6 de maio, terça-feira
Stefanik, ministro da Guerra tcheco, um grande herói com apenas metade do estômago e a determinação de um super-homem, morreu num acidente de avião em Bratislava. Foi quem organizou o exército tcheco na Sibéria e, dessa forma, deixou as Grandes Potências profundamente devedoras dos boêmios. Forma nobre de morrer, no momento de seu regresso definitivo a uma nação libertada e vitoriosa. Gente não tão importante quanto ele poderá agora levar adiante sua obra. Mas é uma perda inconfundível, pois ele deu um sabor de champanhe à cerveja pesada do temperamento tcheco.
Incontáveis telegramas chegam dos dois embaixadores em Roma sugerindo diversas formas para um meio-termo no assunto do Adriático. As sugestões não ajudam, pois implicam uma eventual soberania italiana sobre Fiume. Isto jamais será aceito pelos iugoslavos e tampouco por P.W. Parece que o P.W. e Ll.G. estão mais firmes do que nunca sobre esse ponto. É o resultado dos métodos diplomáticos italianos. Se tivessem adotado processos ocidentais em vez de mediterrâneos, ou até napolitanos, provavelmente teríamos compartilhado com boa vontade para achar um meio-termo. Mas, da forma como foi, seu comportamento obstrutivo ao longo de toda a Conferência e a conduta vergonhosa de seus funcionários locais em Fiume, Sebenico, Spalato, Albânia e Rhodes – para não falar na Ásia Menor – deixaram todos contra eles. Podem confiar somente na simpatia, não em própria força inerente. Sacrificaram essa simpatia ao serem sempre mal-humorados, falsos e fraudulentos.
Ouço dizer que Lloyd George e Clemenceau estão autorizando Venizelos a desembarcar uma divisão grega em Smyrna. No mínimo, isso significa que a questão de Smyrna está decidida. Um triunfo pessoal para Venizelos.
Fui ao Cirque Medrano com T.E. Lawrence. Não consigo compreendê-lo. Seu exterior é bem diferente de seu interior, e ele passa rapidamente de um para o outro.
A Sexta Sessão Plenária se reúne para aprovar os termos do Tratado Alemão. Foch levanta-se para protestar contra as cláusulas militares. Willy de Grunne me conta que, depois de tudo terminado, ele estava junto a Foch quando Clemenceau se aproximou colérico: “E por que o senhor marechal resolveu fazer tal cena em público?” Foch se empertigou, cofiando o bigode. “C’était pour faire aise,” respondeu tranquilamente, “à ma conscience.”
7 de maio, quarta-feira
Um dia maravilhoso. As grandes castanheiras tomando goles de luz do sol.
Há um mal-estar porque os húngaros não foram convidados a Paris ao mesmo tempo que os austríacos. Os franceses dizem que o Conselho dos Três decidira que tal convite deveria devia ser feito e que os ingleses cancelaram essa decisão. Na verdade, foi culpa minha, pois tínhamos ouvido que Bela Kun caíra. De qualquer forma, não tem grande importância.
À noite recebo uma mensagem de Hankey informando que o Conselho dos Cinco está examinando a fronteira austro-húngara para uma revisão final. Fico até tarde da noite preparando um memorando e notas sobre essa matéria para A.J.B. O Tratado de Paz é apresentado aos alemães no Trianon Palace Hotel.
8 de maio, quinta-feira
Outro dia de céu limpo. Cerca de onze horas, Eric Drummond chega e me pede “para sairmos.” A caminho diz: “Olhe, gostaria de se juntar a mim na Liga?” Respondi que gostaria muito, desde que o F.O. não se opusesse e que não tivesse meus vencimentos reduzidos etc. Isso quer dizer que não vou para Atenas. Também significa que devo trabalhar com Drummond na organização da secretaria da Liga, um órgão que certamente será de importância vital. Não sei como expressar meu contentamento. Não consigo imaginar uma motivação, uma ocupação, um chefe que pudesse preferir a essa oportunidade. À noite tenho mais uma conversa com Drummond. Nos primeiros meses deveremos ficar em Londres, organizando a base da secretaria. Em setembro e outubro devemos ir à América em busca de possíveis candidatos a cargos e para ouvir opiniões. Não devemos nos estabelecer em Genebra antes do outono.
Durante a tarde é feita a revisão final das fronteiras da Áustria. Vou até a Rue Nitot almoçar e assessorar A.J.B. e o acompanho ao Quai d’Orsay. Lá, naquele mesmo salão pesadamente atapetado, sob o sorriso afetado de Marie de Medicis, de janelas abertas para o jardim e ao som das águas de uma fonte e de uma mangueira de regar jardim, o destino do Império Austro-Húngaro finalmente se está definindo. A Hungria é dividida por decisão de cinco ilustres cavalheiros – indolente e irresponsavelmente dividida – enquanto a água jorra sobre os lírios do lado de fora; enquanto os especialistas esperam ansiosamente; enquanto A.J.B., nos intervalos da dialética sobre pontos secundários, se deixa dominar pela sonolência; enquanto Lansing desenha caricaturazinhas em seu bloco; enquanto Pichon, encolhido em sua confortável cadeira, pisca como uma coruja à medida que as decisões vão sendo conhecidas, uma após outra; enquanto Sonnino, de volta a Canossa, é irritantemente delicado; enquanto Makino, impenetrável e indefinido, observa, observa, observa.
Começam com a Transilvânia, e, após alguns insultos trocados entre Tardieu e Lansing como se fossem bolas de tênis, a Hungria perde seu sul. Em seguida, com a Tchecoslováquia e, enquanto as moscas entram e saem zunindo pelas janelas abertas, a Hungria perde seu norte e seu leste. Em seguida, a fronteira com a Áustria, que é mantida intacta. Depois, a fronteira com a Iugoslávia, onde o relatório do Comitê é aprovado sem alterações. Logo após, chá com biscoitos.
À noite, Bob Vansittart faz sua parte.
Está havendo grande alvoroço porque Brockdorff Rantzau não se levantou para responder a Clemenceau na cerimônia de ontem. O Daily Mail considera que foi “desaforado, não demonstrando arrependimento.” Hermann Norman, que estava perto dele, diz que Rantzau estava à beira de um colapso e que se quisesse levantar não conseguiria. Pergunto a A.J.B. se compartilha do horror e da indignação geral. “Que indignação?”– retruca. “Oh, com a conduta de Brockdorff Rantzau ontem.” “Que conduta?” “Não se levantar quando respondeu a Clemenceau.” “Ele não se levantou? Não notei. Tenho como norma não encarar pessoas quando estão evidentemente angustiadas.” A.J.B. consegue fazer Paris parecer vulgar.
9 de maio, sexta-feira
Passo a manhã redigindo uma nota para A.J.B. abordando as fronteiras austríacas, o que dizer e fazer. Novamente ao Conselho dos Cinco para as fronteiras austríacas. Começam com a fronteira tcheca e em poucos segundos aprovam sem discussão o relatório do Comitê. A seguir, tratam da fronteira com a Iugoslávia, e surge um obstáculo por causa de Klagenfurst. Não existe relato do Comitê sobre esse ponto, uma vez que os italianos se recusaram a permitir que os peritos o examinassem. Sonnino (seu couro cabeludo parecendo cor-de-rosa diante de sua barbicha branca) se esforça para que resolvam uma coisa aqui, outra ali, na esperança de chegar a uma decisão que prive a Iugoslávia do triângulo Assling. Lansing se opõe com grande virulência a esta manobra, afirmando que não pode decidir sem o assessoramento de um especialista e pressionando com firmeza para a organização de um comitê de técnicos. Tardieu, com seu notável senso de oportunidade, diz: “Muito bem, gentlemen. Vejo que a maioria dos membros do Comitê Iugoslavo está presente neste salão. Vamos nos retirar já para a sala vizinha e providenciar para que disponham imediatamente de um parecer.” O couro cabeludo de Sonnino fica roxo. Resmunga desaprovando. Mas não pode ir mais além na obstrução. O Comitê se levanta de suas cadeiras douradas e se retira. Permaneço no local, pois Essad Pasha está previsto na agenda.
Enquanto isso, discutem a Ajuda – a alimentação dos países bálticos. Hoover é convocado. Faz uma exposição absolutamente perfeita. Não chegam a uma decisão e, às seis e meia, suspendem a reunião.
10 de maio, sábado
O Conselho dos Cinco trata mais uma vez da fronteira entre Áustria e Iugoslávia. O Comitê estivera reunido toda a manhã e havia preparado um relatório 3-1, na verdade, trabalho de Allen Leeper. A discussão começa com as partes se estudando, em seguida se torna áspera e, por fim, culmina com uma confrontação entre Lansing e Sonnino sobre os eslovenos serem ou não considerados “inimigos.” Lansing, não há dúvida, é rude. Sonnino quase explode, contendo a fúria. Então, A.J.B. se levanta e faz uma análise realmente brilhante dos princípios que nos orientam. Sua lógica é esmagadora. Quando ele se dispõe a intervir, é uma baleia no meio dos peixinhos. Sonnino, as mãos tremendo tanto que a pequena mesa à sua frente balança como um ramo de faia, replica. Adota vox humana. “Sinto-me constrangido,” diz ele, “pelo clima hostil que a Itália enfrenta neste salão.” Exclamações de “Oh, não, certamente não” por parte de A.J.B. O intérprete traduz a fala de Sonnino para o francês. “Le Baron Sonnino constate qu’il est effrayé par l’inimitié.” “Mais non! Mais non!” – reclama Pichon. Finalmente, o velho Sonnino cede, e a linha preferida pela maioria é aprovada em meio à satisfação geral.
A.J.B. se volta lentamente para mim e diz, “Já tinha me conformado em nunca mais poder voltar à Alemanha e à Áustria. Fico triste em pensar que de hoje em diante a Itália também estará fechada para mim.”
Jantar com Joseph Potocki no Ritz. Refinado anacronismo. Digo para ele o quanto fiquei impressionado ao ouvir Paderewsky quando discursou perante o Conselho Supremo. Ele responde: “Sim, um homem admirável, realmente admirável. Sabe que ele nasceu em uma de nossas povoações? Na verdade, em Chepetowka? Apesar disso, quando converso com ele, tenho a impressão exata de que estou falando com um igual.”
11 de maio, domingo
Almoço com Jacques Blanche. René Boylesve presente. Descanso o resto do dia.
12 de maio, segunda-feira
Conselho dos Cinco. Ou melhor, dos Dez. Para que os Três Grandes se reúnam e saiam de sua majestosa segregação. O acordo austro-húngaro é aprovado em sua totalidade sem objeções.
13 de maio, terça-feira
Lloyd George está tentando chegar a um acordo com os italianos no Tratado do Adriático. Parece que eles ameaçaram retornar a Roma ou, pelo menos, se recusar a assinar o tratado, a menos que sejam satisfeitos na questão de Fiume. Como eu esperava, a ideia de “compensações” na Ásia Menor está na pauta.
Vou até a Rue Nitot com Louis Mallet. Primeiro subimos até os aposentos de A.J.B., depois descemos para o apartamento de Lloyd George. Barnes, o ministro do Partido Trabalhista que integra nossa delegação, está lá. Por alguma estranha razão, está interessado no Adriático. Em seguida, vamos para a sala de jantar. Abro meu grande mapa sobre a mesa de refeições e todos se reúnem em volta. Ll. G., A.J.B., Milner, Henry Wilson, Mallet e eu. Ll.G. informa que Orlando e Sonnino devem chegar em alguns minutos e quer saber que mandato pode lhes oferecer. Sugiro a zona do porto de Adalia, ficando o restante da Ásia Menor para a França. Milner, Mallet e Henry Wilson se opõem à ideia. A.J.B., neutro.
Ainda estamos discutindo quando o balofo Orlando e o vigoroso Sonnino são introduzidos na sala de jantar. O surgimento de uma torta a ser servida é assim mais entusiástico. Ll.G. apresenta sua proposta. Eles pedem também Scala Nova. “Oh, não!” – diz Ll.G. “Vocês não podem ficar com Scala Nova, está cheia de gregos!” Prossegue salientando que há mais gregos em Makri e em toda uma faixa ao longo da costa até Alexandretta. “Bem, não,” sussurro a ele, “não há muitos gregos lá.” “Mas claro que há,” responde, “não vê que está em verde?” Então vejo que ele confunde meu mapa com mapa etnológico e pensa que verde significa gregos, e não vales, e que o marrom significa turcos em vez de montanhas. Ll.G. acolhe a correção com muito bom humor. É rápido como ave pegando peixes. Enquanto isso, Orlando e Sonnino conversam entre si em italiano. Pedem as minas de carvão de Eregli. Ll.G., que agora sabe tudo sobre o assunto, diz: “Mas é carvão de má qualidade e, de qualquer modo, não há muito.” Sonnino traduz essa observação para Orlando. “Si, si,” retruca este último, “ma, l’effeto morale, sa!” Finalmente parecem dispostos a aceitar um mandato sobre a região de Adalia, mas não fica bem claro se, em troca, desistirão de Fiume e Rhodes. Consultamos a Convenção da Liga no que diz respeito a mandatos. Notamos (creio que foi Milner que observou) que este artigo prevê “o consentimento e o desejo dos povos interessados.” Acham a frase muito divertida. Todos caem na gargalhada! As bochechas brancas de Orlando balançam enquanto ri e seus olhos inchados se enchem de lágrimas de alegria.
Concordamos em pôr tudo no papel. Saio com Balfour. Em vez de subirmos para seus aposentos, ele manda buscar seu enorme chapéu preto. “Vou com você até seu escritório,” diz ele. Vamos até o Astoria. A.J.B. está pensativo e formal. Sinto que está profundamente chocado. Chegamos a meu escritório simples e chamo Miss Stafford. Ela aparece com bloco e lápis, pronta para anotar. A.J.B. a trata como se fosse a rainha da Holanda. Em seguida, circula em minha pequena sala, grande e esbelto, transformado em outro A.J.B. totalmente diferente, e dita um memorando desfazendo tudo que fora decidido provisoriamente na sala de jantar de Ll.G. Sugere: (a) zona grega; (b) uma Turquia independente abrangendo toda a Anatólia, mas sob controle internacional sob a forma de assessores estrangeiros em todos os ministérios-chave; (c) uma zona de comércio e imigração de interesse da Itália na região de Adalia.
Em seguida, almoço. Às quatro, de volta à Rue Nitot. Atravesso a rua com Ll.G. e A.J.B até a casa do Presidente Wilson. Ll.G. dispensa Balfour, e eu fico na antessala lendo O retrato de Dorian Gray em uma edição encadernada, amplamente comentada por Francis de Croisset. O jovem Esmond Harmsworth está lá como ajudante de ordens de Ll.G. Enorme e elegante acomodado em uma cadeira.
A porta se abre, e Hankey me convida a entrar. Um escritório pesadamente mobiliado e com meu grande mapa sobre o tapete. Debruçados sobre ele (“bubble, bubble” toil and trouble, que nem as bruxas de Shakespeare), estão Clemenceau, Ll.G. e P.W. Afastaram as poltronas e se agacharam sobre o mapa. Ll.G. diz – amável, como sempre – “Agora, Nicolson, ouça com todas as orelhas.” Prossegue, então, explicando o acordo ao qual tinham chegado. Faço algumas pequenas sugestões, alertando que estão pondo Konia na zona italiana. Também ressalto que estão cortando a Ferrovia de Bagdá. Não levam em conta a observação. O Presidente Wilson indaga: “E quanto às ilhas?” Respondo com firmeza: “São ilhas gregas, senhor Presidente.” “Então, devem ficar com a Grécia?” H.N.: “De preferência!” P.W.: “de preferência!”
De modo informal me mandam sair e rascunhar de imediato as resoluções. O tempo todo Clemenceau permaneceu calado. Está encostado na beira de sua cadeira e repousa suas duas mãos com luvas azuis sobre o mapa. Mais do que nunca parece um gorila amarelo marfim.
Corro de volta ao Astoria e dito resoluções. Ficam da seguinte forma: (1) A Turquia é excluída da Europa e da Armênia. (2) A Grécia recebe a zona Smyrna-Aivali e um mandato sobre a maior parte do vale do vilayet de Aidin. (3) A Itália recebe mandato sobre o sul da Ásia Menor, desde Marmarice até Mersina, mais Konia. (4) A França fica com o resto.
É imoral e inexequível. Mas obedeço ordens. Os gregos estão recebendo demais.
Levo para Hankey, que aprova e me pede para redigir outras resoluções estabelecendo que os Estados Unidos aceitam um mandato sobre a Armênia e Constantinopla.
Faço isso depois do jantar.
Quase morto de cansaço e indignação.
14 de maio, quarta-feira
Os austríacos chegam a St. Germain.
Levanto cedo e reescrevo as cláusulas que tratam da aceitação americana do mandato sobre Constantinopla e a Armênia. Tudo é terrivelmente artificial. Envio para Hankey.
Dito uma nota para A.J.B. sobre as ferrovias tchecas.
Almoço com Smuts. Está muito pessimista. É de opinião que a crise mundial é entre governo (ele pronuncia “gurment”) e anarquia. O primeiro, acha que se mostrou incapaz de um pensamento construtivo ou orientador. Tem seguido o fluxo da opinião pública, em vez de dirigir esse fluxo por canais inteligentes. Smuts acha tudo que temos feito pior, muito pior do que o Congresso de Viena. Os estadistas de 1815 pelo menos conheciam de que tratavam. Estes, não.
Ao Conselho dos Cinco, para tratar de ferrovias tchecas. Antes de entrarem no assunto, o contínuo me traz uma mensagem. Poderia comparecer imediatamente à casa do Presidente Wilson? Pego um carro e sigo apressado pelas ruas ensolaradas até a Place des États-Unis. Mal tinha chegado à antessala e Ll.G. sai do aposento particular e me manda entrar. Encontro o P.W. deitado sobre o tapete em frente à lareira e Clemenceau de quatro a seu lado. Ainda estão examinando atentamente meu incômodo mapa da Ásia Menor. Pedem-me para fazer algumas alterações, de modo a deixar Marmarice fora da zona italiana. Para esse fim, o Presidente já tinha traçado a lápis uma linha no mapa. Tinham acatado minhas duas resoluções.
De volta ao Astoria. Discuto o assunto com Eustace Percy. Imploro para que pressione A.J.B. a fim de que salve as coisas antes que seja tarde demais. Ll.G. vai visitar os exércitos no Reno.
(Carta para V.S.W.)
14 de maio, 1919
“Ontem rascunhei um bilhete para você na antessala do Presidente Wilson, enquanto um homem regava o gramado do lado de fora com uma mangueira, sob o olhar de um sentinela americano. Mal tinha acabado e Ll.G. entrou e exclamou à sua maneira impetuosa, ‘Venha comigo Nicolson e ouça com todas as orelhas.’ Assim, entrei. Lá estavam Wilson, Ll.G. e Clemenceau, suas poltronas arrastadas para perto de meu mapa estendido sobre o tapete da lareira. Fiquei cerca de meia hora – falando e questionando. O Presidente foi extremamente amigável, assim como Ll.G. Clemenceau, desagradável. No estilo ‘mais voyons, jeune home.’
É apavorante que esses homens sem conhecimento e irresponsáveis estejam retalhando a Ásia Menor como se cortassem um bolo. E sem mais ninguém, a não ser eu, que, por acaso, nada tenho a ver com Ásia Menor. Não é terrível ver o destino de milhões decidido desta forma, quando pelos dois últimos meses estivemos rezando e implorando ao Conselho que nos desse tempo para elaborar um esquema?
Suas decisões são imorais e inexequíveis. ‘Mais voyez-vous, jeune homme, que voulez-vous qu’on fasse? Il faut aboutir!’
O engraçado é que a parte que realmente conheço é a da Grécia, e nessa eles foram além, perigosamente além, do que propus nos momentos de maior ousadia.
Lloyd George me pediu para redigir imediatamente as resoluções e fiz um bom trabalho. Amenizei tudo, tentei introduzir no mínimo alguns vestígios de sanidade em suas decisões. Ainda não sei se Ll.G. aceitou meu texto.
Tudo é muito constrangedor, pois me deixa em posição delicada em relação a Louis Mallet, Crowe, Hardinge e A.J.B., que sou obrigado a ultrapassar. (Como Oliphant ficaria para morrer com tal conduta!!)
Realmente, detesto me ver em posição tão incômoda, mas que fazer? Sabia que, se me recusasse, teria sido posto de lado e era melhor tentar e salvá-los de si mesmos. Vai haver um tremenda briga quando tudo vier à tona.”
15 de maio, quinta-feira
Comitê Tcheco pela manhã para ouvir Benes sobre a autonomia da Rutênia. Não ajudou muito. Mais uma conversa com Eustace ao voltar, quando li todo o texto das minutas do Conselho dos Três. Estão abordando separadamente cada “zona de compensação” e parece que acabarão concedendo aos italianos tudo que desejam em cada uma delas. Nesse caso, o Coronel House, que está estudando em separado um acordo sobre Fiume, lhes dará tudo que pretendem no Adriático. A consequência é que terão de pagar um alto preço em território turco para convencê-los a reduzir suas pretensões no Adriático e, então, House cederá na questão de Fiume. No fim das contas, a diplomacia italiana verá seus métodos justificados.
Vou até A.J.B. após o almoço. Converso com ele uma hora inteira sobre esse tema. Ataco o lado moral do retalhamento da Ásia Menor. Ele já está cansado do assunto. “Tudo isso,” diz, “ é sem dúvida verdadeiro. Porém, meu caro rapaz, você esquece que agora estamos na Conferência de Paris. Tudo que você diz é pura estética.” O errado nesses estadistas experientes é estarem tão habituados a justificar conveniências em termos morais que não se convencem de imoralidade nem quando ela não é conveniente.
De qualquer modo, promete fazer algo e, enquanto isso, Ll.G. partiu para visitar os campos de batalha.
Jantar com Mrs Leeds. A.J.B. e House presentes. Espero que confrontem as notas. É matéria difícil de corrigir, de tão confusa. Minha posição pessoal é embaraçosa. Nunca sei o quanto A.J.B. tem conhecimento do que se passa no Conselho dos Três. Sinto-me como se o estivesse traindo sobre o que lá acontece. Mas, em termos oficiais, tenho o dever de lhe contar tudo. Afinal, é meu único chefe. Pergunto a A.J.B. o que devo fazer em tal situação. Ele se preocupa com questões éticas. Disse: “Bem, prometo dizer ao homenzinho o que me contou.” É afável abordando o assunto, mas se mantém desinteressado e distraído. Sinto que posso estar exagerando em minhas aflições e defendendo opiniões pessoais, quando, na verdade, estou ali apenas como um moço com um mapa e habilidade para redigir com clareza.
16 de maio, sexta-feira
Vou ver A.J.B. pela manhã. Um apelo final sobre a Ásia Menor. Tento ser menos “estético” do que ontem e me concentro apenas nos aspectos práticos. Destaco que controle internacional exercido por assessores técnicos colocados em ministérios turcos não significaria um “condominium.” O Sultão, de fato, seria independente. Segundo esse plano, a Itália poderia conseguir uma espécie de acordo de Nogara no sul, e a integridade da Turquia seria mantida.
Hardinge e Crowe estão lá e ele lê para eles as minutas da reunião do Conselho dos Três na quarta-feira. Ele é muito crítico. “Esses três ignorantes,” exclama, “com uma criança a dirigi-los.” Acho que a criança sou eu. De qualquer maneira, trata-se de uma criança aflita. E que não quer ter nada a ver com dirigir esse assunto.
Por fim, A.J.B. concorda em escrever um memorando adicional. Não consigo compreendê-lo. Hardinge me garante que ele está tão preocupado quanto nós. Mas não pode deixar de adotar opinião contrária à de pessoas que parecem agitadas. Suponho que eu realmente pareça agitado.
Enquanto isso, Smodlaka aparece para ver Allen Leeper e lhe diz que a delegação iugoslava, depois de uma reunião que durou a noite inteira, decidiu pedir ao Presidente Wilson que intermediasse entre eles e os italianos. Se os italianos aceitarem (o que duvido), isso simplificará substancialmente o problema e nos livrará deste terrível sistema de compensações.
O gabinete, na Inglaterra, está dando sinais de vida. Ouviu falar da proposta de partição da Turquia. Montagu, Sinha, Bikanir e até Curzon estão ameaçando renunciar. Pobre Ll.G.! É fácil para quem não tem responsabilidade criticá-lo, mas ele está tentando embrulhar uma galinha irrequieta com papel fino. A maravilha é ele ter sido tão bem-sucedido.
À tarde o Conselho dos Cinco discute as fronteiras búlgaras. Não compareço, pois A.J.B. já me viu mais do que o suficiente durante estes últimos dias. Não decidem nem a fronteira com a Romênia, tampouco a da Grécia, mas acertam a fronteira sérvio-búlgara, proporcionando aos sérvios melhores posições defensivas com relação à ferrovia de Vardar e ao enclave de Strumnitza. Uma boa decisão.
Os gregos desembarcam em Smyrna. Muita alegria no Hotel Mercedes.
17 de maio, sábado
Ll.G. regressa.
Comitê Tcheco pela manhã, a fim de discutir o plano de Benes para autonomia dos rutênios. Nós o aceitamos. Pedem-me para redigir um relatório para o Conselho dos Cinco. Um tanto maçante.
Retorno e logo o escrevo.
À tarde, uma visita de Chryssanthos, bispo de Trebizond, enviado por Venizelos para falar sobre o Pontus grego. Tento acalmá-lo sem sucesso. Um sacerdote notável, mas agitado, sobre o peito largo um relicário cravejado de ametistas e topázios.
Jantar com Boni de Castellane na Rue de Lille, 71. A.J.B., Venizelos, Paul Claudel, Berthelot, Jacques Blanche, Anna de Noailles. Ela parece um falcão saído do hieroglifo de um templo de Luxor. Após o jantar, Eve Francis declama poesias de Claudel. Ele senta-se à sua frente, um homem corpulento, fazendo parecer que seu aplauso é dirigido à magistral declamação de Eve, sem qualquer mérito da poesia apresentada.
Retorno com Venizelos. Ele está satisfeito com o desembarque em Smyrna. Diz que “a Grécia só pode encontrar seu verdadeiro futuro no momento em que dominar o Egeu.” Parece indisposto e cansado, mas feliz.
Ouço dizer que A.J.B. escreveu um memorando a Ll.G. e o Conselho dos Três segundo o pensamento que lhe expus. Portanto, no fim das contas, ele acabou influenciado por minha “estética.”
Ll.G. volta da frente de batalha e, como sempre, consegue êxito acalmando todos.
(Carta para V.S.W.)
Sábado, 17 de maio, 1919
Há uma tormenta se formando contra Lloyd George. Tem a ver com a questão da Ásia Menor. Para mim é difícil manter no rumo meu pequeno barco a remo, em meio a esses Dreadnoughts a ponto de se chocarem.
Até A.J.B. está colérico. “Aqueles três todo-poderosos, todo-ignorantes sentados lá e trinchando continentes, com apenas uma criança a dirigi-los.” Suspeito, com muito desconforto, que a tal “criança” sou eu mesmo. Talvez se refira a Hankey. Espero que seja Hankey. Afinal, Hankey é trinta e cinco anos mais moço que A.J.B., só três menos do que eu. Sim, querida, vamos admitir que seja Hankey.
Em seguida, o primeiro-ministro convocou a delegação da Índia, e eles, como acontece com os rajás, fretaram um trem especial. Apenas para descobrir que a questão já fora resolvida pelos três mais a criança, e que Ll.G. tinha saído em um passeio de carro. Desse modo, surgiram ameaças de renúncia – Curzon, Montagu, Bikanir – e até A.J.B. Mas mantenha em sigilo.
Teria sido melhor eu ficar quieto por algum tempo. Tenho conseguido levar adiante minhas ideias, acho que consegui. Mas não gosto de brincar com a pólvora dos outros. Apenas gosto muito da minha.”
18 de maio, domingo
Passo a manhã no Quai d’Orsay corrigindo as provas e a tradução de meu relatório sobre a autonomia da Rutênia.
Converso com Jim Butler sobre a Liga. Ele diz que devemos criar um “Patriotismo da Liga” que se sobreponha ao patriotismo nacional. Claro que devemos. Mas que dose de entusiasmo e de tato será necessária para uma tarefa dessas! Hoje acredito que esse entendimento firme e diamantino é melhor do que qualquer possível idealismo. O americanismo não teve sucesso confrontado com a realidade. O Secretariado da Liga deve se concentrar, acima de tudo, na eficiência. Seu “Patriotismo da Liga” terá de se basear nos sólidos alicerces do bom senso. Não pode haver nenhuma histeria, nenhuma estética.
(Carta para V.S.W.)
18 de maio, 1919, domingo
“Acho que o plano maluco do Conselho dos Três para a Ásia Menor foi liquidado. Estou satisfeito.
Terrivelmente ocupado – tem sido assim desde que você partiu – e hoje não tem jeito nenhum de domingo. Na verdade, corro o risco de passar o dia inteiro no Quai d’Orsay.
Jantar com Boni de Castellane na noite passada... Depois, uma diseuse recitou poesias de Claudel. O próprio Claudel estava lá. As poesias eram boas, realmente boas. Mas ele conservou um sorriso um tanto quanto cínico enquanto eram declamadas. Ele, pelo menos, sabia como a ponta da pena tinha quebrado quando chegou naquele ponto e como a passagem imediatamente após fora plagiada do Journal de Lausanne.” Nenhum poeta é um herói para si mesmo.”
19 de maio, segunda-feira
A maioria dos membros do Gabinete veio de Londres para discutir o futuro da Turquia. Sou chamado à Rue Nitot, mas não me pedem para participar da reunião. Fico sentado do lado de fora, porém, como estou separado do Gabinete apenas por uma vidraça, posso ouvir o que dizem. Curzon pressiona em favor da exclusão dos turcos da Europa e, embora muito a contragosto, aceita a zona grega em Smyrna. Montagu e Milner são contra perturbar ainda mais a Turquia. Winston quer deixá-la como está, mas dando aos Estados Unidos um mandato sobre Constantinopla e os Estreitos, com uma zona se estendendo até Trebizond. A.J.B. quer Constantinopla sob um mandato americano, Smyrna com a Grécia e o restante da Turquia como um reino independente, supervisionado pelos “assessores” estrangeiros. Ll.G. não se compromete. Até agora, nenhuma decisão, pelo que posso perceber através do vidro embaçado.
À noite, redijo com Hankey telegramas determinando aos gregos para não ultrapassarem o sandjak de Smyrna, e a caza de Aivali.
(Carta para V.S.W.)
19 de maio, segunda-feira
“Escute, quando você não tiver nada para fazer poderá, por favor, pensar um pouco na Liga? Sabe, você tem o típico ‘temperamento para a Liga.’ Disponha-se a me ajudar quando eu me tornar nacionalista e antilatino além da conta. Se a Liga se destina a ter alguma importância, deve começar com uma nova concepção, desenvolvendo novas formas de pensar em seus promotores e líderes. Se assim não for, não passará de mera continuação da Conferência, onde cada delegação só admite sua própria opinião, e a unanimidade apenas pode ser alcançada por uma rendição mútua do esquema completo. Nós, nós, devemos esquecer tudo isso e pensar unicamente do ponto de vista da Liga, onde o direito é a razão suprema e em que o meio-termo é um crime. Assim, teremos de nos tornar anti-ingleses quando necessário e, quando igualmente necessário, pró-italianos. Desse modo, quando me vir impaciente com os latinos, deve me repreender. Para mim é um tanto violento, pois gosto do vigoroso, direto, inábil e monótono jeito inglês de tratar as coisas. Temo que o ‘temperamento de Genebra’ venha a ser um tanto tipo subúrbio de Hamstead Garden, mas a coisa pode ser formidável. Devemos trabalhar para isso.
Falando sério, você pode realizar tanto quanto eu fazendo um hábil proselitismo. Pense como servidora do Exército da Salvação e, quando souber que a Liga foi ofendida e ridicularizada, exiba um sorriso amável e diga, ‘mas por quê?’ Não apresentarão um motivo real para condená-la e então você pode frustrá-los com um ‘Obviamente fracassará se pessoas ignorantes a atacarem antes de nascer, sem refletir um só momento a seu respeito.’
Considero a Liga uma grande experiência e quero que você se sinta, de certo modo, como sua protetora.”