Preparem-se
ANTES DE ENCONTRAR ALGUÉM DISPOSTO A ATURAR-ME, vivi dezassete anos sozinha. Foi um período importante de autoconhecimento (temos mais tempo para olhar para nós e por nós) em que descobri que solidão e silêncio são coisas de que todos deveriam desfrutar. Havia fins-de-semana em que praticamente só lia e pensava. Os meus amigos — quase todos animais sociais — achavam aquilo esquisito, mas eu sentia-me bem assim e sei que, se não tivessem sido esses anos comigo, não teria o mesmo respeito pelos outros. De qualquer modo, a menos que chovesse, era muito raro passar um dia inteiro em casa: saía para tomar um café, fazer compras ou dar um passeio. E via pessoas, mesmo que não fossem conhecidas.
Não vou mentir: agora, que já sei como é, gosto dez vezes mais de viver acompanhada. No entanto, quando, por qualquer razão, tenho de passar um ou mais dias sozinha, não corro a ligar aos amigos todos para me virem fazer companhia. Aproveito para matar saudades do passado e ouvir o silêncio.
Não pensei, por isso, que o confinamento ditado pelo vírus pudesse afectar-me tanto nem que fosse detestar o teletrabalho: primeiro, passava o dia a receber e-mails e mensagens da empresa (quando lá estou, raramente me interrompem), já para não falar de uns vídeos humorísticos que tinham como objectivo levantar-nos o moral, mas nos faziam perder um tempo danado; depois, ao fim de um dia enfiada no escritório de casa, já não me apetecia voltar para lá à noite, que era quando escrevia, por exemplo, estas crónicas. E, além disso, os meus tempos livres acabaram, pois, com o estado de emergência, tivemos de abdicar da vinda da senhora que nos ajuda na lida doméstica e passei a ter trabalhos suplementares: limpar, aspirar, lavar e cozinhar, tarefas para as quais, infelizmente, não possuo qualquer talento.
Para tentar justificar o meu mau humor a quem me atura há uns bons anos, resolvi repescar um artigo que me lembrava de ter lido sobre os efeitos do isolamento social. Uma equipa de investigadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, trabalhando com moscas-da-fruta e ratinhos, descobriu que o isolamento social prolongado leva à produção de uma substância química no cérebro que está associada ao medo e a um aumento de agressividade. Eu não consigo imaginar o cérebro de uma mosca-da-fruta, mas — preparem-se — no cérebro dos ratinhos a overdose de isolamento que conduz ao aumento de agressividade é de… duas semanas. E todos estivemos fechados em casa muito mais do que isso. Adeus, futuro.