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Atraso

A história da Conferência de Paris ainda está por ser escrita. Levará muitos anos até que se consiga reunir e digerir todo o material pertinente. As provas documentais (digamos, no ano de 1953) serão abundantes e autênticas. Nessa época, os testemunhos humanos estarão silenciados ou nebulosos. Ainda assim, estou convencido de que em qualquer congresso internacional é o elemento humano que determina a evolução de uma negociação e seu conteúdo. A finalidade destas notas é cristalizar este elemento antes que se evapore nos resíduos do tempo.

Qual era meu estado de espírito quando cruzei o canal rumo a Paris naquele 3 de janeiro de 1919? Quero reafirmar que não alimento nenhuma ilusão quanto à minha importância naqueles infelizes eventos. Corro o risco de ser considerado egoísta ao apresentar uma opinião pessoal. Estou absolutamente certo de que, no Congresso de Montreal, em agosto de 1965, o estado-maior de especialistas estará constituído por jovens homens e mulheres sujeitos aos mesmos estímulos emocionais e à mesma confiança presunçosa que me inspiraram quando, naquela manhã, almoçava na viagem entre Calais e a Gare du Nord, convicto de que me lançava a uma tarefa para a qual estava qualificado por alentado estudo, elevados ideais e uma completa ausência de paixões e preconceitos. Assim pensando, estava tragicamente enganado.

Um dos “Manuais da Conferência de Paz” preparados para nossa orientação foi o elaborado pelo professor Webster com base no Congresso de Viena. Li atentamente esse pequeno, conciso e competente trabalho. À medida que o trem se aproximava de St. Denis, senti que sabia exatamente os erros que tinham sido cometidos pelos mal orientados, reacionários e, afinal, patéticos aristocratas que tinham representado a Inglaterra em 1814.

Tinham trabalhado em segredo. Nós, por outro lado, estávamos decididos a “chegar a acordos negociados com toda transparência.” Não haveria segredo sobre os procedimentos. Os povos em todo o mundo compartilhariam conosco cada etapa da negociação.

Ainda me reportando a Viena, eles acreditavam na doutrina das “compensações.” Mencionaram um tanto cinicamente a “transferência de almas.” Nós, de nossa parte, não estávamos dispostos a cometer este erro. Acreditávamos no nacionalismo, acreditávamos na autodeterminação dos povos. “Povos e Províncias,” assim pregavam os “Quatro Princípios” de nosso Profeta, “não serão jogados de uma soberania para outra como se fossem peças de mobília ou peões de um jogo de xadrez.” Diante destas palavras “peões” e “mobília,” nossos lábios se contraíam com democrática repulsa.

Mas não era só isso. Estávamos a caminho de Paris não apenas para pôr um fim à guerra, mas para definir uma nova ordem europeia. Estávamos preparando não só uma Paz, mas a Paz Eterna. Pairava sobre nós um halo de missão divina. Devíamos nos manter alertas, firmes, íntegros e devotados. Estávamos destinados a realizar coisas grandiosas, duradouras e nobres.

É com certa tristeza que hoje recordo uma conversa que tive com Mr J.L. Garvin em 5 de dezembro, quando ainda estava em Londres. Por alguma estranha razão, tínhamos estado juntos em um teatro e depois caminhávamos de volta à casa por St. Martin’s in the Fields. Paramos na calçada e continuamos a discussão sobre a Conferência que se avizinhava. Olhei fixa e desafiadoramente para Whitehall e expliquei a Mr Garvin o quanto realmente eram nobres, muito nobres, meus princípios. Ele ouviu com sua habitual complacência as loucuras de moço. “Bem,” disse, “se realmente é esse o espírito que o move ao partir para Paris, fico muito contente.”

Hoje em dia fico rindo de tal excesso de fantasia. Todavia, naquele momento estava sendo absolutamente sincero. Quero analisar os ingredientes desta sinceridade.

A Conferência foi uma imposição, por um grupo de países vencedores, de determinadas cláusulas de rendição a um grupo de países derrotados. Mas não era nesses termos que nós, os mais moços, encarávamos nossa missão. Pensávamos menos nos antigos inimigos e mais nos novos países que tinham emergido de suas entranhas exaustas. Nossas emoções giravam menos em torno do velho e mais em torno do novo. Concito os jovens que estarão assessorando os representantes ingleses na Conferência de Montreal em 1965 a acreditar quando digo que os conceitos de “Alemanha,” “Áustria,” “Hungria,” “Bulgária” ou “Turquia” não eram prioritários em nosso pensamento. O que fazia nossos corações cantarem hinos nos portões do céu era pensar em uma nova Sérvia, uma nova Grécia, uma nova Boêmia, uma nova Polônia. É muito significativo esse ângulo de abordagem emocional. Acredito que era um ângulo generalizado, mas que não ficará visível nos documentos pertinentes. Requer um demorado e atento estudo de “The New Europe” – revista publicada na época por iniciativa dos Drs Ronald Burrows e Seton Watson, discorrendo sobre a doutrina da qual eu estava profundamente imbuído. Surgiram tendências e preconceitos que obtiveram sucesso, não em consequência de um desejo vingativo de subjugar e castigar nossos antigos inimigos, mas de um ardoroso anseio de criar e fortalecer as novas nações para as quais voltávamos nossa atenção, com instinto maternal, como justificação para nossos sofrimentos e de nossa vitória. A Conferência de Paris nunca será interpretada corretamente se esse componente emocional não for sublinhado em cada fase.

Posso, acredito, recordar com certa precisão o que sentia na época em relação a nossos últimos inimigos. Minha posição em relação à Alemanha era um misto de medo, admiração, simpatia e desconfiança. Por um lado, naquela ocasião eu gostava dos alemães tanto quanto antes da guerra. Estava muito impressionado com a coragem da população civil alemã ao enfrentar o bloqueio e também com os grandiosos feitos da esquadra e do exército alemães no mar e em terra. Por outro lado, tinha me assustado com seus bombardeios, apreensivo com o sucesso de seus submarinos e humilhado por suas vitórias incessantes. Eu os odiava por sua crueldade natural e os desprezava por sua inabilidade política. Desconfiava deles por sua falta de confiabilidade diplomática. Todavia, esta mistura de sentimentos não me deixou nenhum resíduo de desejo de vingança. Deixou-me apenas com o anseio premente de que no futuro a Alemanha pudesse se tornar inofensiva.

Com relação à Áustria, alimentava um sentimento “de mortuis.” Meus interesses antiquários lamentavam seu desaparecimento. Minhas tendências modernistas comemoravam a vitalidade que agora devia emergir daquele solo exausto. Minha posição em relação à Áustria era uma reflexão um tanto triste sobre o que restaria dela quando se criasse a Nova Europa. Não a encarava como uma entidade viva: pensava na Áustria apenas como uma relíquia patética.

Meus sentimentos relacionados com a Hungria eram menos imparciais. Confesso que encarava – e ainda encaro – aquela tribo turaniana com profundo desagrado. Como seus primos, os turcos, tinham destruído muito e nada construído. Buda Pest era uma cidade espúria, despida de qualquer realidade autóctone. Por séculos, os magiares oprimiram as nacionalidades por eles subjugadas. Chegara a hora da libertação e da desforra.

Para com os búlgaros, eu alimentava um sentimento de desdém. Suas tradições, sua história, suas vinculações na época deveriam tê-los ligado à causa da Rússia e da Entente. Tinham se portado traiçoeiramente em 1913, e, na Grande Guerra, reincidiram nesse ato pérfido. Motivados por ambições materiais, aliaram-se à Alemanha e, ao fazê-lo, estenderam a guerra por mais dois anos. Quando vitoriosos, foram impiedosos e imprevidentes na Sérvia e na Macedônia. Tinham se aliado a nossos inimigos por motivos exclusivamente egoístas, mas suas previsões mostraram-se erradas. Agora, se empenhavam em lançar sobre o rei Ferdinand a culpa pelo que na realidade fora um movimento de egoísmo nacional. Não achava que os búlgaros merecessem condescendência maior do que a que estariam dispostos a conceder em circunstâncias semelhantes.

Pelos turcos não tinha e não tenho a mínima simpatia. A longa residência em Constantinopla me convencera de que, por trás de sua máscara de indolência, o turco esconde impulsos da mais brutal selvageria. Essa convicção diminuiu ante seu comportamento com a guarnição de Kut ou com os armênios no interior de suas fronteiras. Os turcos em nada contribuíram para o progresso da humanidade. Não passam de uma raça de saqueadores anatólios. Meu desejo era que no Tratado de Paz ficassem confinados ao território da Anatólia.

Esses eram os sentimentos, – e creio que este resumo seja uma representação precisa – bem diferentes das ideias com que fui para Paris. Porém, se quero transmitir corretamente o estado de espírito dominante e médio em janeiro de 1919, também devo falar dos propósitos mais definidos em nós induzidos pelas doutrinas e pelo árido revivalismo de Woodrow Wilson.

No fim do outono de 1913, certo dia almocei com Mr Henry Morgenthau, que chegara recentemente a Constantinopla como embaixador dos Estados Unidos. Depois do almoço sentamos no terraço apreciando o contorno de Istambul por entre esparsos e cansados ciprestes. Fiz perguntas sobre Woodrow Wilson, que acabara de surgir para nós orientais como um planeta flamante no longínquo oeste. Mr Morgenthau levantou-se, de repente, e entrou em seu gabinete. Voltou com um livro e o depôs em minhas mãos. “Se quer realmente,” disse, “aprender a lição de wilsonismo, leia este livro.”

Hoje já não recordo qual das muitas obras de Mr Wilson foi posta em minhas mãos naquela tarde suave. Sei apenas que a expressão “wilsonismo” prendeu minha atenção. “Eis aqui,” refleti, “um homem que é algo mais do que um político; é o expoente de uma nova teoria política. Senti algo na entonação do embaixador que parecia mais do que simples companheirismo, mais ainda do que respeito profundo. Havia um traço de fervor religioso. Preciso estudar as palavras e os feitos deste novo profeta.” Foi a partir daquele momento que comecei a absorver “a filosofia política completa” de Woodrow Wilson. Naquela tarde de outono não fui capaz de prever a que picos de fé e a que vales de reação o breve gesto de proselitismo de Mr Morgenthau iria me levar. Pelo fim de 1918, os ensinamentos de Woodrow Wilson tinham se acomodado em minha mente em três categorias principais. Havia os principais artigos de fé, simples e, portanto, místicos. Havia a aplicação dessas crenças ao grande problema da neutralidade americana. Havia, como corolário de sua proposta, os “Quatorze Pontos,” os “Quatro Princípios” e os “Cinco Detalhes.”

Os dogmas de sua filosofia política eu aceitava com credulidade ardorosa. Ainda hoje creio neles, apesar de amarga desilusão. Acreditava com ele que o padrão de conduta política e internacional devia ser tão alto e sensível quanto o da conduta pessoal. Acreditava e ainda acredito que o único patriotismo verdadeiro é um ativo desejo de que a tribo ou o país da gente sirva a esse ideal em cada manifestação. Compartilhava com ele o ódio pela violência em qualquer forma e a aversão ao despotismo em qualquer forma. Entendia, como ele, que esse ódio é o que sente a maior parte da humanidade, e que no novo mundo essa força silenciosa de sentimento popular podia tornar-se o poder controlador no destino da humanidade. “As novas coisas mundiais,” proclamou o Presidente Wilson em 5 de junho de 1914, “são as coisas que se distanciam da força. São as compulsões morais da consciência humana.” “Homem nenhum,” declarou, “pode se desviar destes valores sem se afastar da esperança de todo o mundo.”

Eu admitia, claro, que nas semanas que se seguiram a esta afirmação as “compulsões morais da consciência humana” não tinham se revelado muito obrigatórias. Também admitia que Wilson, como profeta, era um profeta muito americano – que sua filosofia na prática era aplicável apenas às proporções do poder disponíveis no Hemisfério Ocidental. Eu estava consciente, sobretudo, de que havia em seus pronunciamentos um ligeiro traço de revivalismo, um toque de arrogância metodista, mais do que um traço de presunção presbiteriana. Mas não me sentia dissuadido por essas restrições. “Os Estados Unidos,” li, “não se podem arvorar em donos do mundo” – Mr Wilson falava em 1914 – “mas podem proclamar a distinção de levar certas luzes que o mundo jamais viu com tanta nitidez, fachos que iluminam os caminhos da liberdade, do princípio e da justiça.” Não me desconcertavam o toque bíblico dessas palavras, tampouco seu sabor Princeton.

Também me agrada pensar que, com os nervos atingidos pela duração da guerra, conservei minha crença em Wilson como um profeta da racionalidade humana. Minha fé era reforçada, de tempos em tempos, pelo privilégio da convivência com Walter Page. “É algo que existe,” li em maio de 1915, “um homem ser orgulhoso demais para lutar. É algo que existe, uma nação ser tão certa que não precisa convencer outras pela força que está certa. Ao contrário da maioria de meus compatriotas, não considerava esta declaração irritante, antes a considerava consistente, corajosa, sã. Também não fiquei muito incomodado, em janeiro de 1917, pelo tom ditatorial, quase teocrático, que desde aquela data começou a invadir o didatismo de Princeton. “Existem,” li, “princípios americanos, políticas americanas. Não seguimos nenhum outro. São os princípios da humanidade e devem prevalecer.” Senti que essa afirmação deveria ter usado palavras com mais tato. Mas como afirmação era bastante sólida e com ela concordei. Nove dias mais tarde, os alemães, em sua cegueira, anunciaram a decisão de lançar a guerra submarina sem limites. Em 4 de abril, os Estados Unidos entraram na guerra. A partir daquele momento, eu não estava em minoria na minha fé em Woodrow Wilson.

Pouco depois, no dia 8 de janeiro de 1918, surgiram os Quatorze Pontos.

Muito casuísmo e alguma perspicácia têm sido empregados sobre esses pronunciamentos históricos. O próprio Presidente Wilson a eles se referiu em 1919 como “certos princípios claramente definidos que devem criar uma nova ordem em que imperem o direito e a justiça.” Nesse mesmo dia, vemos Mr Balfour mencioná-los como “certos princípios admiráveis, mas muito abstratos.” No entento, seriam realmente tão “muito abstratos”? Considerando a data em que foram emitidos, os Quatorze Pontos são precisos a ponto de temeridade. Podem perfeitamente ser resumidos da forma a seguir:

 

Discurso de 8 de janeiro de 1918.

 

        O programa da paz mundial é, portanto, o nosso programa, e esse programa, o único possível, como o vemos, é este:

 

  1. “Pactos abertos de paz abertamente negociados, depois dos quais não haja entendimentos privados de nenhum tipo, mas sim diplomacia efetuada sempre francamente e à vista do público.”
  2. “Absoluta liberdade de navegação sobre os mares além das águas territoriais, tanto na paz quanto na guerra...”
  3. “Remoção até onde possível de todas as barreiras econômicas...”
  4. “Garantias adequadas dadas e recebidas de que armamentos nacionais serão reduzidos ao mais baixo nível compatível com a segurança interna.”
  5. “Um ajuste livre, aberto, razoável e absolutamente imparcial de reivindicações coloniais, com base na estrita observância do princípio segundo o qual, na solução de todas essas questões de soberania, os interesses das populações concernentes devem ter o mesmo peso das reivindicações dos governos cujo domínio está em causa.”
  6. “A evacuação de todo o território russo.” (...) “A Rússia deve ter a oportunidade sem constrangimentos, sem obstruções, de determinar com toda a independência seu próprio desenvolvimento político e sua política nacional.” A Rússia ser bem-vinda, ”mais do que bem-vinda,” na Liga das Nações, “com instituições de sua própria escolha” e recebendo toda forma de ajuda.
  7. A Bélgica a ser evacuada e restaurada.
  8. A França a ser evacuada, as porções invadidas “restauradas,” e a Alsácia-Lorena devolvida a ela.
  9. “Reajuste das fronteiras da Itália efetuado segundo linhas claramente reconhecíveis de nacionalidade.”
  10. “Aos povos da Áustria-Hungria (...) a mais livre oportunidade de desenvolvimento autônomo.” (n.b. – Esse ponto foi subsequentemente modificado para completa independência em lugar de “desenvolvimento autônomo.)
  11. Romênia, Sérvia e Montenegro evacuados, e os territórios ocupados “restaurados.” A Sérvia receber livre acesso ao mar.
  12. As porções turcas do Império Otomano terem “uma soberania segura.” Nacionalidades subjugadas terão segurança e “a oportunidade de desenvolvimento autônomo absolutamente sem constrangimentos.” Garantida a liberdade dos Estreitos.
  13. Erigir-se um Estado Polonês Independente, que “deve incluir territórios habitados por populações inquestionavelmente polonesas e receber acesso ao mar livre e seguro.”
  14. Deve ser formada uma associação geral de nações, segundo pactos específicos, “com o fim de proporcionar garantias mútuas de independência política e integridade territorial para grandes e pequenos estados igualmente.”

 

A esses quatorze pontos devem ser acrescentados os “Quatro Princípios” e os “Cinco Detalhes.” Os Princípios surgiram num discurso de 11 de fevereiro de 1918, prefaciados por uma declaração de que a Paz eventual não conteria “anexações, contribuições e danos punitivos.” Os Princípios poder ser assim resumidos:

 

  1. “Cada parte do acordo final deve basear-se na justiça inerente ao caso particular.”
  2. “Povos e províncias não devem ser trocados e destrocados de uma soberania a outra como permuta de mobiliário ou de peões num jogo de xadrez.”
  3. “Todo acerto territorial deve ser do interesse das populações envolvidas, e não mero componente de compromissos para conciliar reivindicações de estados rivais.”
  4. “Todos os elementos nacionais bem definidos receberão a máxima satisfação possível, sem introduzirem novos ou perpetuar antigos vetores de discórdia e antagonismo.”

 

Os “Cinco Detalhes” aparecem num discurso de 27 de setembro de 1918. São menos esclarecedores. O primeiro insistia na justiça para amigos e inimigos igualmente. O segundo denunciava todos os “interesses em separado.” O terceiro dispunha que não haveria alianças no corpo da Liga, e o quarto proibia as combinações econômicas entre membros da Liga. O quinto “detalhamento” reafirmava a proibição de Tratados secretos.

 

Eu não só acreditava profundamente nesses princípios, mas também tinha como certo que os Tratados de Paz se baseariam exclusivamente neles. Afora sua inerente compulsão moral e à parte o fato de que constituíam a única base consensual para nossa negociação, eu sabia que o Presidente dispunha de irrestrito poder físico para impor seus pontos de vista. Naquele momento, éramos todos dependentes da América, não só para os tendões da guerra, mas também para os tendões da paz. Nosso suprimento de alimentos, nossas finanças, estavam inteiramente subordinados aos ditados de Washington. A força de compulsão possuída de Woodrow Wilson naqueles primeiros meses de 1919 era esmagadora. Jamais nos ocorreu que, se houvesse necessidade, ele hesitaria em usá-la. “Nunca,” escreve Mr Keynes, “um filósofo possuiu tantas armas com que dobrar os Príncipes do mundo.”

Ele não usou aquelas armas. Não era (e para nós foi doloroso aos poucos constatar) um filósofo. Era apenas um profeta.

Tais eram, portanto, minhas percepções, meus pensamentos e minhas intenções quando fiz o caminho rumo a Paris. Não tinha dúvida, como disse, de que nos princípios do Presidente Wilson se fundamentaria a paz. Minha confiança, estou convencido, era compartilhada pelos colegas que eram meus iguais em idade e em status. Claro que se pode dizer que as emoções e os conceitos de servidores civis são de menor importância para o desfecho dos grandes acontecimentos políticos. Ponho em dúvida essa argumentação. Se tivéssemos todos, embora vinculados a nossas funções, preservado nossas crenças originais e nosso estado de espírito, nossa capacidade de atuar conjuntamente teria sido importante. Na verdade, porém, à medida que as semanas passaram, sofremos uma perda de confiança, uma queda de idealismo e uma mudança de espírito. Estas memórias têm por finalidade registrar e explicar tal mudança. Ela deveu-se em grande parte a causas além de nosso controle, mesmo quando, no momento, delas não tínhamos consciência. Causas semelhantes estarão presentes em qualquer congresso de igual complexidade e magnitude. Escrevo este livro para alertar futuros servidores civis.

Neste instante, permitam-me voltar no tempo. Vejo-me, em 3 de janeiro de 1919, entre volumes com documentos e caixas-arquivo de estanho dirigindo-me da Gare du Nord para o Hotel Majestic. Permitam-me fazer uma avaliação de quanto os princípios enunciados nos Quatorze Pontos foram realmente adotados pelos eventuais Tratados de Paz.

Nossos pactos de paz não foram negociados com transparência. Poucas vezes se viu tanto segredo no curso de um encontro diplomático. A Liberdade dos mares não foi assegurada. Longe do estabelecimento do Livre-Comércio na Europa, levantou-se uma barreira de tarifas maior e mais numerosa do que jamais se vira. Não se reduziram os armamentos nacionais. As Colônias Alemãs foram distribuídas entre os vencedores de uma forma que não se caracterizou por liberalidade, nem desprendimento e tampouco imparcialidade. Os desejos, para não falar nos interesses, das populações (como no Sarre, em Shantung e na Síria) foram flagrantemente ignorados. A Rússia não foi bem recebida na Sociedade das Nações e não lhe foi concedida liberdade para organizar suas próprias instituições. As fronteiras da Itália não foram reajustadas pela linha das nacionalidades. Às porções turcas do Império Otomano não se garantiu uma soberania segura. O território da Polônia incluiu muita gente indiscutivelmente não polonesa. Na prática, a Liga das Nações não foi capaz de assegurar independência política às Grandes e Pequenas nações igualmente. Províncias e povos na verdade foram tratados como peças de mobiliário e peões do xadrez. Os arranjos territoriais, em quase todos os casos, se basearam em meras acomodações e compromissos, conciliando reivindicações de estados rivais. Na prática, perpetuaram-se elementos de discórdia e antagonismo. Nem mesmo o velho sistema de Tratados Secretos foi inteira e universalmente destruído.

Das vinte e três condições do Presidente Wilson, apenas quatro, pode-se dizer com alguma precisão, foram incorporadas aos Tratados de Paz.

A delegação inglesa em Paris ficou hospedada no Hotel Majestic, na Avenue Kléber. Esse gigantesco caravanserai fora construído quase todo em mármore ônix, para ser usufruído pelas senhoras brasileiras que, antes da guerra, iam a Paris comprar suas roupas. Mr Alwyn Parker, ao nos distribuir as acomodações, levou na devida consideração os perigos e tentações a que poderíamos ficar expostos. Na primeira categoria – perigos – ele tinha (tal como pensava habitualmente) previsto as duas subcategorias (a) espionagem e (b) doença. Como proteção contra (a), encarregou Sir Basil Thomson da Scotland Yard da missão de organizar um “serviço de segurança.” Em consequência, embora fosse bastante fácil sair do Majestic, entrar era extremamente difícil. Muitos representantes estrangeiros foram detidos por suspeita de forçarem a entrada. Mr Parker foi mais além. Tinha estudado a fundo o Congresso de Viena e estava decidido, com toda razão, a não permitir que a Conferência de Paris repetisse o despropósito de Metternich. Deste modo, o Hotel Majestic foi ocupado, do porão ao último andar, por empregados ingleses bem preparados, oriundos de nossos hotéis do interior. A alimentação, por conseguinte, era do tipo anglo-suíço, enquanto o café era genuinamente inglês. Todavia, todo o nosso trabalho acabou sendo realizado no vizinho Hotel Astoria. Foi lá que arquivamos nossos documentos e guardamos nossos mapas. Os empregados do Astoria eram de nacionalidade francesa. Houve momentos (geralmente no café da manhã) em que sentimos que tinha ocorrido um ligeiro lapso na lógica de Mr Parker.

Mas como organizador Mr Parker foi soberbo. A fim de se proteger contra a categoria (b), tinha contratado um médico obstetra de grande renome. O quadro de funcionárias ficou subordinado a um supervisor. Desta forma, o clima no Majestic era de alegria e companheirismo anglicanos.

A delegação inglesa englobava 207 pessoas, sendo: 12 do Foreign Office, com 6 secretários; 28 do Ministério da Guerra; 22 do Almirantado; 13 da Força Aérea; 26 do Tesouro e do Comércio; e 75 dos Domínios.

Com frequência, ouve-se afirmar que havia gente demais. Seria mais apropriado dizer que a pressão do trabalho estava desigualmente distribuída. Determinados membros da delegação, em particular os especialistas políticos e econômicos, ficaram evidentemente sobrecarregados. Outros membros, em especial os grupos assessores dos representantes dos Domínios, viam as horas passarem lentas. Inevitável e compreensivelmente, fizeram o melhor uso de sua posição de certa forma inútil. O grande saguão do Majestic ficava tomado pelo barulho das xícaras de chá e a melodia das músicas para dançar ecoando escadas acima. Nossos visitantes mais críticos viriam a exagerar estes sintomas de relaxamento. Em Londres correu o boato de que o Majestic era o reduto dos preguiçosos. Houve em Pall Mall quem resmungasse que Lord Castlereagh fora para Viena acompanhado por um grupo de apenas dezessete auxiliares. Eu mesmo reconheço que houve momentos em que me senti desconfortável naquele saguão agitado, pois me desagradava ver o espetáculo daquela gente alegre que não tinha como preencher seu tempo. Tempo, tempo, tempo! Tornou-se uma obsessão para nós, à medida que as semanas se passavam. Ficar vendo o tempo balançar e dançar ante nossos olhos era realmente uma terrível provação. Entretanto, não creio que a acusação de excesso de gente fosse totalmente justificada. Era essencial ter à disposição muitos especialistas que poderiam ser solicitados a qualquer instante. Não se podia evitar que os representantes dos Domínios viessem acompanhados por secretários e assistentes. Também convém lembrar que, tão logo as linhas gerais de trabalho foram claramente definidas, os vadios mais óbvios foram mandados de volta para Londres.

A organização interna da delegação inglesa foi estabelecida logo nos primeiros dias. Lord Hardinge, na condição de “embaixador encarregado da organização,” assumiu principalmente os deveres administrativos. Sir Maurice Hankey foi designado secretário da delegação e montou seu escritório na Villa Majestic, no outro lado da rua. Mr Clement Jones conviveu alegre e fraternalmente com os representantes dos Domínios e Mr Lloyd George se refugiou na Rue Nitot, com Mr Balfour no andar de cima.

Na pista de corridas em Auteil foi instalada, para desagrado dos parisienses, o setor encarregado da impressão de documentos. A vizinhança do Majestic ficava aturdida com o barulho dos motociclistas. Uma frota de carros do exército facilitava nossos deslocamentos. Um sofisticado sistema telefônico nos ligava a Londres e ao mundo exterior. Um serviço expresso de aviões ligava diariamente Buc e Croydon. Antes da abertura da conferência, toda a parafernália do Majestic, do Astoria, da Villa Majestic e da Rue Nitot funcionava com a reconhecida eficiência de um ministério inglês.

No sábado, 11 de janeiro, chegaram a Paris o primeiro-ministro e os representantes diplomáticos dos Domínios. No domingo, 12 de janeiro, teve lugar no Quai d’Orsay a primeira reunião não oficial entre os plenipotenciários. Na segunda-feira, 13 de janeiro, a delegação do Império Britânico teve sua primeira reunião, e na tarde do mesmo dia os plenipotenciários voltaram a se reunir, sob o título de “Conselho Supremo de Guerra,” a fim de ratificar o armistício. Mas somente no sábado, 18 de janeiro, a conferência foi oficialmente aberta, e apenas uma semana mais tarde foram designados os cinco comitês encarregados de preparar o material técnico. Os Comitês Territoriais, porém, que deviam criar as futuras fronteiras da Europa, só foram formados na primeira semana de fevereiro.

O atraso de mais de nove semanas entre a assinatura do armistício e a primeira tentativa séria de se debruçar sobre o trabalho certamente permanecerá sendo uma das mais irrespondíveis críticas que se fazem à Conferência de Paris e para as quais não se encontra resposta. Por conseguinte, é necessário examinar as causas, psicológicas e outras mais, que provocaram esse atraso. É possível identificar duas fases distintas. A primeira corresponde ao atraso entre o armistício e a reunião da Conferência. A segunda diz respeito ao que ocorreu entre a abertura da Conferência e o início dos trabalhos propriamente ditos.

Os motivos para escusar a postergação da Conferência de Paz em geral são estranhos e variados. Surge em primeiro lugar o argumento histórico. O Congresso de Viena foi mais dilatório ainda. As procrastinações do Congresso de Westfália foram infinitamente mais dilatadas. Em segundo lugar, aparece o argumento ético. Era preciso, era justo que se desse tempo para que as mais extremadas paixões geradas pela guerra declinassem, antes que os governantes de todo o mundo se reunissem para estabelecer uma nova ordem de justiça e equidade. Em terceiro lugar está o argumento prático. A Paz nos pegara de surpresa. Estávamos tão familiarizados com a derrota que a vitória, quando aconteceu, pareceu inacreditável. Foram necessárias muitas semanas para que pudéssemos tomar consciência de que tínhamos triunfado. Também era preciso que o Presidente Wilson, o protagonista da conferência, tivesse tempo suficiente para se familiarizar com a opinião continental. Precisava ver as áreas devastadas com seus próprios olhos e sentir com seus próprios dedos secos o pulso quente da Itália, o pulso intermitente da Bélgica, o pulso febril da França e o pulso de yeoman da Inglaterra. Mr Wilson devia se adaptar à Europa antes que lhe fosse confiado estabelecer-lhe os futuros destinos.

Do mesmo modo, Mr Lloyd George teve de consultar o povo antes de se dirigir a Paris com seu mandato. O Dr Kramarsh, da Boêmia, M Dmowsky da Polônia, M Bratianu da Romênia, Messrs Pasic e Trumbic da Sérvia, Croácia e União Eslovena, cada um deles devia dispor de tempo para consolidar a surpreendente mudança de status e território experimentada por seus países; cada um devia dispor de tempo para poder se apresentar em Paris como representante de algo organizado e real.

A Alemanha também constituía um problema. O colapso do Império Hohenzollern, em sua gigantesca precipitação, levantara uma nuvem de poeira. Vagamente, em meio à névoa criada pelo cimento e a argamassa desabados, apareceram certas figuras: Liebknecht, Noske, Scheidmann, os “spartacistas.” Quais desses personagens eram centrais? Não sabíamos. Talvez tenha sido melhor deixar baixar a poeira antes de ir adiante. Pouco adiantaria tentar celebrar a paz com a Alemanha enquanto não se soubesse se realmente surgiria uma entidade como o Reich Alemão com o qual se pudesse fazer a paz.

Era melhor esperar.

Cada um desses argumentos continha um componente verdadeiro e um falso. É possível, raciocinando logicamente, alegar que a Conferência de Paz já estava completamente montada desde o Conselho de Versalhes em outubro e novembro de 1918. O coronel House, sem um momento de hesitação, estava plenamente preparado (uma afável Atena) para representar seu amigo ausente. Os outros já estavam lá.

Todavia, pode-se questionar se o teocrata da Casa Branca teria consentido em tal acerto. O Presidente, a despeito de toda dissuasão, estava decidido a aparecer em pessoa. Sua decisão, uma vez anunciada, era incontestável. Em 2 de dezembro, ele estava agendado para apresentar sua mensagem anual ao congresso. Portanto, de qualquer forma, não havia a possibilidade de a Conferência se reunir antes de 15 de dezembro. Por aquela data, as eleições na Inglaterra já estariam facilmente concluídas. Não encontro explicação para a Conferência não ter sido aberta em 18 de dezembro.

Está registrado que o próprio Presidente Wilson fixara aquela data como dia da abertura. É injusto acusá-lo de ter desperdiçado as três semanas seguintes visitando Londres e Roma. Essas visitas eram desnecessárias e foram realizadas unicamente para salvar a face do Presidente. Eram mais do que desnecessárias: eram muito perturbadoras. Poucos homens teriam resistido a tal apoteose. O Presidente Wilson reagiu com seu modo característico, mas foi uma pena. Ficou obcecado pelos “olhos mudos do povo.” As multidões na Victoria Station e no Corso o aclamaram como símbolo de sua própria vitória. Ele imaginou que o aclamavam como símbolo da Nova Europa. Essas visitas, essas lamentáveis e histéricas visitas, convenceram Woodrow Wilson de que os povos da Europa estavam de corpo e alma a seu lado. Uma convicção tremendamente enganadora.

Mr Robert Lansing, em seu pretensioso livro sobre a Conferência de Paz, dá a entender que M Clemenceau estava ansioso por adiar a abertura da Conferência até que o armistício fosse revisto nos termos da mentalidade francesa e que ele próprio “conhecesse melhor o presidente.” Tenho dúvida de que essas considerações de ordem militarista ou social realmente tenham entrado no pensamento de Clemenceau, homem rude, mas razoável. Consultei muitas personalidades importantes da Conferência a propósito dessa questão. “Por que,” perguntei, “a Conferência foi adiada de 18 de dezembro para 18 de janeiro”? Responderam: “Oh, tinha o Natal, claro, e queríamos estar livres. Além disso, era necessário dar tempo para as emoções baixarem e, afinal, tínhamos de avaliar a situação. A Rússia, é bom lembrar, estava convulsionada, e o mesmo acontecia com a Alemanha. Achamos que se esperássemos um pouco as coisas se acomodariam.”

Pode ser que o historiador encontre nos arquivos que venham a ficar disponíveis explicações mais convincentes do que estas. De minha parte, não consigo apresentar nada que explique melhor. Até hoje também não entendi a razão de, após terem se reunido, adiarem por tantas semanas vitais o objetivo principal de sua discussão. Afinal, desde o começo sabiam que na segunda semana de fevereiro o Presidente Wilson teria de voltar a Washington para estar presente ao encerramento dos trabalhos do 65º Congresso. Sabiam que a cada semana transcorrida os exércitos aliados estariam se desintegrando sob o clamor popular pela desmobilização imediata. Sabiam que cada dia não aproveitado para o objetivo fundamental de celebrar a paz com a Alemanha era um dia perdido, um dia a menos para usar o poder das armas para impor a paz, um dia que significava mais fome em uma Alemanha sofrendo bloqueio e maior perigo de bolchevização da Europa Central. Apesar disto, seis semanas foram desperdiçadas tratando de assuntos que, embora urgentes, não contribuíram para a finalidade principal da reunião. Somente em 25 de março, sob a fogosa pressão de Mr Lloyd George, os governantes do mundo realmente se concentraram em acertar a paz com a Alemanha. Durante o mês de abril trabalharam a uma velocidade vertiginosa e muito imprudente.

Desde então, muitos jornalistas têm atribuído estes atrasos de janeiro, fevereiro e das três primeiras semanas de março inteiramente à determinação do Presidente Wilson para que nenhum tratado, nem mesmo um de natureza preliminar, deveria ser concluído se não incorporasse em sua estrutura, como parte integrante, o Pacto da Liga das Nações.

Deve-se admitir que o Presidente Wilson era “homem de ideias fixas.” É estranho e até patético assinalar que o Presidente, uma vez instalado em Villa Murat, tenha ficado profundamente entediado com seus Quatorze Pontos, seus Quatro Princípios e seus Cinco Detalhamentos. Já não se identificava com as potentes passagens do passado na prosa inglesa. Passou a identificar-se com a nova, a mística carta dos direitos do homem. É impossível entender o caráter e a política de Woodrow Wilson a menos que se dê todo destaque à forte tendência ao misticismo fanático que desfigurou um raciocínio que, caso contrário, seria de natureza meramente acadêmica. Sua superstição infantil no poder do número 13 é um sintoma do misticismo que naqueles dias chegou a ser quase patológico. Acreditava de todo coração que a voz do povo era a voz de Deus. Os “olhos mudos do povo” o assombravam num apelo silencioso e pessoal. Sentia que aquela miríade de olhos o via como um profeta surgido no Oeste; um eleito de Deus para levar ao mundo inteiro uma nova mensagem e implantar uma ordem mais justa. O fato de evitar a convivência com [o secretário de Estado] Mr Lansing se deve à sua preferência pela comunhão silenciosa com Deus. O fato de tratar o senado dos Estados Unidos com um distanciamento irritado decorreu de sua convicção de que não era como representante deles que Deus o enviara para Villa Murat, mas como representante do Grande Povo Mudo.

Dizer que o Presidente Wilson era presunçoso, obstinado, inconformista e reservado não é explicação satisfatória. Também era um obcecado. Mais que isso, um possuído. Acreditava, como Marat, que era a personificação da “vontade geral.” Tinha a ideia fixa de que o Covenant da Liga era sua própria Revelação e a solução de todas as dificuldades humanas. Estava absolutamente convencido de que, se a sua nova Carta dos Direitos das Nações pudesse ser adaptada e incorporada aos Tratados de Paz, pouco importariam as incoerências, injustiças e flagrantes violações de seus próprios princípios que tais tratados pudessem conter. Era capaz, como todos os homens de fervor religioso, de atribuir a Deus o que era de César. Era capaz de se convencer, em ardentes agonias da alma, que seus princípios não tinham sido violados, que não abdicara de uma só ideia, de uma só letra de seu conteúdo original. Ficou amargamente ressentido com as sugestões de certas pessoas, como o Conde Brockdorff Rantzau, que não compartilhava de suas convicções. “Não as entendo,” confessou a membros de sua própria delegação, “elas me cansam.” No início de janeiro, se isolou metido em sua Arca da Aliança.” A partir de então, ninguém, muito menos Mr Lansing, conseguiu tirá-lo dela.

Na página 186 de seu livro sobre a Conferência de Paz, Mr Lansing afirma que se o Presidente Wilson não tivesse insistido desta forma com a inclusão do texto da Convenção da Liga em um tratado preliminar, este poderia ter sido “assinado, ratificado e posto em vigor no mês de abril de 1919.” Em 20 de março de 1919, Mr Lansing anotou em seu diário: “O mundo inteiro quer a paz. O Presidente quer sua Liga. Acho que o mundo terá de esperar.” Foi diante dessas provas que os franceses e italianos argumentaram que o atraso na elaboração do Tratado de Versalhes resultou exclusivamente do egoísmo do Presidente Wilson.

Convém reconhecer que a redação do Covenant da Liga realmente provocou um certo atraso. Quando o Presidente, em fevereiro, regressou a Washington, viu que a oposição no senado era mais séria do que lhe parecera inicialmente. Mr Lowell e Mr Taft, em quem confiara como intermediários junto aos republicanos descontentes, informaram-lhe que a Convenção da Liga teria de ser revista em pontos fundamentais se ele a quisesse ratificada por um senado de maioria republicana. Eram notícias desagradáveis. O Presidente, antes de deixar Paris, declarara em sessão plenária que nenhuma palavra, “nem mesmo um ponto parágrafo” do texto original da Convenção seria alterado. Agora, retornando a Paris, teria de propor emendas de importância vital. Isto permitiria aos japoneses reapresentar sua reivindicação de igualdade, e aos franceses voltar a pressionar por um exército da Liga com um QG “internacional.” Quando a notícia deste contratempo chegou a Paris, logo se percebeu que o Comitê da Liga teria de ser novamente convocado e que haveria novas discussões por várias semanas. M Pichon, em impulso momentâneo, declarou à imprensa que, em tais circunstâncias, a Convenção da Liga não poderia ser parte integrante do Tratado final. Essa afirmação foi desmentida no dia seguinte. Muito longe de demovê-lo de sua postura, as dificuldades no senado reforçaram a posição do Presidente e sua crença na missão divina. Como lembra o coronel House, ele voltou “muito combativo e determinado.” A partir de então, pressionou para que não apenas o tratado sobre a Alemanha, mas os acordos sobre todas as questões mundiais ficassem indissoluvelmente ligados à Convenção da Liga. Achava que o senado jamais ousaria rejeitar todo o “connnexus” dos tratados de paz, e estava decidido a lhe impor a Convenção, envolvendo-a de forma irreversível em toda a teia dos acordos mundiais. Esta determinação, sem dúvida, tornou impossível a conclusão de uma paz imediata e preliminar com a Alemanha.

Esse é, portanto, o argumento daqueles que desejariam atribuir ao Presidente Wilson toda a culpa pelo atraso. Entretanto, muita coisa pode ser dita em contrário. Wilson sabia que os pormenores dos tratados seriam inevitavelmente injustos em muitos aspectos. Sabia que a disposição das Potências Aliadas e Associadas, em janeiro de 1919, não permitia um acordo realmente moderado. Esperava que a Convenção pudesse oferecer um instrumento pelo qual, quando prevalecessem opiniões mais sensatas, o Tratado pudesse ser modificado e tornado menos punitivo. Também sabia que a Liga das Nações não seria inteiramente capaz de cumprir sua nobre missão se não contasse com a pressão direta e sobretudo o poder moral, material e principalmente financeiro dos Estados Unidos. Os meios pelos quais esperava compelir o senado a aceitar a Convenção podiam não ser muito hábeis e tampouco nobres. Procuraria se defender alegando que o senado era um órgão reacionário e indiferente ao “grande e caloroso coração do povo.” Todavia, sua firme determinação em fazer do Covenant parte integrante de todos os tratados certamente se justificava. Pode até haver quem defenda que a concretização desse desejo compensava o atraso de muitas semanas, valia todo o “connexus” dos tratados. Também penso assim.

Essas considerações à parte, convém salientar que o atraso na elaboração do Tratado de Paz com a Alemanha também se deve a outras causas. A redação da Convenção na verdade não interferiu praticamente no trabalho principal da Conferência. A comissão da Liga das Nações trabalhou rapidamente. Suas sessões se realizaram quase sempre depois do horário de expediente. A ênfase que alguns historiadores atribuem à responsabilidade do Presidente Wilson tira o foco de outra causa que, em meu entendimento, é a mais importante. Trata-se da ausência de um propósito pactuado e uniforme. Esta ambiguidade de propósitos foi uma das maiores infelicidades da Conferência.