II. CONCEITOS FUNDAMENTAIS
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6. Publicidade ou propaganda?
Advertising
é a palavra que na língua inglesa se refere à atividade publicitária. Há um equívoco histórico que considera a publicidade como a geração de mídia espontânea, não paga. Isso provavelmente ocorreu, pois o termo
publicity
diz respeito à assessoria de imprensa, se tratando de um falso cognato, cuja sonoridade nos leva ao engano. Isso vem alimentado uma ampla bibliografia capaz de confundir os estudantes e profissionais da área.
Uma vez compreendido o fato de que
publicity
não é publicidade, mas assessoria de imprensa, abordaremos a questão sobre a
atividade publicitária,
que é
resumidamente aquilo que se faz na agência, uma empresa que tradicionalmente viabiliza a intermediação comercial entre os anunciantes, que desejam vender seus produtos e serviços; e os veículos de comunicação, que disponibilizam espaços comercializáveis. Além disso, as agências tradicionalmente realizam o trabalho de atendimento, pesquisa, planejamento, criação, produção, veiculação e controle de ações estratégicas por conta (quem paga) e ordem (quem autoriza) de anunciantes. São consideradas agências de publicidade justamente pelo trabalho de intermediação entre os interesses dos anunciantes, veículos de comunicação e públicos, que por sua vez possuem demandas baseadas em suas necessidades (dormir), suas vontades (dormir em um local tranquilo) e seus desejos, sendo estes os impulsos inconscientes com imenso poder simbólico (dormir em um quarto de hotel no Caribe).
No decorrer dos anos e com um aumento vertigionoso de anunciantes concorrentes, não bastaria para as agências repetir indefinidamente o nome dos produtos para que fossem lembrados. Seria necessário que fossem bem lembrados ou, melhor que isso, imaginados como símbolos de representação cultural. Os anunciantes queriam então criar marcas com o poder das religiões e, por isso, decidiram que precisariam fazer mais do que a publicidade informativa, mas implantar a estratégia da
propaganda
. Este tipo de linguagem persuasiva que foi amplamente utilizada pela igreja católica desde o século XV, assim como por uma série de estadistas políticos, líderes carismáticos e artistas, caiu nas graças das agências de publicidade, que construiram verdadeiras mitologias em torno das marcas.
A
persuasão
, por sua vez, é um tipo de recurso de linguagem que se foca em estudar as crenças, os valores, os desejos, as necessidades e as vontades dos públicos. As intenções do discurso persuasivo são baseadas nas expectativas de respostas, como a compra de um determinado produto, serviço ou ideia. Usa a função conativa da linguagem à medida em que seu objetivo não está na expressão de um sentimento, mas na intenção de convencer. Por isso são estudadas as predisposições dos públicos.Consideramos então a
propaganda
como o resultado dos esforços desta linguagem que transforma produtos em marcas, símbolos de pertencimento e traduz os desejos, movendo multidões em torno de ideais, como no caso dos esportes, da religião, da política, do
show business
e do consumo em sentido lato. Em resumo, a publicidade diz respeito à atividade profissional com sua estrutura, linguagem, mercado e tecnologias; já a propaganda se refere ao caráter ideológico, mitológico e discursivo que envolve um ou vários signos, como por exemplo uma marca. Dessa forma podemos dizer que a atividade publicitária é uma entre muitas das ferramentas que têm a função de ampliar a eficácia da propaganda.
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7. Marcas e branding
Foram as marcações a ferro quente no gado, como formas de diferenciação e garantia de procedência, que inspiraram a expressão
to brand
, ou marcar. A etimologia derivada do nórdico
brandr
e posteriormente adaptada ao inglês
to burn
(queimar) popularizou a expressão que posteriormente passou a se referir às gravações nas embalagens e, logo depois, a representar aquilo que ficava registrado nas mentes dos consumidores. Mas hoje, pieguices à parte, as marcas devem estar posicionadas nos corações e nas almas das pessoas. Nesse sentido, transformar produtos em marcas significa ampliar os valores, criar laços afetivos, promover o engajamento, enfim, conquistar espaços físicos e mentais, ampliando as possibilidades de mercado.
Tomando como exemplo uma hipotética marca que vende feijões, podemos dizer que por meio de um trabalho de
branding
ela deve além de selecionar os melhores grãos e desenvolver tecnologias produtivas, que dispensem o uso de agrotóxicos, promover atitudes sustentáveis com respeito ao meio ambiente, assim como valorizar, capacitar e inspirar seus colaboradores e toda a comunidade. Deve também desenvolver canais de comunicação e distribuição transparentes e integrados, assim como estabelecer uma identidade clara a partir do processo de
naming
(escolha do nome), do
design
gráfico e de serviços, que transmitam a sua visão, a sua missão e os seus valores por meio de embalagens, canais digitais, campanhas publicitárias, relações públicas, assessoria de imprensa e ponto de vendas. Mas isso não basta! São múltiplas as ações ou atitudes que, quando muito bem orquestradas, consolidam a transformação de produtos em marcas.
Ao se tornar uma marca, o feijão ganha potencial para a criação de novos serviços e mercados, como o de refeições congeladas (feijoada, bolinho de feijão, temperos, etc), franquias de restaurantes, livros de receitas, eventos ou canais na internet. Isso se aplica a qualquer segmento, quando abandona o corpo do produto e assume o espírito da marca. Assim, a marca eficaz não é aquela que fortalece o produto, mas a que liberta a sua alma por meio da criação e do gerenciamento de um conceito, expansível para infinitas possibilidades estratégicas.
Os esforços metodológicos que transformam os produtos em marcas, garantindo a confiança por parte de seus públicos, vão muito além do desenho gráfico ou das cores institucionais, pois partem de um trabalho complexo que consiste na criação e promoção de valores. Tais valores como o dinheiro, o tempo, a confiança, o respeito, a sustentabilidade, o conforto, a qualidade e a experiência, entre tantos outros, são promovidos pela empresa em um processo conhecido como
branding
, que resumidamente faz a
criação e o gerenciamento das marcas
.
O
branding
vem provando que uma visão holística sobre as metodologias gerenciais tem se mostrado promissora. A antropologia que estuda a relação entre o homem, seus artefatos e as tecnologias tem nos ajudado a compreender as questões simbólicas e que revestem os produtos com valores. A psicologia social vem mostrando como os arquétipos, os desejos, as necessidade, as vontades e as dissonâncias cognitivas estão relacionados não somente às decisões de compras mas também com o processo de comunicação como um todo, incluindo as sensações de identidade, pertencimento, envolvimento e poder em relação às marcas. Não é exagero dizer que o design, a linguística, a comunicação, a economia, a estatística, as ciências da informação, a ergonomia, o marketing, as neurociências, a filosofia, a política, a moda e uma série de disciplinas em redes, que ajudaram a criar as bases da propaganda e do
branding
em suas formas contemporâneas.
Podemos considerar a
Budweiser
um exemplo de marca que superou a
Miopia em Marketing
(LEVITT, 1990) descobrindo o que vende: sabor e alteração do estado de percepção. A cerveja é um produto que geralmente acompanha os eventos gastronômicos, harmoniza com os pratos e entorpece os sentidos. O lançamento da marca no Brasil utilizou a arte do produtor will.i.am
,
líder do grupo musical
Black Eyed Peas,
para transformar seu slogan
Great times are coming,
em um
Hit
Musical tocado nas rádios, na TV e na internet, em forma de
branded entertainment
. Mas embora a Budweiser tenha se popularizado por meio de filmes publicitários criativos, ainda me incomodava o fato de que as campanhas fortaleciam o seu nome com foco em um produto, ou seja, a cerveja. Até o dia em que me deparei com os molhos apimentados da marca na prateleira de um supermercado. A harmonização com carnes, aves, frutos do mar e uma série de petiscos, também pode ser usado como mote para ampliar as experiências relacionadas ao consumo. Me pareceu o início da libertação de um produto que estava no mercado de cervejas para um universo relacionado à gastronomia, em sentido
lato
.
Nenhuma outra área tem nos ensinado mais sobre o consumo, a propaganda e o
branding
do que a gastronomia. Olfato, paladar, tato, visão e audição estão envolvidos nas experiências gastronômicas.
Afinal de contas, o que dá valor ao prato no restaurante? A iluminação do local, as cores, a arquitetura, a textura, o design das toalhas, dos talheres, do cardápio e do próprio alimento começam o processo de sedução pela
visão
, transferindo o valor que se converte em preço.
A climatização, o conforto da cadeira, os materiais dos quais é feita a mesa, o guardanapo ou as taças, ampliam por meio de sensações
táteis
os valores do consumo.
O isolamento acústico, a privacidade sonora entre as mesas, a música ao vivo, as
playlists
selecionadas, os ruídos, o tom de voz de quem atende e até mesmo os sons próprios de cada prato, como a crocância ou fervura, incluem a
audição
como parte do processo de sedução marcária.
A aromatização do ambiente e dos pratos servidos ajudam na construção de memórias
olfativas
em torno da marca. Tomamos como exemplo o restaurante Alínea, classificado entre os melhores do mundo, que entrega um de seus pratos sobre uma almofada plástica, cuidadosamente cheia de gás aromático que se esvai por pequenos poros e se integra à experiência de consumo.
Já o
paladar,
o mais óbvio sentido percebido nos restaurantes
,
está presente na forma em que os sabores são harmonicamente trabalhados como uma orquestra. Um alimento produz novos significados gustativos quando sai de seu estado bruto. Produtos versáteis como queijos, ovos e batatas se transformam, dependendo da forma em que são preparados. A comida é apenas um pretexto para as experiências gastronômicas ampliadas, com a harmonização das entradas, bebidas e sobremesas. Por isso insisto em dizer que nós publicitários deveríamos aprender a fazer
branding
dessa maneira.
Mas confesso que em minhas experiências na condição de cliente percebi que a maioria dos restaurantes ainda não aprendeu essa lição, pois muitos ainda insistem em acreditar que vendem simplesmente a comida.
O modelo de gestão adotado pela Disney (DISNEY INSTITUTE, 2013) indica que
tudo comunica
, ou seja, os detalhes que levam uma experiência à perfeição não são percebidos conscientemente, mas criam a atmosfera que se agrega ao valor, responsável por transformar os produtos em marcas. Por isso deveríamos nos focar na organicidade, mesmo em contextos que indiquem a força do digital.
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8. Propaganda digital ou propaganda contemporânea?
Quando você entra em uma cafeteria que funciona dentro de um shopping center, os algorítimos dos aplicativos e mídias sociais instalados em seu dispositivo móvel são avisados sobre isso. O
app
da loja avisa que seis dos seus amigos também estão no shopping e pergunta se “
você gostaria de convidar algum deles para que venha tomar um café, por nossa conta?
”. Dois outros usuários visualizam e aceitam o seu convite, ativando automaticamente a promoção pelo toque no dispositivo. Todos sentam em uma mesa e são abordados por um atendente que os chama pelo nome, servindo o produto como cortesia. E se mostra solícito para tirar uma fotografia do momento, para que possa ser postada em suas redes sociais.
O café não foi grátis, mas uma retribuição da marca pela atenção que você deu a ela, pela lembrança generosa que você permitiu deixar marcada em sua mente, pelo seu engajamento ao chamar seis pessoas para ouvirem o que ela tem a dizer, por ter convencido dois outros usuários a se unirem à experiência de consumo e também pela economia em mídia e propaganda tradicional. A hipotética ação promocional inspiradora é dramatizada, filmada e veiculada em mídias tradicionais. Além disso é patrocinada nas mídias sociais e viralizada pelas pessoas. Pergunta: seria essa uma ação de marketing
on ou offline
?
Já deveríamos ter superado há algum tempo o paradigma da comunicação digital, tratada como sinônimo e indício de evolução e futuro da comunicação.
As chamadas mídias locativas, relacionadas a um lugar específico, envolvem muitas vezes uma integração quase orgânica entre a espacialidade urbana, os códigos impressos nas embalagens expostas nos pontos de venda, o atendimento presencial, as experiências de varejo e as ambiências digitais. Poderíamos então dizer que se tratam de estratégias online?
A internet não é uma simples ferramenta ou uma mídia passível de representação por um suporte físico, como um computador,
tablet
ou aparelho celular. Tampouco atingiu tal proporção e potência por causa dos computadores que interliga, mas pela ação das pessoas que criam, comunicam e transformam em cultura diferentes outros tipos de tecnologias, sejam elas estéticas, bélicas, laborais, comunicacionais, afetivas, ou educacionais, para que possam viver de histórias reais. São pessoas que falam ao telefone, consomem produtos, exploram lugares, comemoram momentos simbólicos como a formatura, o casamento ou a final de um campeonato de futebol e enfim, conversam com e sobre as mídias. Ou seja, a internet é uma tecnologia impulsionada por um combustível cuja potência está nas pessoas e não nas máquinas, por isso não há nenhum sentido em tratar o ciberespaço como um outro mundo.
Não vejo como evolução o fato de encerrar a comunicação contemporânea em um paradigma cibercultural ou digital. Para além dos dígitos de zero e um, que caracterizam o código binário é possível compreender as relações sociais em lógicas hipercurriculares (RABELO, 2011) que envolvem aprendizagens, mediações, negociações políticas para além de um determinismo tecnológico, sem com isso ignorar a existência das ferramentas digitais, que também produzem sentidos, como parte das redes. Portanto, muito além de redes digitais temos redes hipercurriculares, que são caminhos híbridos de produção e circulação de conhecimento.
Em que isso afeta a propaganda e o marketing? Simples! Durante muito tempo as agências de propaganda tentaram compreender o impacto da internet em seus negócios, imaginando a rede digital como um universo à parte da comunicação. Demoraram a entender, portanto, que na internet, embora tenhamos metodologias, técnicas, tempos e espaços diferentes das mídias tradicionais, os públicios na realidade estão mais “fora” da mídia do que nunca.
Com isso quero dizer que nos tempos de dominância do
broadcast
, como a TV, o rádio e o cinema, as pessoas eram consideradas “massas” justamente pela falta de possibilidades para o diálogo e para a crítica, uma vez que recebiam as mensagens pré-formatadas, sem direito à resposta, enquanto estavam presas em seus sofás. Hoje, as mensagens que circulam na internet podem também ser direcionadas para as pessoas que estão no sofá assistindo ao telejornal, mas também para as que estão andando nas ruas, ou conversando com os colegas nas salas de aula, ou até mesmo vagando pelos chamados
não lugares
, como as estações rodoviárias, os aeroportos ou os shopping centers.
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9. As heranças das teorias clássicas de comunicação
As teorias da comunicação estão relacionadas aos tempos em que são desenvolvidas. São perspectivas que se manifestam no momento em que os fenômenos aparecem. Por exemplo, a já obsoleta
teoria hipodérmica
surgiu diante da inquietação sobre os possíveis efeitos que os meios de comunicação, como o rádio, a tv e o cinema teriam sobre a ordem social. De acordo com essa perspectiva, os veículos de comunicação de massa conseguiriam produzir mensagens capazes de manifestar reações iguais em diferentes receptores, que seriam os consumidores, passivos diante dos discursos persuasivos. E assim reagiriam de forma alinhada aos interesses dos produtores da propaganda. Nem precisaríamos da contemporânea teoria da cauda longa para desmitificar tal perspectiva. Imagine, hoje, dizer que as massas são manipuladas pelo gatilho publicitário, sem nenhum tipo de crítica ou desconfiança. Isso não faz tanto sentido em nosso tempo, caracterizado pela cultura das redes.
Temos observado como as marcas de cerveja têm mudado suas posturas machistas e como os jornalistas, flagrados nos bastidores das gravações, foram confrontados por telespectadores revoltados com suas frases preconceituosas. Acompanhamos também como as empresas consideradas novos entrantes em mercados já consolidados, não somente desestabilizaram financeiramente as multinacionais mas também as forçaram a reposicionar seus discursos focados na simples lucratividade, baseada nas vendas brutas. Não é por menos que as hamburguerias gourmet, as saladerias e os personais da saúde têm abalado o mercado do
fast food
. Diante dos consumidores críticos, atentos e que conversam em redes, as antigas empresas que acreditavam na força da propaganda como uma
bala mágica
, já abandonaram tal inocência há um bom tempo, buscando uma espécie de aproximação individualizada, por meio do relacionamento, do engajamento e do envolvimento com cada um dos seus consumidores.
Já a
teoria da persuasão,
que
se popularizou a partir da década de 1940, considerava a influência da propaganda, limitada pelos filtros psicológicos de cada indivíduo. Diferente da teoria hipodérmica, que acreditava que a mídia teria o poder de uma bala mágica, que penetraria na mente dos consumidores sem muita resistência, as teorias baseadas na crença da persuasão passaram a considerar como eficaz a propaganda que melhor compreendesse as demandas originadas nos desejos, muitos deles inconscientes, de seus consumidores, produzindo discursos alinhados às expectativas individuais dos públicos. Por isso o setor de pesquisa passou a exercer importante influência nas agências, uma vez que seus esforços revelam aquilo que as pessoas necessitam, querem ou desejam, para comprar mais e melhor. Por exemplo, não adianta tentar vender um carro veloz para um consumidor que busca segurança, ou uma máquina de lavar inovadora para quem se importa principalmente com a tradição.
Hoje percebemos como os algorítimos da internet direcionam anúncios que parecem dialogar diretamente com as nossas almas. Tais mensagens não tentam nos convencer, mas persuadir, à medida em que usam nossos próprios desejos, crenças e valores, formatados em anúncios personalizados para vender seus produtos. Somente a cultura midiática, porém, não é suficiente para convencer os consumidores que convivem e consomem em múltiplos ambientes e contextos, para além dos canais formais de comunicação.
De acordo com a
teoria dos efeitos limitados
, ou empírica de campo, a mídia teria um efeito limitado ao tentar persuadir as pessoas, uma vez que representaria apenas um, entre vários outros aparelhos ideológicos, como a igreja, a família, os sindicatos, os partidos políticos e a escola. Por isso temos observado como a propaganda se apropriou dos discursos produzidos em outras esferas, utilizando como apoio os
apelos às autoridades
, como os artistas, os especialistas médicos e os atletas, que são formadores de opinião em outros espaços de influência social.
Hoje percebemos tentativas mais sofisticadas do apelo à autoridade, como o patrocínio dos
digital influencers
e blogueiros. Além disso, como as marcas já aceitaram que os efeitos da mídia de massa, e até mesmo das mídias sociais, são limitados, decidiram explorar novos espaços de circulação de discursos, como os estádios de futebol, os concertos musicais, as salas de cinema e toda a espacialidade urbana.
As
teorias funcionalistas
se fortaleceram
em um contexto em que os estudiosos da comunicação precisavam justificar o campo de atuação, afinal de contas, pesquisadores e profissionais da área desejavam, de certa forma, dissipar a imagem que as teorias anteriores fomentaram e que transformaram a comunicação no grande mal da sociedade. Tais teóricos tinham a intenção de explicar a dinâmica social como uma espécie de estrutura, onde cada parte contribui para a manutenção do
status
vigente. Quem nunca ouviu falar do modelo proposto por Herald Lasswell nesse período, muito utilizado pelo jornalismo para construção do
release
e pela publicidade para a elaboração do
briefing
? Até hoje nos perguntamos:
quem
disse
o que
,
a quem
, em que
canal
e com quais
efeitos
?
O marketing atual parece justificar seu campo de atuação com base nas premissas funcionalistas e estruturais. Os novos discursos da área propagam a ideia de que a função de uma empresa não seria a de lucrar ou manipular, mas a de promover valores para todo um mercado, formado por consumidores, fornecedores, concorrentes, acionistas, mídia, governos, negócios correlatos e sociedade como um todo. As marcas, nesse sentido, seriam peças sociais capazes de gerar empregos, aquecer a economia, criar atitudes sustentáveis, promover a preservação do meio ambiente, fortalecer parcerias estratégicas com organizações não governamentais e com os setores público e privado. Tudo muito justificado como parte de uma engrenagem, com funções importantes para o desenvolvimento econômico e social.
Já as
teorias críticas da comunicação
surgiram como demandas de uma época caracterizada por uma pedagogia formatada, voltada para a criação de uma cultura que envolvia a produção industrial serializada e em larga escala, além de uma organização social predisposta para o consumo massivo. Por isso os
teóricos de Frankfurt
cunharam e popularizaram a expressão
Indústria Cultural
quando se referiam à natureza manipuladora da mídia, capaz de produzir moldes culturais que seriam consumidos sem confrontação intelectual.
Tais teorias foram popularizadas em uma época marcada pela disseminação de tecnologias que permitiam a reprodutibilidade técnica. A televisão seria capaz de reproduzir aos milhares a imagem de uma obra de arte, que antes somente seria contemplada em uma experiência individual. A mídia deslocaria o caráter elitista e intelectualizado das artes, que poderiam ser reproduzidas e simplificadas em escalas comerciais. As sinfonias de Chopin e as de Strauss sairiam dos teatros diretamente para as animações de Tom & Jerry, assim como a arte barroca estamparia as latas de biscoitos nos supermercados. Parte dos teóricos críticos difundia a ideia de que, caberia à publicidade deslocar o caráter criativo, contemplativo e emotivo das artes para um caminho de manipulação persuasiva e massiva.
Os conteúdos televisivos seriam produzidos e empacotados com os únicos objetivos de alimentar uma economia que interessaria aos meios dominantes para assim manter o povo alienado.
A grande questão levantada pelos teóricos críticos estava voltada para a formatação de opiniões. Caberia à mídia pensar pelos consumidores, criando assim modelos de verdades?
Como herança de tais críticas, observamos então, como a pesquisa eleitoral muitas vezes funciona como fator de influência para muitos eleitores, pois “se o telejornal informa que determinado candidato é o preferido por uma maioria, talvez não seja assim uma escolha tão ruim”, pensam os indecisos. Por isso muitas vezes os apresentadores dos telejornais podem nos passar sutilmente sinais de insegurança, medo, apoio, desagravo, desconfiança, respeito ou qualquer sentimento pré-formatado, dando indícios para que toda uma população possa amar ou detestar uma posição política. Seriam as emoções enlatadas a mais pura propaganda, criadas para que possam ser reproduzidas pelos consumidores?
Ao contrário do que predominava nas teorias críticas, as teorias culturológicas
acreditam no poder das produções simbólicas criadas pela própria dinâmica social. Os meios de comunicação não seriam, então, os manipuladores e formadores das culturas, mas propagadoras dos discursos identificados nesses movimentos da sociedade. Caberia à mídia se integrar a tais movimentos e aproveitar a oportunidade para criar os produtos discursivos que representam as culturas.
Como herança das teorias culturológicas percebemos, hoje, como as campanhas de oportunidade parecem funcionar tanto. Um escândalo político, um grande evento esportivo ou uma data comemorativa foram pretextos, por muitos anos, para que o ator Carlos Moreno pudesse falar a mesma linguagem do povo nas campanhas clássicas da Bombril. Também por isso, empresas como a Netflix utilizam o
big data
para escrever seus roteiros de acordo com os modos pelos quais os seus espectadores se comportam ao consumir.
Uma série de movimentos baseados na organização de grupos por meio de expressões de identidade, diversidade e cultura, remodelaram o cenário midiático, criticando os estereótipos e o uso da mídia como mecanismo de distribuição de poderes sociais. Assim, os
estudos culturais
se fortaleceram em meio aos cenários que traziam a popularização da pílula anticoncepcional, do computador pessoal, o nascimento do primeiro bebê de proveta, a viagem à Lua, o lançamento dos satélites artificiais, o fim de alguns regimes políticos de opressão e um momento fértil para a indústria gráfica, que lançava revistas que falavam para os nichos.
Empresas como a Pepsi aproveitaram a oportunidade levantada pelas discussões culturológicas para se posicionarem como representantes das chamadas subculturas, adotadas pela empresa de refrigerantes com o nome de
nova geração
. Ainda hoje as teorias culturológicas influenciam a propaganda e o marketing, uma vez que ressignificam os antigos estereótipos com os novos discursos baseados no empoderamento de diferentes grupos sociais.
As pesquisas contratadas pelos anunciantes passaram a mapear os grupos de consumidores-alvo, classificando os sujeitos que se identificariam em categorias para o consumo. Mulheres, indígenas, comunidades ribeirinhas, punks,
geeks
, moradores de favelas, entre as mais diversas estéticas de existência ou expressões das diferenças foram sistematicamente transformados em objeto de análise, por quem? Classificados, hierarquizados e simplificados em seus movimentos de consumo, inevitavelmente deveriam em algum momento ser revelados como sujeitos complexos que, para além de seus encontros promovidos pela diferença, seriam finalmente reconhecidos como sujeitos únicos, mas ao mesmo tempo múltiplos.
O
pós-colonialismo
surge então como uma crítica às estratégias de enunciação das identidades autocentradas, que tentavam classificar os consumos dos diferentes grupos em categorias baseadas em estereótipos. Hábitos explicados por generalizações numéricas, identidades simplificadas em clichês e encerramentos conceituais, passaram a dialogar com as políticas afirmativas, que atingiram a maturidade ao expressar a
differánce
contra a ideia de diversidade. O conceito popularizado por Jacques Derridà (1995), e consequentemente por Homi Bhabha (2005), tem seu duplo sentido em uma palavra que ao mesmo tempo significa diferença e aquilo que não se alcança. Como poderiam o colonizador, o cientista, o professor ou a mídia encerrarem a
diferença
em uma perspectiva pragmática?
O próprio sujeito contemporâneo é capaz de afirmar sua diferença baseada na cor ao negociar a ocupação das vagas na Universidade, mas também pode fundamentar sua razão, baseada na paternidade, ao discutir com o filho. Qual seria então a sua identidade, afinal de contas? A de pai, negro, jornalista, católico, roqueiro, síndico, vegetariano, socialista, carioca ou brasileiro? Um mesmo sujeito pode ser flamenguista, enólogo,
gamer
e liberal. Ele é um e muitos ao mesmo tempo, pois sua
differànce
é evocada em relações e contextos, assim como metaforizava Derridà ao se referir à linguagem como algo inalcançável.
O cinema, as séries, os desenhos animados, as histórias em quadrinhos, os games e até mesmo a publicidade apontam contemporaneamente para novos protagonistas, que afirmam as suas diferenças em relações complexas, abandonando as antigas personagens planas e estereotipadas.
O pós-colonialismo representou, nesse sentido, uma oportunidade para a releitura do mundo pelos pontos de vista até então negligenciados. Muitas das refilmagens ou adaptações dos clássicos tentam corrigir os pontos de vista que foram construídos pelo viés de uma modernidade ocidental. De maneira parecida, as embalagens, as campanhas publicitárias e as abordagens institucionais devem repensar seus discursos baseados em padrões.
Ao questionar o poder dos meios de comunicação, a teoria do
agenda setting
leva em consideração que, em meio ao turbilhão de informações diárias que poderiam ser noticiadas, os jornais ou a publicidade têm o poder de selecionar os assuntos que cairão na boca do povo. Por isso os produtores das notícias são considerados
gatekeepers
, ou porteiros, uma vez que controlam o agendamento dos assuntos em pauta e a intensidade de sua circulação.
Tal agendamento, atualmente, vem ganhando força pelos movimentos dos
gatewatchers
, representados principalmente pelos usuários das mídias sociais. De meros observadores das notícias tornaram-se potentes propagadores de informações, pressionando inclusive a mídia tradicional sobre os assuntos que acreditam ser relevantes. Não é à toa que os
trend topics
são fenômenos bastante cotidianos nas ambiências digitais.
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10. Behavioral Targeting
Uma gestão inteligente de marcas deve compreender a importância de abandonar a ideia de público-alvo. Marcas se relacionam com consumidores, que perdem o
status
de estereótipos passivos. Consumidora? Mãe em alguns momentos, insegura em outros, por vezes dona de casa, estudante,
chef
de cozinha, motorista, pedestre, celebridade, religiosa, libidinosa, conservadora, extrovertida, bairrista e vegana. A mulher perde seu caráter dicotômico e passa a ser compreendida em suas relações cotidianas complexas. Nesse sentido, devemos considerar que o antigo conceito de “público-alvo”, pronto a ser acertado por uma mensagem que age como uma pedrada na cabeça, não tem mais tanto sentido.
Com a ineficiência publicitária contemporânea para manter o consumo baseado nas estratégias de comunicação massivas, invasivas e repetitivas, empresas como o Google e o Facebook desenvolveram seus algorítimos próprios, que mapeiam os comportamentos dos consumidores nas redes.
O entusiasmo diante das mídias sociais, o interesse pelos conteúdos empresariais, a aficção pelo cinema, o hábito de viajar ou de praticar esportes, são apenas alguns desses comportamentos, que podem ser afunilados e escolhidos como alvos das publicações. Muitos comportamentos de consumo, incluindo os de informação, independem das antigas classificações estatísticas.
O
behavioral targeting,
nesse sentido
,
consiste em um novo desafio para o profissional de mídia na agência de propaganda. Ele deverá arquitetar o mapeamento dos públicos com base em seus hábitos individuais. Por exemplo, empresas que fabricam produtos que historicamente foram vendidos para idosos ou mulheres, deixarão de desperdiçar tempo e dinheiro tentando encontrar seus consumidores pelo fator idade ou sexo, mas por comportamentos esperados. Basta compreender que, ao contrário do que diriam as campanhas publicitárias tradicionais, muitas mulheres são fanáticas por futebol e muitos homens lavam as suas próprias roupas e louças, assim como os idosos podem comprar viagra e fazer
crossfit
.
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11. Organicidade, sensorialidade e linguagem
Não é necessário o histórico e legitimado rigor cientifico para aferir que existem particularidades e diferenças sensoriais em cada ser humano. Basta estar vivo para perceber que pessoas sentem o mundo de maneiras diferentes. Algumas precisam usar óculos dos mais variados graus e outras não conseguem enxergar. Muitas, nesse caso, precisam criar e utilizar linguagens ou tecnologias para viver em sociedade, seja por meio do uso do Braille, ou com uma maior dedicação à atenção sonora. Existem também os daltônicos que possuem uma forma particular de ver as cores e perceber o mundo e os idosos que observam a realidade com uma temporalidade distinta. Mesmo assim a publicidade ainda insiste em criar anúncios massivos, partindo do pressuposto de que os públicos enxergam as artes gráficas da mesma maneira.
Algumas pessoas são muito baixas e outras muito altas, percebendo as embalagens nas prateleiras, os vendedores nas lojas e as mensagens nos cartazes sob perspectivas diferentes. Da mesma forma que o posicionamento da câmera fotográfica, em
plongée
ou
contra-plongée
, amplifica ou diminui o poder discursivo da imagem produzida, a altura relativa ao ser humano também produz significado próprio em sua relação com o mundo. Tudo é questão de ponto do vista!
Devemos ter em mente que os corpos e suas diferenças, de certa forma, deveriam ser pontos de atenção para os esforços das marcas, que comunicam a partir da sensorialidade, da racionalidade e da cognição. Algumas pessoas são intolerantes ao calor, outras não suportam o frio. Ou lidam de maneiras diferentes em relação aos odores, não somente no que diz respeito às preferências dos perfumes em produtos comercializados por empresas, mas às alergias, aos enjoos e às demais reações aos cheiros. Determinados sujeitos possuem fobias relacionadas à aproximação humana, outros são efusivos e precisam do contato. Alguns são tímidos e muitos são comunicativos. Existem pessoas preparadas para administrar uma vida dinâmica, enquanto outros querem apenas o descanso e o sedentarismo.
Os estrategistas devem ter em mente que, para além dos esforços massivos e generalizadores das predisposições humanas, temos organismos que reagem das mais diferentes formas aos estímulos ambientais. São questões orgânicas. Corpos reagem com tolerâncias distintas em relação ao álcool, à lactose, ao tabaco, ao Sol, às plantas, às cores, às temperaturas, ao som e à luminosidade. Deveríamos sempre ter em mente que as mídias contemporâneas, além das telas e dos papéis, também estão nas ruas, nas lojas, nos corpos, nos palcos e em múltiplas outras arenas, comunicando ao vivo com as pessoas.
A organicidade da marca reside na compreensão de que ela deve atuar com uma identidade menos previsível e robótica, mas com uma personalidade proativa, mais interativa e contextual, afinal de contas todo discurso parte dos seres humanos. Assim, uma marca orgânica deve se comunicar por imagem, gosto, cheiro, som e taticidade.
Devemos então dimensionar que, para os nativos digitais, as tecnologias da internet háptica, das coisas, de imersão em realidade virtual e com interação em realidade aumentada não são novidades. Os controles remotos, os drones, as conferências à distância, a interatividade
online
e o
big data
fazem parte de um contexto cotidiano familiar. Mas o que fará toda a diferença no futuro da relação dos consumidores com as marcas será justamente a customização por meio da proximidade, da organicidade, da conversa e da sensorialidade.
Por isso reforço a perspectiva de Martinuzzo (2014) sobre a emergência de uma nova economia baseada na atenção, que demanda a utilização das mídias customizadas no processo de planejamento da comunicação organizacional em rede.
◆◆◆
12. Brand Sense
Lembro que uma ex orientanda de graduação conseguiu, alguns anos após se formar, conquistar um importante espaço no mercado, sendo pioneira com a sua
startup
especializada em marketing sensorial. A lógica funcionava da seguinte maneira: ela mapeava o DNA das empresas que a contratavam, elaborando uma pesquisa de mercado e produzindo um minucioso
briefing
, para, enfim, criar um perfume que se tornaria parte da identidade institucional das marcas. O aroma seria pulverizado por meio de um dispositivo instalado nos pontos de venda.
Nesse contexto o
Brand Sense
, assim denominado por Martin Lindstrom (2012), já apontava para
os segredos sensoriais por trás das marcas
. Considero este autor um dos mais importantes pensadores da estratégia na contemporaneidade. Lindstrom descobriu uma série de estratégias utilizadas pelas empresas, em uma extensa pesquisa realizada com grupos focais em 13 países. As ações que envolviam os estímulos aos sentidos humanos, foram criadas por uma série de empresas com a finalidade de ampliar a percepção de valor dos consumidores em relação às marcas. Por exemplo, o
cheiro de carro novo
é uma falácia vendida em
spray
e que nada tem a ver com o cheiro de um carro recém fabricado. Mas se tornou uma marca tão forte na experiência de consumo a ponto de influenciar o valor percebido durante a comercialização do produto.
Hoje é bastante comum o trabalho estratégico no ponto de vendas, onde algumas marcas criam e disseminam, além da identidade visual, personalidades olfativas, gustativas, sonoras e táteis.
Lindstrom (2012) também listou os princípios do
branding
sensorial, sendo os mesmos utilizados pelas religiões, para envolver as pessoas emocionalmente em torno de ideias e causas. Comentarei cada um deles:
•
Sensação de pertencimento
São inúmeras as marcas, a exemplo da Lego e da Apple, que estimulam a formação de comunidades de fãs engajados, utilizando inclusive os clientes como porta-vozes, que são nomeados embaixadores. Mas nenhuma consegue promover a sensação de pertencimento, como faz a Harley Davidson. Muitas lojas da marca organizam churrascos, viagens guiadas, grupos em mídias digitais e diversos eventos sociais para envolver seus clientes com a sensação de pertencimento em comunidades imaginadas. Seus públicos sentem-se membros de um universo simbólico partilhado, tatuando a marca no corpo e usando cotidianamente os trajes, que funcionam como uma espécie de
dress code
.
• Uma visão clara
Existe uma razão que explica o fato de que alguns
slogans
, ou gritos de guerra das marcas, funcionam melhor do que outros. Eles sintetizam o propósito da empresa: T
hink Different
(Apple);
The Power of Dreams
(Honda);
Just do It
(Nike);
Were Dreams Come True
(Disney); Bem Estar Bem (Natura);
I´m Lovin´it
(Mc Donalds). Marcas com propósitos envolvem mais facilmente as pessoas em torno de ideais. Sobre a Disney, por exemplo, foram publicados na última década uma série de livros, que tentam explicar seu modelo único de gestão, que não mede esforços para que o seu
casting
compreenda o papel de tornar reais os sonhos dos públicos. Por isso mesmo consideram seus funcionários como partes de um elenco, importante para construir uma grande história.
• Inimigos
Devemos ter em mente que os rivais se alimentam mutuamente e criam comunidades engajadas, que não medem esforços para sair em defesa de cada um dos lados. Durante muito tempo a Coca Cola e a Pepsi ocuparam o centro dos holofotes em épicas batalhas mercadológicas, popularizadas como
A guerra das colas
. Posteriormente observamos como as empresas de tecnologia, como a Apple, o Google, o Facebook, a Microsoft, a Sony, a Samsung e o Über tomaram conta desse campo de guerra, alimentando a imprensa especializada e toda uma comunidade de fãs com as expectativas sobre os próximos movimentos estratégicos. Desde os anos 1980 temos acompanhado a lógica da rivalidade alimentar as indústrias midiáticas, como fizeram Stallone e Schwarzenegger com o cinema, Michael Jackson e Prince com a música, Sonic e o Super Mário com os games ou Evander Hollyfield e Mike Tyson com o esporte. De maneira saudável e ética não é exagero dizer que todas as empresas precisam de inimigos para fomentar essa visão arquetípica da batalha entre os irmãos.
• Evangelização
Trata-se da propagação da mitologia da marca, que passará a ser difundida de consumidores para consumidores, dos pais para os filhos e até mesmo dos clientes para os não clientes. A evangelização começa com a criação de histórias como as de Richard Branson, um garoto disléxico que abandonou a escola aos dezesseis anos de idade e ganhou notoriedade na mídia, por vários fracassos e muitos sucessos, fundando uma das mais admiradas corporações do mundo, a Virgin. Branson tem suas histórias contadas em dezenas de livros, documentários e reportagens que popularizam o nome da sua empresa, exacerbando a notável história desse sujeito que não deixa de ser o que temos de mais próximo a um Bruce Wayne da vida real.
Embora seja o maior clichê no ensino das narrativas, a jornada do herói, inspirada na psicologia analítica de Jung (2016) e popularizada nas obras de Campbell (2007), Vogler (2015) e Mark e Pearson (2003) é fundamental para construir narrativas com alto poder de evangelização.
• Grandiosidade
Ser o pioneiro, o maior, o único ou o mais relevante nome em um mercado, normalmente encanta os públicos e os envolve em um sentimento de orgulho pelo pertencimento ao universo da marca que escolheram.
Muitos artistas foram elevados em pedestais, pela mídia e pela propaganda, como reis, rainhas, imperadores, líderes e papas. Não é incomum ler a denominação de papa do marketing
, quando se referem ao Phillip Kotler, ou rei do rock
em relação ao Elvis Presley. No Brasil tivemos a rainha dos baixinhos
, a rainha do axé
, a rainha dos caminhoneiros,
e até a rainha do rebolado
. A mídia também popularizou, no futebol, o Adriano Imperador
, o rei
Pelé, Ronaldo Fenômeno
e Roberto Dinamite
, enfim, são muitos os exemplos dos autocoroados em lógicas publicitárias.
É bastante comum acompanhar as mensagens tradicionais da propaganda, que carregam os discursos das empresas que se intitulam as melhores, as maiores, as mais importantes, as mais amadas, ou como sendo aquelas que possuem o maior número de franqueados ou de seguidores nas mídias sociais. É importante, porém, que haja alinhamento entre a humildade e a grandiosidade no discurso. Saber dosar a comunicação dos méritos é importante, nesses tempos de redes conectadas e consumidores críticos. As forças de uma instituição não podem anular os esforços de
branding
voltados para a generosidade, a responsabilidade social e a empatia.
• Contar histórias
A turma da Mônica pode ser encontrada impressa na embalagem do macarrão instantâneo, no rótulo da melancia e na sacola com as maçãs. Também está nos cadernos, mochilas, brinquedos, roupas, iogurtes, parques de diversões e utilidades de cozinha. Os valores de amizade, segurança, confiança, proximidade e familiaridade saem das histórias, criadas por Maurício de Souza, atravessando os discursos mercadológicos e formando o imaginário em torno das marcas, que agregam os valores das personagens icônicas. De maneira parecida o Garoto da Bombril e o Baixinho da Kaiser, entre um sem número de outros garotos propaganda ou mascotes, contam muito mais do que histórias em cada imagem ou texto por onde se manifestam. Eles criam e propagam os discursos institucionais planejados nas mesas dos estrategistas corporativos.
• Apelo sensorial
O logotipo tridimensional da Rede Globo acompanha o som do característico
plim plim
da marca ao ser exibido na tv. E até mesmo se estivesse estampado em uma revista impressa, seria inevitável ouvir mentalmente o
sound brand
emitido pela marca.
Assim como as diferentes religiões usam óleos, vinhos, pães, incensos e sinos, para fortalecer seus discursos por meio da sensorialidade, as marcas também devem utilizar estímulos sensoriais a fim de imprimir personalidade e envolvimento em suas comunidades de fãs. Infelizmente, muitos publicitários ainda não descobriram que as marcas se comunicam por sentidos que ultrapassam o paradigma audiovisual. Elas também devem ser construídas com sabores, odores, sons, imagens, formas, texturas e volumes.
As lojas das marcas Melissa e mmartan, por exemplo, produzem significados marcários próprios, com os aromas que selecionaram para representar suas instituições. Em relação à sensorialidade, exemplifico também com o Kinder Ovo, que não é vendido simplesmente pelo seu gosto, mas pela ludicidade tátil, percebida desde o alumínio que envolve o chocolate até a surpresa encontrada dentro do recipiente plástico. Já o Spotify é uma mídia social focada na curadoria musical, ou seja, sonora, mas que se vende em uma interface visual bastante atrativa e adaptada para múltiplas plataformas. E por falar em música, muitas bandas como o Iron Maiden já expandiram suas marcas para além da simples interação sonora, transferindo sua identidade para outros sentidos, como o gosto da cerveja produzida pela franquia.
• Rituais
Lembro a primeira vez que experimentei uma cerveja de trigo, bem no começo de sua popularização no Brasil, cujo mercado era predominantemente dominado pelas pielsen industriais. Eu estava em um restaurante e observei o garçon atendendo a mesa ao lado. O que me atraiu para o consumo foi justamente o ritual pelo qual a cerveja era servida, em copo de 600 ml e com o cuidado em misturar os sedimentos decantados no final da garrafa, formando dois dedos de colarinho. O mesmo tipo de memória episódica marcou a minha primeira experiência em um restaurante japonês. O orgulho em dominar os hashis, mesmo que estivessem presos por um elástico, o saquê sendo servido até transbordar em um recipiente quadrado, os sapatos deixados ao lado da mesa, os funcionários atendendo com trajes orientais e o sushiman cortando os peixes crus bem em frente à nossa mesa. Resumidamente, a experiência ritualística faz parte do consumo e contribui para a precificação dos serviços.
Cada produto, marca ou segmento de mercado pode ser capaz de criar os seus próprios rituais de consumo. Os gestos que os jogadores de futebol inventam para comemorar um gol, assim como os cortes de cabelo e a maneira em que amarram o cadarço das chuteiras são rituais criados para o consumo de marcas e seus discursos. A produção do chocolate em formato de ovos, ou a elevada demanda por um pão com frutas, representam partes das experiências comemorativa religiosas, como rituais de consumo propagados e naturalizados para nutrir a mesma lógica econômica que dita o significado das roupas íntimas para as festas de reveillon.
• Símbolos
A deusa grega da estratégia e das batalhas na guerra, filha de Palas e Estige, pode ser evocada a cada campeonato esportivo importante, descendo com as suas asas para inspirar os atletas em seus maiores desafios. Seu nome é Nike! Ela foi capturada por uma empresa esportiva para compartilhar seus valores com alguns dos principais competidores que já pisaram sobre a Terra, como Prefontaine e Michael Jordan. O símbolo de força, velocidade e superação utilizado pela fabricante de calçados, ampliou não somente a potência da marca, como também o seu preço.
Engana-se quem aplica os símbolos apenas como se fossem ilustrações dos modelos de negócios em que atuam. Utilizar pratos, garfos e facas como elementos gráficos em logotipos de restaurantes, ou desenhar prédios como símbolos de construtoras, significa abrir mão da criação de mitologias marcárias poderosas. O jacaré da Lacoste, a maçã da Apple, a concha da Shell e o leão da Peugeot conseguem imprimir valores simbólicos muito fortes para o universo das instituições que representam.
• Mistério
O slogan da marca de biscoitos Tostines foi popularizado em uma campanha criada por Enio Mainardi em 1984. O filme publicitário, de animação, mostrava um aprendiz subindo uma montanha e ao encontrar com o mestre lançava a questão em um jogo de palavras, lembrado por décadas, por aqueles assistiram os anúncios nos intervalos comerciais televisivos da época:
“É fresquinho porque vende mais. Vende mais porque é fresquinho
”.
De fato, o mistério vende. Não é a toa que os
teasers
ainda figuram como a menina dos olhos de muitos publicitários. Mas, afinal de contas, quem poderia responder qual é a fórmula da Coca Cola, ou como o Mc Donalds consegue manter o seu padrão? De onde vem a inspiração para a personagem Mário, da Nintendo? Quais são as 1001 utilidades da Bombril? (Dizem que agora restaram somente 1000, pois não temos mais a antena da tv analógica para sintonizar com o produto). Teria mesmo Ozzy Osbourne comido a cabeça de um morcego durante o seu show?
Mistérios ampliam as conversas sobre as marcas, estimulam a propagação de mitologias através das gerações e atiçam a curiosidade.
◆◆◆
13. Big Data
A cada dia são gerados imensos volumes de dados. Em escala global, imagine a quantidade de informações na rede sobre as páginas visitadas; os lugares frequentados e mapeados por geolocalização; os
links
ativos na rede; os comentários, as curtidas e os compartilhamentos nas mídias sociais; as compras e as reservas de serviços; o
upload
e o
download
de vídeos; as músicas, fotografias, ilustrações, softwares, planilhas e documentos acessados em todo o mundo. Os traços deixados pelos bilhões de usuários da internet, por meio do uso dos computadores pessoais e uma série de outros dispositivos, dizem muito para os estrategistas, capazes de analisar esse grande volume de dados, ou seja, o
big data
, e transformá-lo em inteligência competitiva.
Ao escolher um livro na Amazon seu clique é cruzado com todo o histórico de seus hábitos digitais e comparado ao comportamento de compra dos outros usuários que também escolheram o mesmo livro. A partir de então, parece que o sistema passa a conhecer a sua alma, sugerindo outros produtos que você não conhecia mas que te levam à compra, em estratégias de
cross-selling
(venda cruzada) e
up selling
(venda de itens adicionais ao produto). A criação e a garantia do funcionamento desse sistema de inteligência artificial fica a cargo do engenheiro de dados, ou
data engineer
.
Um candidato a algum cargo político precisa contratar os serviços de um cientista de dados, ou
data scientist
, para interpretar os consideráveis volumes de informações, provenientes das visitações em suas plataformas digitais, além de mapear as diferentes formas de engajamento, rejeição ou preferências dos eleitores em múltiplos outros canais, cujos rastros são deixados em seus hábitos cotidianos digitais. Após todo o trabalho de
data mining
, ou mineração de dados, são traçadas as estratégias discursivas, políticas e econômicas, inevitavelmente certeiras.
◆◆◆
14. Small Data e Pesquisa Sensorial
Martin Lindstrom é um profissional e autor da estratégia que conseguiu capturar perfeitamente a essência da contemporaneidade. Particularmente gosto de quatro das suas obras, que dialogam com as perspectivas que sempre acreditei e ensinei. Além do já mencionado
Brand Sense
(2012); o autor também escreveu
A lógica do consumo
(2009);
Brand Washed
(2012) e
Small Data
(2016). Este último me lembra o método cotidianista de Michel de Certeau (1988), que utilizei para escrever a minha tese de doutorado em Educação. Para o autor e mentor de uma série de marcas, como a Lego, o
small data
pode nos revelar grandes sinais. Observar e analisar os pequenos dados cotidianos pode gerar
insight
para novos negócios, ideias, reposicionamento de marcas, revisão de paradigmas estratégicos e resolução de problemas de marketing.
De nada adiantaria o
big data
sem a sensibilidade para analisar a agulha no palheiro, responsável pelas grandes transformações. O método de Lindstrom é executado por meio de visitas às residências de diferentes tipos de pessoas ao redor do mundo, observando hábitos que, em princípio, não estão relacionados ao consumo específico. Por exemplo, o autor reposicionou a estratégia de marketing da Lego, após entrevistar um garoto que mostrou seu surrado tênis da Adidas como um troféu pelas suas conquistas no esporte. Embora todas as pesquisas apontassem para um futuro lúdico baseado no digital, a partir deste
insight
o autor descobriu que os adolescentes se orgulham em realizar desafios e estão dispostos a gastar horas com atividades específicas, para que logo depois possam exibir seus feitos. Por isso, Lindstrom decidiu reduzir o tamanho das peças dos brinquedos e ampliar a complexidade dos manuais, reerguendo o império que parecia estar em decadência.
Quando coordenei o Grupo de Pesquisa em Propaganda Contemporânea e Novas Mídias, na UFSM, desenvolvi um método denominado pesquisa sensorial, inspirado no cotidianismo de Michel de Certeau. Também sob a influência dos estudos de
branding
, o processo consiste em não somente observar os mínimos movimentos cotidianos, que passam despercebidos pelos métodos empírico-formais de pesquisa, mas sentir o que o cenário tenta comunicar.
Por exemplo, certa vez orientei um trabalho de conclusão de curso de uma aluna que iria criar um plano de marketing para abrir seu próprio restaurante. Combinamos, então, que visitaríamos o melhor restaurante da cidade, em casais, para realizar a pesquisa como clientes.
Ao final da agradável noite, após algumas garrafas de vinho, perguntei à aluna: quantos garçons estão atendendo hoje? Qual o tipo de iluminação? Qual o tempo médio de espera? Quais aromas e sabores estimulam os impulsos de compra e a experiência de consumo? Há algum tipo de padrão de abordagem por parte dos garçons? O restaurante opera com som ambiente, música ao vivo ou eletrônica? Qual era a temperatura média do local? Se o restaurante fosse uma pessoa, como ela seria? Qual é o cupom médio? O preço do prato mais barato? O preço do prato mais caro? Quais os canais de comunicação o restaurante utiliza antes (para atrair ao local), durante e após (para reforçar um relacionamento) a compra? Como estimulam os sentidos por meio da taticidade? Há identidade matérica, ou a padronização de guardanapos, talheres, papéis de parede, piso, revestimento do teto, ítens de decoração e uniforme dos funcionários?
Lembro que fiz, como diretor de arte em uma agência de propaganda nos anos 90, alguns anúncios publicitários para uma concessionária automotiva. O
briefing
era incompleto e informava apenas que a peça seria veiculada em um jornal impresso, seu formato e o contexto “Dia das mães”. A partir desse cenário eu deveria me sentar em frente ao computador para criar a mensagem dentro de um retângulo, integrando os softwares gráficos Adobe Illustrator e Adobe Photoshop.
O que eu deveria ter feito a partir da metodologia do
small data
? Hoje, provavelmente eu iria até a concessionária e faria um
test drive
. Conversaria com a pessoa que serve o café, com o vendedor dos automóveis e com alguns clientes. Eu deveria ter analisado as roupas de quem entra, a iluminação do local, a estrutura do prédio, a abordagem dos funcionários. Poderia ter conversado com as pessoas nos pontos de ônibus, nas cantinas dos clubes e nas escolas sobre as suas impressões sobre o carro, ou sobre os veículos em geral. Eu observaria a configuração urbana e as estradas. Eu deveria ter questionado minha família e meus amigos sobre as suas motivações, sobre os seus sonhos de consumo e sobre os seus pratos favoritos. Poderia ter a curiosidade de conhecer os programas de TV que assistem, a forma como amarram os cadarços dos sapatos, o que fazem nos momentos de descanso e o que pensam sobre o futuro.
Ao montar um painel baseado nesses pequenos dados muitas vezes conseguimos construir um cenário
eureca
, com incríveis soluções para os problemas que tentamos resolver. E
small data
é justamente “essa amálgama de gestos, hábitos, gostos, aversões, hesitações, padrões de fala, hábitos de decoração, senhas, mensagens de Twitter, atualizações de status e uma série de outras coisas” (LINDSTROM, 2016. P. 20).