Apresentação

O livro Ensino de Ciências e Matemática III: contribuições da pesquisa acadêmica a partir de múltiplas perspectivas, publicado pela Cultura Acadêmica Editora, tem como objetivo comunicar e oferecer ao debate alguns resultados recentes da produção de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP, vinculado à Faculdade de Ciências do Campus de Bauru (SP). Assim, reúne, para acesso de pesquisadores, professores e estudantes, nove relatos oriundos de trabalhos de mestrado, doutorado, pós-doutorado e similares, desenvolvidos no referido Programa e passíveis de contribuir para a discussão e o encaminhamento de uma série de questões atuais do Ensino de ciências.

A preparação deste livro iniciou-se com a chamada e seleção preliminar de propostas que fornecessem os textos para os diversos capítulos.

Fui incumbido de uma parte desse trabalho, e desde logo ficou evidente a variedade de temáticas e abordagens que vinham sendo enfatizadas pelos pesquisadores que enviavam seus relatos para análise.

Um primeiro critério para selecionar o material destinado a integrar o presente volume foi buscar textos cuja abordagem favorecesse discussões de caráter geral, isto é, discussões sobre o ensino escolar e questões sociais e culturais, sobre pesquisa em educação em ciências e sobre metaquestões que se levantam a partir das análises da história e da epistemologia das ciências naturais. Alguns textos se enquadraram melhor nessa ideia e foram então separados, ao passo que textos com outras características foram examinados tendo em vista a composição de um outro volume dessa mesma série, intitulado Ensino de Ciências e Matemática IV. Cabe notar que esse critério de separação foi usado de forma mais ou menos flexível, porque os trabalhos recebidos permitem discussões em direções diversas, e nossa intenção era somente a de favorecer o estabelecimento de relações entre diferentes propostas incluídas, e não a de demarcar rigidamente os campos de debate.

Conforme progrediu a análise dos textos submetidos, ficou claro o interesse que os pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência vinham demonstrando em estabelecer um diálogo com questões prementes do mundo atual. Assim, dentre os temas que eram destacados nos textos apresentados, figuraram os avanços recentes da biologia celular e molecular, a bioética, a visão de mundo da biologia evolutiva, os desafios que a ciência contemporânea coloca para a educação escolar, a inclusão de alunos portadores de deficiências, a formação para a cidadania, a alfabetização científica, a contribuição das abordagens que visam integrar conhecimentos das ciências naturais e conhecimentos das ciências humanas (recorrendo, por exemplo, ao estudo das relações CTSA e a aspectos da História e da Filosofia da Ciência), etc. Pareceu-me então que um vínculo possível para a reunião de alguns desses trabalhos era sua visível preocupação em focalizar discussões atuais que podem ter uma série de consequências para a educação escolar.

Além desse traço de contemporaneidade, o conjunto dos trabalhos submetidos evidenciava a variedade dos enfoques teórico-metodológicos empregados na pesquisa em educação em ciências, através de propostas que focalizaram, por exemplo, a implantação de novas linhas de pesquisa na área, as contribuições de vertentes filosóficas e antropológicas para a pesquisa em ensino, o potencial investigativo de desenhos metodológicos fundamentados na análise do comportamento, as contribuições de teorias cognitivas como subsídios para a pesquisa, o uso da epistemologia da ciência como referencial organizador da análise de dados, etc. Essa diversidade de abordagens e métodos parecia enriquecer a compreensão dos objetos de estudo, pois mostrava diferentes facetas dos mesmos. Assim, um outro viés pelo qual se tornava interessante a reunião de uma parte considerável dos trabalhos recebidos era a possibilidade de estimular a discussão sobre perspectivas da metodologia de pesquisa.

Tendo em vista tais ideias, constituídas ao longo do processo de organização da obra – e que se referiam à proposta de fornecer material propício a discussões de caráter geral, vinculadas a questões atuais e favoráveis ao debate sobre perspectivas da metodologia de pesquisa –, um conjunto de trabalhos foi gradativamente selecionado e sequenciado, originando, para o livro, a estrutura que descrevo a seguir.

O capítulo 1, intitulado “Ensino de Ciências e pós-modernidade: as novas questões propostas pela Genética”, destaca uma série de questões que se levantam para o ensino escolar a partir dos avanços recentes em biologia celular e molecular (Projeto Genoma, clonagem, organismos transgênicos, etc.) e suas implicações para diferentes âmbitos da vida humana, levando em consideração discussões atuais que se travam nos campos da Filosofia, da Sociologia e da Antropologia.

O capítulo 2 está constituído pelo trabalho “Bioética e ensino: o que pensam os alunos do ensino médio sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias?”, no qual a discussão dos avanços recentes da Biologia Celular e Molecular é feita em relação a dados de pesquisa que se mostram interessantes para compreender a formação e o trabalho do professor de Ciências e Biologia.

No capítulo 3, “Ensino de Física e Ciências para alunos com deficiência visual e outras deficiências: processo de implantação de nova linha de pesquisa”, é apresentada e analisada uma série de dados relativos à constituição de uma linha de pesquisa que cresceu e estruturou-se significativamente nos últimos anos e que tem por objetivo compreender e gerar/aperfeiçoar propostas para um ensino de ciências (Física, Biologia, etc.) direcionado a alunos com deficiências de diversas naturezas. O texto mostra, entre outros aspectos, o desenvolvimento de equipes de pesquisadores, questões de estudo e referenciais teóricos que são próprios dessa área.

O capítulo 4, “Possíveis contribuições metodológicas da fenomenologia de Merleau-Ponty às pesquisas em educação em ciências”, envereda por uma interessante discussão das características atuais e perspectivas futuras da metodologia da pesquisa em educação em ciências, recorrendo a fundamentação teórica pertinente buscada no campo da filosofia.

O capítulo 5, intitulado “Os indicadores de alfabetização científica nos anos iniciais do ensino fundamental e o uso da história em quadrinhos como recurso didático em Ciências”, é também de grande interesse para debates sobre metodologia da pesquisa, já que mostra de que forma uma abordagem de investigação estruturada segundo os princípios da análise do comportamento permite o acompanhamento de diferentes aspectos do processo de aprendizagem em ciências nos anos iniciais do ensino fundamental. Esse capítulo também contribui, dentro da proposta do livro, para o debate mais amplo e atual referente ao papel da escola na alfabetização científica dos alunos.

No capítulo 6, “Tensões e possibilidades expressadas por professores de Ciências em exercício sobre a abordagem ciência, tecnologia, sociedade e ambiente”, é feita uma interessante discussão, baseada em dados de pesquisa, a respeito de como os professores de Ciências enxergam e discutem as possibilidades e dificuldades associadas ao trabalho em aula com temas que promovam entre os alunos o conhecimento e o debate das relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.

O capítulo 7, “Concepções de professores de Biologia a respeito da diversidade dos seres vivos: uma análise considerando o desenvolvimento histórico das ideias evolucionistas”, apresenta e discute os resultados de uma investigação que utilizou aportes da epistemologia da Biologia para analisar as manifestações e concepções de um grupo de docentes da escola básica a respeito de vários fenômenos estudados pela Biologia Evolutiva. Nesse processo buscou-se verificar se o pensamento dos professores é estruturado em bases científicas ou apresenta-se mesclado com outras concepções, quer de base religiosa, quer ligadas ao conhecimento cotidiano. Discute-se também até que ponto as visões manifestadas pelos professores poderiam criar obstáculos para o trabalho em aula.

O capítulo 8, intitulado “Formação de novas zonas do perfil epistemológico bachelardiano: alguns resultados de uma pesquisa baseada nas etapas da conscientização e familiarização”, relata uma investigação sobre as contribuições de conteúdos de história da ciência para a construção de conceitos em Física (eletromagnetismo). Estudantes de um curso superior de licenciatura em Física – portanto futuros professores da escola básica – participaram de um curso extracurricular em que foram apresentados e debatidos conteúdos ligados a textos e experimentos históricos na área de eletromagnetismo, e uma análise foi feita da aprendizagem conceitual obtida por esses estudantes, utilizando-se como referências a ideia bachelardiana de perfil epistemológico e algumas categorias da psicanálise.

De modo semelhante, o capítulo 9, “Contribuições de um texto histórico de fonte primária para a aprendizagem significativa da Lei de Coulomb”, também focaliza o uso da história da ciência em atividades de um curso superior de licenciatura em Física, relatando e discutindo uma série de dados de pesquisa originários de programações de ensino em que futuros professores de Física estudaram e debateram textos de fonte primária ligados ao desenvolvimento histórico da Lei de Coulomb. Essa pesquisa foi conduzida a partir de fundamentação proporcionada pela teoria ausubeliana da aprendizagem significativa, buscando verificar se os aportes originários da história da ciência contribuíram para a construção de subsunçores pelos graduandos em Física.

Essa foi a proposta do livro que ora apresentamos ao leitor, e com ele esperamos poder oferecer uma pequena contribuição aos debates e pesquisas sobre educação em ciências.