Chiu!

LEMBRO-ME DE ESTAR NA PRAIA com um grupo de amigos (quando ainda não sabíamos o que era o ozono e ficávamos o dia inteiro a torrar ao sol) e de passarem por nós a mãe e a sobrinha de um deles, que pararam uns minutinhos a cumprimentar-nos. Enquanto ali estiveram, a miúda, que teria no máximo uns seis anos, não conseguiu desviar os olhos de um dos rapazes; mas foi só quando a avó voltou a pegar-lhe na mão para seguirem caminho que a ouvimos perguntar, num tom levemente chocado, por que raio estava aquele amigo do tio de bandelete…

A «bandelete» eram os auscultadores de um walkman, um dos primeiros que se viam em Portugal: a novidade que permitia a cada pessoa ouvir a sua música sem a impor às demais e levá-la para todo o lado em cassetes onde cabiam, pelo menos, dois LP. A invenção japonesa — que, contra o cepticismo de muitos, teve um êxito retumbante em todo o mundo — foi na verdade o que levou à posterior massificação dos headphones e ao hábito, hoje completamente disseminado, de usar a música como tampão para cortar o contacto com o mundo. Presumo que, de caminho, contribuiu para criar indivíduos bastante solitários e pouco empáticos, mas isso foram apenas danos colaterais.

Vi há muitos anos um filme em que os três filhos de um casal, quando já não suportavam as discussões violentas dos pais, corriam a mergulhar de mãos dadas num lago, ficando debaixo de água o máximo que aguentavam, aproveitando aquele manto de silêncio que tudo cobria. A música tem, por vezes, o mesmo efeito: no Verão anterior ao divórcio dos meus pais, a minha cápsula era um Volkswagen 1300 creme onde me sentava a ouvir música no rádio. Por sorte, alguém deu por isso e foi-me lá buscar. É também para poder estar assim atenta que normalmente dispenso o uso de auscultadores.

Li algures que, de tanto viverem de ouvidos tapados, há pessoas que já não reconhecem determinados sons e que isso as torna imensamente vulneráveis (muitos dos que praticam corrida nas cidades pertencem a este grupo). Mas eu, como tantas outras pessoas de orelha disponível, sou castigada com ruídos desagradáveis a toda a hora: alarmes, toques de telemóvel, televisores nos cafés, altifalantes que fazem tremer a rua inteira; e, se entro numa loja, o mais provável é não escapar a uma música que não pedi e está sempre calamitosamente aos berros. Comer e calar. Será por isso que o primeiro restaurante debaixo de água, que fica na Noruega, um mês antes de abrir já tinha uma lista de espera de sete mil pessoas? Adeus, futuro.