Para inglês ver

COM O BREXIT, OS FRANCESES, QUE SEMPRE FORAM bastante chauvinistas, começaram logo a esfregar as mãos: se a língua mais falada nas reuniões da União Europeia era a do país que estava de saída, havia ali uma oportunidade para impor o regresso do francês às instituições europeias. Não acredito. Além de já poucos países-membros ensinarem o francês como disciplina obrigatória, o inglês é o idioma da música, do cinema e da televisão que a maioria das pessoas ouve e vê em toda a Europa (e no mundo), tendo-se por isso tornado uma espécie de segunda língua para os que não a têm como primeira (incluindo os franceses, que finalmente se resolveram a aprendê-la).

Aqui no burgo, onde os intelectuais foram durante anos influenciados pela cultura francesa, há hoje uma geração mais tecnológica que deixou de saber como se dizem certas coisas na língua materna, mas é absolutamente fluente em inglês. Basta ir ao LinkedIn para ver que todos os nossos conhecidos são agora managers, experts, founders, owners, services providers, coaches, columnists, analysts, strategists, freelancers… e que, quando tentam o português, o cargo fica, ainda assim, a cheirar a tradução, como no caso de um psicoterapeuta que se apresenta como «constelador sistémico» (por momentos, até pensei que se dedicasse à astrologia).

Num restaurante, por causa da chapinha de metal no bolso do uniforme, um cliente perguntou ao empregado que o servia se nascera no estrangeiro e donde lhe vinha o nome «Trainee». Realmente, por que diabo não escrevem simplesmente «Estagiário» ou «Formando» se estamos em Portugal? É verdade que o crescimento do turismo não ajudou: só numa semana, abriu uma dúzia de restaurantes na capital, mas nenhum foi baptizado em português… E há quem ache que o inglês dá um ar cosmopolita, mas depois meta o pé na argola, escrevendo no programa de um congresso que, a meio da manhã, está previsto um redundante «intervalo para coffee break». Exagera-se a tal ponto nas inglesices que uma mãe bem-humorada contava recentemente no Facebook que a filha ficou admiradíssima ao descobrir que «Famalicão» não se escrevia… «Family Cão».

Um dia destes, uma jovem leitora escreveu lá para a editora a propor uma parceria: nós oferecíamos-lhe livros, ela dizia bem deles nas redes sociais. E não foi de modas, indicando logo os géneros literários da sua preferência: «YA, NA, Fantasy, Sci-Fi e Thrillers.» Olha, menina, deve haver aqui algum engano… Era para a Amazon que querias escrever, não era? Adeus, futuro.