Picasso e outros prodígios

ALGUNS ESTUDOS REVELAM QUE 98% DAS CRIANÇAS têm um enorme potencial criativo que a escola se encarrega de adormecer. Mas há também quem defenda que só existe uma minoria de crianças especialmente dotadas — e, além do sempre citado Mozart, Picasso é frequentemente apontado como um menino-prodígio. As suas pinturas de infância deixam-nos, de facto, boquiabertos: com menos de dez anos, o pequeno Pablo já dominava a técnica de pintar a óleo e conhecia em detalhe a anatomia humana, que plasmava nos seus trabalhos com incrível realismo, sendo igualmente capaz de representar objectos em movimento. Os especialistas dizem que a sua carreira terá começado por volta dos treze anos, quando alcançou um grau de sofisticação que, para alguns estudantes de Belas-Artes, não passava de um sonho. Seria um génio? Tendo em conta a influência que viria a exercer nas artes plásticas em todo o mundo, é bem provável. Mas não foi um génio de geração espontânea: o pai era professor na Escola de Artes e Ofícios de Málaga e ensinou-lhe desde tenra idade todas as técnicas de desenho e pintura. Além disso, não lhe impôs absolutamente nenhum caminho, deixando-o criar na mais completa liberdade.

Já Picasso era um dos nomes maiores da pintura contemporânea quando revelou a um jornal que tinha precisado de apenas quatro anos para pintar como Rafael, mas da vida inteira para o fazer como uma criança. A frase leva-me a uma história curiosa. Abraçava o pintor a sua fase mais abstracta quando um desconhecido o visitou no estúdio para lhe pedir que visse os trabalhos do filho de onze anos, segundo ele iguaizinhos aos do artista, o que só podia querer dizer que o miúdo era um génio. Picasso respirou fundo e perguntou àquele pai vaidoso se o rapaz sabia desenhar uma pomba, recebendo como resposta que desenhar pombas era coisa de miúdos vulgares, e não de um futuro pintor abstracto. Foi então que Picasso lhe explicou que lamentava, mas só podia ser um pintor abstracto quem antes tivesse desenhado muitas pombas.

O jornal El Mundo anunciava recentemente o aparecimento de um Picasso de sete anos na Alemanha. Já fez seis exposições individuais, a última delas numa importante galeria de Berlim, e cada um dos seus quadros é vendido, em média, por oito mil euros. Na fotografia que ilustrava o artigo, o menino-prodígio posava com um ar aborrecidíssimo ao lado de uma das suas obras — salpicos de tinta numa tela. Quase apostaria que os pais nunca puseram os olhos nas maravilhosas pombas de Picasso. Adeus, futuro.