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WALDICK SORIANO

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EDIÇÃO N° 155 – 20 a 26/06/1972

Quem deu a pista para encontrar Waldick Soriano foi dona Beki Klabin. “Telefona pra Tasca, na Ilha do Governador.” Falei com o homem, marcamos para a noite seguinte. Chegamos em três carros (todas as secretárias d’O Pasquim fizeram questão de conhecer a fera em seu habitat). A Tasca não era o botequim da pesada que eu esperava encontrar. É um restaurante sofisticado, com ar-condicionado, na praia da Freguesia. Logo em seguida parou um Impala vermelho e desceu um cara muito parecido com o Jece Valadão, acompanhado de dois amigos e de um repórter da Veja, Maurício. Fui falar com Waldick, ele me ofereceu cachaça de uma garrafinha de cerâmica escrita “Whisky”. “É da minha terra, do sítio do Marcolino. É de cabeça.” Provei. A pinga era ótima mesmo. Quando viu a máquina de Joubert, resolveu apanhar o chapéu em casa (mora a 300 metros da Tasca). Meia hora depois começou a entrevista, sentado perto do toalete de senhoras. Cada vez que entrava uma mulher, Waldick saudava com um “boa noite” seguido de um olhar de mormaço. Aparentemente tem uma autoconfiança indestrutível. Quando fica animado, dá um grito de guerra de índio americano em filme de bangue-bangue italiano.

Jaguar

Brasileiro é igual a macaco, papagaio. Só imita, né? Eu sou um brasileiro diferente, apesar de ter pouca cultura, faço questão de falar bem a nossa língua

WALDICK SORIANO – Antes de tudo, boa noite a todos. (ao notar que não está dando entrevista em rádio) Boa noite de araque. Vocês chegaram aqui e me encontraram sem chapéu, que é a coisa mais difícil. Sem chapéu, sem óculos, sem terno e gravata, nem sapato social. Eu faço questão de me trajar bem. Eu me visto melhor que todos os outros cantores. Aliás, eu gosto. Então o pessoal d’O Pasquim me pediu para buscar o chapéu. Fui em casa apanhar o chapéu e lá o pessoal estava assistindo ao programa do Moacyr Franco. Depois surgiu lá um cavalo, era o Waldick Soriano, de óculos escuros, chapéu preto e cantando Paixão de um Homem. O cavalo parece comigo mesmo, entende? Mas o que eu acho mais bacana é que eles me tacham de cavalo, de cachorro e não sei o quê; depois o próprio Moacyr Franco me apresenta no programa dele como o Frank Sinatra, cantando em inglês. Eu cantando em inglês sou um grande sapateiro, entende? Mas eu fiz uma baderna tão grande que todo mundo pensou que era inglês mesmo. Brasileiro não entende nada de inglês mesmo. Brasileiro é igual a macaco, papagaio. Só imita, né? Eu sou um brasileiro diferente, eu gosto de falar bem o português, a nossa língua, entende? Apesar de ter pouca cultura, faço questão de falar bem a nossa língua.

JAGUAR – O Zé Fernandes tem bronca de você?

WALDICK – Zé Fernandes é um cascateiro que não tem tamanho. O Zé… sabe um negócio? O Zé é mais bacana, porque o Zé já combina com a gente direitinho, né?

IVAN LESSA – Tudo combinado antes, né, Waldick?

WALDICK – Claro, tudo combinadinho, entendeu? Quando termina a gente vai tomar uísque na primeira esquina.

JAGUAR – Olhaqui, você é baiano mesmo, ou é onda da oposição?

WALDICK – Não, eu sou baiano. Sou baiano com muita honra, sou do interior da Bahia, de Caiteté, no alto sertão da Bahia; são setecentos e tantos quilômetros da capital, mais para o lado de Minas, tanto que o meu sotaque é mais mineiro, né? Eu acho que sou baiano por acaso. Minha mãe é mineira, e eu nasci no barranco de Bahia com Minas, e muita gente pensa que eu sou pernambucano ou gaúcho, entende?

JAGUAR – Qual é a sua transa aí com os novos baianos?

WALDICK – Que novo?

JAGUAR – Gal, Caetano, Gil, Bethânia. Afinal de contas são todos baianos, vocês se entendem?

WALDICK – São meus amigos, são meus admiradores também. Se bem que eu não gosto da música do Gil, nem do Caetano, nem da Gal, nem da Bethânia e de ninguém. Eu não gosto desse gênero de música, pra mim não diz nada.

JAGUAR – Eles gostam da sua música e você… Pô, é safanagem.

WALDICK – Meu filho, como gente é bacana demais, entende? Como artista, pra mim não é. Fim de papo.

LUIZ LOBO – Por falar em gênero, quem criou o seu gênero?

WALDICK – Eu. Aliás, eu não, eu venho de uma transa muito grande, entende? Ninguém criou gênero nenhum. O Caetano Veloso já vem de um gênero americano misturado com afro e aquelas coisas, entendeu? Nós vivemos copiando as coisas; o Roberto Carlos também vem daquele estilo americano de rock e coisa e tal, agora ele está apelando, querendo ser um Waldick Soriano, cantando dor-de-cotovelo. Porque o que vende mesmo é dor-decotovelo. O cara que for cantar essas besteiras aí morre de fome, e o Roberto Carlos não é trouxa não, viu? Ele é inteligente, não é besta. O Waldick Soriano, por exemplo – vou meter o pau nele agora –, é um cara que não é trouxa também. Ele não criou nada, ele apenas fez uma transa entre Bienvenido Granda, Anísio Silva, Nelson Gonçalves, Orlando Dias e outros mais, entende? Vicente Celestino, Orlando Silva e todo esse meio aí. A única diferença que há é que a minha maneira de cantar é diferente da deles. Eu não criei nada.

JAGUAR – Esses que você citou agora são suas influências?

WALDICK – São sim. Eu, quando morava na minha terra, trabalhava nos garimpos, nos caminhões, na roça, amansando burro bravo, o diabo a quatro. Eu sempre fui acordeonista, sanfoneiro. Ganhei muito dinheiro tocando sanfona, viu? Toco bem pra cachorro. Então, naquele tempo os grandes sucessos no Brasil eram Nelson Gonçalves, Orlando Dias, Anísio Silva, Cauby Peixoto, esse pessoal. Eu só ouvia no rádio esses caras. Então, todo fulano que tinha vontade de vencer como cantor procurava imitar aquilo que estava fazendo sucesso.

LUIZ LOBO – Quando eu falo em gênero, eu falo no chapéu, no terno e tal.

WALDICK – Ah, bom! Você quer dizer característica, imagem?

LUIZ LOBO – Isso.

WALDICK – A imagem quem criou fui eu.

LUIZ LOBO – Tirado de onde?

WALDICK – Olha, é outro negócio, a gente vive imitando os outros. Na minha terra, numa ocasião, assisti a um filme chamado Durango Kid, onde ele se trajava de preto, roupa preta, chapéu preto e tal, tinha um cavalo alazão de cara branca, me lembro muito bem; gamei pelo Durango Kid. Mandei arranjar um cavalo alazão de cara branca; meu pai tinha uma lojinha e eu mandei fazer duas roupas de gabardine – aquele gabardine ruim –, camisa e calça azul-marinho, e comprei o chapéu preto, que existe até hoje lá na casa do meu pai, viu? Bem, daí por diante achei bacana sair vestido de caubói. Na minha terra os estudantes, quando eu passava na rua, me vaiavam; até que um dia eu meti o cavalo em cima deles e acabou a baderna.

JAGUAR – Essa sua roupa faturava as meninas lá?

WALDICK – Eu vou te falar uma coisa: desde a minha terra que eu dou sorte com mulher, viu?

RISETH – Ô, Waldick, eu quero saber a respeito do Waldir Floriano, porque ele diz que você o imita na maneira de vestir e no gênero de cantar. Então, eu quero saber se foi você que começou, ou ele?

WALDICK– Olha, eu achei o Waldir Floriano um moço muito humilde, muito bacana, ele falou comigo: “Olha, Waldick, eu estou imitando você porque eu preciso, entende? A única pessoa que achei pra imitar foi você. Além de sempre ter sido seu fã, sempre fui seu admirador, sempre cantei suas músicas e eu só sei fazer o seu gênero.” Achei ele muito bacana, muito humilde, viu? E é um tremendo cara-de-pau. Ele sabe que é ruim.

LUIZ LOBO – Você disse aí que sempre deu sorte com mulher: você deu sorte ou batalha?

WALDICK – Olha, meu amigo, com mulher a gente sempre tem batalha, viu? Vou te contar: é a maior guerra do mundo.

JAGUAR – Estou com uma lista de pessoas que me mandaram perguntas porque não puderam vir.

WALDICK – Não puderam ou não tiveram coragem?

JAGUAR – Bem… uma coisa ou outra. Ou as duas.

WALDICK– Enfrentar a Fera da Ilha. Ah! Ah! Ah! (dá um grito imitando índio de filme americano) … iiiiii. Estou gostando dessa medalha aqui. (exibe o medalhão do Sig que ganhou pouco antes)

MIGUEL PAIVA – Escuta, o que você acha da psicanálise? Quer dizer, como é que está a sua cuca?

WALDICK – Sou dos homens mais sãos do Brasil, viu? Sei onde piso!

LUIZ LOBO – É verdade que teu santo de fé é São Jorge?

WALDICK – Que São Jorge? São Jorge pra mim não existe; se existisse São Jorge ele teria barrado os astronautas na Lua.

JAGUAR – Quando faz declarações de tamanha importância você não se preocupa com o seu eleitorado? O pessoal pode ficar chateado.

WALDICK – Que nada. Inclusive vocês da imprensa não sabem disso, e precisam saber: eu sou o único cantor do Brasil que ajuda o governo a alfabetizar o povo, entende?

JAGUAR – Olha que não é!

WALDICK – Sou sim. Em todos os meus shows eu chamo a atenção inclusive dos casais, viu? Explico ao povo… eu gosto de bater papo no palco, entende? Explico a situação que pode trazer, as conseqüências que podem vir à vida conjugal. Isso cantor nenhum faz. Todo cantor quer ganhar nota e fim de papo. Chega lá e – (cantarola) nhe, nhe, nhe – e ganha dinheiro, entendeu? Esse que é o negócio.

IVAN LESSA – O que é esse negócio de preparar para a vida conjugal?

WALDICK – O conselho que eu dou é para os rapazes e as moças tomarem vergonha na cara e deixar de querer apanhar todo mundo. É aquele negócio: tem muita gente que casa por necessidade, viu? Por necessidade sexual, por necessidade financeira ou posição.

JAGUAR – Quer dizer que você é contra o amor livre?

WALDICK – Não, não sou contra não, não, senhor.

JAGUAR – Qual é o seu esquema?

WALDICK – (trombudo) Você está me achando com cara de retrógrado?

JAGUAR – Não, pô.

WALDICK – Escuta, eu, Eurípedes Waldick Soriano, sou contra o casamento. Essa lei de casamento que nós temos no Brasil só favorece a mulher. O homem não tem direito a nada, viu? A Justiça não sabe o que se passa dentro de uma casa, viu? Não sabe. Não sabe se você vive bem com a esposa, se ela lhe trata bem ou lhe trata mal! Eu acho que ninguém é obrigado a viver ao lado de uma pessoa e ser maltratado, entende? Mas a Justiça não quer saber… É aquele negócio: tem que provar, tem que provar. Provar o quê?

(entra um senhor de terno e gravata e fica postado na frente da nossa mesa, ouvindo as declarações de Waldick com um ar de grande preocupação)

WALDICK – Olha, aí vem chegando o meu advogado. Esse pessoal aqui é d’O Pasquim. Aqui é o Dr. Dirceu, meu advogado, que sempre me acompanha em todas as minhas coisas. Quando eu estou no Rio de Janeiro, todas as noites ele está comigo aqui.

JAGUAR – Aliás, é o primeiro entrevistado nosso que traz advogado.

(risadas gerais)

WALDICK – Ah! É aquele negócio, viu? Muita gente me tacha de cavalo, disso e aquilo, como o Moacyr Franco, né? Mas eu sou o único cantor que anda com advogado.

LUIZ LOBO – Mas voltando aos conselhos: eu ouvi uma entrevista da sua senhora na televisão em que ela disse que no começo da vida sofreu muito na tua mão…

WALDICK – Da minha senhora?

LUIZ LOBO – Foi em sua casa e você estava presente.

WALDICK – Eu acho que ela não falou isso, acho que não. Você deve estar enganado.

LUIZ LOBO – O que ela falou, então?

WALDICK – Eu sou capaz de ir na minha casa agora com você e perguntar a ela, com o mesmo gravador aqui: se ela disser que sofreu muito na minha mão, eu saio de casa hoje.

JAGUAR – (consternado) Nós não estamos aqui a fim de destruir o seu casamento, pelo amor de Deus.

WALDICK – Não, se amanhã ou depois eu me separar da minha esposa, inclusive eu posso dizer, não é por culpa minha não, viu? Porque sempre fui bom esposo, bom amigo. Eu sei tratar uma mulher. Porque uma boa mulher merece um carinho especial, entende? Agora, quando a mulher não corresponde, também não merece, não, entende? Porque os direitos são iguais. Se ela disse isso, só se foi no momento em que eu estava em outro lugar.

LUIZ LOBO – Ela não disse que você tratava mal. Sofreu na sua mão por causa do sucesso que você fazia com as outras mulheres.

WALDICK– Ah! Isso são outros quinhentos.

(alívio geral)

JAGUAR – Você é a favor do amor livre, quer dizer, aquele negócio: o cara é casado em casa e fora de casa o que cai na rede é peixe?

WALDICK – Eu tenho a minha esposa e tenho outra família. Eu tenho duas famílias, porque eu tenho filho de um lado e filho de outro. Eu não vou desprezar a mulher que tenho do lado de cá pela esposa, porque filho é uma coisa muito sublime. E além de tudo tem uma coisa: a de cá me trata muito bem; a de lá também, entendeu? Quer dizer: eu sou homem livre. Nós somos livres. Aquele negócio provinciano (emposta a voz): não, o homem casado e tal. Isso já era, entende?

(todos fingem que entendem)

RISETH – Waldick, conta a lenda que você em cada cidade tem um filho. Eu quero saber quantos filhos você tem ao todo?

WALDICK – Minha filha, eu sou homem. Homem! É uma coisa muito bacana e vou dizer agora: nenhuma esposa deve pensar que o marido fora de casa vai ser fiel a ela, entendeu? O homem sempre tem necessidade de procurar outra mulher. E se a outra mulher fica grávida, o homem não é culpado, entende? Nós somos assim: um servindo ao outro.

(faz que não nota os sinais aflitos do advogado)

RISETH – Mas, você deixa vir o filho e se responsabiliza por ele?

WALDICK – Eu tenho três filhos: um casal de gêmeos de uma mulher que viveu comigo, e uma filha de uma outra mulher que viveu comigo. Me separei delas e tomei os filhos. São os filhos que eu mais amo na minha vida, entende? Agora eu não posso apanhar todos porque não sei se são meus.

RISETH – Se você tivesse um filho com a Beki Klabin você iria dar o seu nome, iria se responsabilizar por ele?

WALDICK – Bom, a Beki é uma mulher rica, ela poderia criar o filho, entende? Mas se ela deixasse eu tomaria, porque todo filho meu, se a mãe deixar, eu tomo. Trago tudo pra minha casa. Filho meu tem que ser criado comigo.

JAGUAR – Você vai acabar abrindo uma creche.

WALDICK – (ignorando o aparte) Irmãos juntos aos irmãos. Para não criar drama, aquele complexo de amanhã ou depois: “Aquele lá é seu irmão”, entendeu? “Será que é? Mas como é meu irmão, meu pai? Eu não conheço ele?” Então irmãos tem que ser criados juntos pra se entenderem, para criar amor uns aos outros…

(a essa altura o advogado está na maior depressão)

ALBINO PINHEIRO – E mais não disse porque o advogado não deixou.

JAGUAR – Nós estamos aqui entrevistando o Waldick, e agora você diz isso que deixou todo mundo grilado. (para o advogado) Qual é o maior problema da vida do Waldick Soriano?

ADVOGADO – (evasivo) Só ele sabe.

WALDICK – É outro departamento. Ô, coroa, que onda é essa?… (riso enigmático)

JAGUAR – (formal) Afinal de contas, eu sou jornalista, estou aí pra informar.

ODILLO LICETTI – Sei que sua mãe morreu quando você tinha 12 anos. Você quase nunca fala nela. Por quê? Fala muito no seu pai. Sua mãe cantava? Tocava sanfona? Entendia sua vontade de ser cantor, ou com 12 anos você ainda não pensava na coisa?

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WALDICK – Minha mãe era a minha cara. Você me vendo, vê a minha mãe. Minha mãe tocava acordeão, era uma grande violinista, uma grande musicista, viu? Tocava requinta – naquele tempo usava muito requinta –, clarinete, saxofone. Era uma mulher muito inteligente, inteligentíssima, uma senhora dona de casa, viu? Cozinhava muito bem, fazia todo tipo de doces, biscoitos etc. E eu não gosto de falar na minha mãe porque ela não existe mais. A maior tristeza que eu tenho na minha vida, a maior paixão, é ter perdido a minha mãe, uma irmã, e a minha primeira esposa. Então, depois que a gente perde aquilo que a gente ama, que a gente gosta, a gente deve procurar esquecer. Nunca deve estar batendo na mesma tecla. Deve procurar outras coisas. Eu estou aqui de passagem como nós todos estamos…

JAGUAR – No bar? Não, na vida.

WALDICK – … Temos que procurar esquecer o passado. O passado nos traz muita amargura, entende? Não sou só eu não, todos nós. Então eu prefiro esquecer o passado, não tomar conhecimento, e olhar só pra frente, entende?

JAGUAR – Vai dar bolero.

WALDICK – … Então eu falo no meu pai que está vivo. No dia em que ele morrer eu não falo mais.

ODILLO LICETTI – Sua primeira mulher morreu dois meses depois do casamento. Conta como foi que você a conheceu. Foi amor grande, morreu como?

WALDICK – É bacana essa pergunta. Essa é a pergunta que eu gostei mais, porque eu quero que vocês botem no jornal em letras garrafais a minha resposta dessa pergunta, para exemplo de muitas pessoas frustradas que existem por aí. Conheci minha primeira esposa numa boate, em Belém do Pará, mas ela era baiana. Era uma mulher de vida livre, prostituta. Gostei dela e acabamos nos apaixonando um pelo outro e tal. Vivemos juntos uns tempos. Depois um dia cheguei na casa do meu irmão lá na Bahia – levei ela lá pra eles se conhecerem. Interior você conhece muito bem, né? Aquele negócio de amigado não dá pé? Entende? E meu irmão disse: “Essa é a mulher que você gosta?” Eu falei: “É.” “Por que você não casa?” Eu falei: “Ô, rapaz, esse negócio de casamento não dá pé não, sabe?” Ele disse: “Não, você deve casar, porque…” Meu irmão é maçom, aquele negócio, né? Aí eu falei: “Olha, só se você for lá no cartório e ajeitar tudo; trazer o pessoal aqui em casa. Aí eu caso.” Aí ele disse: “É pra já.” Eu sei que foi na véspera de São João. Trouxe todo mundo em casa, terminou me casando. Foi um casamento muito bonito. Meu pai ao lado, meu irmão, minha família. Ela era adorada pela minha família. Depois de dois meses e cinco dias de casada ela morreu.

JAGUAR – Morreu de quê?

WALDICK – De uma operação que ela fez no esôfago, entende? Foi a mulher que eu mais amei.

ODILLO LICETTI – Ouvi dizer que para gravar seu primeiro disco você teve que vender seu acordeão. É verdade?

WALDICK – Há um engano aí. Não foi para gravar o primeiro disco. Pela primeira vez na história do mundo artístico aconteceu um fato comigo: o homem sair da vida rústica como eu saí, dos garimpos…

JAGUAR – Você era garimpeiro? Você falou de várias coisas…

WALDICK – Garimpeiro, chofer de caminhão, peão… já fui de tudo na vida. Da vida do interior eu entendo tudo, entende? Eu tinha uma sanfona. Essa sanfona foi comprada quando eu trabalhava para meu irmão, nos garimpos, e ganhava cinco contos por mês. Foi em 1957. Trabalhei seis meses pra comprar a sanfona. Numa ocasião, meu irmão veio ao Rio de Janeiro trazer um caminhão de pedra. Então eu pedi a ele para trazer uma sanfona pra mim, uma oitenta baixos, preta, bonita. Sempre gostei da cor preta. Aí ele me trouxe a sanfona, e custou 18 contos no Rio de Janeiro. Aí eu fiquei lá no garimpo tocando a minha sanfona e tal. Depois eu pensei uma coisa: ficar sofrendo aqui nos garimpos e ganhar cinco contos por mês, sem ver uma mulher, sem ter uma vida civilizada, poxa! Eu não nasci praquilo.

JAGUAR – Como é que você resolvia a sua vida sexual no garimpo?

WALDICK – Ah! Você já imaginou, né? (dá uma cutucada no Jaguar) Hein?

JAGUAR – Não, não…

WALDICK – Não o quê, rapaz. Você também já passou por essa…

(risadas gerais)

JAGUAR – Eu!? Eu nunca estive num garimpo, rapaz. Eu sempre morei em Ipanema, no meio do mulherio.

WALDICK – Você sempre viveu rico?

JAGUAR – Sempre.

WALDICK – Ah! Então você não entende da vida.

JAGUAR – Mas conta aí pros leitores, rapaz.

WALDICK – Já respondi, rapaz. Aquele negócio, aquela apelação, entende? Eu no garimpo nunca me esqueço que um dia me levaram uma revista contando a vida da Ângela Maria. Ângela Maria era nova, boa pra diabo!

IVAN LESSA – Que mulatona, hein?

WALDICK – Êta revista, que raiva!

IVAN LESSA – Escorregou a mão.

(risadas gerais)

WALDICK – Mas é isso rapaz. O homem que vive no garimpo não tem mulher. O homem tem sempre aquela necessidade de extravasar a vida sexual, certo? Entendeu? Se não tem mulher apela pra qualquer troço.

(Riseth pede licença pra dar um telefonema. Levantase, e Waldick a acompanha com o olhar de expert)

WALDICK – Mulher boa pra diabo!

JAGUAR – Segura o homem aí. Pô, Waldick, continua.

WALDICK – (mais calmo) Então eu vivia aquela vida lá, entende? Voltando à pergunta do Odillo. Aí eu disse: “Vou vender minha sanfona por 15 contos”, e comprei uns terninhos de linho. Naquele tempo quem tinha terno de linho era gente boa, né? Comprei uns S-120. Um branco, um marrom, um azul-marinho, viu? Três terninhos, eu não podia comprar mais, o que você quer? Comprei uns óculos Rayban, daqueles reibanzinhavre, conhece?

JAGUAR – (mentindo descaradamente) Conheço.

WALDICK – É aquele que você bota, suou um pouquinho, você tira e fica o sinal verde aqui no olho, entende? Aí você tem que arranjar um caco de prato, quebrar e fazer aquele pó, passar nele e aí vira ouro de novo, né? Aí me mandei para Vitória da Conquista num caminhão, entende? Meu irmão falou: “Você é vagabundo mesmo, não quer trabalhar e coisa e tal.” Aí eu disse: “Fica aí com teu garimpo, até logo.” Meu pai me deu uma esculhambação. Fui pra São Paulo. Quando vim pra São Paulo ainda não estava construída a Rio-Bahia, viu? Estavam começando a construir. Sofrimento desgraçado para chegar em São Paulo. Cheguei em São Paulo, desci na estação do norte, no meio daqueles candangos, sujo pra diabo. Olhei pra lá, pra cá. Aí arranjei uma pensão, tomei um banho, ajeitei e tal. No outro dia, eu fui numa tal de Rádio Record de São Paulo. Falei com o filho-da-mãe do porteiro – pra mim já foi um troço muito bacana falar com o porteiro da Record. Eu falei assim: “Escuta, aqui é a Rádio Record?” “É, sim. O que o senhor quer?” “Eu queria uma vaga de cantor, será que tem aqui?” “Vaga? Olha lá na parede.” Estava escrito: nosso cast está completo. Eu sabia lá o que era cast? Eu falei: “Completo quer dizer que está cheio, né?” Também não perguntei pra ele o que era cast, nem o que não era, né?

ALBINO PINHEIRO – Em que ano foi isso Waldick?

WALDICK – Em 1959. Então eu disse muito obrigado e tal. Eu com um violão do lado e uns cadernos de música, entende? Uns óculos Rayban, uma calça frouxa, um paletó comprido. Ele pensou logo, é caipira né? “Olha, você vai lá na Rádio Piratini que lá você pode ajeitar.” A Rádio Piratini só tinha programa de caipira, entende? Eu fui lá. Cheguei e fui bem recebido pelo porteiro…

(risadas gerais)

WALDICK – Aí eu gostei, gostei. “Você canta o quê?” “Eu canto tango, bolero, samba-canção, samba.” Ele falou: “Não. Aqui só tem programa de caipira, negócio de moda de viola.” Aí é que eu fui lembrar que aquele filho-da-mãe, da Record, me tachou mal, né? Então o porteiro da Piratini disse: “Olha, você vai na Rádio Nacional que lá tem um programa de calouros. Lá você pode se ajeitar.” “Tá certo. Onde é que fica a Rádio Nacional?” E pra acertar essas rádios era duro, viu? Lá na minha terra eu sempre ouvia falar que na capital, quando a gente quer ir num lugar, a gente pergunta aos guardas, né? Os guardas passavam apertados comigo. E pra chegar no guarda era duro, entendeu? Aí eu cheguei e fui na Rádio Nacional. Chegando lá encontrei com o Hélio de Araújo. O Hélio de Araújo era diretor artístico da Rádio Nacional. Eu tive uma sorte. Quando eu fui chegando ele foi entrando. Eu conversei com o porteiro. E o porteiro disse: “É esse aí.” Aí eu disse: “Seu Hélio, eu cheguei da Bahia.” Da Bahia eu só conhecia mesmo a minha terra, viu? De vatapá e caruru eu não conhecia nada, porque na minha terra não existia essas coisas. Na Bahia só tem vatapá, caruru, na capital. Lá no sertão é carne-de-sol, é maxixe, entendeu? Comida bacana. Vatapá e caruru é comida de trouxa, entende? É comida pra turista, entende? Aí ele chegou e disse: “Mas rapaz, lá na Bahia tem umas comidas bacanas.” Eu que sabia, né? Vatapá, caruru, Praia de Itapoã, Amaralina, essa estava aqui na cuca, entende? “Se o senhor for a Amaralina, o senhor vai gostar da Bahia, viu?” “E o elevador Lacerda?” Eu disse: “É muito alto?” Eu disse: “Ah!!!” O cara me perguntou sobre a cidade baixa e cidade alta. Eu falei: “É uma cidade em cima e outra embaixo, sabe? O senhor vai ficar maravilhado, viu? Lá de cima do senhor enxerga pra diabo, né?” Aí ele me perguntou mil coisas, eu sempre, patati, patatá. Aqui nessa moringa (aponta para a cabeça) é fogo, né? Compreendeu? Eu não ia passar por trouxa, entende? Eu não conhecia nada fora do garimpo, viu?

JAGUAR – Por falar nisso, você achou muita coisa no garimpo?

WALDICK – Muito. Na minha terra dá pedra pra diabo; nós tiramos caminhões de pedras, entende? Só tinha que eu era empregado.

JAGUAR – Você ficou rico?

WALDICK – Eu era empregado, meu filho, peraí…

JAGUAR – Mas não dava pra… (faz o gesto de meter a mão no dinheiro).

WALDICK – Não, não dava. Eu trabalhava pro meu irmão. Depois uma coisa: garimpeiro é honesto pra diabo, entende?

JAGUAR – Quer dizer: é trouxa?

WALDICK – Não, não é trouxa. Trouxa é aquele que rouba, poxa. Porque sempre cai nas garras da Justiça, né?

JAGUAR – É o que dizem as folhas.

WALDICK – Bem, voltando ao começo de minha carreira. O Hélio de Araújo acreditou em mim. Me apresentou na Chantecler, ao diretor da rádio, e ele também acreditou em mim; e me contratou de cara. Hoje é fácil. Hoje é só ter o cabelinho comprido, usar uma calcinha apertada, não sei como, e tatatal. E já grava. Mas naquele tempo, era fogo, né?

JAGUAR – O que você cantou pra impressionar o cara?

WALDICK – Eu cantei: “Hoje que a noite está calma / e que minha alma esperava por ti / apareceste afinal / torturando este ser que te adora / volta…” Conhece esta música? Não? Você não conhece nada! Você conhece esta: “Mas se quisestes / voltar pra mim / ainda te quero”, entendeu? Muitas outras músicas, entendeu?

JAGUAR – Aí o cara – pá – sentiu o drama.

WALDICK – Aí o cara falou: “O cara é bom.” Ele acreditou em mim, e aconteceu. Estou aí. Mas ainda tenho saudades dos garimpos. Tenho saudades das revistas que eu olhava, entende? (mais um grito de guerra)

JAGUAR – Você não pratica a mesma coisa até hoje?

WALDICK – Olha eu vou te falar uma coisa: quando eu estou fora de casa, num lugar muito difícil, viu? Quando eu estou tomando banho, assim… Eu me lembro dos garimpeiros.

(risadas gerais)

ODILLO LICETTI – Na casa de Beki Klabin você me disse um dia que já teve tantas decepções com mulheres, com amigos, que hoje qualquer tristeza o diverte. Me explica este troço melhor?

WALDICK – Eu acho que eu estou muito certo. Eu já sofri muito em minha vida, viu? Eu já vi que a vida é uma constância de conseqüências de vários gêneros, entende? Hoje você está alegre, amanhã você está triste. Você acerta daqui, erra de lá, entende? Já me acostumei, entende? Tudo pra mim tá bacana.

RISETH – (voltando) Eu fui atender ao telefone de Beki. A Beki mandou um recado para o Jaguar: ela quer a fita dessa entrevista do Waldick pra guardar como recordação.

JAGUAR – Outras perguntas sobre Beki, eu gostaria que você fizesse.

RISETH – Está ok. Ela mandou te perguntar se ela representa algo mais na sua vida, ou é apenas uma promoção?

WALDICK – Ela representa muito na minha vida. Sabe que quando eu estou chateado eu vou pra casa da Beki? Ela dá apoio a gente, entende? Dá apoio moral, o tal de apoio espiritual que vocês falam, porque pra mim não é apoio espiritual. Pra mim é coração, entende? Coração não, esse negócio de coração não funciona. Coração é uma válvula. É a moringa, entende? Apoio moringal.

JAGUAR – Qual é a bebida que você bebe com a Beki?

WALDICK – Olha, quando a Beki está comigo, ela faz aquilo que eu quero, entende? Nós bebemos vinhos bons, porque de vinho eu entendo pra diabo.

JAGUAR – Como é que você entende de vinho pra diabo se você é baiano? Baiano entende de vinho?

WALDICK – Mas eu sou um baiano diferente, né? Eu não nasci do coco. Eu nasci fora do coco, entende? Vocês falam aqui no sul que os baianos nasceram dentro do coco. Eu sou um tipo de homem diferente de muitos homens que nasceram na Bahia, certo? Eu sei comer bem, bebo bem, eu sei escolher as boas mulheres, entende? As ruins também vão no prato, entendeu? Eu canso de falar todo o dia: a mulher por muito ruim que ela seja sempre merece ter a consideração de um homem.

JAGUAR – Dostoiévski também dizia o mesmo.

RISETH – Eu concordo que você entenda de vinho, mas eu acho que você não entende de mulher. Porque a Beki anda reclamando que você bebe muito vinho e depois apaga.

WALDICK – Bem. Sabe por que eu bebo muito e depois durmo? É porque às vezes eu estou com insônia e gosto de tomar os meus vinhos pra ter sono. Eu sou um homem que trabalha muito, entende? Eu não tenho máquina publicitária atrás de mim. Se vocês me procuram é porque sou alguém. Eu sou notícia. E essa notícia não é forçada, entende? E se eu bebo vinho é porque eu gosto de beber vinho. Mas quando a Beki precisa de mim eu estou aí também. Eu sou pé de mesa.

LUIZ LOBO – Você já compôs?

WALDICK – Oitenta por cento das músicas que eu canto são minhas. Mostrei há poucos instantes as músicas que cantei para o diretor da Chantecler, quando iniciei. Eu tenho, por exemplo: Paixão de um Homem: “Amigo / por favor leva esta carta.”

LUIZ LOBO – Letra e música?

WALDICK – Letra e música são minhas. Tem Leva Esse Chapéu Contigo. É minha e do meu grande amigo, o desembargador do Superior Tribunal da Justiça do Distrito Federal, Dr. Milton Sebastião Barbosa, conhecido como compositor com o nome Cid Magalhães. Tenho agora: “Eu também existo / eu também sou gente / eu mereço encontrar um alguém para amar.” Tenho agora, minha e do major Tito Mendes: “O amor que eu tenho em casa / não é verdadeiro / eu não sei mais o que faço / com este amor primeiro / eu não sou compreendido / sou amante / sou amigo / sou bom pai / bom marido / não mereço este castigo / Meu amor não sabe / que o meu coração / não tem mais espaço para tanta ingratidão / se o meu amor de casa / me desse alegria / o meu amor da rua / não existiria…” Essa é uma frase linda, viu?

ALBINO PINHEIRO – Você é bom de briga, Waldick?

WALDICK – Demais. Faço questão… Eu não sou igual a esses caras que falam que são bons de briga e no final não brigam nada. Eu sou bom de briga pra chuchu. Mas eu não brigo, não. Eu não procuro briga, só brigo na hora exata.

ALBINO PINHEIRO – Você tem curso, ou é na base da força?

WALDICK – Não, eu não acredito em curso. Todo cara que tiver curso de briga, não vem brigar comigo que entra bem!

JAGUAR – Você é ateu?

WALDICK – Olha, você quer saber uma definição de Deus? Esse Deus que vocês acreditam?

JAGUAR – Eu não acredito em Deus.

WALDICK – Você é igual a mim. Já sei, nós já batemos papo lá fora. Escuta, vê se você é como eu. Eu li muito a Bíblia, a história sagrada, essas fajutagens que existe por aí. Li demais. Nos garimpos eu vivia com o dicionário debaixo do braço, uma bíblia e uma história sagrada. Eu não achei nada. Só achei bacana o livro da Ângela Maria e o dicionário de português, entende? Porque a única coisa que encontrei na vida de Emmanuel Jesus Cristo é que ele era um homem muito peitudo, muito trouxa. Pobre, se meteu na vida de rico, e sifu. Ele quis implantar um regime que o povo não aceitou. Agora existem milhares de pessoas por aí, italianos, romanos etc. explorando o nome desse homem.

CRISTINA – Você acha que as pessoas que ficam ricas de repente é que são bacanas? E ficar rico usando a apelação de mau gosto por que não tem mais nada melhor para apresentar?

WALDICK – Olha, ficar rico é bacana de qualquer maneira. Minha filha, o que vale em cima desta terra é bufunfa, tutu, grana, entende? Em qualquer parte do mundo, minha filha, quem não tem dinheiro nem existe, entende? Eu só dou valor às pessoas pobres… as únicas pessoas pobres que eu dou valor são as mulheres. A mulher quanto mais pobre é mais gostosa, entende? Agora eu acho que você me fez uma pergunta muito bonita, viu? Muito bonita. Eu acho que as pessoas que trabalham, que lutam para ficar ricas, para adquirir alguma coisa, são mais bacanas.

JAGUAR – Tem um Impala vermelho que é chamado O Jatão da Sadia, né?

WALDICK – É, e tem mais um Oldsmobile aí pra quebrar o galho, entende? Chamado Branca de Neve. E tem mais um em Recife, uma Variant. (o advogado faz sinais aflitos para Waldick calar) Quem mais paga Imposto de Renda aí sou eu, não tem problema, não. Só este ano já entrei pagando 24 milhões de Imposto de Renda só pelo contrato da RCA Victor, de 300 milhões. Paguei muito satisfeito pro governo.

JAGUAR – Bom, e aquela segunda parte da pergunta, ficar rico usando apelação de mau gosto porque não tem nada melhor para apresentar.

WALDICK – Ela deve ser uma mulher meio frustrada, meio frustrada não, toda frustrada, porque tá cheio de mulheres aí atrás de mim, mulheres boas pra diabo, entende? Eu vou responder categoricamente: acho que tenho mais para dar ao povo do que ela, porque…

JAGUAR – Será que tem mesmo?

WALDICK – Tenho, tenho… porque dentro da malícia eu tenho também.

LUIZ LOBO – Qual é o número do seu sapato?

WALDICK – Quarenta e três. Por outro lado, viu? Se eu tenho o público que tenho é por que eu sou bom, certo? É porque eu tenho algo para dar. Esse negócio da imprensa dizer que eu canto para um público subdesenvolvido não tá com nada. No Brasil não existe mais público subdesenvolvido, aliás não existe em lugar nenhum. A música que toca o coração atinge toda a humanidade.

CRISTINA – Que xampu você usa? Quantas vezes por semana você lava o cabelo?

WALDICK – Eu gostei dessa pergunta aí. Porque tem uns filhos de uma égua dizendo que uso goma no cabelo. (tira o chapéu) Meu cabelo é isso aí, é cabelo de negro, entendeu? Sou descendente de sírios. Deve ser sírio com crioulo. Então sabe o que acontece? Primeira coisa que faço quando levanto é tomar banho e lavar o cabelo. E tem mais. Enquanto os metidos a bacana usam desodorante nos pés, eu uso perfume do bom. É Caron etc. Quer dizer: um vidro de perfume para mim dura uns três dias. (pra Riseth) Quer cheirar? Riririririiii (novo grito de guerra). Eu acho que a gente deve usar perfume no corpo todo, entendeu? Eu me lavo de perfume.

JAGUAR – Como a Brigitte Bardot.

RISETH – Waldick, eu fiquei muito surpresa quando o Caram me levou um chapéu seu com a seguinte dedicatória: “À Riseth, com muito carinho, um beijão, Waldick Soriano.” Eu fiquei surpresa, porque você não me conhecia. Você costuma dar essas dedicatórias tão amorosas assim pra quem você não conhece?

WALDICK – A todas as mulheres. O homem com estima, mulher com um beijo, com todo o meu carinho, com toda a minha ternura etc.

RISETH – Obrigada pelo beijo.

WALDICK – Não gostei porque o beijo foi só dentro do chapéu.

JAGUAR – Por falar em beijo na Beki, conta a história dessa fotografia maravilhosa, em cores deslumbrantes em O Cruzeiro, conta? Foi no começo ou no fim da noite?

WALDICK – Foi apelação de O Cruzeiro. O Cruzeiro estava na peinha, sabe o que é na peinha? Não estava vendendo, estava a perigo, entendeu? E aproveitou a situação e fez isso aí. As fotografias que foram tiradas para serem publicadas não saíram. Essas fotografias nós fizemos quando já tínhamos terminado a reportagem. Estávamos todos brincando, entendeu? Esse diretor de O Cruzeiro deve ser um grande f. da p. Eu não preciso estar bajulando diretor de revista nenhuma. Nós precisamos da imprensa, mas não de tal maneira, entendeu? Inclusive ficou feio para O Cruzeiro, entendeu? Porque nunca mais eles vão ter uma oportunidade minha. Porque O Cruzeiro pra mim não está dizendo nada. Um dia um cara chegou pra mim e disse: “Ô, cara, você saiu na capa da O Cruzeiro!” Poxa, pra mim não está dizendo nada. Eu prefiro sair nas revistas mais vendidas. Prefiro sair n’O Pasquim que vende um milhão.

JAGUAR – (engasgando com a pinga) Em quantos meses?

WALDICK – Então você está por fora; você que está lá dentro está por fora! Porque eu estou por fora e estou sabendo. Tem um milhão de leitores.

JAGUAR – Então tá legal.

WALDICK – Eu vou lá na redação d’O Pasquim, e vou falar que o Jaguar esculhambou O Pasquim, viu?

JAGUAR – Eu sou o diretor.

WALDICK – Então você é um diretor muito f. da p. Eu estou divulgando O Pasquim e você está esculhambando!

CAULOS – Conta pra gente como é que foi aquela história no programa do Sílvio Santos: o concurso dos imitadores do Waldick Soriano. Você participou e tirou em segundo lugar. O que houve? É verdade esse troço?

WALDICK – É verdade; mas aquilo foi tudo cascata do Sílvio Santos, entende? Tem que fazer essas coisas pra agradar o público, né? E o Sílvio Santos, como é um cara inteligente, faz isso. E eu, como não sou trouxa, aceitei.

VILMA – Nunca encontrei um disco seu em casa de pessoas conhecidas minhas. Nunca vi uma criança ou jovem vidrado em você. Toda criança que eu conheço é fã de Chico, Roberto Carlos, Caetano. Qual é a faixa etária de pessoas que formam seu maior número de fãs?

WALDICK – Ela deve ser uma das frustradas também, entendeu? Não sabe nem fazer pergunta. A pergunta dela fica sem resposta. Vai apenas à p.q.p.

VILMA – A vida pra você é um “vai de valsa”, como me deu a entender nas poucas vezes que eu o vi na TV? Você acredita que o seu sucesso coincidiu com a importância, ou melhor, o prestígio que a cafonice passou a ter na TV nesses últimos tempos?

WALDICK – Acontece uma coisa, eu sou sucesso há muitos anos. Sou sucesso em todo Norte e Nordeste do Brasil, que é um público maravilhoso, um público que tem prestigiado Roberto Carlos, Chico Buarque de Hollanda, Tom, Vinicius, todo mundo, entendeu? Gosta da boa música. Para mim o público que tem gostado mais da boa música é o público do Norte e Nordeste do Brasil. Inclusive o povo que pode mais comprar discos. Porque só compra long-play, não compra compacto, viu? Só tem gente pobre aqui no Sul, entende? Então sabe o que acontece: se eu vendo discos há muito tempo, então eu sou bom mesmo.

RISETH – Waldick, achei uma tremenda curtição aquele sarro que você tirou em cima do público grãfino do Flag. O que você achou daquela noite? Você particularmente, porque eu acho que os grãfinos foram pra te gozar e quem gozou foi você, né?

WALDICK – Eu achei bacana aquela noitada, tanto aqui no Flag do Rio como no Flag em São Paulo. Achei bacana. Todo cantor aí tem medo de cantar para alta sociedade, né? E eu, como não tenho medo de nada, eu fui, entende? Eu fui porque eu sou peitudo, eu sou tão rico como os caras que estão na alta sociedade. Tem muita gente aí que não tem grana no bolso e se mete de soçaite. Disso eu sei, disso eu entendo pra cachorro. Mas é um público bacana, entende? Depende de você, do artista saber levar o público. Mas eu sou artista pra qualquer público. E gostei demais, é um público maravilhoso, me respeitou demais. Inclusive me fez sentir tranqüilo, entende?

RISETH – A Dodora, Dodora, você não deve se lembrar, foi a menininha que te beijou, que você agarrou, a Beki inclusive estava na mesa roendo unhas; e o cara acompanhando a Dodora estava com uma cara horrorosa olhando pra você…

WALDICK – Olha, sabe que eu gamei pela Dodora? Ela é boa pra cachorro.

RISETH – Você não encontrou mais com ela?

WALDICK – Não, o meu mal foi esse. Não encontrei. O dia que eu encontrar com ela vai ser aquela amarração, viu? Inclusive ela ficou de me dar o endereço tal e tal. Não deu. Mas que ela é boa é, viu? É muito mulher, muito feminina, gostei dela porque ela não é frustrada. Ela veio mesmo e me agarrou e nós nos agarramos; só faltou…

JAGUAR – (cortando a empolgação) Escuta aqui, Waldick Soriano. Você é um cara casado, né? Essa entrevista vai sair publicada no jornal…

WALDICK – Já falei que sou um cara casado em casa, entende? Sou casado em casa. Saio fora de casa e na rua ninguém tem nada com a minha vida. Pago imposto, sou um cidadão brasileiro que ajuda o governo e faz o Brasil crescer. E o negócio é ajudar o presidente a povoar o Amazonas.

CAULOS – Você poderia viver dos seus rendimentos agora sem cantar?

WALDICK – Posso. Aliás eu já estou de saco cheio dessa vida de artista, viu? Ontem mesmo eu telefonei para o meu amigo, que é desembargador lá em Brasília, para arranjar um sítio lá pra comprar, entende? Pra ir embora daqui que eu já estou de saco cheio. Criar galinha, vaca, e ficar lá sossegado, chutando pra todo mundo.

JAGUAR – Tá legal. Você acha que as mulheres tem o mesmo direito que os homens?

WALDICK – Em que ponto?

JAGUAR – Em todos os pontos.

WALDICK – Em todos os pontos não pode, entende? Pra começar a mulher é fêmea. A fêmea é comandada pelo macho, entende? Isso vem desde o princípio, você pode observar até os animais. Num casal de passarinhos o macho manda na fêmea, a vaca teme o boi, é assim…

JAGUAR – A aranha fêmea mata o aranho macho.

WALDICK – Isso é lenda, isso é lenda.

JAGUAR – Lenda é o cacete.

WALDICK – É porque os cientistas falam muitas besteiras também. Sabe o que é? É porque a aranha tem uma índole diferente, o aranho macho dura pouco; ele morre e a aranha devora ele como devora uma mosca ou outro animal qualquer, entendeu? Tem muito cientista burro falando besteira por aí. Por exemplo, esse papo furado que os governos vivem gastando dinheiro por aí na descoberta da cura do câncer. Câncer não existe, é conversa pra boi dormir. (pasmo geral)

JAGUAR – Como não existe?

WALDICK – São mil doenças que existem por aí que eles tacham de câncer. O cara tem um tumor no miolo, na cuca, na moringa, uma espinha, como nós falamos, e eles dizem que é câncer etc. O ser humano é sujeito a tanto troço…

JAGUAR – Tá fugindo à pergunta. A mulher tem os mesmo direitos que o homem ou não?

WALDICK – Não tem, nunca deve ter. Mulher deve ser sempre subalterna ao homem, entende?

CAULOS – Waldick, você fala com muita segurança sobre muitos assuntos, inclusive científicos. Qual é a sua educação formal, ou você se considera um autodidata completo?

WALDICK – Eu fiz apenas o quarto ano primário, entende? Na marra. Trabalhando sem muito tempo de estudar. Fiz o quarto ano primário, mas como eu já disse a vocês, no garimpo eu estudava muito, sempre estudei, não perdia tempo, lia demais. E, por outro lado, acho que é um dom que eu tenho, sei lá.

CAULOS – Quais são os seus autores prediletos?

WALDICK – Autores? De quê?

JAGUAR – Livros.

WALDICK – Ah, negócio de Ruy Barbosa, Castro Alves, não é comigo não. Ler esses troços não é comigo, não. Eu lia muito Dicionário da Língua Portuguesa, Aritmética, Geografia, História do Brasil. Isto eu lia pra cachorro.

ALBINO PINHEIRO – A Bíblia também?

WALDICK – Ah, isso eu debulhei, lá em casa tem mil livros que eu comprei só pra enfeitar minha casa. Eu tenho lá tempo de ler? Eu sou catedrático dentro daquilo que eu procurei fazer.

ALBINO PINHEIRO – Você se julga um homem inteligente? E se você se julga um homem inteligente, o que você acha que é inteligência?

WALDICK – Eu me julgo inteligente. Inteligência é dom, não se adquire não.

OLGA SAVARY – Você se acha um cara legal, ou você faz o gênero cafona propositadamente para faturar?

WALDICK – Eu declaro assim: sou gamado em mim. Eu gosto de olhar no espelho, me acho bacana pra chuchu.

JAGUAR – Cumé que foi a sua infância?

WALDICK – Minha infância foi bacana. Tenho um pai que sempre me criou com muito carinho. Até 11 anos de idade meu pai me trazia no colo. Eu fui muito mimado. Uma coisa que eu quero que vocês entendam: eu não sou filho-da-mãe, não. Sou filho de gente boa.

ARTHUR REZENDE (de Goiânia) – É verdade que você já foi candidato a deputado estadual?

WALDICK – Já, no Pará. Cheguei a aceitar e até a dar entrevistas. Mas desisti. É que eu não topo política, nada de política, vamos trabalhar.

ZIRALDO – Que você acha do Tom Jobim?

WALDICK – Não tem comentário, não. É um p. compositor que não tem mais tamanho. Faz músicas lindas.

JAGUAR – O que você acha dos hippies?

WALDICK – Se eu fosse o Presidente da República já tinha mandado baixar o pau em todos eles. E nos bandidos também. Eu sou, fique sabendo, a favor do esquadrão da morte.

JAGUAR – Que é isso, rapaz?

WALDICK – Sou, sim. A coisa mais pavorosa que pode acontecer é a gente estar sentado aqui e chegar a notícia que alguém assaltou nossa casa, seqüestrou nossos filhos e badernou com a nossa esposa. Eu mato, eu estraçalho, entende? Eu tenho armas na minha casa.

JAGUAR – O que isso tem a ver com os hippies, pô?

WALDICKHippie é vagabundo, é marginal!

JAGUAR – Você tá de porre? Onde já se viu uma besteira dessas?

WALDICKHippie é marginal, é maconheiro, é safado. Eu sou contra. Tem uma praça na Bahia que o governador transformou em Praça dos Namorados, tem sempre uma radiopatrulha garantindo o namoro na tal praça.

JAGUAR – Você é contra isso?

WALDICK – Sou contra essa baderna. Um dia desses eu li um troço que dizia que o ato sexual devia ser liberado em praça pública. Você, que acha? (vira-se para Riseth) Isso nos tornaria iguais aos animais. Aquilo ali na praça é uma estação de princípio do começo de devassidão. (depois dessa frase, enche o copo e toma outra talagada) Lá na praça você não encontra raparigas. Lá você encontra estudantes. Olha aí (ainda para Riseth), se você tivesse uma filha você acha que ela teria necessidade de badernar ali na praça (com o dedo em riste) Vocês vivem num mundo de devassidão, de pouca vergonha. (olha acusadoramente para toda a patota d’O Pasquim) Se eu fosse Presidente da República eu acabava com todas essas safadezas de vocês.

(protestos gerais de inocência de todos os lados)

WALDICK – (implacável) Quer badernar? Tem tanto hotel por aí. Precisa badernar na praça pública? Falta dinheiro? É o tal negócio, ninguém quer dureza, não; todo mundo só quer bacanais, ninguém quer acordar cedo pra trabalhar. Vocês da imprensa são burros pra cachorro, não sabem ver isso.

MAURÍCIO (da revista Veja) – Como é aquela história em que você ia a bailes onde dançava homem com homem?

WALDICK – Eu trabalhava nos garimpos, em cima de uma serra, onde passei dois anos e oito meses sem ver mulher. Eu tinha 25 anos, já pensou? Era só na imaginação. Eu dormia numa cama de vara, que chamam de tarimba, o colchão era de palha de coco, palmeira, o travesseiro era um cepo de pau. Quantas vezes a gente tava dormindo, passava cobra no centro do rancho. Já aconteceu, quando eu acordava às cinco da manhã, dar de cara com onça bem na frente da porta do rancho. Bom, um dia ouvimos foguetes. Pegamos umas garrafas de pinga e fomos bebendo pelo meio do mato. Descemos a serra, atravessamos uma roça, aí ouvimos uma sanfoninha. Depois de andar umas três léguas, chegamos no rancho onde tinha festa. Logo eu comecei a largar o pau na sanfona. Aí eu só via homem chamando homem pra dançar. E olha que tinha mulher. Aquelas mulheres bem criadas do interior, cada batata de perna que vou te contar. Eu pensei que fosse brincadeira dos caras, né? Aí a latada, que é aquela coberta de palha de coqueiro que eles fazem em frente da casa, encheu de gente. Só dava homem dançando com homem. Toquei, toquei, toquei, mas tocar pra homem dançar não é mole não, né? Aí me virei pro Lili, um garimpeiro que me acompanhava no pandeiro e disse: “Vamos parar, assim não dá.” Aí eu cheguei pro dono da casa e perguntei se não podia chamar uma garota pra dançar e ele me disse que Deus me livre, que isso era uma desfeita. Eu fiquei muito p. da vida e fui tomar umas cachaças e jogar bozó. Aí eu esculhambei os caras. Onde já se viu! Homem dança é com mulher, pô! Que onda é essa? No fim me mandei, subi a serra p. da vida. Não apanhei ninguém. Essa eu nunca esqueço. Depois me acostumei com aquela vida. Seis meses depois fui a outra festa e acabei dançando com homem também. É um negócio sem malícia, uma exibição dos homens para as mulheres.

JAGUAR – Que nem na Grécia.

LUIZ LOBO – Até agora não falamos de futebol. Qual é o seu time?

WALDICK – Quando vejo futebol na TV sempre torço pelo time que joga melhor. Eu não torço por jogador de futebol. Esse negócio de futebol é pra trouxa, viu?

A mulher de qualquer cor é gostosa. Mas uma crioula é gostosa pra cachorro

ALBINO PINHEIRO – Você já fez alguma viagem ao exterior?

WALDICK – Não. Agora no fim do ano vou para Portugal, Moçambique e Angola, onde sou cartaz. Depois vou pro México. Se me agradar venho buscar a família e vou morar no México, lugar que dá valor ao homem que usa sombreiro. (hablando mexicano) Me gusta mucho um lugar que se respeita hombre e que la mujer é más mujer.

RISETH – Qual é melhor: a Cláudia ou a Beki Klabin?

WALDICK – Eu acho a coisa mais besta do mundo a gente querer esconder as coisas. As duas são boas, as duas corresponderam. Também aqui comigo toda mulher é boa. Aqui (bate no peito) comigo não tem mulher frouxa, não.

ALBINO PINHEIRO – Você falou tanto em mulher, mas só falou de brancas. Não falou de mulatas nem de crioulas. Você não gosta?

WALDICK – A mulher de qualquer cor é gostosa. Mas uma crioula é gostosa pra cachorro. Eu não sei por que toda a crioula é mais quente que qualquer branca. Ô bicho quente fia da mãe! (lança outro grito de guerra. Diz um palavrão ao verificar que a cachaça acabou. E a entrevista também)