Kundera e o pequeno ecrã

EM MEADOS DOS ANOS SESSENTA, quando o meu pai comprou o primeiro televisor lá para casa, a emissão começava ao fim da tarde e antes da meia-noite já se tinha cumprido; mas em poucos anos, sobretudo desde a criação de um segundo canal, a programação tornou-se extensa e variada e, apesar de vivermos em ditadura, sem nada de perigosamente anestesiante. Basta tomar um ano ao calhas (neste caso, 1973) para ver que, além das longas-metragens americanas, havia filmes europeus e séries para todos os gostos (Guerra e Paz, A Família Belamy, Columbo…); mas também noites de teatro e variedades; jazz e ópera; concursos e entrevistas; uns desenhos animados para mandar os miúdos para a cama à hora certa; e até (parece mentira) programas assinados por escritores como Vitorino Nemésio. Tudo isto (faltava dizer) conduzido por excelentes profissionais. (Ups! Fui mesmo eu que elogiei a televisão do fascismo?)

Uma amiga das minhas sobrinhas alugou recentemente a sua primeira casa. A avó foi visitá-la e, não encontrando televisor à vista, disse logo que lhe oferecia um. Mas a rapariga explicou que acompanhava as suas séries preferidas no portátil e não via televisão há anos — atitude, de resto, compreensível.

Contra todas as expectativas, o surgimento das televisões privadas não gerou diversidade, mas afunilamento: salvaguardadas as excepções (a que alguns invejosos logo cortaram as pernas porque neste país subir o nível é sempre uma ameaça), não só os canais principais se copiam no que têm de pior, como os profissionais de televisão foram inteiramente substituídos pelo público, que é realmente quem canta, dança, imita, responde a perguntas, procura familiares desaparecidos, pede perdão, cozinha, costura e, pelos vistos, até se casa em directo com alguém que nunca viu mais gordo. (Mesmo os políticos, antes queridos em mesas de debate, são agora convidados a exibir os seus dotes a outras mesas…)

O escritor Milan Kundera — que em 1975 se exilou em França em oposição clara à sovietização da sua Checoslováquia (coisa, aliás, que só muito recentemente lhe perdoaram) — voltou a Praga passados uns anos sobre a queda do Muro de Berlim; mas veio de lá muito mal impressionado com a nova televisão checa, que achou miserável, sobretudo quando comparada com aquela que guardava na memória, com cinema e teatro de qualidade (apesar da censura), programas educativos, documentários interessantes, bons espectáculos e, além disso, pessoas que falavam num tom de voz normal, e não sempre aos gritos. Ups! Foi mesmo Kundera que elogiou a televisão do comunismo? Adeus, futuro.