Agendas
DISSE PESSOA QUE «O POETA É UM FINGIDOR», mas, curiosamente, é a palavra «ficção», geralmente associada à narrativa em prosa, que tem origem no verbo latino «fingire». E, em ficção, quanto mais verdadeiro parecer o faz-de-conta melhor, mesmo que a história esteja longe de ser real. Exímios nisto, alguns escritores conseguem transformar o fingido em algo tão vivo que chegamos a apaixonar-nos por personagens que, para nosso bem, não podem saltar do papel. Falo dos criminosos, vilões e malandros que tantas vezes animam a literatura e os leitores. De facto, haveria Crime e Castigo se o estudante não matasse a onzeneira? Com uma Bovary fiel ao marido, ainda nos lembraríamos de Flaubert? Nabokov ter-se-ia tornado célebre se Humbert Humbert não andasse a babar-se por uma menor? E poderia Stanley Kowalski ser amoroso com Blanche DuBois sem o público abandonar a peça antes do intervalo e a bocejar? Enfim, tratando-se de ficção, pode ser um gozo encontrar um desses bonitões que levam a rapariga para a cama sem a mais pequena intenção de se envolverem com ela, ou até figuras capazes de ferir de morte com o refinamento do seu silêncio, como a mãe da protagonista de Uma Barragem contra o Pacífico, de Marguerite Duras, quando recebe a visita do pretendente da filha: vê-o chegar com um embrulho descomunal, mas não só o pousa toda a santa tarde numa mesa sem o abrir, como nem sequer se digna perguntar o que é…
Dos virtuosos não rezam, de facto, as histórias — e até Jesus Cristo larga uns valentes berros num filme que lhe é dedicado no momento em que é preciso agarrar o espectador, fartinho de milagres e cantoria melosa. Daí que os sedutores, adúlteros e tratantes como Zorro, Indiana Jones ou Valmont façam já parte do nosso património afectivo, mesmo que não se recomendassem na vida real.
Ainda assim, o 007 que o futuro nos reserva já não será o James Bond que ultimamente Daniel Craig encarnava. O actor disse que não queria continuar a ser o espião do MI6 — e, sem qualquer respeito pela memória de Ian Fleming, criador da personagem, a produtora de cinema aproveitou para cumprir a agenda do politicamente correcto e entregar o papel a alguém que, por mais que se esforce, não poderá corresponder ao malandro irresistível que interiorizámos (embora com vários rostos), até porque vem para o pôr no lugar. No próximo filme, o famoso 007 passará então a ser uma mulher negra chamada Lashana Lynch que, mesmo que não gagueje, só pode ser mais um erro de casting. Adeus, futuro.