O fim da correspondência
NA INAUGURAÇÃO DE UMA EXPOSIÇÃO EM LISBOA, o fotógrafo argentino Daniel Mordzinski contou que, quando começou a fazer retratos de escritores, eram ainda tempos de pombos-correio e cartas de amor. Também eu cresci numa época em que as raparigas esperavam todos os dias que o carteiro lhes entregasse um aerograma vindo de África (e que não fossem más notícias) ou umas linhas do noivo que tinha ido a salto para França, fugindo à guerra e à pobreza. A trabalhar lá em casa, a Virgínia, que tinha os olhos espantosamente verdes, casara-se por procuração com o namorado que vivia na Suíça; e, com grande pena nossa, aguardava apenas a «carta de chamada» para se lhe juntar, enquanto eu, a frequentar o Ciclo Preparatório, ensinava à irmã dela que, em francês, o seu nome se dizia «Marie du Ciel», caso também ela quisesse trocar Lisboa por Genève (o que, de resto, veio a acontecer).
Contudo, as que cá ficavam também não deixavam de ter direito a missivas: apaixonada por um fulano da terra que não lhe ligava um caracol, a Augusta tanto se queixou ao carteiro de nunca lhe trazer uma cartinha que ele decidiu escrever-lhe em nome próprio e a história entre os dois acabou em casório.
Embora, como diz Chico Buarque na canção, o correio nesse tempo andasse arisco, nada impedia as pessoas de se escreverem regularmente e porem nisso, aliás, o devido cuidado. Eu própria me recordo de fazer rascunhos da minha correspondência amorosa e de investir numa prosa que resultasse bonita, porque isso era já parte do meu amor pelo destinatário. E em troca recebi cartas belíssimas que nem com o fim do namoro e o passar dos anos envelheceram; algumas guardo-as até hoje, como memória e como literatura.
Hoje a correspondência encontra-se em vias de extinção, tristemente substituída por e-mails apressados, nos quais é difícil descortinar emoções, e SMS ainda mais curtos — e quase sempre toscos na sua construção. Os políticos já não se correspondem como antigamente, e às gerações vindouras que queiram estudar os seus «reinados» não restará senão um conjunto de datadíssimos tweets. Também os escritores deixaram de trocar opiniões por escrito sobre os ares do tempo e a obra própria e alheia, tampouco redigindo longas cartas a pais, filhos ou jovens poetas que, pelo seu valor ético e estético, se transformem em livros imortais. E mesmo os mais velhos já desistiram de pedir aos netos que lhes mandem um postal quando vão de férias. É que o mais provável é chegarem a casa muito antes dele. Adeus, futuro.