Sem me preocupar, no momento, com erros e com infelicidades, durante os primeiros pouco dias da Conferência, encontrei tempo para sair caçando sozinho. Meu trabalho preparatório estava pronto, e pouco mais podia aprender de livros, mapas ou estatísticas. Resolvi que o tempo disponível até meus serviços serem solicitados seria mais bem aproveitado estabelecendo contato com meus colegas dos Estados Unidos. Farejei como um spaniel no campo, decididamente ativo e ativamente decidido. Não recebera qualquer orientação de meus superiores; raramente recebi. Cacei com satisfação, esperando ouvir o apito que me chamaria para junto dos calcanhares do dono.
Fui inspirado e ajudado nesse ótimo passatempo por Mr Allen Leeper, um colega próximo na seção da Delegação Britânica encarregada da Europa Central e do Sudeste. Na ocasião, Mr Leeper ainda não era membro regular do Foreign Office, mas se juntara a nós por canais tortuosos como o British Museum, o escritório de imprensa de Mr George Mair, mais tarde Ministro de Informações. Nascido na Austrália, era capaz de abordar nossos problemas por um ângulo antípoda ao insular. Formado em Balliol, aprendera que o conhecimento tem pequena valia a não ser quando interpretado com a necessária compreensão, e que a inteligência não passa de mero adorno se não produzir ações criativas. Sem jamais ter sofrido a rotina de um grande órgão governamental, seus olhos não se ofuscavam com a poeira dos arquivos do serviço civil. Sendo um cidadão do Novo Mundo, podia encarar o Velho com o sabor romântico de um estudante em sua primeira visita ao Partenon. Sem ter sido submetido aos embaraços característicos da educação em public schools inglesas, nunca lhe ocorria que, entre nós, uma dedicação exagerada ao trabalho poderia ser mal interpretada. Era homem de nobres ideais, movido pelo mais puro wilsonismo e por alguma ambição filológica, com uma saúde irregular, dotado de energia infatigável e uma curiosidade desabrida. Não escondia o fato de realmente querer saber o que Také Ionescu pensava sobre o Banat. Queria, muito sinceramente, saber se o rei Nikita de Montenegro (vivendo no exílio, no Hotel Meurice, indignado e subsidiado) era realmente tão terrível quanto todos nós supúnhamos. Porém, o mais importante foi ter chagado à conclusão de que nossa tarefa mais útil era estabelecer relações de confiança e entendimento mútuo com os membros correspondentes a nós na Missão Americana.
Nessa louvável tarefa foi beneficiado por uma circunstância casual, o fato de Mr Rhys Carpenter, integrante da Missão Americana para Negociar a Paz, ter sido seu colega em Balliol. Mr Carpenter, que mais tarde veio a ser Diretor da Escola Americana em Atenas, era, acima de tudo, um scholar. Ciciava palavras em grego à medida que lhe ocorriam. Era um homem tímido e agradável. Para nós sua ajuda teve valor inestimável, aplainando o caminho para lidarmos com os tímidos, os desconfiados, os esclarecidos, os afáveis, os assustadíssimos, os muitas vezes desarticulados, os algumas vezes lentos de raciocínio, os invariavelmente atentos, os realmente notáveis sábios do grupo de trabalho “Inquiry” do coronel House. Por seu intermédio fui apresentado, logo nos primeiros dias, ao Dr Charles Seymour, ao Dr Lybyer e ao Dr Clive Day. Mr Allen Dulles, com o qual em etapas posteriores da Conferência mantive duradoura e harmoniosa cooperação, se não me engano chegou um pouco mais tarde. Comparamos nossas anotações. Nossas opiniões a respeito de cada um dos assuntos em nossa órbita se revelaram idênticas. A nós parecia que elaborar os contornos da paz seria uma tarefa rápida, cordial e amplamente justa.
Eu não era ingênuo a ponto de achar que os membros da Delegação dos Estados Unidos teriam permissão para uma aberta associação com seus correspondentes ingleses. Para dizer a verdade, achava que qualquer identidade de opinião muito ostensiva entre os anglo-saxões seria malvista pelos colegas de outras nacionalidades. Eu estava interessado apenas nos acordos secretos alcançados em sigilo. Nossa identidade de opiniões foi realmente extraordinária. Onde antes eram os cabinets particuliers do Maxim’s, foi preparada uma “hipótese anglo-americana” em que houve concordância em torno de todas as fronteiras da Iugoslávia, da Tchecoslováquia, da Romênia, da Áustria e da Hungria. Na Europa, só houve algumas divergências no que se referia à Grécia, à Albânia, à Bulgária e à Turquia. Mesmo nestes casos, divergência em detalhes, raramente em princípios.
É verdade que, nas semanas seguintes, esse acordo não oficial nem sempre foi observado. Em alguns aspectos, ampliei minhas exigências, e, em outros, eles recuaram em suas concessões. Durante toda a duração da Conferência nos sentíamos obrigados a discutir outra vez questões que julgávamos já estarem assentadas entre nós. Mas nunca foi abandonada a disposição para discussão franca e direta entre as delegações inglesa e americana estabelecida ao longo daqueles primeiros dias. Mr Ray Stannard Baker pode dizer o que quiser, mas o entendimento entre o Crillon e o Astoria era mais sólido do que entre quaisquer outras duas delegações em Paris.
Confesso, claro, que a despeito do otimismo de Rhys Carpenter, nunca conquistei a confiança incondicional dos americanos. Em suas cabeças sempre esteve presente aquela barreira sombria entre o Velho Mundo e o Novo. À medida que a Conferência avançou, nossas relações foram obscurecidas pelas disputas entre nossos respectivos chefes – quidquid delirant reges...
Porém, até hoje tenho o maior respeito pelos membros do “grupo de trabalho” do coronel House, adquirido durante aquelas primeiras discussões na Place de la Concorde. Seu nível de conhecimento era superior ao meu, seu poder infinitamente mais impressionante, seu escopo muito mais amplo. Acontece que eu era um diplomata profissional, e eles, professores de história. Começou a surgir um absurdo conflito de vaidades, pouco antes de a confiança mútua e a franqueza iniciais que nutríamos perder parte de seu frescor matinal. Nós, do Majestic, ficávamos impacientes com suas significativas hesitações, irritados com sua sensibilidade pela falsidade da posição que defendiam. Ficávamos nos debatendo num brejo de tratados secretos e esperando que eles nos salvassem. Permaneciam na margem, admitindo, sempre simpáticos, que o brejo era um negócio incômodo e imundo. Eles, do Crillon, sentiam-se desanimados e confusos com a agitação e a barulheira do funcionamento da Conferência. Estavam decididos a não se deixar enganar pela diabólica astúcia da Velha Diplomacia, vendo malícia onde não existia. À medida que brotou neles (e em nós) a ideia de que a América estava pedindo à Europa para fazer sacrifícios vitais, em nome de um ideal que a própria América era a primeira a trair, um desconforto irremediável tomou conta de todos nós. A terrível suspeita de que o povo americano não honraria a assinatura de seus próprios delegados nunca foi mencionada entre nós, mas pairou como um fantasma turvando todos os nossos banquetes. Porém se a colaboração que mantivemos nos primeiros dias com a Missão Americana fosse preservada com consistência e sinceridade de propósitos, se tivesse sido encarada como sólida base para nossos procedimentos, os Tratados de Paz certamente teriam sido desfigurados por menos erros.
Quando para trás, de tudo este é o ponto que mais lamento.
Já declarei que a organização interna da Delegação Inglesa era uma obra-prima de precisão e tranquilidade. Até onde é possível a criatividade humana prover, em condições de extrema mobilidade e que variavam constantemente, a máquina montada por Mr Parker e dirigida por Sir Maurice Hankey foi um trinfo de eficiência administrativa e previsão. Poderia servir de modelo para qualquer organização futura de semelhante magnitude. É com essa disposição de espírito que aponto, como crítica, os aspectos em que este mecanismo, tão notável no papel, se mostrou inadequado para mitigar as fraquezas da natureza humana.
A falta de um programa rígido para o desenrolar da conferência e o longo atraso na criação dos comitês técnicos tornou inevitável que os membros mais competentes da delegação ficassem inativos nas fases iniciais. Mesmo compreendendo essa talvez inevitável circunstância, permanece o fato de que, desde o começo, a Delegação se voltou para determinados setores fortuitos, e estes, à medida que se tornou irresistível a pressão da sobrecarga de trabalho, tenderam a se cristalizar em compartimentos estanques. Esses setores, como já disse, em grande parte, mas não totalmente, eram acidentais. Nesses assuntos, Mr Lloyd George confiava em Sir Maurice Hankey. Mr Balfour confiava quase totalmente em Sir Eyre Crowe. Era natural que este último escolhesse para seus assistentes os membros do Foreign Office com quem trabalhara em íntimo contato durante a guerra.
O tempo era muito curto, e os riscos muito altos para fazer experiências com pessoal. Daí, a seção do Foreign Office recebeu, desde o começo, um destaque talvez indevido, assim como uma exagerada carga de trabalho. A seção militar, que incluía homens de reconhecida competência como o general Thwaites, o coronel Cornwall, o coronel Meinertzhagen, o coronel Heywood, o coronel Kisch e o professor Webster, viu seus membros praticamente excluídos de nossas deliberações nas fases iniciais. Convém reconhecer que influiu para essa discriminação uma certa dose de ciúme ministerial e profissional. Foi um fator lamentável, e o professor Webster tem toda razão quando a ele se refere em sua contribuição para a sóbria narrativa do professor Temperley. Em grande parte, a falta de coordenação entre as diversas seções da Delegação resultou de real falta de tempo. Mas, em certa dose, também se deveu ao componente da rivalidade, a um temor, lamentável mas característico do ser humano, de que consultar detalhadamente outros especialistas geraria não apenas um aumento de trabalho, mas também o risco de uns começarem a invadir a seara dos outros.
Claro que, teoricamente, a coordenação foi mantida pela circulação constante no Astoria de minutas e memorandos de todos os comitês e seções, bem como dos procès verbaux do Conselho Supremo. Na prática, entretanto, havia pouco tempo para estudar esses alentados documentos, e nem seria bem recebido o membro de uma seção interferir nas preocupações de outra simplesmente porque tivera em suas mãos um documento com o qual discordava. Ciumeira semelhante impediu ligações harmoniosas entre a Delegação e a Embaixada em Paris. É bem verdade que não havia tempo para muitas consultas. Como também é verdade que não havia muita vontade.
Não quero exagerar esse aspecto da coordenação falha. Obviamente, as relações entre as diferentes seções do Astoria eram amistosas e até certo ponto corteses. Evidentemente, também, durante aquelas intermináveis refeições no Majestic, se conseguia muita intercomunicação detalhada. Só me refiro a esse componente de rivalidade pessoal e ministerial porque na verdade constitui um obstáculo à perfeita coordenação e porque é algo inerente a qualquer organização que englobe seções recrutadas de diferentes serviços e departamentos. É um fator contra o qual os participantes de qualquer Congresso futuro devem se precaver, ou, pelo menos, a ter em mente.
Entretanto, tais falhas assinaladas na coordenação entre as diversas seções da Delegação nada foram comparadas aos métodos de coordenação inteiramente aleatórios praticados entre os Plenipotenciários e a Delegação como um todo. Raramente nos diziam o que fazer. Nunca nos disseram o que faziam nossos chefes. No começo da Conferência, isso foi totalmente inevitável. Em primeiro lugar, eles não dispunham de tempo para nos orientar sobre suas políticas. Em segundo lugar, eles próprios não sabiam quais eram essas políticas. Por fim, em terceiro lugar, se as soubessem teriam tomado muito cuidado para não as revelar com antecedência. Mas também não posso afirmar que meu trabalho na seção política tivesse sido, de algum modo, atrapalhado por desconhecer nossos principais objetivos. Parti do princípio de que o necessário era um acordo territorial tão compatível quanto possível com o princípio da necessidade nacional e econômica de um país. Presumi também que essa exigência estava, dentro de limites razoáveis, subordinada à necessidade de evitar qualquer brecha séria com os Estados Unidos ou a França. Observados esses limites, eu ficava inteiramente feliz remando meu esquife sem instruções específicas.
Mas em outras seções da Delegação esta falta de coordenação entre os plenipotenciários e os especialistas foi bastante nociva. Gerava os compartimentos estanques, impedia a definição de responsabilidade, permitia a superposição e, em casos extremos, provocava uma completa divergência de intenção. A seção econômica, por exemplo, trabalhava intensamente para mostrar que era impossível à Alemanha pagar as enormes somas que a seção de reparações, com igual empenho, se preparava para extrair. Em consequência, só no derradeiro instante nossos Plenipotenciários puderam ter uma visão conjunta do tratado. Só então puderam perceber que, no seu todo, os termos estavam muito mais cartagineses do que desejavam ou supunham.
Nas fases posteriores da Conferência, Mr Balfour passou a fazer uma reunião matinal em que os chefes das diferentes seções apresentavam relatórios e obtinham orientação para o trabalho diário. A experiência colhida do valor dessas breves reuniões aumenta meu pesar por tal sistema não ter sido adotado nas etapas iniciais. Como exemplo, o fato de o tratado com a Bulgária ser mais objetivo do que o referente à Alemanha se deve em grande parte à contínua discussão de suas linhas principais, sob a direção de Mr Balfour, pelos responsáveis por sua redação nas diversas seções. Nenhuma coordenação ou discussão técnica dessa natureza precedeu a elaboração do Tratado de Versalhes.
Era igualmente fortuita e aleatória a distribuição aos diversos especialistas dos diferentes assuntos que lhes cabiam. Eu próprio, por exemplo, me especializara por dez anos em questões dos Bálcãs e do sudeste da Europa e, mesmo assim, fui designado para o Comitê de Fronteiras da Tchecoslováquia, assunto para o qual estava totalmente despreparado. Em fase posterior, tive de me ocupar com os destinos da Turquia europeia e da asiática, matéria que certamente deveria ter sido atribuída às mãos mais competentes de Mr Arnold Toynbee. Também não sei dizer bem até hoje como foi que me vi envolvido tão profundamente com as reivindicações da Itália no Adriático ou com as compensações na Ásia Menor com as quais pensávamos subornar esse sôfrego país a moderar suas ambições. Essas coisas simplesmente “aconteceram.” Subitamente, um servidor podia se tornar necessário, conveniente e disponível. Mr Lloyd George não gostava muito de “caras novas.” Mr Balfour gostava de gente que sabia redigir rapidamente as resoluções. Foi devido a tais causas aleatórias que me foi atribuído um trabalho acima de minha capacidade e um grau de responsabilidade totalmente incompatível com minha experiência e minha idade. Coisas dessas não podiam ter acontecido.
Mais importante e mais destrutivo do que quaisquer defeitos na organização ou nos procedimentos internos da Delegação Britânica foi a inadequação estrutural da Conferência propriamente dita. Já chamei a atenção para a lamentável consequência da rejeição pelo Presidente Wilson das propostas francesas de 29 de novembro. M Clemenceau parece ter-se desencorajado em demasia por essa rejeição e não fez nenhuma nova tentativa para trocar o programa que propôs por outro de palavras menos cruamente realistas. Será difícil para um historiador explicar no futuro a natureza tentativa da Conferência nas fases iniciais, e ele inevitavelmente será tentado a atribuir importância exagerada à ideia (que existia, mas não era predominante) de que as Potências Europeias “manobravam por posição” contra os Estados Unidos. É inegável, e não considero vergonhoso, que os líderes da Conferência desejassem evitar se comprometer com qualquer matéria vital antes de testarem o Presidente Wilson em assuntos de menor importância e se certificarem de que a interpretação dos Quatorze Pontos por House realmente correspondia à do Presidente. Mas a verdadeira essência da desorganização da Conferência deve ser procurada em outras direções.
Para começar, o Conselho Supremo da Conferência herdara o status do Conselho Supremo de Guerra e com ele o método de pensamento. Como já salientei, seus membros haviam adquirido o hábito de supor que sua agenda seria imposta pelos acontecimentos, e não gerada por processos de sua própria antevisão e escolha. Um bom exemplo desse método de abordagem está nas relações com as Potências Menores. Concluíram, com toda propriedade, que discussões entre todos os vinte e sete estados representados em Paris degeneraria em uma farsa. Viram, desde o começo, que as Cinco Grandes Potências teriam que constituir seu “Conselho dos Dez,” representando o poder de doze milhões de soldados e marinheiros bem armados. Constataram que as Potências Menores teriam de ser, por esta razão, excluídas da direção da Conferência. Reconheceram o fato de que essas Potências Menores se melindrariam com tal exclusão. Em consequência, decidiram que algo teria de ser feito para satisfazer não apenas o sentimento pessoal dos Representantes menores na Conferência, mas também as expectativas nacionalistas dos respectivos legislativos e eleitorados. Assim, desde o início, foi necessário imaginar um método que permitisse aos delegados das Potências Menores aparentarem estar realmente tendo alguma influência nas deliberações do Conselho Supremo.
Esse mecanismo funcionou de duas maneiras. Em primeiro lugar, foi pedido aos delegados desses estados menores e estados sucessores que declarassem por escrito o que desejavam obter do Tratado de Paz. Em segundo lugar, cada um desses delegados foi convidado para expor oralmente ante o Conselho Supremo os argumentos em que se baseavam suas reivindicações. Isso ocasionou perda de tempo e falsificação de proporções. De fato, houve quatorze dessas “audiências” somente em fevereiro, cada uma durando muitas horas.
Inevitavelmente, também, as Potências Menores apresentaram memorandos de reivindicações que excediam de muito suas reais expectativas. Ao exporem suas pretensões oralmente diante do Conselho, apenas repetiram o que já estava em suas Declarações escritas e minaram o poder de resistência que os idosos senhores do Conselho podiam apresentar no salão quente e abafado. Essa perda inicial de tempo e energia é um ponto para o qual o historiador deve dirigir sua atenção. Deu os membros do Conselho Supremo a sensação de realizarem um trabalho valioso e produtivo, mas, na verdade, estavam apenas submetidos, com variados graus de cortesia, a um exaustivo e desnecessário embuste.
Esse método particular, essa fase de improvisação, teve consequências além da simples perda de tempo. Tomando como seu ponto de partida as “reivindicações” dos estados menores e de estados sucessores, desde o começo o Conselho dos Dez falseou o foco de sua atenção. Permitindo que a Grécia, a Iugoslávia, a Tchecoslováquia e os outros estados menores abrissem a Conferência com uma declaração de suas pretensões, introduziu nas etapas iniciais da Conferência o problema da Áustria, da Hungria, da Bulgária e da Turquia. O programa óbvio seria abordar sucessivamente cada tratado de paz, tratando os ex-inimigos pela ordem de importância. Assim, devíamos concentrar-nos (1) no Tratado com a Alemanha, (2) no Tratado com a Áustria, (3) no Tratado com a Hungria, (4) no Tratado com a Turquia e (5) no Tratado com a Bulgária. Mas em consequência da confusão inicial de representações, os cinco tratados desde o princípio se misturaram. As pretensões de cada uma das Potências Menores incidiam, em variados graus, no território de nossos ex-inimigos. Assim resultou que, desde as primeiras semanas, a Conferência se viu absorvida por intermináveis debates em busca de soluções que só puderam ser postas em prática nos tratados finais. E assim resultou que, em vez de concentrar suas energias e seu trabalho no problema principal que era concluir a paz com a Alemanha, o Conselho Supremo dissipou seus esforços tentando, simultaneamente, chegar a artigos de acerto com nossos adversários menos importantes. Esse erro foi uma das maiores causas de atrasos, confusões, superposições e eventuais improvisos. Essa falha fundamental, é bom repetir, resultou da falta de uma programação pactuada. Desde o começo, as proporções da conferência ficaram viciadas.
Também não foi só isso. A circunstância acidental que levou a Conferência a abordar suas questões em termos não de Potências inimigas, mas das respectivas “reivindicações” de estados sucessores e de estados menores, responde por grande parcela das superposições e falhas de coordenação a que aludi anteriormente. Com um comitê central “alemão,” um comitê central “húngaro” e um comitê central “turco,” é possível que esses comitês tivessem sido capazes de tratar a questão com noção mais exata do que, no agregado, estava sendo tirado de nossos ex-inimigos e menos ênfase no que, em cada caso, estava sendo dado aos estados sucessores.
Haverá mais a comentar sobre Comitês Territoriais na seção final deste capítulo. No próximo segmento, vou abordar outros aspectos da organização da Conferência de Paz no seu todo.
Como já disse, não foi possível evitar que, desde o início, a Conferência fosse dirigida por um Comitê ou Conselho das Cinco Grandes Potências. É de lamentar apenas que essa necessidade essencial não fosse considerada e aceita antes que a Conferência se reunisse. Também foi inevitável que, naquele momento, a Conferência se ocupasse tanto com o que se poderiam chamar assuntos puramente executivos. Essa foi uma causa adicional de sério atraso, mas não consigo ver como poderia ter sido evitada.
Havia, em primeiro lugar, o problema russo. Extrapola a finalidade deste livro analisar se o Conselho Supremo agiu inteligentemente com a Rússia durante aqueles meses ou se propostas como a da Conferência de Prinkipo eram equivocadas e impulsivas. Permanece o fato de que a Rússia constituía grave problema a levar em conta desde o começo, e que a questão só poderia ter sido discutida pelos líderes mundiais em reunião conjunta.
No entanto, houve outros assuntos de ordem executiva que a Conferência podia perfeitamente ter delegado a algum órgão vinculado, como o Conselho Interaliado de Versalhes. Tais assuntos envolviam as hostilidades que ainda prosseguiam ou ameaçavam na Galícia, em Teschen, na Carinthia, na Polônia e nos Estados Bálticos; a observância de inúmeros armistícios e a renovação do armistício com a Alemanha; a repatriação do exército do general Haller; a continuação do bloqueio e o fornecimento de suprimentos e ajuda aos exércitos das nações ex-inimigas que agora eram nossas aliadas. O tempo do Conselho Supremo foi indevidamente desperdiçado em discussões sobre essas matérias, que eram secundárias a fazer a paz com a Alemanha. Somente em 26 de março M Clemenceau e o Presidente Wilson se deram conta deste fato tão óbvio. Como registrou o coronel House: “Em vez de fazer apenas um esboço do quadro em suas linhas gerais, o estavam desenhando como se fosse uma gravura a água forte.” Esse método de detalhar o quadro durou várias semanas.
O fato de a Conferência ser em Paris tornou necessário que M Clemenceau fosse seu chairman e que o Secrétariat Général e o bureau central também ficassem sob direção francesa. Muitas vezes se tem dito que M Clemenceau esteve, como presidente, incontrolável e sem controle; que só despertava de longos períodos de sonolência quando estavam em jogo os interesses da França ou quando surgia oportunidade para intimidar o Representante de alguma Potência menor. A acusação é injusta. Verdade, sim, é que o Presidente da Conferência, por longos períodos de cada vez, cerrava suas pálpebras cor de marfim sob aquelas sobrancelhas surpresas, procuradoras, interrogatórias e céticas. Mas não dormia. É verdade que em certas ocasiões insultou os primeiros-ministros das Potências menos importantes, atacando-os com uma virulência que fazia corar a face de todos os presentes. Porém é igualmente verdade que esse rude mas sensato octogenário demonstrou um alerta mental e uma capacidade de controle que homens menores, diante de personalidades tão preponderantes, teriam hesitado em exercer. Entretanto, não há como negar que M Clemenceau estava mais preocupado em controlar os acontecimentos do que em planejar como os assuntos em discussão deveriam ser ordenados de forma mais objetiva. O controle que exerceu foi mais do que apropriado, fez mais do que simplesmente supervisionar. O defeito foi no planejamento e na aplicação.
Essa deficiência por parte do Presidente da Conferência estava refletida na personalidade do Secretário-Geral. Por fatalidade, M Dutasta – homem fraco, confuso, afobado mas não inamistoso – foi escolhido para essa alta posição. Comentou-se que sua indicação se deveu às íntimas relações que tinha com M Clemenceau. Realmente, tudo indica que M Dutasta aguentava deste último desconsideração e insulto em grau muito superior ao que se poderia esperar de pessoa com menor intimidade. Foi uma pena que uma cabeça privilegiada como a de M Philippe Berthelot não estivesse à disposição da Conferência desde seu começo. M Berthelot, nessa ocasião, estava obscurecido pela nuvem que de vez em quando pairava sobre sua Olímpica e luminosa carreira. Estava autorizado a sugerir. Não estava autorizado a organizar. A superior capacidade em matéria organizacional, que vem a ser um subproduto do gênio francês, não se manifestou na Conferência de Paris. A convincente precisão de um Berthelot ou um Massigli ficou reservada para reuniões posteriores. Em Paris, sofremos com a timidez aflita de M Dutasta e a desastrada teimosia de coruja de M Pichon.
Os defeitos do Secrétariat Général aos poucos foram sendo remediados pela dedicação e eficiência inglesa de Mr Maurice Hankey, porém, pelas consequências que apontei, causaram grave prejuízo nos estágios iniciais dos trabalhos. Um Secretário realmente brilhante, como Gentz ou Massigli, poderia ter corrigido a falta de um programa pactuado por meio de uma sólida preparação de documentos objetivos para compor a agenda. M Dutasta era muito confuso para adotar iniciativas de tal visão e responsabilidade. Abordava os assuntos em função de sua necessidade no tempo e não por sua real importância. Em consequência, as seis primeiras semanas da Conferência foram desperdiçadas na discussão de “actualités,” em vez de se voltarem para as finalidades vitais que lhe tinham provocado a convocação.
Na “tática,” nos detalhes, o trabalho do Secretariado-Geral foi do admirável no mais alto grau. A falta de uma “estratégia secretarial” é que contribuiu para que a Conferência não dispusesse de uma alternativa para o programa que fora rejeitado.
Presentemente, a Conferência de Paris é acusada de ignorância e ineficiência. A questão é saber se essa será realmente a principal crítica da posteridade. À medida que os primeiros contrafortes das dificuldades imediatas forem transpostos e ficarem para trás na poeira do tempo, surgirão com mais clareza os picos dos verdadeiros erros cometidos. Tenho a sensação de que o julgamento da posteridade se concentrará não nas falhas da Conferência (que foram relativamente pequenas e já estão sendo corrigidas), mas em sua espantosa hipocrisia. As causas dessa monumental falta de sinceridade foram comentadas em capítulos anteriores. Suas consequências serão abordadas no próximo. Porém, ainda sob o título organização, é necessária uma referência aos métodos extremamente ingênuos, para não dizer hipócritas, utilizados para fugir dos problemas das Potências Menores e da Imprensa.
Já ressaltei como o desejo de aliviar o ressentimento até certo ponto artificial das Potências Menores por serem excluídas da direção suprema da Conferência gerou uma deturpação na abordagem das questões e uma consequente confusão entre o principal e o secundário. Passo a comentar, agora, a farsa das Sessões Plenárias.
Deram a entender às Potências Menores que as recomendações do Comitê Territorial e de outros comitês da Conferência seriam submetidas a uma Sessão Plenária na qual teriam a oportunidade de expor suas opiniões. Na prática, os representantes daquelas Potências foram inteligentes o bastante para não levar a sério tal promessa. Mas nós, que integrávamos os Comitês, fomos menos céticos. Acreditávamos que nossas recomendações, em instância final, seriam submetidas a algum tipo de discussão derradeira, na qual as partes interessadas teriam oportunidade de se pronunciar. Nem por um instante chegamos a supor que nossas recomendações eram absolutamente finais. Assim, nos dispusemos a aceitar meios-termos e mesmo apoiar decisões que esperávamos ardentemente que, nessa última instância, não fossem aprovadas. Não creio que fosse possível rever as recomendações dos Comitês no Conselho dos Dez, nem no dos Quatro e muito menos no Plenário da Conferência. A revisão de Mr Lloyd George das recomendações do Comitê Polonês, embora totalmente justificada, causou uma explosão. Mas permanece o fato de que deveríamos ter sido informados de que nossas recomendações provavelmente seriam aprovadas sem uma nova discussão, e as Potências Menores deveriam ter sido igualmente esclarecidas que, na prática, os Comitês representariam a instância final de recurso. Mais uma vez uma imprecisão no mecanismo de funcionamento produziu efeitos infelizes. Voltarei a me referir a ela mais tarde.
As relações com a imprensa também foram vítimas de uma tímida acomodação de natureza semelhante. Cerca de 500 correspondentes especiais foram destacadoss para Paris com grandes despesas. Desde o começo, protestaram contra o tratamento secreto dispensado aos Covenants negociados. O Conselho Supremo ficou seriamente perturbado com tais protestos. Decidiu que a Imprensa seria admitida em todas as Reuniões Plenárias. Resultou que só foram realizadas seis reuniões plenárias, das quais apenas a que tratou da Convenção da Liga teve um pouco mais que um caráter puramente fictício. A fim de amenizar a indignação dos correspondentes de jornais de seus próprios países, os Plenipotenciários se viram obrigados a fornecer “bombons” de informação por sua conta, levando a acusações mútuas de “vazamento” e a recriminações muito ásperas. Vemos, mais uma vez, o exemplo de um modo covarde de encarar os fatos. A Imprensa deveria ter sido alertada antes da abertura da Conferência de que não valeria a pena enviar correspondentes especiais a Paris. Deveria ter sido informada de que as discussões teriam de ser conduzidas em sigilo, e que apenas communiqués feitos por acordo seriam emitidos para publicação. Há somente duas maneiras de lidar com uma Imprensa democrática. A melhor é lhe dizer tudo, o que a desconcerta ao ponto de fastio. A segunda melhor forma é nada dizer, o que pelo menos lhe confere a glória de realizar a proeza de descobrir o que é “secreto” e vem a ser um modo extremamente gostoso de valorizar a notícia. O pior método é dizer meias-verdades sob a forma de vazamentos destinados a manter o bom relacionamento. Este método ambíguo foi o adotado pela Conferência de Paris.
Entre outras, estas foram as falhas de organização que poderiam ter sido evitadas com um pouco de previsão. Chamo a atenção para elas por terem relação com as dificuldades que poderão surgir em congressos futuros e para que uma secretaria que venha a ser constituída possa ter a presciência e a determinação necessárias para extrair dos Plenipotenciários uma posição definida sobre os problemas antes que o Congresso realmente se reúna. Passo, agora, à organização dos comitês, que constituem o embasamento do trabalho de qualquer conferência. Vou abordar os Comitês Territoriais, uma vez que foi integrando um deles que colhi mais experiência.
O Congresso de Viena, depois de um atraso de dois meses e meio, criou oito comitês. A Conferência de Paris, com igual retardo, organizou cinquenta e oito. Funcionaram por seis meses e realizaram 1.646 reuniões. Suas conclusões foram verificadas por 26 investigações locais e discutidas em 72 reuniões do Conselho dos Dez, em 39 do Conselho dos Cinco e em 145 do Conselho dos Quatro. Extraí estes dados do trabalho de M Tardieu, Truth about the Peace Treaty. São impressionantes. Não questiono sua exatidão. Na prática, porém, os Comitês da conferência não foram tão organizados, tão supervisionados, tão verificados e tão excelentes quanto possa parecer.
Em primeiro lugar, ocorreu um atraso desnecessário em sua constituição. É bem verdade que em 25 de janeiro foram criados cinco Comitês para tratar de Culpa pela Guerra e Criminosos de Guerra, de Reparações, de Portos, Vias Navegáveis e Ferrovias, de Mão-de-obra e da Liga das Nações. Mas os Comitês Territoriais só foram plenamente constituídos em fevereiro, e mesmo então sua eficiência foi reduzida pela natureza de sua composição, assim como pelas imprecisões e limitações dos termos de referência recebidos.
Esses comitês consistiam de dez delegados, e cada uma das Cinco Grandes Potências tinha dois representantes. Pelo menos um deles era o chamado “expert técnico,” em outras palavras, o indivíduo que, supostamente, tinha se especializado na área particular que constituía o objeto do trabalho do Comitê. O termo “expert” tem sido atacado porque, em muitos casos, esses infelizes especialistas tinham pouco ou nenhum conhecimento em primeira mão sobre os países cujo destino lhes cabia definir. Não acho que essa linha de crítica seja plenamente justificável. Por um lado, tivemos a oportunidade de consultar gente que passara a vida inteira nos países que estávamos reagrupando, ou tinham dedicado anos de estudo aos problemas que éramos chamados a resolver. Allen Leeper e eu, por exemplo, nunca movemos uma palha sem prévia consulta a peritos com a competência do Dr Seton Watson, que naquela ocasião se encontrava em Paris.
Por outro lado, fico em dúvida se uma longa familiaridade com um país é sempre uma vantagem quando se trata de formular decisões que devem ser de ampla visão, imparciais, despidas de preconceitos e compatível com as necessidades e repercussões fora da área especificamente em discussão. “Uma decisão,” assinala o Dr Day, “sobre o valor de cada alternativa de fronteira envolve não somente um conhecimento dos detalhes, mas também da avaliação da importância relativa dos diferentes interesses humanos e de uma avaliação prospectiva da evolução do homem no futuro.” Nem sempre encontramos essa visão ampla em pessoas que desde a infância viveram em Tirana, ou cuja carreira foi devotada à questão de Koutzo-Vlachs. De fato, considero que a acusação de “desconhecimento” não passa de uma tentativa de distrair a atenção das falhas e erros essenciais nesses Comitês Territoriais. Não era conhecimento o que faltava, mas guia, precisão, coordenação, critério e visão.
“Criar novas fronteiras,” escreve o coronel House, “é sempre criar novas encrencas.” Obviamente, as novas fronteiras na Europa causaram intensa indignação local e inconveniência generalizada. Mas a questão é que elas tinham de ser desenhadas. Não creio que um crítico esclarecido e objetivo, ciente das dificuldades então vividas, chegasse à conclusão que, em seu conjunto, as novas fronteiras foram pouco científicas. Convém lembrar que fomos forçados a operar em carne viva do que era ainda um organismo: era inevitável e previsível que as feridas que criamos levassem algum tempo para cicatrizar. Por exemplo, toda a estrutura econômica e de transportes do Império Austro-Húngaro visava cortar as linhas entre as diferentes nacionalidades: a finalidade toda da Conferência foi restabelecer aquelas nacionalidades. Muitos nervos econômicos e mesmo algumas artérias foram, desta forma, cortados. Mas não havia como evitar, conforme se constatou claramente na época.
É por outras razões, totalmente diversas, que devo criticar a composição e o funcionamento dos Comitês Territoriais. Em primeiro lugar, como já expliquei, foram constituídos ad hoc, isto é, foram criados caso a caso, não em observância a um critério geral, mas para tratar de pretensões fortuitas que algum Aliado ou Novo Estado apresentara à Conferência por meio de um documento exigindo determinado território. Sua principal missão não era, portanto, propor um acerto territorial geral, mas se manifestar sobre as reivindicações particulares de certos Estados.
Esse método empírico e de todo adventício de organização dos Comitês gerou infelizes resultados. O Comitê das Exigências Romenas, por exemplo, só pensou em termos de Transilvânia, o Comitê das Reivindicações Tchecas concentrou-se na fronteira sul da Eslováquia. Só mais tarde percebeu-se que esses dois comitês inteiramente estanques tinham, em conjunto, imposto à Hungria uma perda de território e população de fato muito grande. Se o trabalho tivesse sido concentrado nas mãos de um Comitê “Húngaro,” não apenas se disporia de maior parcela de fronteira para o dá-e-toma das discussões, mas ver-se-ia que o total da cessão imposta deixaria mais magiares sob o governo estrangeiro do que o estabelecido na doutrina da Autodeterminação. É verdade que, nas etapas finais, foi criado um “Comitê de Coordenação” para atenuar superposições dessa natureza. Porém, nessa ocasião, já era difícil rever decisões resultantes de longas semanas de debates exaustivos. Ademais, os membros deste comitê, embora tenham realizado muita coisa, de fato não estavam em condições de conduzir alguma revisão profunda nos termos já acordados.
Um segundo erro na sistemática de organização dos Comitês Territoriais foi o fato de, desde o começo, seus membros não terem recebido, como orientação, nenhuma indicação de que suas propostas na realidade seriam finais e decisivas. Já me referi a esse ponto, mas é tão importante que exige melhor exame. Permito-me reproduzir os termos da orientação transmitida ao Comitê Romeno. São os seguintes:
“Houve concordância de que as questões levantadas na declaração de M Bratianu (...) devem ser encaminhadas para exame, em primeira instância, a um Expert Committee (...) Será encargo do Comitê reduzir as questões para decisão aos limites mais estreitos possíveis e fazer recomendações para um acordo justo (...) O Comitê está autorizado a consultar os Representantes do povo concernente.”
Como tantas decisões do Conselho Supremo, essa orientação era vaga e hermética, a ponto de parecer evasiva. Além disso, todas as questões políticas que afetassem algum dos Aliados (questões como Klagenfurt e o Trentino) foram retiradas da agenda dos Comitês, que eram naturalmente levados a admitir que suas funções eram de simples assessoramento e, em nenhuma hipótese, de caráter executivo. De que essa foi a intenção inicial do Conselho Supremo, não tenho qualquer dúvida. Todavia, com a única exceção do Relatório Polonês, todos os relatórios unânimes dos Comitês foram adotados sem discussão adicional, e, nos casos em que os pareceres não eram unânimes, os Comitês eram solicitados a discutirem novamente a matéria, na esperança de que a unanimidade fosse alcançada. Não afirmo que a importância decisória assim adquirida pelos Comitês tenha sido infeliz ou errada. Digo apenas que, desde os primeiros dias, deveria ter sido previsto que seus membros seriam escolhidos mediante prévio reconhecimento da grande responsabilidade que inevitavelmente lhes caberia. Não foram selecionados segundo este critério.
Um terceiro equívoco foi os Comitês terem sido, desde o início, desestimulados a expressar qualquer opinião que envolvesse “princípios” e “política.” O Comitê Grego, por exemplo, segundo a orientação recebida, ficou encarregado de examinar as reivindicações de M Venizelos. E foi solicitado a decidir se a área reclamada pela Grécia na região de Smyrna se enquadrava como área de população grega. Não lhe foi pedido que informasse se era ou não sensato permitir a presença dos gregos na Ásia Menor.
Acresce que não nos foi dada qualquer orientação relacionada com o inevitável conflito entre “autodeterminação” e “economia.” Os franceses sempre insistiram que nossa tarefa principal era deixar os Novos Estados “viables,” como chamavam, ou, em outras palavras, provê-los do essencial em segurança, transporte e recursos econômicos, sem o que eles seriam incapazes de criar sua independência. Nunca nos disseram até onde podíamos ir observando este argumento. Tampouco havia uma orientação geral aceita para a questão de reivindicações “históricas,” se deviam ser reconhecidas (os italianos, por exemplo, tinham nítida predileção pelo Império de Adriano), ou se devia realmente ser preservado o princípio da “Santidade dos Tratados” (geralmente dos Tratados Secretos). Então, todos esses princípios eram invocados ao mesmo tempo para justificar nossas recomendações.
Em suas contrapropostas de 29 de maio, os alemães tinham toda razão ao alegar que o acerto territorial se baseava ora no princípio da autodeterminação, ora no da necessidade econômica, ora no dos “direitos históricos imemoriais” e que “em todos os casos, a decisão é contra a Alemanha.” Foi desta maneira, por uma sucessão de compromissos frágeis e por um acúmulo de argumentações casuais baseadas em falsos critérios, que a estrutura do wilsonismo foi demolida, tijolo por tijolo. Mais uma vez, o curso dos acontecimentos foi consequência não de uma intenção malévola, mas de uma persistente indefinição de propósitos.
O quarto erro, o que está na raiz de todo o fracasso da Conferência, foi o fato de não estarmos obrigados a ter cada uma de nossas propostas examinada pelos economistas. É verdade que, em momentos de muita dificuldade, consultávamos particularmente especialistas em assuntos como transporte ferroviário e aquático. Posso recordar como o general Mance conseguiu, certa ocasião, me convencer como, com custo mínimo, uma ferrovia alternativa podia ser construída na Eslováquia, permitindo que muitos milhares de magiares se livrassem da incorporação a outra comunidade. Mas em geral não levávamos suficientemente em conta considerações de ordem econômica. E nossa omissão causou grande sofrimento a muitos milhões.
Não digo que o Conselho Supremo deva ser totalmente responsabilizado por essas nossas faltas. A falha repousa mais na inadequação de nossa visão e nosso equipamento mental. Apenas defendo que também houve um momento em que a “falta de um foco central” deixou nosso trabalho fora de perspectiva e comprometeu a inteireza do planejamento. Em toda obra de fazer a paz é absolutamente imprescindível um “foco central.” Esperemos que um erro similar não se cometa de novo.
Hoje em dia, olho horrorizado para o passado, lembrando aqueles intermináveis Comitês nos salões abrasadores do Quai d’Orsay. Vejo um grupo de homens pequeninos na extremidade de uma mesa enorme: mapas, intérpretes, secretárias e filas atrás de filas de cadeiras douradas vazias. As grandes cortinas vermelhas estão cerradas, escarlates contra o sol poente que se esconde suavemente por trás do Sena. Os candelabros brilham com todo o poder do gênio latino. Passamos para o salão de banquetes adjacente por alguns minutos para um chá com brioches e biscoitos de amêndoa. É um aposento grande e elegante, os bules de chá gotejam na bandeja. De volta à nossa longa mesa:
“Messieurs, nous avons donc examiné la frontière entre Csepany et Saros Patâg. Il résult que la junction du chemin de fer Miskovec-Kaschau avec la ligne St. Peter-Losoncz doit être attribuée...”
Regressando ao Majestic, o som da música do salão de baile chegava aos nossos ouvidos.