Cinemínimo

JÁ ANTES DO CONFINAMENTO, o cinema tornou-se para muitos uma boa forma de passar o tempo, mesmo que ver grandes filmes num ecrã pequeno não seja o ideal. E, porém, tal como confessou o escritor brasileiro Ruy Castro numa das suas excelentes crónicas, também eu já não sou a papa-filmes que fui durante boa parte da minha vida. Não só pelas pipocas — o cheiro é insuportável e nisso Ruy Castro tem absoluta razão —, mas também porque o cinema que hoje se faz é muitas vezes previsível e mal escrito e, ainda que as técnicas tenham evoluído para tornar tudo tão verosímil como fantástico, saio frequentemente de um filme sem que ele me tenha deixado qualquer marca. Falo, claro, das produções que passam na maioria dos cinemas, porque há uma filmografia de qualidade que, se e quando cá chega, fica apenas uns dias numa sala recôndita e num horário estrambólico. Deve ser por isso, aliás, que as séries conquistaram tantos novos cinéfilos que, habituados aos ecrãs pequenos, as vêem onde e quando lhes apetece.

Eu comecei a ver cinema em criança nas férias de Verão, nos Bombeiros do Estoril, ainda com meia sala ao ar livre; os cortes da censura — como tão bem mostrava Cinema Paraíso — ainda eram visíveis como bainhas mal costuradas, mas ali toda a gente entrava, independentemente da idade. Foi lá que vi, por exemplo, Blow-Up ou Os Cavalos Também Se Abatem com nove ou dez anos, embora aos catorze, já em Lisboa, a minha mãe me tenha proibido terminantemente de ir ver Amarcord com rapazes. Depois do 25 de Abril vinguei-me e, com a cumplicidade do meu irmão, trocámos as produções do tipo Ben-Hur ou Torre do Inferno no Monumental e no Tivoli por filmes atrevidos (e maus) com Joe Dalessandro ou obras-primas como Dr. Estranhoamor nas salas-estúdio; depressa, porém, ganhámos maturidade, fidelizando-nos ao cinema imortal de Visconti, Hitchcock, Jacques Demy ou Bergman e descobrindo também as pérolas de Tod Browning, Nicholas Ray ou Charles Laughton em peregrinações à Gulbenkian, à Cinemateca e ao saudoso Quarteto, quantas vezes assistindo a dois filmes no mesmo dia. Porém, enquanto o cinema se ia tornando tecnicamente perfeito, as ideias iam ficando cada vez mais banais; os filmes cheios de efeitos mas muito básicos, a merecerem realmente um ecrã pequeno e até as malditas pipocas. Ou serão hoje outros os seus espectadores?

O realizador Spike Lee é um fã incondicional das grandes produções de David Lean, como Doutor Jivago e Lawrence da Arábia, e lembrou-se de perguntar aos seus alunos do curso de Cinema se por acaso já as tinham visto. A maioria disse que não. Os restantes responderam que sim, mas… no telemóvel. Adeus, futuro.