EDIÇÃO N° 177 – 21 a 27/11/1972
Com um dicionário ao alcance da mão, “para procurar essas palavras difíceis que vocês falam e a gente não sabe o significado”, Agnaldo recebeu O Pasquim, não sem confessar, várias vezes, o seu grande ressentimento para com a imprensa – onde vê panelinhas e toda uma máquina montada para defender os interesses e as vaidades de compositores menos populares, como Caetano Veloso ou Chico Buarque. Durante todo o tempo da entrevista a televisão estava ligada. O botão do som no zero, ela transmitia apenas a imagem muda de um jogo de futebol – paixão de todas as horas do torcedor fanático do Botafogo. “Eu me amarro em marginais”, “Não tenho a menor noção de música, não sei ao menos o tom das músicas que eu canto” – foram algumas de suas confissões.
Agressivo, ainda que procurando ser simpático; pretensioso, ao dizer-se, várias vezes, o melhor cantor do Brasil em todos os tempos, entre tiros generalizados para atingir artistas menos bem-sucedidos (Chico Buarque e Caetano, principalmente), teve ainda tempo para revelar (alô revista Amiga), em voz pausada: “Eu tenho uma filha de 4 anos de idade.” No seu apartamento, em Copacabana, um dos muitos bens imóveis que o sucesso da carreira de cantor lhe deu, a porta principal é toda envidraçada e a moldura dessa porta é dourada como a da porta de um armário de vidro onde guarda os troféus. No centro da sala atapetada está pendurado um lustre de cristal, e ele bebe apenas água tônica numa caneca de prata.
“Fui um operário feliz” é o que ele diz, recordando o seu tempo de torneiromecânico – profissão onde ele teria se dado bem, segundo testemunho do seu conterrâneo (Caratinga) Ziraldo, se não tivesse sido admitido, um dia, na televisão (Rio Hit Parade), pelo produtor e disc jockey Jair de Taumaturgo.
JAGUAR – É verdade que Ziraldo é o seu guru?
AGNALDO TIMÓTEO – Você tem que traduzir o que é guru.
JAGUAR – Você não está com o dicionário aí?
AGNALDO – Me dá o dicionário. Deixa eu ver: o que é guru?
MILLÔR – Caratinga é o Méier dos pobres?
AGNALDO – Quando eu saí de Caratinga a barra lá era melhor. Hoje já está mais sofisticada, já tem uma garotada muito sem-vergonha, muito maconheiro, entende?
MILLÔR – Por que você falou em tom depreciativo de maconheiro?
AGNALDO – Mas eu não acredito que maconha seja sinônimo de marginalidade, é sinônimo de vício. Tem nego aí que é estudante de Medicina, de Filosofia, o diabo a quatro, e é maconheiro.
MILLÔR – Você é absolutamente contra a maconha?
AGNALDO – Não, eu não sou absolutamente contra nada. Eu só não uso nada, nego. Quem quiser que use. É a mesma coisa que o pessoal lá da Cinelândia desmunhecar. Quem quiser desmunhecar que desmunheque. É problema deles. Eu não sou contra nada.
MILLÔR – Quando a gente veio fazer esta entrevista você falou ao Ziraldo, claro que ironicamente, que seria a sua vivência contra a nossa cultura. Na verdade vai ser outra coisa: a nossa vivência contra a sua cultura.
AGNALDO – Está bem, vou pegar dicionário já, já…
MILLÔR – Você parece ter, como uma porção de pessoas que lutaram pela vida na rua, um grande orgulho pelas coisas que não sabe…
AGNALDO – Eu, sinceramente, não conseguiria analisar o que você acaba de falar, não. Eu não tenho orgulho de nada, a não ser da minha voz e da minha conduta moral. A única coisa que eu acho é que sou um cara sensacional, um cara fora do gibi. Acho que sou um tremendo cantor. Acho não. Eu tenho certeza.
JAGUAR – Peraí, você tem orgulho de uma porção de coisas. Antes da gravação disse que se não fosse um grande cantor, seria famoso em outro campo.
AGNALDO – Se eu não fosse cantor, eu seria advogado ou então um bandido. Eu tinha que ser famoso.
ZIRALDO – Por que advogado ou bandido?
AGNALDO – Um advogado inteligente, ousado, consegue se destacar. Não pode ser esses jacamole aí que ficam na porta do xadrez. E tem uma porção de advogado aí que compra diploma – eu ouvi dizer, não sei. Tem que conseguir um diploma pela sua cultura, pela sua dedicação. Tem até um que é político, famoso pra caramba! Pinto não sei o quê; não me lembro nome dele agora…
JAGUAR – Sobral Pinto…
AGNALDO – É esse aí!
MILLÔR – Você não bebe, Agnaldo?
AGNALDO – Não bebo, não fumo, não cheiro nada. Só tomo atitudes sóbrio. Mas quando uma pessoa tenta me hostilizar, então eu agrido…
MILLÔR – Uma característica comum que temos visto em todos os entrevistados que brigam é que sempre admitem uma hipótese como definitiva: nunca provocam ninguém. Por que você briga tanto, e eu, que não sou especialmente medroso, não sou provocado a brigar?
AGNALDO – Mas o senhor não se chama Agnaldo Timóteo.
MILLÔR – Você é provocado por que tipo de pessoa, então?
AGNALDO – Sou provocado porque eu tenho um tipo de vida muito mais comum do que Chico Buarque de Hollanda. Aparecem pessoas que desrespeitam o artista pelo simples fato de ser artista, entende? Agora, não é o caso do senhor. Eu já tenho uma reputação negativa, reputação montada com maldade. Então, os caras que não acreditam, vêm testar e aí… pronto, entende?
JAGUAR – Conta uma briga.
AGNALDO – Eu estou na praia. Chegaram umas moças: “Mas Agnaldo, como vai?” Uma delas pediu-me um autógrafo; eu dei pra uma, dez, vinte. E a rapaziada, uma turma aí de Botafogo, começou a jogar pacotinhos de areia. Mudei de lugar. Quando terminei de atender as moças, jogaram mais um pacotinho de areia. Meu amigo disse: “Eu vi quem foi, mas eles são mais de 15.” Eu disse: “Vai lá em casa e apanha o meu revólver.” Ele veio e falou: “Foi aquele ali.” Fui lá e dei um soco na cara dele. O outro entrou e enfiei a mão no cara também. O Cromado saiu do carro e foi atirar pra cima, porque os caras jogaram garrafa no meu carro. Aí revoltou a praia todinha contra mim. Tinha lógica, até eu tomaria aquela atitude, porque eu estou na praia com minha mulher, meu filho, e o cara dando tiro! Então, todo mundo se revoltou, não queria saber mais qual era o problema.
ZIRALDO – O que foi feito do Cromado?
AGNALDO – O Cromado está preso, porque um bandido declarou que viu o Cromado entrar com uma cartolina no prédio onde morava Mariel Mariscot. Mas outros colegas brigam. O Erasmo uma vez teve que dar tiro, o Antônio Marcos briga, o Roberto Carlos teve que dar tiro, o Jerry Adriani tá cansado de meter a mão, e o Waldick briga com meia dúzia porque ele é um touro.
JAGUAR – Você tem pontos em comum com o Waldick. Os dois se acham o maior cantor do Brasil, vocês brigam bem…
AGNALDO – Não! Protesto veementemente! Não seja irônico, por favor! O senhor está ironizando a pergunta, por favor! O Waldick Soriano…
JULIO HUNGRIA – Você não acha o seu repertório parecido com o do Waldick, não?
AGNALDO – Não diga uma besteira dessas. Eu gravo exatamente Paul McCartney, Charles Aznavour, David Nasser, Roberto Carlos, Antônio Marcos, entende? Waldick grava bolero. Eu gravo Festival de Sanremo. Algumas pessoas, como aquele cara que escreve na Última Hora, que é boneca… Como é o nome dele?…
JAGUAR – Qual deles?
AGNALDO – … Esses caras escrevem sem ter a menor noção do que eu realmente canto. Eu preciso pedir ao meu irmão pra trazer meus long plays, inclusive os editados na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Europa. Esses long-plays internacionais, que o público não conhece, porque eu não tenho a mesma máquina do Chico, do Caetano… porque eles chegam e dão um puf e nego diz que ele deu puf.
MILLÔR – Você não acha o Caetano um grande cantor?
AGNALDO – O quê?! Caetano como cantor seria gongado, pô! Vocês fabricaram o Caetano! Caetano é uma m.! Caetano não é artista; o Caetano – eu lamento dizer isso, porque a Maria Bethânia eu adoro – não sabe cantar! O Caetano não tem postura no palco. Agora, vem com esse negócio de imitar v. – boneca, né?, que fica mais distinto –, e os caras dizem que ele é um gênio. Que isso?! Isso não existe!
ZIRALDO – Mas ele não é um grande compositor não?
AGNALDO – Compositor de quê? Tá cantando “cada macaco no seu galho” e todo mundo roda e diz que é sensacional, e a música foi feita em mil novecentos e outrora, por um cara que ninguém conhece. Que gênio é esse? Pelo amor de Deus! Gênio é Roberto, que ganha 300 milhas todo mês.
JULIO HUNGRIA – E Chico Buarque, como cantor?
AGNALDO – Seria gongado também. O Chico como gente – olha, eu não conheço Caetano, eu o vi pouquíssimas vezes, não sei como ele é como pessoa humana. Jamais desrespeitaria o cidadão Caetano Veloso. Estou falando no artista, que é uma m.! Agora, o Chico Buarque eu conheço pessoalmente. Gostaria de ter o temperamento do Chico, gostaria de ter a sobriedade do Chico. Eu não tenho, e muito menos a capacidade dele, já que ele compõe pessoalmente suas músicas, que são muito bem-feitas. Agora, a linha melódica do Chico é uma m.! Mas as letras dele são sensacionais.
MILLÔR – Quem é melhor como compositor: Chico ou Caetano?
AGNALDO – São a mesma coisa. Os dois complicam. Chico é mais simples, mas… Caetano complica, Chico é melhor. Então, o negócio é o seguinte: entre eu e o Waldick Soriano, só existem duas coisas que nos identificam com a massa. Tem mulher magnata aí que gosta do Waldick porque ele deve ser um cara machão, entendeu? Aquele negócio de sair com machão, entende? Agora, eu e o Waldick Soriano como cantores, pelo amor de Deus! É a diferença entre o olho do sol e o olho do c.! O que que há?
MILLÔR – Um artista pode fazer qualquer espécie de excesso, desde os gestos tresloucados do Caetano, até pintar a boca, pintar os olhos, vale tudo?
AGNALDO – Os que não sabem cantar usam esses artifícios, essas frescuras…
JAGUAR – Mas você com o seu chapeuzinho…
AGNALDO – Eu uso chapeuzinho porque o meu cabelo é horrível e é difícil de pentear.
ZIRALDO – E a sua calça justa?
AGNALDO – Eu tenho as pernas bonitas e gosto que as mulheres vejam que tenho as pernas bonitas, pô! A primeira coisa que a gente olha numa mulher é pro bumbum e pernas, pô! Então, é mais do que justo eu mostrar as pernas para as mulheres. Tenho pernas bonitas pra mostrar.
JULIO HUNGRIA – Você critica quem usa recursos extramusicais; e o Roberto Carlos?
AGNALDO – Poderia me dizer o que ele usa de extramusical?
JAGUAR – A roupa, por exemplo.
AGNALDO – Me desculpa, você como jornalista está completamente desatualizado. O Roberto, no princípio da carreira, era de uma sobriedade tremenda. Usava inclusive os mesmos ternos que usavam os “Bírous” (N.R.: Beatles) – desculpe a pronúncia dos Estados Unidos. Terninhos – que eram uma m.! Mas eram terninhos. Depois que tive a ousadia de pintar no melhor programa de alta categoria no Rio de Janeiro, o Rio Hit Parade, apareci de camisinhas Mao e calças justinhas e tal – eu fui o primeiro! Aí vieram aqueles caras todos usando blusões muito bem-feitos e muito bonitos. Extramusical é a Maria Alcina usar no Maracanãzinho aquela roupa colante e pular! Ela canta mal paca, mas todo mundo anda dizendo que canta bem. É uma m. a Maria Alcina, mas, afinal, é Maria Alcina! Protegida da imprensa e o baralho.
JULIO HUNGRIA – Você diz que Chico, Caetano e outros são protegidos da imprensa, correto? Como explica que você ou o Waldick, que não são protegidos pela imprensa, vendem duas vezes mais do que o Chico e o Caetano?
AGNALDO – Quando lanço um disco, vou às 5 horas pra Rádio Globo, Tupi, Mauá, Nacional, catituar o meu disco. É assim que eu vendo disco, bicho. Não é o Caetano gravar disco e vocês escreverem: disco nota dez. Tudo grupo, mas põem: disco nota dez.
MILLÔR – Existe uma máquina de promoção para o Caetano e o Chico. Mas você, sozinho, através das rádios, fura essa máquina e consegue vender mais do que eles, certo?
AGNALDO – Vendo mais porque atinjo o povo. Mas a TV Globo paga 80 mil contos a Caetano e não quer pagar 4 pra mim, caramba! E eu vou produzir muito mais do que o Caetano. Eu vou cantar e todo mundo vai ter que admitir que eu canto melhor. O Caetano chega lá, não tem voz e não pode cantar. Mas eles pagam 80 mil pra ver a figura do Caetano. A “Máquina” fabricou isso. Chico também cobra muito mais caro do que eu. E os clubes de elite contratam o Chico por uma nota, e não me contratam porque eu não sou enquadrado no esquema de classe A. O MPB-4 faz o show e o Chico recebe o dinheiro. Se me chamassem quebrariam a cara, porque eu chegaria no palco e provaria a eles que eu sou não só um cantor, mas um artista versátil, porque eu canto em vários idiomas, apesar de falar somente o português e muito mal espanhol. Canto em francês, em italiano, em inglês, em alemão também. Agora, Caetano, Chico e mais uma meia dúzia aí, são produto de imprensa. São umas m., não existem.
MILLÔR – Eles sem imprensa não conseguiriam nem pro café-da-manhã?
AGNALDO – Mesmo com a imprensa, andaram mal aí… foi preciso as fábricas mandarem dinheiro pra uma porção de gente aí.
JULIO HUNGRIA – A Rádio Jornal do Brasil…
AGNALDO – Não me fale da Rádio Jornal do Brasil, eu tenho nojo da Rádio Jornal do Brasil. Tenho nojo, odeio!
ZIRALDO – Por que você não gosta da Rádio Jornal do Brasil?
AGNALDO – Porque uma vez trabalhava lá um tal de Ernesto. Aquele muquirana sem-vergonha sabia das dificuldades que eu havia atravessado pra vencer. Ele me conhecia. E uma vez houve um concurso num programa de televisão aí, e ele me desclassificou porque eu cantei uma música do Jair Amorim e do Evaldo Gouveia. Eu fiquei com ódio dele e da Rádio Jornal do Brasil.
MILLÔR – Nessas rádios eles são contra a música brasileira?
AGNALDO – Não, eles são contra determinados artistas. Eu vou provar: Ângela Maria gravou uma música chamada Gente Humilde. Ela fez um sucesso de ponta a ponta do Brasil, mas as emissoras de elite rodaram só o Chico Buarque!
MILLÔR – Mas então eles são contra os artistas populares brasileiros?
AGNALDO – Artista popular que não esteja enquadrado naquele esquema fresco deles, dessa m. chamada classe A, que não existe.
JAGUAR – Eu acho engraçado, você com essa sua linha…
AGNALDO – Não fale em linha que eu xingo palavrão, porque eu sou o cara mais revoltado que existe…
JAGUAR – Linha popular, pô!
AGNALDO – Ah, então tá bom…
MILLÔR – Quem vende mais disco?
AGNALDO – Temos um no Brasil que vende mais disco do que todos os artistas internacionais: Roberto Carlos! Esse cara vendeu 500 mil long-plays no Brasil! Imagina o que ele venderia se fosse um artista de penetração internacional, como os “Bírous”. (N.R.: Beatles. Perdão, leitores…) Eles vendem dois milhões, e daí? Mais é no mundo inteiro! Quero ver é dentro do país vender 500 mil! Depois de Roberto Carlos quem vende mais disco sou eu, Agnaldo Timóteo.
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ZIRALDO – Quais são os seus long-plays que já passaram os 200 mil?
AGNALDO – Esse aqui foi editado nos EUA e na Inglaterra, The Good Voice of Brasil – desculpe o título meio pretensioso. Esse aqui, Song by Brazilian International Famous Agnaldo Timóteo. Não sei como é que traduz esse aí não, é complicado pra caramba! Nuevo Ídolo in Brasil, olha bem o repertório cafona que você ia dizendo: Folhas Mortas, Non Credo, Green Green Grass of Home – uma música que fez sucesso no mundo inteiro com Tom Jones. Eu gravei em português e acabei com ele.
ZIRALDO – Você canta mais do que o Tom Jones?
AGNALDO – Não canto mais, não canto melhor, mas tenho uma voz mais distinta, mais suave, desculpe. E esse aqui minha gente! É um long play que coloquei no sexto lugar nas paradas de sucesso da Argentina! Mas eu gravei aqui uma música que seria o fim do mundo: Paixón del Hombrex (N.R.: Pasión de Un Hombre), do Waldick. Gravei em espanhol de uma maneira, tecnicamente falando, muito superior à do Waldick.
MILLÔR – Você está falando difícil paca, fala “Bírous”…
AGNALDO – Eu vou contar porque falo “Bírous”. Todo mundo fala The Beatles. E quando estive lá em Nova York, um amigo meu disse que os “Bírous são demais”. Então eu disse: por que “Bírous”? Ele me explicou: “aqui em Nova York só se fala ‘Bírous’.” O sotaque do americano deve ser diferente… Deve ser a diferença do baiano para carioca…
MILLÔR – Julio Hungria?…
AGNALDO – Ah! Julio Hungria!!!
JULIO HUNGRIA – Pois é…
MILLÔR – O nosso entrevistado acaba de ficar surpreendido com as pessoas que o estão entrevistando. Acabou de reconhecer Julio Hungria.
AGNALDO – Sabe por que eu me surpreendi? Porque ele é um jornalista muito famoso, muito conceituado, entendeu? Aí está a diferença entre as pessoas conceituadas e de categoria elevada com os artistas populares. Se eu passo na rua nego diz: “Olha ali o Agnaldo Timóteo.” Mas foi preciso que alguém dissesse que você é Julio Hungria para que eu soubesse que você era o Julio Hungria. É por isso que nós somos provocados, porque nós somos populares. Sempre aparece um pilantra, uma gracinha: “Ô, boneca?” Aí eu tenho que brigar, entendeu? E outras coisas mais…
MILLÔR – Agora, elogio pra nós também d’O Pasquim! Quem ajudou a divulgar esse negócio de boneca foi O Pasquim! Antigamente, se um indivíduo chamava o outro de boneca, um quebrava a cara do outro…
AGNALDO – Não, não. Quem popularizou esse nome foi o Armando Marques.
MILLÔR – Armando Marques na prática, e nós na teoria.
(risos)
AGNALDO – Não faça isso! Eu não sei! Eu sei que ele é um cara sensacional.
JAGUAR – Quando você esteve nos Estados Unidos teve algum problema de racismo lá?
AGNALDO – Eu pensava que o racismo lá nos Estados Unidos partisse dos brancos. Ao contrário: os negros são muito mais racistas, muito mais agressivos, e, sei lá… muito mais revoltados! Eu fiquei surpreso e até decepcionado, sabe? Vi muita imundície, muita pobreza e, inclusive, fiquei frustradíssimo porque quando a gente vai num cinema e vê aquela promoção dos Estados Unidos, com aqueles carros de polícia maravilhosos, eu jamais poderia sonhar que chegaria em Nova York e encontraria aqueles táxis imundos caindo aos pedaços, as ruas cheias de buracos, uma mulher com trouxa de roupa na rua, aqueles garotos pedindo esmola… Nova York é exatamente o Rio de Janeiro, bicho. Não tem nada de diferente. Só que essa rapaziada que gosta de música importada não sabe disso. Pensa que lá é um paraíso, e lá é uma m.!
(risadas)
MILLÔR – E aqui no Brasil?
AGNALDO – Eu continuo tendo! “Não, não vamos levar você porque é um artista de cor, entende? E não fica bem no nosso clube etc.” Eu sei que acontece muito aqui no Brasil.
ZIRALDO – Vocês sabiam que o pai de Agnaldo Timóteo tinha ficado branco?
AGNALDO – Ficou todo descascado, né? Não sei como é aquilo não… Era vermelho, ficou branquinho…
MILLÔR – Tinha vitiligo.
AGNALDO – Como era o nome mesmo?
ZIRALDO – Vitiligo.
AGNALDO – Que nome fresco!
JAGUAR – Quantos anos você tem? Como você começou?
AGNALDO – Não vou mentir: 36 anos / 16 de outubro de 1936. A primeira vez que eu participei de um programa de calouro foi em Caratinga, e eu fui gongado. Depois continuei cantando nos circos. Ganhava pacotes de macarrão, de doce, ganhava tudo.
ZIRALDO – Quando você chegou ao Rio?
AGNALDO – Foi em 1960. Fui na sua casa e lhe pedi algumas orientações, e você me disse: “A primeira coisa que você tem que fazer é arranjar um emprego para que possa estar sempre bem vestido e bem alimentado. Eu não vou te ajudar. Eu não ajudo nem o Zélio! Quero que você vença pelos seus méritos.”
ZIRALDO – Eu falei: “Agnaldo, se você chegar com cara de fome, com cara de que está precisando dos outros, na porta da televisão, nunca vão olhar pra você. Se tiver lugar pra dormir à noite, se tiver bem comido, aí você pode se virar.” No outro dia você arranjou um emprego, não foi?
AGNALDO – No outro dia eu estava trabalhando. Você sabe, um torneiro como eu, trabalhava à toa, chegava e tava empregado.
JULIO HUNGRIA – Mas de torneiro pra cantor quanto tempo você levou?
AGNALDO – Não, eu conciliava as duas coisas. Os meus patrões, geralmente, se tornavam meus admiradores, porque eu trabalhava alegre o dia inteiro, e eu trabalhando alegre naturalmente produzia muito mais. Na hora do almoço, cantava no corredor… Era o maior barato.
JAGUAR – Como encara o Frank Sinatra?
AGNALDO – Por quê? Frank Sinatra é um cantor de voz bonita, comum, não tem nada de excepcional, absolutamente nada! Nada! Nada!
MILLÔR – Mário de Andrade, esse que escreveu Macunaíma, era mulato. Ele dizia que o mulato brasileiro é sestroso, pernóstico e pachola. Você se coloca em alguns deles?
AGNALDO – Pernóstico eu sei o que é; sestroso me parece que é um cara malandro; agora, pachola define exatamente a pessoa que escreveu: é um antipático, não sabe de nada.
(pasmo! Risos abafados! Muxoxos!)
AGNALDO – Exatamente, é um sinônimo tão esnobe que ninguém sabe! Só ele. Ele é que deve ser pernóstico.
MILLÔR – Você chegou ao Rio…
AGNALDO – Três anos depois passei a ser o moleque de recados do Cléber.
ZIRALDO – Conta essa história aí…
AGNALDO – Ele era muito ligado à imprensa. Naquele tempo havia uma imprensa meio… como chama aquele pessoal daquela revista antiga, O Escândalo Confidencial? Ele era office boy dessa revista, e com isso conheceu muita gente importante que é semvergonha, que é venal, que é ladrão, que somente os homens da imprensa conseguem ficar conhecendo, entende? E com esses conhecimentos o Cléber conseguiu sobreviver no Rio de Janeiro. Aí tomava a grana de todo mundo, e eu é que ia buscar o dinheiro. Até que um dia um cara aí que já morreu – famoso pra caramba! – chegou lá com um envelope…
MILLÔR – Quem é esse cara?
AGNALDO – Então, eu conto a história: um dia, o Cléber me dá o envelope, e subo – Augusto Frederico Schmidt era o dono dos supermercados Disco. Cheguei, entreguei, e como não estava sabendo de nada, o homem me meteu o revólver na cara, me xingou: “Seu f. da p., não te mato para não arrasar a minha vida.”
MILLÔR – Ele pessoalmente?
AGNALDO – Ele, Augusto Frederico Schmidt, e ele ainda sofria do coração! E a governanta: “Seu Augusto, seu Augusto, não faça isso.” E eu completamente inocente, bicho. E ele me botou pra fora.
MILLÔR – Você não tinha a menor idéia…
AGLNALDO – Eu só sabia que ia buscar uma grana. Agora, eu não estou sabendo o que estava dentro do envelope… Ele me xingou pra caramba! “Seu chantagista.” E quando o elevador parou, cheio de gente, porque o elevador parava na porta, coisa de bacana, não tinha esse negócio de parar no corredor, não. Eu disfarçava e ele, com o revólver na mão: “Eu não sei por que eu não te mato.”
MILLÔR – Quem era o dono da revista, Alberto de quê?
AGNALDO – Não me lembro também…
MILLÔR – De que era a chantagem?
AGNALDO – Bicho, era uma graninha, naturalmente, com nome de outro, né, bicho? Cansei de fazer isso no Rio de Janeiro. No Plaza, cansei de tomar dinheiro com nome de outros: ligava e tomava uma grana.
MILLÔR – Sua primeira ligação com a imprensa foi essa?
AGNALDO – Não, não. Quando conheci esse rapaz eu já não estava mais com a imprensa. Eu não conhecia esse pessoal da imprensa…
MILLÔR – Mas de qualquer maneira você ficou com a impressão…
AGNALDO – Impressão, não, é verdade. Você sabe que tem muita gente na imprensa que toma grana.
MILLÔR – Eu não tenho nenhuma simpatia pela imprensa, não. Acho que boa parte da imprensa é isso mesmo.
AGNALDO – Infelizmente a gente não pode falar porque não tem jeito de provar. Mas tem muito nego tomador de grana, tem, porque tem um cara aí, que escreve pra jornal, que uma vez eu telefonei para uma boate com o nome dele, fui lá e apanhei 10 contos!
ZIRALDO – Quem? Quem?
AGNALDO – Eu não vou falar o nome. Mas que tem, tem…
ZIRALDO – Quer dizer que o Schmidt era fogo, hein?
AGNALDO – Agora a maior de todas foi essa: eu era olheiro de um cara aqui no Rio de Janeiro, chamado Lauro dos Santos Lima. Essa é demais. O Lauro usava óculos, anel de doutor, sempre impecável. E eu era olheiro. Quando ele fazia as tretas dele eu ficava olhando (ri desbragadamente). Um dia ele subiu numa importadora e comprou um bracelete para dar pra filha dele que estava fazendo 15 anos. E eu fiquei na porta pra ver se chegava radiopatrulha, coisa qualquer, né? Aí, daí a pouquinho, desceu o Lauro igual a um foguete: “Vamos embora porque o homem já mandou descontar o cheque.” Aí saímos pela Rua Senador Dantas, num pinote, mas não correndo, apenas andando depressa, e eu correndo atrás dele e rindo pra caramba! Aí entramos na Rua A1cindo Guanabara, depois Rua das Marrecas. Aí eu falei: “Mas Lauro, por que você está correndo tanto assim?” Aí ele respondeu: “Todo bandido tem que ter preparo físico pelo menos pra meia hora.”
JAGUAR – A sua sociedade com o Cléber acabou?
AGNALDO – Depois o Cléber foi viver com a Ângela Maria. E eu fui chofer da Ângela Maria por causa dele. Aconteceu um troço pavão. O Cléber arranjou uma viagem pra Ângela Maria. Chegou lá, conquistou a Ângela Maria. Ela estava largando o Rodolfo Valentino. E acabou ficando amante dela.
ZIRALDO – Mas você não sabia que o Cléber era casado com uma moça lá de Caratinga?
AGNALDO – Não, não sabia, não.
JAGUAR – Vão pará com esse negócio de Caratinga aí!
AGNALDO – Aí o Cléber pediu a Ângela pra comprar um carro. Ele disse: “A Ângela vai comprar um carro, Agnaldo, e a gente não tem motorista. Você não quer quebrar o galho lá?” Quebrei o galho 5 meses. Eu morava numa hospedaria na Primeiro de Março. Eu já estava devendo lá uns 3 contos, e o cara disse que se eu não pagasse até logo mais, não entrava. E eu não tinha onde pedir dinheiro. O Cléber estava viajando com a Ângela. Fui dar uma volta de automóvel. Quando eram 7 horas, trocaria aquele carro fácil por uma cama. Nunca senti tanto a falta de uma cama; estava morto de tanto dirigir carro de lá pra cá.
JAGUAR – Por que você não parou pra dormir no carro?
AGNALDO – Mas, não. Não tinha jeito. Eu não tinha carteira, e se chegasse a polícia e pedisse os documentos, eu estava preso. Eu era chofer sem carteira.
ZIRALDO – E as excursões pelo interior?
AGNALDO – Tem um rapaz aí chamado Fernando Simões – ele agora até que é meu amigo – que organizou uma temporada de 25 shows no Norte e Nordeste com um conjunto de Juiz de Fora. Ele veio e me contratou por 25 contos por dia. Mas aconteceu que ele é trambiqueiro e não pagou ninguém, só pagava a mim. Porque quando vi que ele era dureza, logo no primeiro dinheiro que arrumei eu comprei um revólver. Então, o único que ele pagava era a mim.
ZIRALDO – Quando estreou, você trabalhava para a Ângela Maria?
AGNALDO – Lógico. Mas peraí. Aí o Cléber brigou comigo uma noite. Larguei o carro no Aterro, com ele, Ângela Maria, e disse: “Olha, daqui não dirijo mais! Não tem mais.” Falei: “Vá pra p.q.p.” e fui embora. Aí fui procurar um amigo meu, De Paula, que eu já conhecia. De Paula é um lutador, polícia amigo meu. E esse rapaz trabalhava no 9° Distrito. Aí eu ficava lá ajudando De Paula, fazia um mandado e coisa e tal, e nesse ínterim precisava pegar um bandido lá em Irajá. Ele falou: “Você vai ficar lá em Irajá, quando ele pintar, você telefona aqui pro 9° Distrito.” E eu fui lá buscar esse bandido. Aí eu meti uma máquina, entende? Fiquei lá em Irajá, e tal, até o cara aparecer. O cara era estelionatário, tinha roubado um Volkswagen. Mas ele não apareceu, não.
ZIRALDO – Mas, cara, você gosta de estelionatário e entrega outro?!
AGNALDO – Eu não quero saber, eu estou lutando pelo pão de cada dia. Então, nesse ínterim, na casa da prima de De Paula, estava passando um programa com um conjunto cantando The House of the Rising Sun. Fiquei irritado porque os caras cantavam como se fossem cadáveres. Minha Nossa Senhora! Essa música dá pra fazer uma tremenda cena. Aí procurei o Jair de Taumaturgo e pedi que ele me deixasse cantar num programa que tinha sábado à tarde… Hoje é Dia de Rock!
MILLÔR – E a cantada, como foi?
AGNALDO – A primeira noite foi uma barbaridade. Cheguei atrasado. Porque vinha de ônibus. Trazia minha roupa num cabide. A orquestra estava começando: parará ban pan pan trá trá, lálá… E eu: “Three is the house a news…” Só que na hora era em inglês, bicho. O pior era que naquele tempo eu tinha muito menos noção do que hoje. Porque hoje, não. Eu ainda fui lá no IBEU, estudei lá 4 meses…
ZIRALDO – E quando você ficava na eletrola com o ouvido colado estudando?
AGNALDO – Minha Nossa Senhora! Eu ouvia com a letra na mão um caminhão de vezes. Mas não adiantava nada: não sabia o sentido do que se estava cantando. Depois eu perguntei pra um rapaz que fazia O Globo no Ar – ele trabalha hoje na Embaixada Americana.
JULIO HUNGRIA – Guilherme de Figueiredo?
AGNALDO – É um de Aracaju, usa óculos. Então ele explicou o que era a letra, que era a história de uma mãe, de uma família meio desajustada. Então eu encenava de acordo com o que ele havia me explicado. Então eu fazia uma cena, bárbara, fazia uma cena que não era normal.
JULIO HUNGRIA – Antes de vir pra cá eu ouvi o seu LP várias vezes, inteirinho…
AGNALDO – Pra chegar aqui e criticar a minha música. Não minta! Você nunca ouviu disco meu. Olha aqui, o caso do Carlos Gomes, por exemplo, essa música é de mil novecentos e antigamente. Todo mundo gravou, ninguém nunca tomou conhecimento. Então arranjamos uma batida e ficou funcional. E fez um sucesso enorme. Vendeu à beça, e fez com que todo mundo tomasse conhecimento de que existia um tal de Carlos Gomes.
ZIRALDO – O que é funcional?
AGNALDO – Funcional é uma coisa que você tem certeza de que vai se identificar com o grande público. Porque eu, antes de ser cantor, eu fui fã de artista. Então, eu sei exatamente que o público quer ver de mim.
JULIO HUNGRIA – Além de Cauby, você era fã mais de quem?
AGNALDO – Quais eram os meus ídolos? Vicente Celestino na época, no ápice de sua carreira: Porta Aberta, O Ébrio, essas coisas. Guarânia, sensacional: “Índia, os teus cabelos nos olhos caindo / negros como a noite que não tem luar…” Não foi feita pelo Chico Buarque, desculpa. (pigarros) Então, era o seguinte: essa gente que eram os meus ídolos, entendeu? Ângela Maria, Nora Ney: “Se quiser fumar eu fumo / se quiser beber eu bebo / não interessa mais ninguém…” E daí gente, o que há? Só que os outros não têm coragem de ouvir os outros caras. O Silvinho, que foi um cantor que eles diziam cafona, dizia: “Porque brigamos / não há razão / não há motivo / O seu ciúme / Vai pouco a pouco acabando comigo…” Que cafona? Se identifica com qualquer um. Com o culto, com o analfabeto…
JAGUAR – E o Anísio Silva?
AGNALDO – Acabou. Acabou porque é burro prá caramba! O Anísio Silva ganhou uma grana que não tem mais tamanho, e hoje mexe com fazenda, serraria, esses troços…
ZIRALDO – Mas ele era incrível, né?
AGNALDO – Ah! “Quero beijar-te as mãos, minha querida / Vem pra junto de mim, vem por favor / És o maior enlevo da minha vida / És o reflorir do meu amor…”
JULIO HUNGRIA – Você levou uma tremenda vaia, uma coisa assim, como foi isso? Foi no Som Livre?
AGNALDO – É o tal negócio que vocês são responsáveis, são os culpados. Porque se vocês – estou generalizando toda a imprensa – escrevessem que eu era sensacional, aqueles estúpidos, idiotas, acreditariam que eu sou sensacional, porque aqueles animais, boçais, acreditam em tudo que se escreve. Basta dizer que o cara é bom que os otários logo acreditam. Mas acontece que algumas pessoas não têm a menor idéia de como eu seja, ou de como seja o meu trabalho, ou de qual seja a necessidade que eu tenha de trabalhar, de cantar esse gênero; não têm a menor idéia das minhas necessidades econômicas pra gravar músicas funcionais e comerciais. Então esses caras inventaram uma imagem de que sou cafona. Eu sou elegantíssimo. Eu sou um dos mais elegantes do rádio brasileiro, porque eu sou um criador de estilo de roupa diferente. Acontece que eles preferem ver esses caras com essas roupas horrorosas, fedendo, com chinelo, fedorento, ô, caramba!, do que ver o Agnaldo Timóteo lindo, impecável, bem vestido, cheiroso, com aquele chapeuzinho importado – desculpe, é boliviano. Então, me vaiaram, mas não vaiaram o cantor Agnaldo Timóteo, mas a pessoa de Agnaldo Timóteo, porque a pessoa é mostrada a eles como cantor de categoria inferior.
JAGUAR – Agnaldo, e qual foi a sua reação à tal vaia?
AGNALDO – A primeira reação foi mandar todo mundo à p.q.p! Mas como o programa era televisionado eu não poderia fazer aquilo. Fui lá pra trás, fiquei revoltado, chorei pra caramba! E deu vontade de matar um de lá. Aí a Elis Regina veio e me levou pro palco outra vez e tal. E, o pior de tudo é que eu não cantei uma música do meu repertório, cantei uma música do Roberto Carlos. É isso aí.
ZIRALDO – Você acha que o que você faz, versões, é o que se pode chamar de cultura brasileira?
AGNALDO – Ô, Ziraldo, o que você poderia chamar de cultura brasileira? “Cada macaco no seu galho / Xô chuá / Cada macaco no seu galho / Eu quero ir minha gente / Eu não sou daqui / Eu tenho nada / Quero ver Irene / Quero ver Irene dar sua risada…” Alguém poderia definir pra mim o que significa isso? Por favor? Sr. Hungria, o senhor poderia definir o que significa isso? Quer me dizer onde está a categoria dessa letra? Isso é do Caetano!
JULIO HUNGRIA – Eu sei, mas a sua música também é boa. Você também está se colocando numa posição comparativa.
AGNALDO – As pessoas analisam o nosso trabalho, às vezes nem ouvem, pelo título da música, ou pelo autor da música. Eles não gostam do autor e falam mal da gente. A Wanderléa, antes de pertencer à panela da imprensa, eles metiam o cacete nela, ela vivia entrando no pau. O Erasmo, coitado, esse aí eles pintavam com ele. Então, o que acontece hoje: a Wanderléa grava um disco e todo mundo diz que está bom, porque ela conseguiu a penetração da imprensa. Quase sempre um grande número de jornalistas especializados não são honestos, são hipócritas e mentirosos.
JAGUAR – O que você acha do FIC?
AGNALDO – O FIC é uma brincadeira e isso aqui é um papo sério!
(Jaguar ri enigmaticamente)
ZIRALDO – Com essa declaração você não tem medo de perder os cachês da Globo?
AGNALDO – Há um ano e quatro meses que a Globo não me dá cachê. E eu continuo sobrevivendo, sobrevivendo bem. Porque eu como arroz e feijão todo dia, bicho, não há problema.
JULIO HUNGRIA – Como a Globo não te dá cachê se você é um cara que daria Ibope pra ela?
AGNALDO – Há um tempo atrás eu critiquei o Chacrinha pelo problema do cachê. A nossa discordância gira em torno de dinheiro, e me parece que eles não gostaram.
JAGUAR – Não ficou chateado com o negócio meio constrangedor no programa do Flávio: você de um lado e um balé do outro… ?
AGNALDO – Não foi um balé; comigo foi o Jacques Klein.
JAGUAR – Quem ganhou mesmo?
AGNALDO – Ganhou o Jacques Klein! Mas eu vou contar por quê. A produção do Flávio havia me prometido que de um lado estariam quatro jornalistas e do outro lado quatro pessoas do auditório. Eles mentiram pra mim: eles não colocaram quatro pessoas do auditório, colocaram uma crioulinha com vergonha de ser preta: “Ah, eu gosto mais de música clássica.” Aquela preta deve ser doméstica com vergonha de ser doméstica. Colocaram um playboyzinho, desses que gostam de música importada. Então eu perdi de sete a um, mas eu não fiquei constrangido. Porque, quando eu saí da TV Tupi, eu entrei no Mustang e vim pra casa. E aqueles caras que haviam votado contra mim pegaram um ônibus.
JAGUAR – Você não saiu humilhado?
AGNALDO – Não, a idéia era brilhante, não saí humilhado. Agora, o comportamento do Hilton Franco e do resto da produção comigo foi indigno, porque não foi aquilo que eles me prometeram. Prometeram que colocariam uma velha no auditório e diriam: “A senhora prefere o Jacques Klein ou Agnaldo Timóteo?” E ela diria: “Eu adoro Agnaldo Timóteo, Agnaldo Timóteo é o maior cantor do Brasil.” Mesmo que eu perdesse seria funcional, mas colocaram todo mundo igual, bicho. Pra você ter uma idéia, um jornalista lá disse: “Eu não gosto do Agnaldo Timóteo porque ele torce pelo Botafogo.” Agora sabem quem é? Eu não sei, juro por Deus! É um jornalista frustrado que não conseguiu vencer na vida, não é ninguém: escreve desde mil novecentos e outrora no jornal Luta Democrática.
JAGUAR – Mil novecentos e outrora?!?!?!
AGNALDO – Depois esteve lá o Moreira da Silva com o Darcy Villa Verde e ele ganhou disparado, e realmente o Moreira da Silva é muito mais funcional, muito mais alegre pra quem está em casa assistindo televisão. Porque esses números clássicos são sensacionais para se ouvir dentro de casa com muita atenção, ou então num teatro onde estejam reunidas pessoas que entendam realmente daquele pagode. Mas na televisão, tocar clássico não tá com nada. Querem ver é Agnaldo cantando…
ZIRALDO – Toda vez que você quer provar o valor de alguma coisa, que ela é bacana, você fala do lado econômico, o valor do dinheiro.
AGNALDO – O dinheiro é imperativo.
ZIRALDO – Então você acha que tudo é dinheiro?
AGNALDO – Sem o dinheiro não se consegue nada. Se eu levo cacete de algumas pessoas, e amanhã ou depois eu esteja numa situação econômica privilegiada, quando nada eu posso me vangloriar de estar numa situação econômica legal. Agora, o pior é levar cacete hoje e amanhã ou depois tá na m. e os caras dizendo: “Tá vendo, não disse que era uma m.?”
ZIRALDO – Então você é rico?
AGNALDO – Rico, não, jamais ficarei rico. É muito difícil um cantor ficar rico, bicho. Rico está o Sílvio Santos.
MILLÔR – Mas hoje você podia pagar muitas vagas pra dormir, não é?
AGNALDO – Hoje eu poderia comprar muitas hospedarias.
MILLÔR – A imprensa é uma selva?
AGNALDO – Existe tanto jornalista bom, mas existe jornalista ruim. Agora, não poderia jamais agredir o David Nasser nem o Imperial, nem o Lobo, e nem o Hungria, porque nunca escreveram sobre mim.
ZIRALDO – Por que o David Nasser?
JAGUAR – Por causa do tamanho?
AGNALDO – Porque eu acho ele sensacional! Eu acho o David Nasser honestíssimo!
ZIRALDO – Que isso, Agnaldo?!?! De onde você tirou isso?!
AGNALDO – Bom, pelo menos eu imagino; é essa a imagem que eu tenho dele. Se você tem outra, pelo amor de Deus! Não me conte. Sempre que precisei dele como gente ele me atendeu como gente. Por isso que eu tenho a imagem dele…
ZIRALDO – E sua amizade com Mariel Mariscot? Conta pra gente aí.
AGNALDO – Eu me amarro no Mariel. Se nós tivermos 12 policiais como Mariel, essa onda de assalto…
ZIRALDO – Mas Mariel não é um marginal? Do Esquadrão da Morte?
AGNALDO – Eu não sei se ele é marginal porque nunca vi ele assaltar ninguém, me desculpa. Sei que ele é valente, bicho. Sei que é corajoso. Agora, desafio qualquer cara aí pra me provar que ele não é valente.
ZIRALDO – Onde você conheceu o “Homem de Ouro”?
AGNALDO – Eu o vi na televisão dando entrevista. Eu o vi nas páginas de jornais quando ele desempenhava trabalhos importantíssimos para a nação. Ele desancava uma porção de broncas aí, prendendo bandidos e matando ladrão de automóveis. Teve que matar dois aqui. E até um cara queria autuá-lo por causa disso, um comissário…
ZIRALDO – Você acha justo matar um marginal?
AGNALDO – Eu não acho justo matar ninguém, mas também não acho justo que o policial seja assassinado. Aliás, eu acho terrível um marginal matar um ser humano pelo simples fato de necessitar de dinheiro – essa porcaria do tal de dinheiro, pra roubar eles têm que matar –, como também não concordo que a polícia tenha que matar. Mas entre morrer um ou outro, que mate o que for mais esperto, bicho, entendeu?
JAGUAR – Você já foi em cana alguma vez?
AGNALDO – Eu fui várias vezes. Eu usava cabelos lisos, os policiais não podiam me ver, me levavam em cana. Era incrível. Fui preso umas cinco vezes para averiguações.
ZIRALDO – Você é a favor da pena de morte, Agnaldo?
AGNALDO – Eu acho que o Brasil não tem condições ainda de ter pena de morte, porque lá nos Estados Unidos, que é um país muito mais adiantado de todas as maneiras, cometeram-se erros terríveis.
MILLÔR – Mariel ainda: você justifica esse tipo de violência? Você acha que não há possibilidade de acabar com essa imagem macha?
AGNALDO – Qual é o tipo de violência? O senhor viu alguma?
MILLÔR – Você acabou de falar que ele matou dois!!!
AGNALDO – Matou porque os caras estavam assaltando, meteram a mão na máquina e deram tiro nele, o que ele vai fazer? Ele não matou a sangue-frio não. Ele matou escondido atrás de um carro e levando tiro pra caramba! Um dia desses esteve batendo um papo comigo aí na porta, o Chiquinho Papanata, um policial que levou um tiro na espinha e está ganhando uma miséria de Cr$ 1.400,00 por mês. O que que há? Num carro horroroso, velho!
MILLÔR – Estou de acordo com você de que não se pode viver com 1 mil cruzeiros, sustentar família e tudo isso. Muito bem. Mas acontece o seguinte: 90% da população brasileira não ganha nem 250 e vive com salário mínimo.
AGNALDO – É o caso, Mariel tinha um Volks todo arrumadinho. Então esse cara não poderia morar lá no fim do mundo e trabalhar 20 horas por dia. Às vezes, às 2 horas tá dando batida. Tem que morar na zona sul. Um operário que ganha 300 contos mora lá no “Deus me livre” e paga 50 contos de aluguel. Agora, na zona sul, como é que mora? Quanto paga de aluguel? No mínimo, na zona sul, apartamentozinho de quarto e sala, quanto é? Seiscentos contos, certo? Então, como alguém pode admitir que um policial vai viver com 1 milhão de cruzeiros? Sai daí, pelo amor de Deus! E como o cara vai comer à noite e botar gasolina no carro? O que que há? Só um otário vai pensar isso. Todo mundo sabe que ele tem que se virar.
ZIRALDO – Como eles se viram?
AGNALDO – Como eles se viram é problema deles. Mas que eles têm que se virar, isso é óbvio.
ZIRALDO – Quem é canalha pra você?
AGNALDO – Canalha são os caras covardes que agridem sem ter conhecimento de que estão agredindo.
MILLÔR – Como é isso?
AGNALDO – Exemplo: jornalista que não tem conhecimento de nada e mete o cacete na gente. A campanha que os caras da imprensa estão fazendo contra o Botafogo: aquilo é canalhice que devia ser combatida com agressão.
ZIRALDO – Agressão?!?!?!
AGNALDO – Com agressão física, porque existem coisas que eles escrevem a respeito do Botafogo que só com agressão física! Eu acompanho toda delegação do Botafogo e acho simplesmente ridículo o que eles escrevem a respeito! Eu vejo tudo: é uma covardia!
JAGUAR – O que há com o Botafogo? Eu estou muito desligado de futebol.
AGNALDO – A imprensa meteu o malho no Botafogo contra o Corinthians, presta atenção, porque empatou. Inclusive o Jacinto de Thormes – esse é um canalha. Como homem de imprensa ele é canalha. Ele deve ter bronca do Toniato. Ele é um canalha, porque o que ele escreveu é cretino e canalha. Eu só não vou tomar atitude contra ele porque sofre do coração.
MILLÔR – Toniato é uma grande figura?
AGNALDO – Nós tínhamos que ter cinqüenta como ele para salvar a pátria, entende?
ZIRALDO – Achacar é crime?
AGNALDO – Bom, depende. Eu não sei o que é achacar: nunca achaquei…
ZIRALDO – Pô, você não achacou, aí? E o cara não botou o revólver na sua cara e…
AGNALDO – Bom, mas eu não achaquei… Eu fui levar uma carta, bicho. Não, jamais, pelo amor de Deus! Uma vez um cara me convidou pra ser bandido; o nome dele é… Padilha, de Belo Horizonte. Ele disse: “Agnaldo, vamos fazer um assalto?” Eu disse: “Ô, bicho, eu quero ser é famoso. Meu negócio é ser famoso.” Aí ele riu e disse: “Crioulo, você vai morrer de fome”, entende? O negócio é esse.
ZIRALDO – Achacar você é contra?
AGNALDO – Oh, eu não sei o que é achacar, sabe? Me dá um dicionário, o que significa achacar? É tomar?
MILLÔR – Ô, Agnaldo, você está me dando a impressão de uma pessoa bastante realizada, e que o único grilo em sua profissão é a imprensa, é verdade isso?
AGNALDO – Bom, dá licença. Primeiro que, quando eu falo sobre a imprensa, eu não estou falando só sobre Agnaldo Timóteo; estou falando sobre todos os artistas que fazem o nosso gênero. Eu só irei me considerar artisticamente realizado quando eu perceber e conseguir provar a todo mundo que sou realmente um dos melhores cantores de toda a história do Brasil. Só isso. Eu tenho convicção do que estou falando. Desafio a que me apontem outros melhores do que eu.
MILLÔR – O que você acha desse movimento das mulheres por aí dizendo que são oprimidas? Você acha que as mulheres são absolutamente iguais aos homens? Têm todos os direitos dos homens?
AGNALDO – Absolutamente! O homem pode trair a mulher, a mulher não pode trair o homem de jeito nenhum! A mulher tem que cuidar da casa.
MILLÔR – Você acha que a mulher deve trabalhar fora?
AGNALDO – Pode trabalhar fora, mas quando acabar o trabalho, tome jeito, qual é?
JAGUAR – Ah, é? Ré, ré!!!
MILLÔR – O irmão do Agnaldo respondendo…
CÍCERO – Eu acho o seguinte: a mulher pode trabalhar fora, pode negociar, pode procurar toda liberdade. Só que a liberdade dela tem que se restringir ao campo feminino. A mulher nunca pode querer virar homem, que a própria psicologia prova que o homem é mais inteligente. A mulher atualmente quer provar que é tão capaz quanto o homem. Ela nunca vai conseguir isso, pois a natureza já fez a mulher mais burra do que o homem. Ela tem que ser comandada pelo homem.
MILLÔR – Quer dizer que você acha que a educação que a mulher tem tido sempre no Brasil – e a posição que ela tem – é a que ela deve ter de qualquer maneira.
AGNALDO – Não, não entendi por que a “educação que ela tem tido sempre no Brasil”, por que isso?
MILLÔR – O sistema de educação, a posição que ela tem…
AGNALDO – Lógico que ela tem que ter a sua liberdade, mas tem que ser tudo comedido. Inclusive, a mulher tem perdido um terreno enorme com a falta de pudor. A mulher não tem percebido que os costureiros, habilidosamente, a cada dia que passa, despem-na de uma maneira mais agressiva. E quanto mais despidas elas estejam, menos conceito para o homem elas terão. É por isso que o terceiro sexo está botando pra quebrar, bicho, entende? Hoje em dia tem muita gente que não aprova uma mulher. Por que, o que que é o belo? O belo é exatamente a curiosidade, na minha concepção. Quer dizer, eu acho lindo uma mulher passar com uma calça comprida e eu ficar imaginando o que ela tem por dentro daquela roupa. Agora, elas vêm pra praia completamente despidas. Então, o que eu vou querer mais numa mulher que está despida? Por mim elas podem andar todas peladas, entende? Acho que elas estão perdendo terreno. Elas são burras. Não estão vendo que os costureiros, que são todos bonecas, estão acabando com a mulher…
MILLÔR – Você não admitiria a hipótese de amanhã você casar e ela mandar em você; ela ir trabalhar e você ficar em casa?
AGNALDO – Como é que é o negócio?
MILLÔR – Não é o que elas querem?
AGNALDO – Não é o que estou dizendo? Eu fico em casa, elas vão pra rua! Naturalmente vão ficar com outro, bicho! A mulher não é legal, não. Eu acho, aliás, falar de mulher é um perigo, porque elas podem ficar bravas e não comprar meu disco. Mas eu acho o seguinte: as mulheres não podem, de maneira alguma, ter as mesmas liberdades que tem o homem.
JAGUAR – Então, você é contra a mulher casar virgem?
ZIRALDO – Agnaldo, por que você está com 36 anos e nunca se ouviu falar de uma mulher em sua vida?
AGNALDO – Essa pergunta sempre me fazem, sabe? Interessante, só faltam perguntar pra mim se sou boneca. Eu acho que o artista não tem necessidade de casar cedo. E não tem que ficar mostrando as mulheres pra todo mundo.
ZIRALDO – Você nunca transou com uma, já?
AGNALDO – Já, e até tenho uma filha com uma.
ZIRALDO – Ah, você tem uma filha, Agnaldo Timóteo?!?!?! Onde está essa filha?
AGNALDO – Está escondida.
ZIRALDO – Como ela se chama?
AGNALDO – Elizabete.
ZIRALDO – Onde ela mora?
AGNALDO – Não sei.
JAGUAR – Quantos anos tem?
AGNALDO – Quatro. Fez quatro anos agora.
ZIRALDO – Você sustenta essa filha?
AGNALDO – Eu dou uma notinha pra mãe todo mês!
ZIRALDO – Você visita essa filha? Curte a menina?
AGNALDO – Não, ela vem aqui na minha casa. A gente bate papo, mas ela se dá melhor com a mãe.
ZIRALDO – Ela sabe que você é o pai dela?
AGNALDO – Sim, ela me trata de papai.
ZIRALDO – E parece com você, Agnaldo?
AGNALDO – Bastante.
ZIRALDO – Ah, é? Não podia fotografar essa menina, não?
AGNALDO – De jeito nenhum.
ZIRALDO – Por quê?
AGNALDO – Porque não quero.
MILLÔR – Você falou que respeita as fãs e tudo isso. Você usa calças justas porque tem pernas bonitas; isso não é uma provocação?
AGNALDO – É uma provocação, mas tudo que é difícil é muito melhor, não? Eu tenho certeza que muitas das minhas fãs gostariam de fazer sexo comigo. Mas eu prefiro que elas queiram… Eu recebo cartas de mulheres me cantando. Se eu fosse fazer sexo com cada fã, eu vou futuramente arranjar problemas pra mim. Eu prefiro fazer com gente estranha.
MILLÔR – Qual é o tipo de penetração que você tem num público classe A; o público de estudante?
AGNALDO – O estudante brasileiro está bitolado. Ele está viciado. E como atualmente quem manda no Brasil é a música americana, o negócio deles é música americana. E pra poder dizer que eles também gostam de coisa brasileira, eles dizem que gostam do Caetano, mas é tudo mentira. Eles gostam mesmo é de música importada.
JAGUAR – Você diz que a imprensa em geral ignora você. Agora, eu acho que você paga na mesma moeda. Você, por exemplo, sabe quem é Millôr Fernandes?
AGNALDO – Bom, eu sei porque eu vejo o seu trabalho como jornalista. Agora, pessoalmente, eu não o conhecia.
JAGUAR – Não, mas eu não sou o Millôr Fernandes!
AGNALDO – Não???????
ZIRALDO – Quem é o Millôr Fernandes?
AGNALDO – O Millôr Fernandes não está aqui, não!!!
(risadas gerais)
JAGUAR – Você lê O Pasquim?
AGNALDO – Não leio, tenho uma bronca de vocês terrível, porque vocês são muito sofisticados, mascarados, convencidos…
MILLÔR – Você está achando alguém convencido aqui?
AGNALDO – Aqui, não. Aqui até que tá bacana, mas lá no jornal tá tudo esquisito, sai sofisticado pra caramba!
JAGUAR – O que você acha de Construção?
AGNALDO – O Chico Buarque vive com a patota todinha tomando uísque importado, e se preocupando com os problemas do cara que mora lá na p.q.p., que vem de trem às 5 horas??? Peraí, Jaguar, pelo amor de Deus!
MILLÔR – Você acha que isso é falso sob o ponto de vista social?
AGNALDO – Isso é faturamento, bicho! Como um cara que nunca teve convivência com essa gente escreve se preocupando com essa gente? Qual foi o show de benemerência que o Chico fez?
ZIRALDO – Adianta alguma coisa?
AGNALDO – Benemerência em prol dos doentes, de pessoas… Pelo menos ajuda, bicho. Roberto cansou de fazer. Outro dia eu fui em Curupaiti cantar pros doentes, bicho. Quero saber quando o Chico Buarque foi no Curupaiti cantar pros doentes, pra levar alegria praquela gente, bicho. Agora, eu sou um cara que convivi e convivo com todo mundo. Como um cara que só convive com bacana pode fazer uma música sobre um f.?
JAGUAR – O resultado da letra não foi bom?
AGNALDO – Por quê? Foi sucesso onde? Negócio de Chico Buarque, bicho, se escreve muito, se roda pouco e não vende nada. É uma m.!
ZIRALDO – Você que anda de trem, por que não faz músicas sobre esses caras, sobre os problemas deles?
AGNALDO – Eu acho que devia ser proibido isso, minha gente. Existe alguma maneira de se consertar esses problemas no Brasil e no mundo inteiro? Onde? Você quer me dizer qual é o país que não tem o rico e o pobre?
ZIRALDO – Você acha que deve deixar como está?
AGNALDO – Eu conheci o Brasil de antes da revolução. Eu te pergunto uma coisa: alguém pode negar o progresso do Brasil após a revolução? Pelo menos em matéria de estrada, e tudo o mais; eu conheço o Brasil de hoje e sei. Se existem coisas pra gente fazer restrições a gente faz interiormente, porque não adianta fazer publicamente.
MILLÔR – Quando você ficou famoso a revolução já estava instalada?
AGNALDO – Eu venci mesmo foi em 1966/67. Então, o Chico tem aquele negócio do trem. Negócio do cara levantar às 6 horas, pegar o trem, tal e tal. Minha Nossa Senhora! No Rio de Janeiro, onde todo mundo é alegre, não adianta, o operário vai ser operário sempre; o operário, no domingo, vai ao Maracanã. Quando pode. Quando não pode vai à praia, e quando não vai à praia, passeia. Por que eu ainda vou tentar levar tristeza pra ele numa música? Por que eu vou tentar botar na cabeça desse cara uma revolta, por quê? Se eu devo pelo menos tentar transformar aquilo numa alegria.
ZIRALDO – Em alegria ou tentar enganar ele?
AGNALDO – O operário tem consciência da sua situação. O operário será sempre operário. Isso é um problema do mundo inteiro, não é problema do Brasil. O operário jamais deixará de ser operário.
CÍCERO – A única razão do progresso do mundo é exatamente essa diferença de poder financeiro. Porque, se eu não for inferior ao senhor financeiramente, eu não lutaria para ser igual ao senhor. Quer dizer, a diferença do mundo é que faz o progresso do mundo. Se todo o mundo fosse igual, eu não trabalhava porque eu tinha um carro igual ao seu, uma casa igual à sua…
ZIRALDO – O que é isso?!!!
“Tenho uma bronca de vocês terrível, porque são muito sofisticados, mascarados, convencidos…”
CÍCERO – Tranqüilo, malandro, tranqüilo. O que provoca o progresso do mundo é a desigualdade. Porque, se eu tivesse o mesmo poder aquisitivo do que o seu eu não trabalharia, ninguém trabalharia. Eu só trabalho porque eu preciso progredir.
AGNALDO – Ele pensa que você é milionário, Ziraldo. O Ziraldo não é milionário, não, porque senão ele não iria trabalhar n’O Pasquim, que paga mal paca. Agora é o seguinte: Ziraldo, pelo menos eu era muito mais feliz quando era torneiro-mecânico do que hoje, que sou cantor. Eu tenho automóvel importado, tenho casa no Rio de Janeiro, e tudo o mais. Eu era muito mais feliz.
ZIRALDO – Você deu uma gargalhada de quase meia hora aí quando se falou que o Chico vende 100 mil discos…
AGNALDO – Isso é gozação.
ZIRALDO – Mas você fica exaltadíssimo quando se elogia o Chico?
AGNALDO – Porque ele e o Caetano são o modelo da hipocrisia da imprensa escrita.
GLAUCO OLIVEIRA – Bom, Agnaldo, a gente chega à seguinte conclusão: você fatura em cima do sentimentalismo das pessoas, e o Chico Buarque fatura em cima da miséria. É isso?
AGNALDO – Eu não gravo problemas dos outros, eu gravo música romântica, entende? O Chico Buarque fala que o cara trabalha, que levanta às 6 horas… Eu não vou nessa: meu negócio é romântico, eu gravo é negócio de amor, entendeu?
ZIRALDO – Por que você fala em romance se seu negócio é dinheiro, Agnaldo?
AGNALDO – Não faz isso, pelo amor de Deus! Já vem você com a sua malícia. Eu gravo amor, a minha casa, os verdes da minha terra, mamãe estou tão feliz etc. Agora, o Chico grava problemas de operário, que o operário levanta… Pelo amor de Deus! O que adianta falar isso?
GLAUCO OLIVEIRA – E o amor pra comer, como fica?
AGNALDO – Eu não ouvi contar história de gente que morre no Brasil, desde que trabalha, por falta de comida. Lógico que morrem os mendigos, porque chegam a uma condição tão precária, tão miserável – e isto existe no mundo inteiro – que não tem nem condições de pedir. Aí pode morrer.
ZIRALDO – Pô, você viveu com o operário, esse negócio todo e não entendeu o problema do operário até hoje, Agnaldo! Que coisa fantástica!
AGNALDO – Eu entendo o operário porque eu fui operário dez anos! Agora, nos meus dez anos de operário eu andava limpinho, eu sobrevivia, eu comia todo o dia no almoço e no jantar…
JAGUAR – O que você acha do Tom Jobim?
AGNALDO – Águas de Março é uma m.! Não adianta Hungria, que é uma m.! Tanto que está em 5° lugar com Elis Regina, que é uma tremenda cantora. “É pau / É pedra / É o fim do caminho…” Ele gravou um long-play com Frank Sinatra! Vendeu 5 mil. Não vendeu pra ninguém em lugar nenhum. Agora, se eu gravo Tom Jobim, caramba! O Flávio Cavalcanti chamou Tom Jobim. Chegou lá, pegou o piano, botou um copo de uísque como faz o Chico Buarque (ele não tem peito de encarar o público. É um covarde), cantou mal pra caramba! Desatinou, dividiu palavras, dividiu frases, pintou o sete e levou 40 mil. Sabe o que aconteceu? Deu 5 de Ibope! O Chacrinha traçou ele naquela hora. Por quê? Por que ele é superior ao grande público? Mentira! Não é superior ao grande público. Porque ele não faz as coisas que o público entende. Ele mora no Brasil, se ele é superior vai embora, caramba! Se mora aqui, tem que fazer as coisas pra todo mundo, caramba! É o caso do Roberto Carlos. O Roberto é interpretado por gente de categoria e por gente modesta. “As flores do jardim da nossa casa / Morreram todas de saudades de você / e as rosas que cobriam a nossa estrada / perderam a vontade de viver…”
JULIO HUNGRIA – Mas existe uma grande parcela que gosta do Tom Jobim, como fica?
AGNALDO – Existe essa parcela criada por vocês. O cara então acha bonita. Mas quando chega um cara de fora pergunta: “Ah, o Tom Jobim. O Caetano…” Mentira! Tudo Mentira, porque eu tive lá e vi. Em Nova York sim, porque ele gravou lá um long-play.
ZIRALDO – Mas ele é respeitado lá.
AGNALDO – E por que o long-play que o Frank Sinatra fez com ele não vendeu?
JAGUAR – E João Gilberto, hein?
AGNALDO – O que é que tem o João Gilberto? João Gilberto fez um sucesso na vida dele e sumiu. De que vive o João Gilberto? De cascata e de grupo. Cadê o João Gilberto? Fez sucesso onde nos últimos dez anos? Tudo grupo. Vocês fabricam falsos monstros! É o caso do Tom Jobim!
ZIRALDO – Você não acha ele um gênio, não?
AGNALDO – Gênio por quê? Por que fez Garota de Ipanema?
ZIRALDO – Ele fez a música mais bonita do mundo.
AGNALDO – Hein? Como chama?
ZIRALDO – Wave.
AGNALDO – Por que você falou em inglês? Em português qual é o nome?
ZIRALDO – Chama Wave.
AGNALDO – Poxa, que beleza, hein? Bem brasileiro ele!
JAGUAR – E o Vinicius de Moraes, hein?
AGNALDO – Vinicius de Moraes é um gozador. Taí, entre o Tom Jobim e o Vinicius, eu fico com o Vinicius. Porque o Vinicius é um gozador, não quer saber. Senta num banquinho, cabelos bonitos, aí engana todo mundo, conta história. Porque cantando, pelo amor de Deus! Só pode cantar no banheiro, né, Jaguar?
JAGUAR – E como compositor?
AGNALDO – Como letrista ele é o Adelino Moreira do lado de cá.
JULIO HUNGRIA – Mas você não reconhece nenhum valor no Tom Jobim?
AGNALDO – O Tom Jobim? Lógico que reconheço. Ele é inteligentíssimo. Tanto que ele conseguiu gravar um long-play com Frank Sinatra!
ZIRALDO – Por que ele é bom, né?
AGNALDO – Lógico, ou porque ele é bom, ou porque ele tem alguma infiltração que a gente desconhece.
(ri cinicamente)
JAGUAR – E Sérgio Mendes?
AGNALDO – Sérgio Mendes é um caso à parte. Sérgio Mendes foi prá lá, passou fome, dificuldades, até conseguir descobrir uma coisa que fosse funcional.
JULIO HUNGRIA – O que você acha do Gil?
AGNALDO – O Gil é um crioulo simpático, bacana. Mas também é um tremendo enganador, que as pessoas apontam com um dos caras mais importantes da música brasileira. E ele chega no Maracanãzinho: “Vamos cantar um pouquinho…” Não entendi…
JAGUAR – E o seu conterrâneo, o Milton Nascimento?
AGNALDO – Milton é burro! Milton é burro! Porque um homem que todo mundo escreve que é gênio, que não tem um apartamento próprio, que anda a pé, é burro, burro! Ele teria que conciliar a sua inteligência, a sua capacidade de construção artística, com o seu faturamento.
JAGUAR – Mas ele não tem talento?
AGNALDO – Bom, aquela que fez sucesso no Festival foi muito bonita porque tinha uma assimilação popular. Depois quando ele partiu para o nível sofisticado, depois que ele se misturou com gente de nível superior, sifu. Essa é que é a verdade.
Nos dias de hoje, eu jamais cometeria uma grosseria envolvendo Caetano Veloso (a quem sequer conhecia) por ser um colega além de talentoso, extremamente simples, como também peço perdão a uma das minhas paixões no meio artístico, que é a maravilhosa Maria Alcina.
Com relação a Chico Buarque, Milton Nascimento e Tom Jobim, a história desses personagens está acima de uma análise ignorante e preconceituosa de décadas atrás.
Agnaldo Timóteo
(Agosto de 2008)
foi editado em janeiro de 2009.
Miolo impresso sobre papel offset 90g e capa em
cartão triplex 250g, na Ediouro Gráfica, Rio de Janeiro, RJ.