Uma banana para Cambridge

NUM PERTINENTE ENSAIO INTITULADO O Futuro da Ficção, que nos prepara para tempos bastante sensaborões na cena artística, o cineasta António-Pedro Vasconcelos, recorrendo sempre a dados históricos, mostra como têm sido curtos os períodos de grande inventividade e como entre eles, às vezes por mais de século e meio, se prolongam modorras e vazios criativos. Estou, assim, obviamente grata por ainda ter sido contemporânea de Borges, Beckett, Picasso, Cartier-Bresson, Escher, Visconti, Bergman, Piazzolla ou Frank Lloyd Wright, criadores geniais nas respectivas áreas.

Hoje, que toda a gente pode publicar um livro ou editar um álbum de música, que as câmaras dos telemóveis ajudam qualquer aselha a fazer uma fotografia decente, que os filmes, sobretudo os das grandes produtoras norte-americanas, são planos e previsíveis, não me faltariam razões para dizer que atravessamos um desses períodos de esvaziamento criativo que, paradoxalmente, permitem a todos serem artistas. Mas é nas artes plásticas que o escândalo instalado é mais notório: enquanto numa feira de arte contemporânea uma banana presa à parede com fita-cola foi vendida por 120 mil dólares (bem, só a ideia, porque a banana, antes que apodrecesse, acabou comida por um artista concorrente), um grupo de estudantes vegetarianos da Universidade de Cambridge exigiu ao reitor que fosse retirado da parede do refeitório O Mercado das Aves, uma tela flamenga seiscentista, por causar repulsa a quem não come carne. Adeus, futuro.