-americanos. E agora chega alguém que participou disso tudo e pretende lavar as mãos como Pilatos. É o cúmulo.

Enfurecido como estava, não me seria de nenhuma utilidade. Em vez de convencê-lo, só estava conseguindo transformá-lo em antagonista.

– O que está feito está feito, coronel – disse eu, depois de dar um gole em meu chá. – Não pretendo culpar ninguém por tudo o que aconteceu. Mas isso não impede que continuem vagando almas penadas e que os familiares continuem perguntando por elas.

– Depois da guerra, todos são generais – retrucou o coronel e deixou-se cair no assento com um ar de decepcionado. – Eu precisei me retirar da instituição pelos excessos cometidos por outros. Arrisquei o pescoço por meu país e o Chile me pagou por isso. – Abriu os braços. – Se não tivesse arrumado este meu negócio, estaria passando necessidade com a aposentadoria que nos pagam. E agora, com os governos da Concertación, você já sabe o que vem para cima de nós...

– Estou falando de outra coisa, coronel.

– Se forem por esse caminho, a merda também vai acabar caindo em cima de vocês. Vão nos cobrir de processos, vão acabar com a lei da anistia, reabrir todos os casos por violação de direitos humanos e vamos ter de fazer fila na frente dos tribunais enquanto as câmeras de televisão terão o banquete de suas vidas.

– O que me interessa é outra coisa.

– Mas não pensem que não vai sobrar para vocês também – advertiu Palacios, enfurecido. – Vocês também serão perseguidos. Esses ativistas de direitos humanos são incansáveis e têm redes internacionais. Aplaudem Fidel Castro, mas se você encostar um dedo neles, saem botando a boca no trombone. São movidos pelo ódio, pelo rancor e pelo ressentimento, e ocultam que o que houve aqui foi uma guerra civil. Se não fossem eles, teríamos sido nós.

– Não vim aqui julgá-lo, coronel – esclareci. Seus olhos refulgiam irritados e temerosos ao mesmo tempo. – Vim lhe pedir ajuda, não julgá-lo. Trata-se de minha filha, que morreu.

A simples menção à morte de Victoria o fez baixar a guarda e me olhar de outro modo.

– Do que se trata, David?