The people have the right to know
Artigo do New York Times
Domingo, 27 de junho de 2021
Contra todas as evidências, a USAF nega reter um avião comercial francês e os respetivos passageiros na base de McGuire
Quinta-feira, ao final da tarde, um Boeing 787 da Air France foi obrigado a aterrar na base aérea militar de McGuire, situada em Nova Jérsia. Os passageiros e a tripulação estarão retidos clandestinamente num amplo edifício preparado para os acolher. Apesar dos nossos pedidos insistentes, nem o exército nem a companhia aérea apresentam qualquer explicação sobre este incidente.
Base McGuire, 26 de junho. John e Judith Madderick, de sessenta e cinco e sessenta e seis anos, ambos reformados, nem queriam acreditar no que viam. O casal jantava na quinta-feira, no seu jardim de Cookstown (Nova Jérsia), quando um avião comercial, escoltado por dois caças militares, aterrou na base da USAF McGuire, a um quilómetro e meio de lá. John e Judith estão habituados às idas e vindas dos Super Hercules e dos AWACS, mas não se recordam, nos trinta anos que ali vivem, de alguma vez aquela base ter acolhido um avião civil. Outras testemunhas, entre as quais um membro das forças armadas, confirmaram que se trata de um Boeing 787 que voava com a bandeira da Air France.
Andrew Wiley, porta-voz da força aérea, nega que haja retenção de informações, mas confirma que a base de McGuire está completamente isolada, sob a vigilância de soldados pertencentes ao grupo de combate da 86.ª brigada de infantaria, encaminhados para o local no decorrer da noite de quinta-feira, 24, para sexta-feira, 25. Toda e qualquer visita está proibida a pessoal não autorizado. Carros blindados posicionados em dois pontos de passagem — ao invés dos anteriores sete — controlam as entradas e saídas dos quatro mil militares da base, cujos veículos entram e saem a conta-gotas, ocasionando engarrafamentos em todas as estradas em redor.
Segundo uma fonte que trabalha no controlo aéreo do aeroporto Kennedy, um Boeing 787 que sofreu uma avaria entrou efetivamente no espaço aéreo nacional, dando o código errado de um voo da Air France Paris-Nova Iorque. O aparelho foi imediatamente desviado por ordem do NORAD para uma base militar na Costa Leste. Segundo os trabalhadores civis da base de McGuire, que desejam manter o anonimato, mais de duzentos passageiros, bem como a tripulação, terão desembarcado e sido instalados num amplo edifício preparado para os acolher. Desde então, observaram-se grandes movimentações na base. O Boeing foi, então, estacionado noutro hangar, mas antes dessa operação captaram-se várias fotografias que provam tratar-se de um 787-8. Imagens postadas nas redes sociais rapidamente deixaram de estar disponíveis.
Por seu lado, a companhia aérea Air France, pela voz do seu diretor de comunicação, François Bertrand, deu a saber que nenhum dos seus aparelhos desapareceu. A companhia francesa apresentou inclusivamente a lista dos vinte e três Boeing 787-8 que explora numa meia dúzia de rotas, alguns deles sob a sigla KLM, e todos se encontram localizados. Lembremos que a sociedade Boeing tem atualmente 387 Boeings 787-8 distribuídos pelo mundo e a Air France é o seu segundo maior cliente europeu. O construtor aéreo, que garante a manutenção dos aviões, também não assinalou a falta de nenhuma aeronave. Além disso, nenhum aeroporto da Costa Leste apontou quaisquer incidentes envolvendo um voo comercial.
As referências do 787 legíveis em algumas fotografias da fuselagem correspondem, no entanto, às de um avião normalmente afetado à rota Paris-Nova Iorque. A companhia reconhece a imobilização de um dos seus Boeing 787 com o mesmo número. Por «motivos relacionados com segurança», foi retido pelas autoridades americanas na manhã de sábado e permanece estacionado no aeroporto Kennedy, onde será submetido a vários testes. Tratar-se-á de um aparelho que sofreu avarias durante a turbulência grave gerada pela «tempestade da década» do passado mês de março. Essa perturbação meteorológica intensa causou graves danos em várias aeronaves e navios.
O mistério permanece, porém, intacto quanto à identidade do avião obrigado a aterrar na base McGuire. Estão os seus ocupantes, isto é, mais de duzentas pessoas, ainda retidos nos amplos edifícios da base McGuire? Fontes próximas das autoridades militares afirmam que sim. Ora, o regulamento internacional da aviação civil não autoriza a detenção de civis sem julgamento, a não ser em casos estritamente enquadrados pelas legislações nacionais. O terrorismo faz parte desses casos, mas, acima de tudo, circunstâncias médicas podem impor a quarentena da tripulação e dos passageiros de um voo. Esse procedimento só pode, contudo, ser desencadeado por ordem do Presidente e após a opinião do Center for Disease Control (CDC). Interrogado sobre esta questão, Kenneth Logan, diretor do CDC, afirma que a sua agência não tem conhecimento de qualquer problema epidémico em território nacional.
Igualmente surpreendente é o facto de nem a retenção deste avião há já dois dias, nem a detenção dos seus ocupantes suscitar qualquer reação em parte alguma. A Casa Branca garantiu através da sua novíssima diretora de comunicação, Jenna White, que nenhum americano nem nenhum cidadão estrangeiro foi detido arbitrariamente. Embora, em média, mais de um passageiro em três, num voo Paris-Nova Iorque da Air France, seja francês, a embaixada de França, contactada, contesta que haja cidadãos franceses retidos contra a sua vontade na base McGuire e não quis comentar essa possibilidade.
Para o departamento de investigação,
Anja Stein
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Sábado, 26 de junho de 2021, 23h
McGuire Air Force Base
O general Silveria pousa o telecomando na mesa, o artigo do New York Times continua exposto no ecrã.
— O artigo será publicado online daqui a uma hora, não me perguntem como é que a NSA consegue, mas dá-nos as notícias em primeira mão. Aqui está: dois dias. Não podíamos esperar que um Boeing enorme com duzentos passageiros a bordo passasse muito tempo despercebido.
— O rumor circula muito depressa na Internet. Já há quinhentas referências e não param de aumentar — comenta Brian Mitnick. — Mediante acordo com a Air France, destruímos no sistema de reservas o ficheiro original com os passageiros do voo de 10 de março e substituímo-lo por uma lista fictícia. Estamos a intervir na maioria de comparadores de voos na Internet e a apagar vestígios de todos os trajetos. Mesmo que ainda não circulem informações sobre os passageiros do avião, encontramos referências às detenções que estão em curso um pouco por todo o território.
— Tecnicamente, não são detenções, são «requisições concernentes à segurança nacional» — corrige Silveria.
— E, já agora, para onde é que levam essas pessoas todas? — pergunta Adrian.
— O FBI e a NSA trazem-nas para cá em carrinhas pretas muito pouco discretas — responde o general, irritado. — Se me permitem, não é lá muito astuto da parte das vossas agências, Jamy e Mitnick.
— Se me permite fazer um comentário, general — riposta o homem da NSA —, também não é lá muito astuto ter reunido estes indivíduos num só lugar, o Hall H. Alguns passageiros reconheceram outros… Já perceberam todos que estiveram no mesmo voo da Air France em março passado… Imaginam o pior, um vírus ou a presença de um terrorista entre eles.
— O FBI destacou psicólogos — diz Jamy Pudlowski — antevendo o encontro… Temos de os preparar para encontrarem o seu… duplo.
— Claro — suspira Silveria. — Não podemos fuzilar as duzentas e quarenta e três pessoas do hangar… É uma pena, concordo, Mitnick, mas é assim.
O homem da NSA faz uma careta e prossegue:
— A CNN, a CBS e a Fox vão enviar uma pequena brigada de jornalistas com carros de exteriores, sanduíches e café quente. Acrescento que, na CBS Evening News, a Elaine Quijano acaba de juntar um rabino e um pastor como convidados no fim do noticiário. Revelaram que a Casa Branca convocou representantes religiosos para debater «a natureza da alma» e que estava iminente uma declaração importantíssima.
— Foi o rabino liberal que abriu a boca, de certeza — diz Jamy Pudlowski, com um esgar. — Não conseguiu ficar calado. Adora ir à televisão. E não é tudo. Apesar dos nossos pedidos de discrição, a NBC acaba de anunciar não só que faltavam vários cientistas de renome, mas também que alguns se encontravam reunidos aqui…
— Os jornalistas têm dois inimigos: a censura e a informação — diz Mitnick, sentenciosamente. — É o início…
— Não é o início, é o fim — contrapõe Silveria. — Os encontros entre os passageiros do voo de março e os de junho vão começar assim que possível. E amanhã à noite, domingo, ou na segunda de manhã, o mais tardar, o exército entrega toda essa gente ao FBI. Tem algum problema com isso, Jamy?
— Nenhum, general. Não conheço nenhum problema que resista a uma ausência de solução.
III
A canção do nada
(após 26 de junho de 2021)
Nenhum autor escreve o livro do leitor,
nenhum leitor lê o livro do autor.
Em última análise, o ponto final poderá
ser-lhes comum.
Victør Miesel, A Anomalia