Algoritmo e mulheres nuas
NA MINHA INFÂNCIA, QUASE NÃO HAVIA pronto-a-vestir; por isso, a minha irmã e eu íamos às lojas de fazendas da Baixa, e era frequentemente no saudoso Eduardo Martins que escolhíamos o xadrez para os kilts desse Inverno, numa espécie de livros de amostras com remate em ziguezague que ainda hoje sinto saudades de folhear. Comprados os forros, os fechos e as fivelas (com o desconto que a minha mãe nunca se esquecia de pedir, fazendo-nos morrer de vergonha), partíamos então dali as três para a modista, que vivia num rés-do-chão no Bairro das Colónias e tinha na sala uma cristaleira atafulhada de budas. Quando fazia as provas, qual mestra de vudu, usava uma pulseira almofadada cravada de alfinetes que metia respeito.
Embora tenha um amigo que aprendeu a contar até 150 na fita métrica da mãe com apenas três anos — e isso me leve a ter um fraquinho por modistas —, a diversidade do vestuário que chegou a Portugal com a entrada na CEE e, mais tarde, a possibilidade de comprarmos qualquer peça de roupa usando apenas as teclas de um computador vieram, realmente, simplificar-nos a vida e enchê-la de colorido. Para mim, que sofrera carradas de desilusões por nunca encontrar sapatos à medida, tornou-se um milagre chegar a casa, ir à loja virtual, procurar umas botas que andei a namorar à hora de almoço e encontrar aquele número que só calçam mesmo os pigmeus (e eu) para envio imediato. (E, não se riam, já me aconteceu o mesmo com um soutien.)
Esta vantagem tem, no entanto, um inconveniente associado, que é o de deixar por aí a minha pegada de Cinderela: agora, de cada vez que vou à Internet, o ecrã do meu computador transforma-se numa autêntica sapataria e só me apetece dar uma biqueirada no algoritmo. Mas há pior…
Na editora onde trabalho, publicámos um livro infantil sobre a amizade e decidimos dedicar-lhe um passatempo num site para crianças que regista todos os dias centenas de visitas. Estava eu, certa noite, a trabalhar no computador de casa quando vi que me tinham mandado um e-mail para aprovar o grafismo da inserção. Porém, ao clicar no link, apanhei um susto: é que, junto à capa do livro, desfilavam, praticamente nuas, várias modelos de uma marca de lingerie — o que, num site para miúdos, podia causar problemas. Disse-o à minha interlocutora, que tentou sossegar-me, explicando que no seu ecrã só via Volvos, talvez por andar a pensar em trocar de carro. E foi então que me lembrei do dito soutien… Ai, algoritmo de um raio! Mas então… E se no mesmo computador em que as crianças estudam, lêem e fazem passatempos alguém consumir regularmente pornografia? Adeus, futuro.