III. CONTEXTOS CONTEMPORÂNEOS
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15. Cibercultura
Culturas representam os modos de saber, fazer e poder. São formadas quando as linguagens, as tecnologias, as questões éticas, estéticas e lógicas em torno das práticas sociais, são repetidas em protocolos formais e transmitidas entre as pessoas. Cultivamos hábitos e desenvolvemos técnicas sociais em torno dos fazeres agrícolas, bem como em torno da música, do teatro, da culinária, do corpo, da escrita e de um imenso número de outras tecnologias, ou seja, os conhecimentos sistematizados que atravessam gerações se aperfeiçoando a cada uso cotidiano. Por isso há um equívoco por parte de muitos autores quando consideram a cibercultura dentro de um contexto totalizante, como se ela caracterizasse a contemporaneidade.
Ciberespaço
é uma expressão originada na literatura de ficção científica Neuromancer, escrita por William Gibson. O termo cibercultura
, inspirado nesse imaginário, ganhou repercussão na comunicação social, tornando-se disciplina ou grupos de pesquisa em alguns cursos superiores, em razão da publicação do livro homônimo, escrito em 1999 por Pierre Levy. A expressão diz respeito às novas culturas alimentadas e disseminadas com a ascensão das tecnologias ou modos de fazer, que surgiram a partir da popularização da internet.
É importante ressaltar o equívoco em exacerbar o determinismo tecnológico quando nos referimos à cibercultura. Embora uma série de práticas novas sejam produzidas em torno dos aparatos sociotécnicos digitais, isso não significa dizer que representam impactos que funcionam em relações de causa e efeito. A internet representa o universal sem totalidade, pois envolve infinitas tecnologias que afetam, de certa forma, a todos em redes, sem com isso produzir um padrão. A rede digital também é transformada por outros tipos de culturas em redes.
Não há que negar a influência que as redes digitais imprimiram sobre a contemporaneidade. A internet, no entanto, não foi determinante para a configuração do nosso tempo, mas condicionante, uma vez que deu condições para que as mudanças pudessem ocorrer em diversas redes.
Mais do que mudar o mundo a internet faz parte de um mundo em transformação, com diferentes nós, ou
hubs
, que trazem histórias que não se constituíram sozinhas. A matemática, a escrita, os meios de comunicação, a sexualidade, a medicina, a política, as marcas, a economia, a moda e a religião, não surgiram a partir da internet e nem foram simplesmente mudados por ela, mas se transformaram em redes de sentidos complexos.
Lembramos também que as pessoas não vivem em mundos separados, dentro ou fora dos computadores. Em um mesmo mundo utilizam as mais diversas tecnologias, como extensões dos corpos, das mentes e da natureza. As pessoas não amam ou odeiam na internet ou em um suposto mundo real. Elas amam e utilizam a internet para expressar tal amor, assim como podem expressar o mesmo sentido por meio de um bilhete escrito em papel, um vídeo gravado com uma câmera filmadora ou a partir de um cartão postal, acompanhado por uma dúzia de rosas, pois, obviamente, cada meio carrega consigo a mensagem, como já afirmou Marshall McLuhan (2002).
Isso significa que a mensagem
eu te amo
gravada em uma caixa de biscoitos, a anunciada em um microfone para um grande público, a enviada por mensagem SMS, a pronunciada pela própria mãe, a enviada por um
stalker
na internet ou a proferida pela noiva no altar, produzem sentidos diferentes, pois há uma carga semântica muito forte em cada meio e em cada contexto. E como as pessoas também são meios, trazem com elas cargas semânticas próprias e que acompanham seus discursos. Por isso insisto em dizer que os meios de comunicação mais poderosos da contemporaneidade são as próprias pessoas.
A cibercultura seria, então, um tipo de cultura em que circulam as práticas e as linguagens peculiares em torno das redes digitais, mas que não se restringem a elas. Uma cultura formada e alimentada pelos memes, pelas novas economias, pelas diferentes maneiras de expressar opinião e de produzir conteúdo para as pessoas ou para as marcas e também pelas formas de promover o relacionamento interpessoal, educar e aprender com a internet.
É importante ressaltar que não há necessariamente esse limite ou origem do que seria digital, pois tudo o que acontece na rede tem relação com as práticas sociais mediadas por diferentes tipos de tecnologias. Hoje a cibercultura dialoga com outros tipos de culturas, como ocorre com a agricultura, com a televisão, com os meios de transporte, com as religiões, com os shopping centers, com as escolas, com os governos, com a polícia e com a política. De fato tal fenômeno, hoje, representa mais um nó, que atravessa tantas outras redes e que se afasta da ideia de uma cultura autocentrada e puramente digital.
É possível que você leia este livro em versão digital epub, em arquivo pdf ou em versão impressa. Também pode usar uma série de dispositivos, como
E-readers
, smartphones, tablets ou computadores; grifando, marcando e comentando. Eu não faço ideia de quantas pessoas comentarão sobre o livro em seus
blogs
,
podcasting
ou mídias sociais. Tampouco não imagino quantos poderão usar citações diretas e indiretas em seus trabalhos acadêmicos, colocando as perspectivas em diálogo. Talvez o livro mereça uma resenha no Youtube, uma discussão na sala de aula, um treinamento em uma agência de propaganda ou um bate papo na mesa do bar. Um livro não é uma tecnologia acabada, mas virtual, justamente por sua capacidade de produzir diferentes manifestações em diferentes espaços e tempos. Por isso é importante dizer que não vivemos em tempos de cibercultura, mas de culturas em convergência.
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16. Cultura da convergência e narrativas transmidiáticas
Assim como os alquimistas buscavam a pedra filosofal, a indústria da mídia, por algum tempo, tentou concorrer para a descoberta de maneiras para construir a
caixa preta
. Este invento seria capaz de agregar tantas funções midiáticas a ponto de substituir todos os outros aparelhos e meios já existentes. Jenkins (2008) desmitificou tal ideia ao apresentar um novo paradigma sobre a convergência.
Para o autor, nunca nos relacionamos com os conteúdos produzidos pela indústria do entretenimento de tantas formas diferentes, como fazemos hoje. Por exemplo, um mesmo jovem pode ouvir música pelo Spotify, Youtube e Facebook, utilizando um Playstation, uma
smart
TV ou um Iphone. É possível também consumir o conteúdo musical produzido por uma emissora de rádio que distribui seus programas em
podcast
e também ao dirigir um automóvel com os arquivos salvos em um
pendrive
ou em um relógio com transmissão
blutoth
.
O mercado musical movimenta seus vários tentáculos pela TV aberta, a cabo, cinema, teatro, festivais de rock, ou como parte sonora da ambientação em ações de merchandising. A música, assim como o cinema, os quadrinhos, a publicidade, os noticiários jornalísticos, além de uma série de outras linguagens, atravessa múltiplas plataformas fortalecer seu mercado.
A convergência consiste então nesse novo paradigma baseado em alguns aspectos que se apresentam frente às novas condições permeadas pelas tecnologias digitais. Em primeiro lugar, a conexão de consumidores que se tornam fãs e criam comunidades colaborativas em torno dos conteúdos de seus interesses, utilizando a
inteligência coletiva
. Em segundo lugar, a
cultura colaborativa
, expressa, por exemplo, na fusão de diferentes mercados de mídia e a união dos públicos aos esforços da marca. E em terceiro lugar, as
narrativas transmidiáticas
, que se libertam dos suportes originais e constroem universos ficcionais que atravessam múltiplas plataformas.
As editoras, por exemplo, precisam compreender que para além dos livros elas produzem franquias, como a do
Harry Potter
. Uma personagem criada para a literatura, neste novo contexto, expande seu universo imaginal para o cinema, os videogames, os quadrinhos, os parques de diversões, o teatro, a TV e os diversos suportes audiovisuais e interativos. As narrativas transmidiáticas permitem aos públicos acompanhar os conteúdos de entretenimento por diversos pontos de entrada e por diferentes tecnologias de comunicação. Compreender tal cultura permite a construção de campanhas de comunicação que abandonem a ideia de peças publicitárias adaptadas aos formatos, mas que consigam inserir os consumidores como co-partícipes de novos universos narrativos.
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17. Transbranded Storytelling
Seguindo a mesma linha de raciocínio das narrativas transmídia, existem movimentos contemporâneos que assim caracterizo como narrativas
transbranded.
A partir desse insight conceitual percebi que muitas marcas não se fortalecem apenas na criação de uma complexa narrativa, que atravessa múltiplas plataformas, mas também no sincretismo com o universo de outras marcas. A Lego, por exemplo, constrói um universo imaginal baseado em tal princípio. Embora suas personagens, e a marca, possuam uma identidade peculiar e reconhecível, sua força consiste na troca de valores que faz com outras franquias, como a Disney, os Simpsons, Star Wars, Marvel, DC, Ninja Go e Jurassic Park, entre muitas outras. Essa transferência simbólica é fundamental para a criação de laços duradouros com aqueles, que não precisam ser simplesmente considerados como consumidores das marcas, mas evangelizadores, propagadores, fãs e apaixonados pelos seus discursos. A potência de tal estratégia reside no fato de que nenhuma das partes envolvidas perde valores ou públicos, mas soma simbioticamente.
Dessa forma, as marcas que se reunem em uma
transbranded storytelling
, são como atores que emprestam seus corpos para diferentes personagens, tornando-se assim cada vez mais fortes.
As peças de plástico podem ser facilmente copiadas por empresas genéricas, mas a força simbólica da Lego, resultante das suas narrativas simbióticas, dificilmente será substituída por produtos similares, até mesmo com encaixes compatíveis. Tal poder marcário se traduz em preço, lucro e preço de vendas, que é pelo menos duas vezes maior.
Sabemos que os produtos não são consumidos simplesmente de forma física, mas também perceptual e, dessa forma, podem se tornar símbolos de pertencimento e representantes de grupos sociais, estilos de vida e gerações inteiras. As sandálias da marca Havaianas, por exemplo, adquirem imenso valor quando se apresentam estampadas com as bandeiras de um país, ou com as personagens da Disney, dos Simpsons, da Nintendo ou até mesmo com as imagens de produtos emblemáticos de outros segmentos, como a Caninha 51 ou os picolés da Kibon. É uma lógica muito semelhante com a que ocorre quando as pessoas comuns se tornam estrelas da mídia após o casamento com celebridades.
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18. Lovemarks
O amor é a única forma de criar relações sinceras e duradouras entre consumidores e marcas. Pelo menos é o que acreditava Kevin Roberts, quando escreveu o
best seller
intitulado
Lovemarks,
em 2004. O autor, que na ocasião era CEO de uma das maiores agências do mundo, a Saatchi & Saatchi, chegou a fechar contratos que ultrapassaram 430 milhões de dólares com uma única empresa que acreditou nessa sincera relação amorosa.
Tal relação, que gera muito mais do que atenção, interesse, desejo e compra, mas relacionamento, engajamento, defesa e propagação da marca, é estabelecida por meio de três princípios: o mistério, a sensualidade e a intimidade.
Em primeiro lugar o
mistério
é construído por meio de narrativas, personagens icônicas e momentos marcantes para a criação daquilo que o campo da psiquiatria considera “memória episódica”. Este tipo de memória, diferente da memória semântica (a que usamos para compreender o sentido das coisas) é caracterizado pela associação espaço-temporal, ou seja, a momentos e épocas que nos marcam. Uma ação inédita no ponto de vendas, um desfecho de história inesperado, um atendimento bastante personalizado e eficiente em uma mídia social, o encontro com uma celebridade em um evento patrocinado ou a singular história de vida do fundador de uma empresa. Tais episódios envolvem as marcas com mistérios e auxiliam no processo de transformação em
lovemarks
. Qual será a fórmula da Coca Cola? Quais serão os próximos jogos oferecidos gratuitamente nas assinaturas do PS Plus ou Xbox Live Gold? Por isso os Clubes de Assinaturas fazem tanto sucesso na atualidade.
As pessoas podem ir até as livrarias (físicas ou online) e escolher seus livros, assim como podem comprar vinhos em adegas e supermercados, mas o verdadeiro encantamento gerado pelos serviços oferecidos pela Tag Experiências Literárias, pelo Clube Divvino e pelo Clube Beer está justamente na surpresa que é abrir o Box mensalmente e descobrir os misteriosos ítens, brindes e conteúdos personalizados selecionados pelos curadores. Talvez isso explique o fracasso das campanhas publicitárias feitas em padrões tradicionais que, com seus clichês, trazem narrativas e uma espécie de humor já esperado pelos expectadores.
Como Bill Gates fundou a Microsoft? Como será a próxima geração de consoles fabricados pela Sony, pela Microsoft ou pela Nintendo? Como é a vida de um astro do rock fora dos palcos? Marcas envoltas em mistérios despertam, juntamente com a curiosidade, a proximidade e uma busca dos consumidores por uma relação dialógica.
A marca transmidiática Marvel apostou na construção de multiversos em suas narrativas que atravessam diferentes plataformas e linguagens, como as revistas quadrinhos, as séries de animação, os seriados televisivos, os filmes para o cinema e os games. São criadas dentro da franquia, por exemplo, várias versões e caminhos para a origem do Homem Aranha. Isso aumenta o mistério e as conversas em torno das personagens e de todo o funcionamento do universo ficcional, que envolve centenas de outras personagens. Assim como ocorrem com os mitos, que se fortalecem pelas diferentes formas em que se propagam pela oralidade no decorrer dos séculos, a Marvel apostou em não produzir uma linha do tempo baseada em personagens e histórias planas, pois isso reduziria o nível do mistério, fundamental para a criação das lovemarks.
Em segundo lugar, a
sensualidade
constrói uma espécie de narrativa invisível, baseada nos sentidos. Olfato, audição, tato, paladar e visão seduzem por meio da experiência, complementando assim parte da relação, que extrapola o simples consumo em caminho ao envolvimento emocional com as marcas. Vitrines trabalhadas em
visual merchandise
, degustações gratuitas, customização de ambientes, design de serviços, realidade aumentada, marketing de experiência e guerrilha são apenas algumas ações que podem aproveitar o uso da sensorialidade para promover a sensualidade marcária.
E por último, mas não necessariamente com menor grau de importância, a
intimidade
, que consiste na aproximação, no respeito e na confiança que se estabelecem a partir de relações duradouras. A responsividade, por exemplo, é uma palavra de ordem na comunicação contemporânea e representa a capacidade que uma empresa ou marca possui de responder seus públicos com eficácia.
As relações públicas, a assessoria de imprensa e a gestão das mídias sociais são, atualmente, as principais ferramentas de responsividade e aproximação com os públicos. A marca deve,no entanto, procurar incentivar a intimidade em seus diversos pontos de contato com seus diferentes públicos.
Deve haver bom senso para o estabelecimento da intimidade, para que não ocorra a invasão de privacidade ou o abuso na relação.
Há uma linha tênue entre a intimidade e o desrespeito à privacidade. Equívocos podem ocorrer tanto por parte das marcas, que não sabem gerenciar a relação, quanto por parte de fãs, que atuam como donos ou filhos mimados das marcas das quais se consideram porta-vozes.
Certa vez acompanhei, a convite da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, uma turnê que fizeram pelo Rio Grande do Sul. Pude identificar como eles conseguiram estabelecer por tanto tempo o sucesso em ritmo ascendente. Observei como eles conversavam com seus funcionários, com as pessoas no camarim, no
hall
de entrada dos hotéis em que estavam hospedados, nas ruas e nos locais das apresentações, antes e após os shows. Mesmo exaustos pela rotina das viagens e dos espetáculos faziam questão de posar para as fotos, demonstrando entusiasmo e gratidão, olhando nos olhos dos fãs, sorrindo e segurando nas mãos. Não respondiam somente às perguntas, mas também insistiam em perguntar como era a vida das pessoas que lá estavam aguardando por um momento com seus ídolos, muito tempo antes do show começar. Fãs que enfrentaram horas de espera na porta do hotel somente para vê-los por alguns momentos. Zezé me respondeu, quando perguntei sobre a longevidade da dupla, que eles nunca poderiam se esquecer de onde vieram e que, se estão onde estão, isso decorre em razão do carinho e engajamento de seus públicos. Não é à toa que o maior sucesso musical gravado pela dupla já responde qual é o fator que os fortalece como uma forte marca no setor de entretenimento. “É o amor”!
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19. Me brands
Tanto a propaganda (estratégia ideológica) como a publicidade (estratégia comercial) aos poucos passaram a revelar seus truques aos consumidores. As artes do fazer publicitário se popularizaram em forma de manuais, produções de
making of
, entrevistas, dicas no Youtube, livros, fórum de discussão e milhares de produções veiculadas em diferentes tipos de mídias e, dessa forma, criaram uma estética tão paradigmatizada que já se assumia como uma estratégia focada para as vendas. Até mesmo a academia precisou criar uma disciplina denominada “linguagem publicitária”, que ao meu ver contradiz a
essência da propaganda.
A publicidade fala por meio das artes, dos textos verbais, da música, dos sons, dos gestos e do próprio espaço urbano.
Dizer que a publicidade tem uma linguagem, assim como têm o direito, o código binário, a música e as placas de trânsito, significa reduzir sua potência criativa, criando uma espécie de forma de fazer, um manual estético para a atividade. Tal pensamento ajudou a definhar a criatividade na propaganda, que se popularizou em uma profusão de clichês. Ela não deveria ter uma linguagem, pois, em vez disso, ela possui em seu repertório uma explosão de outras linguagens. É uma ferramenta capaz de selecionar, entre portfólios de estéticas verbais, sonoras e visuais, aquela que melhor traduzirá os efeitos desejados no processo de comunicação.
Com a popularização da internet e, principalmente, com a ascensão das mídias sociais, muitos consumidores passaram a ter acesso às tecnologias relacionadas aos meios de produção, incluindo hardware, software e o conhecimento sobre a comunicação persuasiva, marketing e
branding
. A propaganda, incluindo aquela produzida pelo jornalismo espetacular e político, passou a ser questionada em redes de pessoas, que teciam críticas e revelavam as incongruências das tentativas midiáticas de manipulação social.
As tecnologias da propaganda que inicialmente serviam, como mencionei, à igreja e aos impérios, e em um segundo momento às grandes corporações, contemporaneamente são apropriadas pelas chamadas
me brands
, as pessoas comuns que adotam comportamentos de marcas e gerenciam as suas próprias imagens como se fossem produtos, ou até mesmo passam a criar as suas próprias marcas utilizando as linguagens, tecnologias, meios e estudos sobre os públicos, assim como fazem os publicitários.
Dessa forma, constituintes de um fenômeno contemporâneo crescente, as chamadas
me brands
foram consideradas como uma, entre as cem tendências de 2015, mapeadas pela pesquisa
The Future 100
, realizada anualmente pela agência JWT.
Não é à toa que neste século XXI, iniciou-se uma corrida do ouro por novos caminhos profissionais. Celebridades online, influenciadores digitais, microempresas de comércio eletrônico e os
coaches
, que aos montes prometem transformar as pessoas em ícones de felicidade, autoestima e sucesso com suas fórmulas e segredos, revelados em funis de vendas. Neste contexto em que as pessoas passaram a propagar o sentido e o propósito de suas vidas, as instituições precisaram repensar a relação baseada na simples compra e venda, comunicada em formato de emissão e recepção. Não basta mais que elas digam o que são. Elas devem também fazer o que dizem.
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20. Do brands
Neste caso o conceito se apresenta como crítica, proposta e mapeamento de uma tendência, também divulgada pela pesquisa da JWT e que mostra uma postura que as marcas devem assumir diante dos novos cenários. Para muito além de parecer, as marcas devem ser e fazer. As ações de responsabilidade social e ambiental, por exemplo, devem ser comunicadas com transparência e verdade, pois as pessoas hoje se importam e cobram das instituições a contrapartida pela escolha, para que ocorra um consumo sem culpa. A persuasão deve, neste caso, ser acompanhada de ação, verdadeira, sincera e pertinente, tornando as marcas, de fato, relevantes para os públicos com os quais se comunicam. Não adianta destruir um ecossistema inteiro e ao mesmo tempo promover um marketing baseado em plantio de algumas árvores ou patrocínio de caminhadas ecológicas. Os públicos escolhem se relacionar com empresas que sejam verdadeiramente comprometidas, éticas e que fazem aquilo que vendem em suas campanhas de propaganda.
Do brands
(marcas que são/fazem) não apenas vendem discursos persuasivos e dissuasivos, mas promovem valores reais. Não é à toa que o propósito tem sido a palavra da vez nas principais esferas de discussão da área, como o festival internacional de Cannes.
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21. Teoria da cauda longa
Popularizada por Chris Anderson (2006), esta teoria se aplica aos diversos setores e, resumidamente, trata sobre como milhões de microconsumos criam uma economia maior que a dos
blockbusters
. Esta perspectiva é percebida com facilidade na contemporaneidade, uma vez que as novas tecnologias relacionadas à internet deram condições para a aferição deste novo paradigma.
Uma loja física, por questões de logística, estoque e capacidade de atendimento, somente pode comportar um número limitado de produtos para aluguel ou venda e por isso deve fazer escolhas baseadas em comportamentos massivos, ou seja, dispor apenas os produtos que agradam a uma maioria. Por esta razão, em uma loja de discos musicais ou nas extintas vídeolocadoras, tradicionalmente eram encontrados e consumidos os conteúdos deste tipo, os
hits
ou
blockbusters
.
De maneira parecida, os supermercados ocupam as suas prateleiras com as principais marcas, sendo as mais conhecidas ou mais vendidas. Imagine como poderiam concorrer as milhares de cervejas artesanais fabricadas no Brasil em um mesmo espaço no supermercado. Isso seria impossível por razões financeiras e logísticas. O mesmo se aplica ao tempo limitado da programação na TV aberta, pois em 24 horas devem ser escolhidos os conteúdos com possibilidade de maior audiência, baseados em gostos das maiorias. É pelo menos o que se pressupõe.
A teoria da cauda longa mostra então, que no topo de um gráfico estão os produtos com maior popularidade e, à medida em que o público se torna restrito, a oferta se apresenta economicamente inviável para as lojas físicas ou para a TV aberta, onde existem a limitação de espaço e de tempo. Já o comércio eletrônico e o consumo de conteúdo sob demanda podem oferecer milhões de produtos e serviços, atendendo a nichos cada vez mais específicos que estariam na base do gráfico, formando uma longa e infinita cauda, em um mercado total que superaria o mercado generalista e popular, ocupado pelas marcas poderosas e pelos
blockbusters
.
A Netflix e o Spotify, assim como as lojas online da Apple, a Sony Networking, a Amazon, o Ali Express e o Xbox Live, são exemplos de como a economia dos consumos específicos e de nichos tem revelado que os consumidores não são assim tão previsíveis em suas escolhas. A teoria da cauda longa influenciou, nesse sentido, a busca de tecnologias de personalização, fazendo empresas acostumadas a venderem para as massas repensarem seus modelos de negócios.
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22. Declínio das massas e ascensão das multidões
Os teóricos de Frankfurt consideravam o poder dos meios de comunicação como manipuladores das massas (WOLF, 2005). Acreditavam que as pessoas consumiriam os conteúdos de meios massivos, como a TV, o rádio e os jornais impressos, dentro de seus apartamentos nos centros urbanos, de forma que, separados pelas paredes, não poderiam responder ou questionar aos apelos dos discursos de propaganda, tanto os políticos e ideológicos quanto os comerciais. Isso formaria massas humanas que consumiriam produtos e ideias de forma padronizada. Tais mensagens, formatadas para manipular, seriam criadas por uma indústria cultural, expressão difundida pelos teóricos críticos, que partem do pressuposto de que haveria uma economia capaz de criar e alimentar culturas de forma planejada e sistematizada, comparativamente aos processos de fabricação e distribuição dos produtos nas fábricas.
A contemporaneidade tem nos mostrado uma alternativa para a indústria cultural. Após a popularização das mídias sociais e da economia dos mercados dos nichos, já problematizados pela teoria da cauda longa, percebemos que os consumidores não são assim tão previsíveis como poderíamos supor. Hardt e Negri (2005) pensam então sobre o conceito das
multidões
, que se apresenta como um questionamento contemporâneo para a tradicional ideia de públicos massivos. Nesse novo paradigma, observamos que nas multidões os iguais conseguem se encontrar facilmente mas são dificilmente enquadrados, estereotipados ou encerrados conceitualmente pelos antigos colonizadores. Os estereótipos baseados na
diversidade
agora se apresentam como
diferenças
. Jovens não são todos iguais, nem consomem ou agem de forma prevista por estudos quantitativos, tampouco as mulheres, os idosos, as pessoas moradoras de bairros nobres ou os professores. Independentemente de seus fatores de identificação, cada sujeito é atravessado por múltiplas diferenças.
A
difference
que Derridà (1995) problematizou no campo da linguística, trata sobre a impossibilidade de tradução entre o que está na mente de um produtor e na de um receptor no processo de comunicação. Cada um destes é atravessado por sentidos plurais e particulares, tornando impossível o significante. Hall (2006) se apropria, então, de tal conceito para tratar sobre as
differences
nos embates afirmativos. O negro, por exemplo, usa tal diferença para negociar politicamente a circulação de saberes e poderes. Seu comportamento de consumo não pode se explicar pela cor da pele, pois ele também pode assumir as identidades de pai, solteiro, católico, professor, paulista, advogado, roqueiro e vegetariano. Pode jogar videogame, preferindo os
serious games
, gostar de filmes de terror, consumir literatura hispano-americana, preferir a praia à montanha e se locomover pela cidade de bicicleta, por recomendação médica. Nas multidões, os antigos estereótipos passam a se mostrar como personagens esféricas, complexas, com comportamentos pouco previsíveis e hábitos nômades. Por isso a mídia planejada em
behavioral targeting
(comportamento individual), além de uma busca de intimidade com os consumidores e a criação de mídias customizadas se torna tão fundamental para o gerenciamento da economia da atenção em relação ao valor que deve ser atribuído à atenção dos públicos, em uma sociedade saturada de informações.
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23. Gratuidade
Há uma significativa tendência em produzir valores para além do dinheiro. Prestígio, status, reconhecimento, conforto, tempo e respeito são apenas alguns aspectos que fortalecem as marcas sem imprimir lucro financeiro imediato, mas ampliando consideravelmente a percepção dos públicos e gerando fidelização, intimidade e engajamento. Em uma sociedade caracterizada pela infidelidade em relação ao consumo, pela efemeridade das relações e pela profusão de novas ofertas de concorrentes diretos ou de marcas que promovem hábitos substitutos, somente a conquista da atenção não é mais suficiente para a longevidade mercadológica. É preciso envolvimento.
A gratuidade financeira, embora prática estratégica antiga, tem se mostrado bastante versátil a partir da popularização da publicação de Chris Anderson (2011), que fez um estudo histórico sobre a estratégia baseada no “Free”. Por muitas vezes reconhecida como uma ação mercadológica dissuasiva, ou seja, que mascara as reais intenções, a gratuidade vem gerando lucros (incluindo os financeiros) cada vez maiores para as empresas que adotam tal política. Para o autor, a principal forma de oferecer algo grátis é justificada sobre aquilo que considera como estratégia “
freemium
” (grátis +
premium
), de forma que muitos consumidores recebem algo sem pagar nada, ou pagando muito pouco. O negócio se mantém pelos poucos que aceitam arcar financeiramente pelos benefícios extras. O
Spotify,
por exemplo
,
é uma mídia social que oferece música grátis e ilimitada, porém com a interrupção de anúncios e a condicionante necessidade de estar logado, para o caso daqueles que dispensarem o pagamento de uma relativamente pequena taxa mensal.
Já no
Playstation Network,
acessado diretamente pelas plataformas de games da Sony, muitos jogos são ofertados gratuitamente na íntegra ou em versões de demonstração, lucrando com a venda de expansões, personagens, funcionalidades e filmes, entre uma série de outros itens, mesmo para os não assinantes da modalidade
plus
, que neste caso se trata de um plano anual que dispõe de uma série de benefícios gratuitos para os membros inscritos.
Observamos também tal estratégia em hotéis que reduzem seus preços de hospedagem, mas lucram bastante com a venda de refeições e bebidas, kits de higiene, lavanderia, academia, além do aluguel de espaços de estacionamento e lojas, por exemplo.
O “
Free
” como tendência não deve ser ignorado. Percebemos que os modelos de negócios de novas e importantes empresas estão baseados nesta estratégia, a exemplo do Google, do Youtube, do Whattsup, do Über, do Airbnb, do Facebook e até mesmo do Rock in Rio, que optou por transmitir o festival ao vivo e gratuitamente pela televisão e pela internet. A ideia não se aplica somente aos modelos milionários de negócios, mas a toda e qualquer estrutura de gestão de marca que se compromete a compreender que valor não é sinônimo do dinheiro, mas a causa de seu ganho. A tendência vem mostrando, com sucesso, como as personagens do entretenimento produzem conteúdos gratuitos, gerando franquias milionárias.
Tenho apenas um adendo às pesquisas de Chris Anderson sobre a questão da gratuidade. Houve pouca ou nenhuma ênfase sobre a gratuidade da narrativa como potencial de marca. É por isso que as pessoas buscam leitores, espectadores ou seguidores com a propagação de seus conteúdos disseminados gratuitamente. Esperam ser tratadas como marcas. Por outro lado, empresas que já são marcas poderosas passaram a enxergar tais contextos e agir da mesma maneira. Lego, Marvel, DC, Star Wars, Turma da Mônica, Pokemon, Harry Potter e uma série de outros universos ficcionais passaram (ou poderiam passar) a ser distribuídos gratuitamente em forma de filmes para o cinema, histórias em quadrinhos digitais ou jogos eletrônicos. Em troca venderiam produtos, eventos e licenciamentos, além das diferentes formas de associar suas narrativas com outras marcas.
Não somente o potencial quantitativo das viralizações, como também a capacidade de produção do engajamento em seus públicos, têm mostrado que tais marcas transcendem seus suportes audiovisuais em direção a um consumo expandido. Jogos de tabuleiro, lucro sobre royalties em produtos alimentícios, miniaturas para colecionadores, parques de diversões temáticos, além da comercialização de inserção de marcas em suas narrativas (
product placement
ou
branded content
) podem se tornar formas de lucro integradas à produção de relevância e gratuidade para os espectadores.
Inocentes são os pais que acreditam que estão lucrando sobre a Disney quando compram um filme pirata. Eles, na verdade, quando economizam os seus cinco dólares com o bilhete do cinema, perdem outros cem com a boneca da princesa vendida na loja de departamentos para a mais nova fã da marca.
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24. Novas formas de compreender a concorrência
Durante muito tempo a concorrência era compreendida como algo que ocorre dentro de uma mesma categoria comercial. A ideia alimentada e estereotipada em forma de guerra encontrou nas “colas” o estudo de caso mais popularizado nos cursos de gestão. Enquanto a Coca e a Pepsi tentavam destruir uma à outra, surgiram os energéticos, os isotônicos, os sucos sem conservantes, os iogurtes gregos, os chás e as águas especialmente trabalhados pelo marketing. Consumidores tiveram acesso às informações e discussões sobre saúde, ouvindo os especialistas reais e até mesmo os
trolls
que, de tão verossímeis, disseminaram o medo e a preocupação acerca do consumo de refrigerantes.
Os antigos consumidores, que compravam o mundo maravilhoso dos comerciais, hoje se preocupam com a longevidade e com a aparência, também vendidas pela mídia. Observam os rótulos dos produtos e aceitam pagar mais pelo light, pelo caseiro, pelo orgânico e pelo personalizado. O suco detox feito na hora, e até mesmo a água mineral, parecem ser as novas Coca Colas. Aos poucos os produtos sem lactose, glúten, açúcar ou gorduras saturadas passam a ocupar um espaço cada vez maior nas prateleiras dos supermercados.
O consumo de refrigerantes caiu drasticamente nos últimos cinco anos. Basta observar as mesas dos restaurantes, as cantinas escolares ou conversar com as jovens mães sobre o que oferecem para seus filhos consumirem. As bebidas e os cigarros, que por muito tempo ocuparam o topo entre os principais anunciantes e as marcas mais poderosas, observaram em pouco mais de uma década a ascensão das empresas de tecnologia, que passaram a dominar tais espaços mesmo com seus modelos de negócios baseados em um consumo imaterial.
A Coca Cola, que por muito tempo liderou o ranking das marcas mais valiosas, dificilmente aparece entre as dez maiores nos últimos anos, mesmo que tenha diversificado seu portfólio de produtos e negócios. O que aconteceu então? Ela possivelmente estava tão preocupada em concorrer no segmento de bebidas, e observar as forças diretas que afetam o negócio, que não percebeu como os mercados correlatos redefiniram radicalmente o setor de bebidas.
Quem concorre então com o mercado dos refrigerantes? As outras bebidas? Não é disso que se trata a minha perspectiva, cujo verdadeiro foco consiste em mapear a origem das ameaças ao mercado como um todo. Na verdade, os refrigerantes concorrem com a promoção de outras ideias, como as que são vendidas pelas nutricionistas, pelas academias de ginástica e pelas imagens dos corpos perfeitos nas revistas e no Instagram. Além disso, qualquer empresa pode se tornar imortal, uma vez que abandone a inocência de se focar no produto. A Red Bull, por exemplo, não se considera uma empresa de energéticos, mas uma marca, que se define como uma das maiores empresas de entretenimento do mundo com seus canais de televisão, escuderias de formula 1 e times de futebol, além de uma série de eventos esportivos em seu portfólio de negócios.
Da mesma forma os restaurantes não concorrem uns com os outros, mas com a violência urbana, com a lei seca, com os videogames, com as construtoras (que anunciam casas confortáveis equipadas com varandas gourmet), com os
personal chefs
, com os canais de mídia (que revelam as técnicas culinárias), com as empresas de
delivery
e com os fabricantes de comidas congeladas. Restaurantes que outrora concorreram entre eles, na verdade deveriam ser parceiros estratégicos, que se uniriam para vender uma ideia concorrente com as aqui citadas, convencendo assim os consumidores de que vale a pena sair para jantar. É uma lógica parecida com a que faz funcionar a praça da alimentação nos shopping centers. Elas atraem as pessoas justamente pela variedade e concorrência, diferentemente das lanchonetes ou restaurantes localizados em pontos isolados da cidade.
Abordarei então duas perspectivas contemporâneas sobre a concorrência. A primeira é baseada no modelo de gestão da Disney (CONNELLAN, 1998), que compara a rivalidade por suas atitudes e competências. Se um cliente receber um atendimento muito bom em uma loja de departamentos, deverá ter um atendimento melhor ainda nos parques em Orlando. Se outro consumidor entrar em um restaurante bastante limpo, a Disney entende que deve surpreender ainda mais com a higiene em suas instalações. Se um cliente sentir que um shopping center é um lugar muito seguro, certamente terá parâmetros de comparação para o mesmo quesito no parque. A marca, neste caso, entende como concorrentes os atributos que independem dos segmentos. Dessa forma, a Disney enxerga como concorrentes quaisquer empresas cujas atitudes possam ser comparadas com as suas.
A segunda perspectiva contemporânea que destaco sobre a concorrência será discutida a seguir, também como um novo paradigma estratégico para a gestão de empresas, com base na estratégia do oceano azul.
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25. Estratégia do oceano azul
Imagino que a estratégia do
posicionamento
pensada por Al Ries e Jack Trout (2002) e o premiado artigo publicado em Harvard por Theodore Levitt (1990) sobre a
miopia em marketing
sejam as bases que deram condições para que os modelos de negócios fundamentados na estratégia do oceano azul, de Kim e Mauborgne (2005), tenham sido planejados. O
posicionamento
foi o conceito estratégico que ajudou a separar os produtos das marcas, consistindo em uma forma de posicionar uma imagem em perspectiva nas mentes dos consumidores. Enquanto muitas marcas podem tentar vender automóveis de forma genérica, aquela que adotar a estratégia do posicionamento deverá comunicar a venda do automóvel mais confortável, ou do mais veloz, ou daquele que represente o estilo de vida das pessoas bem sucedidas. Necessariamente a estratégia em questão não implica em modificação no modelo produtivo, mas na forma de comunicar a venda e criar novos modelos mentais acerca de uma determinada categoria.
Já a
miopia em marketing
, conceito popularizado em um dos artigos mais relevantes da história de
Harvard Business Scholl
, consiste na crítica à visão superficial sobre aquilo que as empresas acreditam que vendem. Muitas imaginam que comercializam colchões em vez de saúde e bem estar, da mesma forma que outras pensam que vendem comida ao invés de experiências gastronômicas. Alguns gestores acreditam que as pessoas procuram por cursos técnicos, em vez de oportunidades para alavancar a carreira. Assim, superar a miopia é fundamental para acompanhar as mudanças e manter a competitividade.
Muitos modelos de negócios são alimentados por técnicas, tecnologias, linguagens, paradigmas econômicos, estéticos e históricos, tão repetitivos, que não conseguem enxergar um vasto oceano azul para além da margem em que concorrem. Para Kim e Maugbourne há uma linha tênue que separa os oceanos vermelhos, metaforicamente cobertos de sangue pela alta concorrência, dos oceanos azuis, ainda não explorados. Não se trata simplesmente de encontrar novos mercados, mas de adotar estratégias originais sobre os modelos já existentes. Tal decisão deve ser orientada para:
1) Reduzir os custos para as marcas e aumentar os valores para quem consome; 2) Criar novos nichos, em um mesmo mercado, e tornar a concorrência irrelevante e; 3) Alinhar a empresa na escolha estratégica de redução de custos e diferenciação.
A tabela a seguir exemplifica alguns modelos baseados em oceanos vermelhos e azuis:
OCEANOS VERMELHOS
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OCEANOS AZUIS
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Circos tradicionais
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Cirque du Soleil
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Videolocadoras
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Netflix
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Operadoras de telefonia
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Skype
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Taxi
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Über
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Hotéis
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Airbnb
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Emissoras de rádio
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Spotify
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Lojas de departamentos
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Mercado Livre
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Tabela criada pelo autor
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Certa vez, ao realizar minhas compras em um supermercado, observei que a marca Cisne, conhecida por vender sal de cozinha, disponibilizou para a venda o produto diluído em líquido, em uma embalagem equipada com um borrifador próprio para temperar saladas. Mais sofisticada que os atuais sacos plásticos, e mais econômica que o produto vendido em quilos, a ideia, que foi premiada como destaque em marketing pela Associação Brasileira de Marketing de Varejo, chamou a minha atenção em um passeio ao supermercado, justamente por se enquadrar como exemplo da estratégia do oceano azul.
O papel da publicidade está mudando. Metaforicamente se você tentar aumentar a resolução de uma imagem de péssima qualidade, terá uma porcaria em alta resolução. Da mesma forma, não basta que as agências vendam universos imaginários em torno de produtos irrelevantes. Elas devem compreender seus novos papeis consultivos para as empresas, orientando estrategicamente para novas posturas no mercado.
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26. Nostalgia
Entre as maiores tendências da contemporaneidade a nostalgia não consiste em um olhar para o futuro, mas ao contrário, se aproveita de um cenário de ruído e caos informacional para seduzir as mentes com os signos de uma época em que tudo era mais tranquilo. Quem entende de propaganda sabe que o segredo da persuasão não está no texto objetivo, mas no uso de recursos que despertam os desejos inconscientes. As músicas mais cafonas da nossa infância, os filmes com roteiros mais pobres, as embalagens mais toscas e as comidas mais simples, são envoltos em mitologias, que trazem toda uma época, de juventude, quando havia o convívio com entes queridos, sensações, temperaturas, cheiros, cores e sabores.
A Netflix parece saber disso tudo, pois implanta exatamente o DNA de sua marca em suas narrativas. Diferente da HBO ou das salas de cinema, a empresa tradicionalmente comercializa pacotes de filmes que não são assim tão novos. A nostalgia atravessa todo o seu discurso, desde o uso de campanhas publicitárias nacionais, usando artistas que iconizam décadas passadas, como o Fábio Júnior, a Xuxa e a Gretchen, até o uso de
easter eggs
em suas narrativas contemporâneas, a exemplo das referências aos filmes Poltergeist, Conta Comigo, O Iluminado, E.T. - o extraterrestre, entre outros, na série
Stranger Things
. Também contrata artistas emblemáticos da década de 80, como a Winona Ryder e a Sigourney Weaver, para protagonizar seus produtos originais. Além disso a marca apostou em ressuscitar séries televisivas, como Gilmore Girls, Full House e transformar filmes clássicos em séries, a exemplo de Bates Motel e Pânico.
Trazer o antigo para o contemporâneo consiste em evocar o uso do arquétipo da ressurreição, utilizado inclusive para construir as narrativas baseadas na jornada do herói. Aquilo que parecia morto e esquecido retorna e salva a humanidade. A nostalgia, nesse sentido, é uma oportunidade para as marcas trazerem de volta a infância e a juventude de seus públicos, por meio de símbolos, discursos e experiências. Não é à toa que a Amazon resolveu 34 anos depois produzir a série Cobra Kai, continuação de Karatê Kid, ressignificando os protagonistas originais.
Embora a nostalgia sempre tenha sido utilizada pelo mercado do entretenimento a sua nova interface, baseada na reescritura e na transmidiação, mostra que, embora o passado pareça algo maravilhoso, é preciso crescer, mudar e recontar as histórias, buscando corrigir as falhas nos enredos. Por isso o empoderamento e os discursos afirmativos finalmente começam a ocupar seus espaços nas narrativas contemporâneas.
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27. Os criadores de conteúdo
Uma espécie de indústria cultural tratou, por um tempo, de classificar como artistas, todas as pessoas com alto poder de comunicação com as massas. Musas do carnaval, participantes de
reality shows
, jogadores de futebol, jornalistas e até mesmo aqueles que desenvolveram algum tipo de arte, como as estrelas da TV e do cinema, músicos, radialistas, teatrólogos e escritores, independentemente de seus campos de atuação, passavam a ser vendidos como artistas pelo
show business
. Neste contexto o sucesso no mercado da mídia, seguindo paradigmas de produção industrial, sempre foi mensurado pela capacidade de vendas de discos, ingressos de cinema ou patrocínios.
Com o tempo os canais como o Youtube, o Facebook, o Instagram e os blogs, criaram oportunidades para que centenas de novas categorias conseguissem atingir grandes públicos. Professores de inglês, historiadores, médicos, eletricistas, costureiras, churrasqueiros e profissionais da educação física, por exemplo, conseguiram expressar seus conhecimentos e dialogar com seguidores, formados até então por desconhecidos, que passaram a se tornar fãs dos conteúdos nada convencionais nas mídias tradicionais.
A repercussão de espaços mais democráticos para a comunicação fez surgir um novo mercado, que não se encerra em seus canais mas, que permite a transformação dessas novas celebridades em marcas.
Youtubers
tornam-se, nesse contexto, escritores de
best sellers
literários, protagonistas de filmes no cinema, apresentadores de programas televisivos e também passam a estampar seus nomes em brinquedos infantis, em peças do vestuário e até mesmo em bebidas alcoólicas.
Produzi um vídeo para o meu canal, resumindo as orientações da Escola de Criadores do Youtube. A postagem aborda os 10 princípios para produzir conteúdos com alta qualidade, que seriam:
PRINCÍPIOS
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Compartilhabilidade
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É preciso criar estratégias para a viralização dos vídeos, por muitas pessoas e múltiplos canais. Por exemplo não basta criar o conteúdo para o Youtube sem uma integração com outras mídias sociais.
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Conversação
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Deve haver diálogo com os públicos, gerando engajamento. O apresentador deve olhar para a câmera e se dirigir diretamente a quem assiste.
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Interação
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O canal precisa incentivar a participação em enquetes, diálogos em chat ou jogos interativos.
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Consistência
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É importante falar com propriedade e segurança sobre os assuntos que realmente domina.
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Audiência
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É fundamental conhecer o público. Deve ser utilizada uma linguagem empática e familiar ao universo dos espectadores.
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Sustentação
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O produtor de conteúdo deve ser capaz de promover a continuidade das publicações, respeitando a periodicidade, o padrão de qualidade, a linguagem e a responsividade.
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Visibilidade
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O conteúdo deve ser facilmente encontrado pelas pessoas. De nada adianta criar um conteúdo sem pensar nas estratégias para facilitar que ele seja descoberto.
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Acessibilidade
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Qualquer vídeo produzido deve ser capaz de ser inteligível para a audiência, mesmo que faça parte de uma sequência de outros vídeos ou que seja exibido para novos espectadores.
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Colaboração
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É muito importante que seja estabelecido o networking
com outros produtores de conteúdo, principalmente com aqueles que atuam dentro de um mesmo segmento.
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Inspiração
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Deve haver uma verdadeira entrega juntamente com o conteúdo, visando inspirar os públicos. Canais podem motivar seus espectadores para o aprendizado de habilidades específicas, como cozinhar e falar outras línguas.
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Tabela criada pelo autor
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