O fim da empatia
À memória de Leopoldo Brizuela
O ROMANCISTA PERUANO MARIO VARGAS LLOSA, Prémio Nobel da Literatura em 2010, contou numa entrevista ao vivo na Feira do Livro de Guadalajara, no México, como foi salvo pela literatura quando o pai o mandou aos catorze anos para um colégio interno, afastando-o da família e dos amigos. Nos livros encontrou personagens que sofriam como ele e o ajudaram a perceber que não estava sozinho na sua dor; e personagens livres e realizadas, que lhe trouxeram esperança e força para resistir.
Alberto Manguel — que leu em jovem para Jorge Luis Borges e construiu uma das mais incríveis bibliotecas privadas do mundo (biblioteca essa que será instalada em breve num palacete de Lisboa) — confessou, num artigo publicado no New York Times, que foi também com a ficção literária que aprendeu a empatia; e evocou Coração, de Edmondo de Amicis, como a primeira história que o fez sentir verdadeira compaixão, tendo mais tarde aprofundado a solidariedade com o sofrimento alheio e a satisfação genuína com as conquistas dos outros com a ajuda de Jane Eyre, Anna Karénina, Robinson Crusoe, Dom Quixote e, claro, todos os heróis de Dickens.
Se, como Manguel refere no seu artigo, a literatura parece não ter uma utilidade evidente, a ciência veio agora demonstrar que ler ficção tem, afinal, um valor social inestimável, porque nos torna mais disponíveis para o outro, o que é especialmente relevante nos nossos dias, em que grande parte dos problemas (catástrofes naturais, crises migratórias, incumprimento dos direitos humanos…) exige soluções colectivas. O estudo, realizado pela New School of Social Research de Nova Iorque e publicado na revista Science, conclui que quem lê literatura é, efectivamente, mais empático e solidário; e Manguel acrescenta que as pessoas que leram as aventuras de Ulisses na longa viagem que a Odisseia narra decerto compreendem melhor o que sentem hoje os migrantes que atravessam o Mediterrâneo.
Porém, as vendas de livros de ficção literária não param de cair na Europa e nos EUA. E não é fácil encontrar empatia nas pessoas que estabelecem relações através de dispositivos electrónicos e quase não cruzam o olhar com os seus semelhantes (e já são muitas). Um psicólogo clínico confidenciou-me que os seus jovens pacientes sabem na ponta da língua o significado de todos os emojis; mas, curiosamente, têm dificuldade em identificar, numa série de fotografias, se o sujeito está zangado, alegre, assustado, aborrecido ou boquiaberto de espanto (como eu fiquei depois de ouvir isto). Adeus, futuro.