Copy-Paste
TRABALHEI ALGUNS ANOS NUMA EDITORA QUE, além de publicar livros para o mercado tradicional, produzia, para vender nos quiosques, obras de tipo enciclopédico em pequenos volumes ou fascículos, escritas em tom ligeiro por uma equipa de jornalistas recém-licenciados. Um dia, o director pediu a uma das raparigas que lhe redigisse com rapidez um verbete de quinze linhas sobre João de Deus, urgência à qual ela correspondeu, aliás, sem qualquer problema. Porém, quando o director foi ler o texto, era sobre o apóstolo favorito de Jesus… A autora explicou que fora ao Google e que São João lhe aparecera no topo das opções. Fizera então copy-paste e… asneira.
Além da ignorância generalizada (e às vezes arrogante, o que é mais perigoso, porque a vergonha de não saber sempre levou as pessoas a procurarem informação), hoje muitos dos jovens, incluindo os licenciados, não sabem, pura e simplesmente, pesquisar: não entram numa biblioteca e, se abrirem um livro ou dois, já é uma sorte. Está aí para quem a queira consultar a maravilhosa Wikipédia e portanto, mesmo sabendo que o que circula na Internet nem sempre é fiável, para quê levantar o rabo da cadeira e ir à estante buscar um calhamaço? E o pior é que as escolas também não ensinam os alunos a desconfiar e a comparar informações, aceitando os seus trabalhos cuspidos de uma impressora em vez de manuscritos (e, assim, como ter a certeza de que foram mesmo eles a fazê-los?).
Conta numa entrevista Alice Vieira (que já correu as escolas todas do País a falar dos seus livros e do ofício do escritor) que, numa determinada sessão, uma professora lhe pediu que ouvisse os alunos lerem umas biografias dela que tinham preparado. E a coisa nem andou muito mal até que um «rapaz já crescidote» se referiu à autora de Rosa, Minha Irmã Rosa como natural de Braga (e ela é orgulhosamente alfacinha), mãe solteira de cinco filhos, a trabalhar numa banca de peixe e — pasme-se! — cega de nascença…
Alice Vieira perguntou ao autor de semelhante dislate se achava que aquela descrição correspondia à pessoa que tinha ali à sua frente, ao que o rapaz respondeu que se limitara a copiar o que estava na Net. (Na verdade, confundira a escritora com uma antiga dirigente da ACAPO, Maria Alice Vieira Gomes da Silva.) Mas o mais grave nem foi o facto de este erro se ter repetido em outras escolas; foi Alice Vieira ter perguntado à professora porque não tinha corrigido aquele conjunto de disparates e ela lhe ter respondido que não tivera coragem porque o rapaz, coitadinho, tinha tido tanto trabalho. Com o copy-paste? Adeus, futuro.