2 Bioética e ensino: o que pensam os alunos do ensino médio sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias?
Introdução
Realizar um trabalho de divulgação científica não é tarefa das mais fáceis. Durante todo o processo corremos o risco de cometer distorções conceituais ocasionadas por reduções ou simplificações exageradas do conteúdo a ser divulgado. Essa insegurança pode ser minimizada somente após estudarmos muito o assunto. Em adição, diante da grande quantidade de informações disponíveis na área de biotecnologia, que é a temática deste capítulo, a sistematização dos conteúdos em um único trabalho é praticamente impossível. A exposição Ciência e (In)Tolerânciaaqui discutida é uma das ações de divulgação científica do Centro de Divulgação e Memória da Ciência e da Tecnologia (CDMCT), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP, campus de Bauru. Essa exposição foi elaborada a partir de um convite para participarmos do Fórum Diversidade e Igualdade: Cultura, Educação e Mídia, realizado em 2007. Um dos temas do Fórum foi Ciência, Verdade e Diversidade e coube ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da Faculdade de Ciências e ao CDMCT da UNESP – Bauru o desenvolvimento dessa temática. Assim, propusemos a Exposição Ciência e (In)Tolerância, que se tornou itinerante, percorrendo várias escolas de Bauru e região. Tendo em vista o enfoque do Fórum, julgamos pertinente uma discussão sobre a ciência no que diz respeito à diversidade e igualdade. É comum que as pessoas entendam a ciência como verdade absoluta, neutra e isenta de interesses, mas a história nos mostra que muitas vezes a ciência foi utilizada como um instrumento para corroborar ou refutar ideias discriminatórias (Gould, 1999). Por isso a escolha do título Ciência e (In)Tolerância.
Procuramos apresentar na referida exposição algumas informações sobre pesquisas na área de Ciências Biológicas e suscitar discussões éticas sobre suas aplicações. Sob esse aspecto, destacamos o importante papel da divulgação científica no mundo contemporâneo. Entendemos que os cidadãos necessitam de informações consistentes acerca dos avanços científicos para que, democraticamente, possam fazer suas escolhas com responsabilidade, seja no âmbito individual, seja no coletivo.
O conteúdo da exposição abordou três temas, apresentados na forma de painéis estruturados do seguinte modo: Bioética; Raças e Racismo; e Estético-Corporal. A saber:
1. TEMA 1: Bioética
a. Painel sobre fertilização in vitro.
b. Painel sobre células-tronco.
c. Painel sobre Neurociência.
2. TEMA 2: Raças e Racismo6
a. Painel propondo a questão: “Existem raças dentro da espécie humana?”.
b. Painel propondo a questão: “Que critérios são utilizados para separar os indivíduos em grupos distintos?”.
3. TEMA 3: Estético-Corporal
1. Painel sobre padrões de beleza ao longo das décadas.
2. Painel sobre padrão de beleza atual versus oferta de alimentos calóricos.
3. Painel sobre alguns distúrbios alimentares: obesidade mórbida, anorexia e bulimia.
A ideia de divulgar ciência na forma de painéis pareceu-nos um recurso interessante, sobretudo porque eles foram elaborados tendo em vista os jovens de ensino médio (em idade entre 15 a 19 anos). Conforme já mencionado, a exposição percorreu as escolas de Bauru e região. Atualmente, os painéis e o caderno para subsidiar o professor, elaborado por nós, contendo informações sobre os painéis e uma bibliografia sobre os temas, está disponível na página http://www.faac.unesp.br/extensao/forum/exposicao.html. Há uma versão impressa desse caderno que é distribuída gratuitamente aos professores das escolas interessadas na exposição.
No presente capítulo, discutimos apenas o painel correspondente à temática sobre células-tronco, referente ao tema bioética.
Ao tratarmos desse tema, tivemos um triplo desafio. Tendo em vista a constante referência a resultados de pesquisas biotecnológicas pelos meios de comunicação em geral, nosso primeiro desafio é enveredarmos no caminho da divulgação científica. As discussões nessa área são densas, sobretudo quando associadas ao papel desempenhado pela mídia. O segundo é a abordagem da temática células-tronco, a qual envolve não somente a apresentação do conteúdo, mas também as questões bioéticas e legais decorrentes. E, finalmente, o terceiro é relacionarmos a divulgação, biotecnologia, bioética e Ensino de Ciências.
Divulgação científica e mídia
O conceito de difusão científica, de acordo com Bueno (1985), abrange a disseminação científica, isto é, a comunicação de trabalhos, pesquisas ou artigos científicos para especialistas e a divulgação científica, isto é, a comunicação de assuntos científicos para o público em geral. Esta última inclui, entre outras formas, o jornalismo científico, os suplementos infantis, folhetos de extensão rural, campanhas de saúde, documentários, programas especiais de rádio e televisão, entre outros.
Para Destácio (2002, p.94), “divulgação científica, por seu turno, implica a recodificação da linguagem científica, de modo a apresentar a informação com origem na ciência em uma linguagem não especializada, tornando seu conteúdo acessível ao público em geral”. Zamboni (2001, p.81) defendeu a tese de que o discurso da divulgação científica não é apenas uma reformulação discursiva, mas “constitui um gênero de discurso particular no conjunto dos demais discursos das diferentes áreas de funcionamento da linguagem, sujeito, portanto, a condições bastante diversas daquelas que cercam, ao menos, o discurso científico”.
Seja a divulgação científica uma reformulação do discurso científico ou um gênero de discurso particular, as discussões nesse campo passam pela dificuldade de tornar os conhecimentos científicos compreensíveis ao público não especializado, uma vez que o divulgador pode simplificá-los demais a ponto de provocar distorções conceituais, ou ainda apresentar uma visão mistificada da ciência. A jornalista especializada em ciência Alicia Ivanissevich discutiu a conflituosa relação entre cientistas e jornalistas.
Eventuais choques entre mídia e comunidade científica são inevitáveis. Cientistas e jornalistas vivem mundos diferentes, com regras próprias e objetivos díspares. Enquanto a ciência exige um trabalho metódico, de passos lentos, complexos e precisos, o jornalismo em geral pede agilidade, apelo e simplicidade. Os jornalistas querem saber em quarenta segundos e em uma linguagem simples exatamente o que os pesquisadores vêm fazendo, com sua metodologia complexa, há vários anos. (Ivanissevich , 2005, p.15)
O físico e historiador da ciência Roberto de Andrade Martins, em 1998, ao apontar erros históricos e conceituais observados em um livro de divulgação científica, introduziu seu artigo da seguinte forma:
Os autores de livros de divulgação científica são muitas vezes malvistos pela comunidade científica. As obras de divulgação costumam ser acusadas de distorcer a ciência, na tentativa de apresentar algo compreensível a um público mais amplo. Muitas vezes tais distorções ocorrem realmente (e infelizmente). Por outro lado, deve o público ser privado de contato com o desenvolvimento científico? (Martins, 1998, p.243)
A resposta de Martins a essa questão é um enfático não. O problema, segundo ele, é “encontrar quem possa fazer trabalhos de divulgação científica. O ideal (difícil de atingir) é unir uma competência científica à capacidade de escrever de modo simples e interessante, mas não errôneo” (1998, p.243).
Destácio (2002) comentou as questões pendentes e também as recentes na divulgação científica:
as dificuldades de comunicação entre cientistas e jornalistas e a recodificação da mensagem da ciência em um discurso adequado ao público leigo, e também novos temas, especialmente ligados à ética e à responsabilidade do jornalista ou divulgador na transmissão das informações, oriundas, sobretudo dos vertiginosos avanços da Genética e da Informática, entre outros campos do conhecimento científico mais suscetíveis à polêmica. (Destácio, 2002, p.96)
Rotineiramente, novos avanços biotecnológicos são reportados em jornais, revistas, programas de televisão e sites da Internet. Tais meios de comunicação, de acordo com Ivanissevich (2005, p.14), “são o caminho mais imediato e abrangente de intensificar a divulgação científica para o grande público”. Destácio (2002, p.101), ressaltou que “questões éticas afluem na ciência e no noticiário, e o divulgador científico – jornalista ou não – deve assumir cada vez mais um senso de responsabilidade pelo que divulga”.
Bioética – algumas considerações7
O termo bioética foi proposto, em 1970, pelo biólogo e oncologista Van Ressenlaer Potter, no artigo intitulado“Bioética, a ciência da sobrevivência”, em que chamou a atenção para a necessidade de uma nova sabedoria que proporcionasse “conhecimento de como usar o conhecimento”.
Este conceito de sabedoria como um guia para a ação – o conhecimento de como usar conhecimento para o bem social – poderia ser chamado “a ciência da sobrevivência”, certamente o pré-requisito para melhoria na qualidade de vida. [...] A ciência da sobrevivência deve ser mais do que uma ciência sozinha, e então eu proponho o termo bioética para enfatizar os dois mais importantes ingredientes para alcançar a nova sabedoria que é tão desesperadoramente necessária: conhecimento biológico e valores humanos. (Potter, 1970, p.127-8).
As preocupações referentes ao conceito de progresso humano foram primeiramente abordadas por Potter na palestra “Ponte para o futuro, um conceito de progresso humano”, proferida, em 1962, na Universidade Estadual de Dakota do Sul, em que decidiu “questionar o progresso e para onde o avanço materialista da ciência e tecnologia estava levando a cultura ocidental” (1998, p.371). Ao cunhar o termo em 1970, Potter tinha em mente a ideia de bioética como uma ponte entre as Ciências Biológicas e a Ética, que se constituiria em um meio para o futuro (Potter, 1998).
Embora a palavra bioética tenha sido cunhada em 1970, é difícil identificar com precisão quando se iniciaram as discussões em torno do desenvolvimento científico e dos valores humanos, particularmente na área médica, em virtude, por exemplo, da participação de seres humanos em ensaios medicamentosos. Nesse sentido, a ética médica apropriou-se da palavra para definir questões que há tempos eram discutidas pela comunidade. Ressaltamos que, ao restringir o termo à área médica, seu sentido original foi modificado, uma vez que, quando nomeada por Potter, englobava, entre outras, as questões ambientais.
No âmbito da ética médica, a reflexão sobre os acontecimentos ocorridos na primeira metade do século XX, entre eles as experiências com seres humanos realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, teve como consequência a formulação, em 1947, do Código de Nuremberg, que suscitava uma “conscientização sobre os perigos dos progressos da ciência desejados a qualquer custo e sobre a necessidade de um certo enquadramento” (Durand, 2003, p.40). Conforme Bernard,
Convém lembrar que as experiências escandalosas dos médicos hitlerianos, utilizando como animais de laboratórios mulheres, homens, crianças deportadas e prisioneiros, não permitiram um único progresso científico válido. Foram, ao mesmo tempo, bárbaras e absurdas. (Bernard, 1990, p.23)
Leopoldo & Silva (2002), ao comentar o surgimento histórico da bioética, salientou que o Código de Nuremberg foi o primeiro a formular preceitos éticos das práticas científicas, tais como:
consentimento livre do sujeito de pesquisa, redução de riscos e incômodos, possibilidade de o sujeito revogar a qualquer momento sua adesão ao experimento, proporcionalidade de riscos e benefícios, obrigatoriedade de uma fase anterior em que as experiências sejam feitas com animais, etc. (Leopoldo & Silva, 2002, p.40)
Conforme Garrafa (2006, p.130), “a bioética foi criada, pelo menos inicialmente, para defender os indivíduos mais frágeis nas relações entre profissionais de saúde e seus pacientes ou entre empresas/institutos de pesquisa e os cidadãos”. A bioética “estendeu-se, como formulação normativa, da pesquisa terapêutica comum, instituindo-se assim o que se entende hoje como princípios fundamentais da bioética, considerada na sua significação ampla de ética da vida” (Leopoldo e Silva, 2002, p.40). Os quatro princípios básicos8 da bioética são: “autonomia, beneficência, não maledicência e justiça – os quais seriam uma espécie de instrumento simplificado para análise prática dos conflitos que ocorrem no campo bioético” (Garrafa, 2006, p.128).
Nos últimos anos, a universalidade do principialismo em bioética tem, segundo Garrafa (2006), recebido críticas. De acordo com ele, o processo de globalização aumentou os contrastes entre as nações e os preceitos básicos da bioética apresentaram “limitações frente aos macroproblemas coletivos, principalmente sanitários e ambientais, verificados especialmente nos países periféricos do Hemisfério Sul do mundo” (Garrafa, 2006, p.125).
Diante desse quadro, a bioética é considerada um movimento ou uma nova disciplina, que “estuda a ética das mais diferentes situações de vida, ampliando seu campo de influência teórica e prática do exclusivo âmbito biomédico/biotecnológico até o campo ambiental, passando inequivocamente pelo campo da bioética social” (Garrafa, 2006, p.132).
Destacamos que, seja qual for o tema, as reflexões bioéticas assumem um caráter plural, uma vez que envolvem questões legais, éticas, sociais, filosóficas, religiosas e científicas. Haja vista a polêmica instaurada no Brasil por conta do artigo da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105), aprovada em 2005, que autoriza as pesquisas com células-tronco embrionárias humanas, desde que respeitadas as condições preestabelecidas para tal. Uma ação de inconstitucionalidade foi impetrada junto ao Supremo Tribunal Federal; por isso, em 20 de abril de 2007 foi realizada a primeira audiência pública na história dessa instância para debater o artigo 5º da Lei de Biossegurança. Instalaram-se embates, divulgados pela mídia, entre grupos religiosos, cientistas, juristas, jornalistas especializados e membros da população em geral acerca do assunto. Em 29 de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias.
Considerando a importância e os diferentes aspectos envolvidos nas questões bioéticas, as instituições de ensino não podem omitir-se dessas discussões. Lembramos que, atualmente, há uma avalanche de informações científicas disponíveis na Internet, em publicações de livros, em revistas, em jornais, na televisão, no rádio, entre outros. O fácil acesso a elas, no entanto, não garante o conhecimento ao público, uma vez que há divulgações contraditórias e equivocadas, que exigem discernimento para a sua interpretação. Assim, a escola, como uma integrante ativa da sociedade, assume um papel fundamental na “formação de um sujeito que tenha acesso às mais variadas formas de produção do conhecimento, de como transformá-los em tecnologia e de quais são os impactos que eles geram para a sociedade e para o ambiente” (Araujo, Caluzi & Caldeira, 2006).
Biotecnologia e bioética: a polêmica sobre as pesquisas com células-tronco embrionárias
Diversas áreas do conhecimento científico têm se beneficiado dos avanços tecnológicos, em especial as biológicas, possibilitando o diagnóstico e tratamento mais preciso de doenças e o desenvolvimento da biotecnologia, favorecendo os setores da saúde, da indústria e da agricultura. Por outro lado, tais avanços têm suscitado questões importantes acerca de seus impactos na sociedade e no ambiente.
A definição de biotecnologia está associada ao “uso de seres vivos (por exemplo, bactérias e fungos) e seus produtos (enzimas, por exemplo) no processamento de materiais para produção de bens de consumo ou serviços” (Mantell et al., 1994, p.6.). Isso inclui a produção de bebidas alcoólicas, queijos, pães, antibióticos, vacinas, alcoóis combustíveis, pesticidas microbianos, inoculantes de fixação de nitrogênio, perfumarias, corantes, entre outros. O termo biotecnologia é também empregado para as técnicas modernas que envolvem a engenharia genética, tais como a técnica do DNA recombinante e de sequenciamento do DNA. São exemplos da aplicação dessas novas tecnologias: a produção de organismos transgênicos, a inseminação artificial em bovinos, a terapia gênica, as pesquisas com células-tronco, o Projeto Genoma, etc.
As técnicas biotecnológicas que envolvem a manipulação de vida humana, por suas implicações éticas, necessitam de um suporte legal para ser desenvolvidas. Um tema bastante discutido no Brasil e no mundo, atualmente, refere-se ao uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Células-tronco são células capazes de gerar e reconstituir diferentes tecidos (Pranke, 2004). Por isso, estão em desenvolvimento inúmeras pesquisas com o objetivo de recuperar, a partir das células-tronco, tecidos que são danificados por doenças degenerativas e traumas, tais como doenças cardiovasculares, neurodegenerativas (e.g., Alzheimer), diabetes tipo I, acidentes vasculares cerebrais, doenças hematológicas, traumas na medula espinhal, etc. Há dois tipos de células-tronco: embrionárias e adultas.
As células-tronco embrionárias, como o próprio nome diz, referem-se às células que são derivadas do estágio de blastocisto do embrião (embrião com cerca de cem células), são capazes de se dividir rapidamente se diferenciando em centenas de tecidos do corpo humano e apresentam maior plasticidade quando comparadas às células-tronco adultas (Zatz, 2004). Estas, por sua vez, são células que já possuem um estágio de diferenciação, sendo encontradas em diferentes tecidos humanos, por exemplo, epitelial, sanguíneo e germinativo. As células-tronco adultas têm primeiramente a função de contribuir na reconstituição da perda normal de células por envelhecimento ou ferimento. Estão presentes em órgãos adultos, como o cérebro e o pâncreas, que em geral têm uma regeneração celular muito limitada. Elas também podem ser encontradas na medula óssea, fígado, cordão umbilical e placenta.9 Embora tenha sido observado que as células-tronco adultas apresentam maior plasticidade do que inicialmente era conhecido, até agora se sabe que elas podem formar um número limitado de tipos celulares, em contraste as células-tronco embrionárias humanas, que têm o potencial de formar diversos tipos celulares (Odorico et al., 2001).
Segundo Zatz (http://www.ghente.org/temas/celulas-tronco/index.htm), quanto à classificação, as células-tronco podem ser:
Totipotentes: células capazes de diferenciar-se em todos os 216 tecidos que formam o corpo humano, incluindo a placenta e anexos embrionários. As células totipotentes são encontradas nos embriões nas primeiras fases de divisão, isto é, quando o embrião tem até 16-32 células, que corresponde a três ou quatro dias de vida.
Pluripotentes ou multipotentes: células capazes de diferenciar-se em quase todos os tecidos humanos, excluindo a placenta e anexos embrionários, ou seja, a partir de 32-64 células, aproximadamente a partir do quinto dia de vida, fase considerada de blastocisto. As células internas do blastocisto são pluripotentes, enquanto as células da membrana externa destinam-se à produção da placenta e das membranas embrionárias.
Oligotentes: células que se diferenciam em poucos tecidos.
Unipotentes: células que se diferenciam em um único tecido.
Zatz, contudo, salienta: “Constitui um mistério para os cientistas a ordem ou comando que determina no embrião humano que uma célula-tronco pluripotente se diferencie em determinado tecido específico, como fígado, osso, sangue, etc.” (http://www.ghente.org/temas/celulas-tronco/index.htm).
Conforme Schramm (2004, p.7), parece haver um consenso provisório entre os especialistas na distinção das células-tronco em:
(1) Células-tronco multipotentes (multipotent stem cells), extraídas de embriões, fetos, recém-nascidos e até de indivíduos adultos.
(2) Células-tronco pluripotentes (pluripotent stem cells), que podem ser subdivididas em:
(2a) Células-tronco embrionárias (embrionic stem cells), extraídas da massa celular interna (inner cell mass) dos blastocistos antes da implantação no útero.
(2b) Células embrionárias germinais (embryonic germ cells).
Essa distinção parece pertinente, segundo Schramm (2004, p.7), “se é verdadeiro que as células-tronco pluripotentes possuem características não possuídas pelas multipotentes, como aquela de dar origem, a partir de poucas dezenas de células, a centenas de milhões de outras células com as mesmas características e potencialidades”.
As células-tronco para desenvolvimento das pesquisas podem ser obtidas a partir de diferentes fontes, sendo elas:
1. Clonagem terapêutica para obtenção de células embrionárias: basicamente, consiste na produção de embriões humanos a partir da transferência de um núcleo de uma célula somática para um óvulo anucleado. A célula resultante dessa fusão, em condições adequadas, inicia o seu processo de divisão e atinge a fase de blastocisto, que contém células indiferenciadas e pluripotentes, ou seja, células-tronco, as quais serão retiradas para diferenciação in vitro dos tecidos que se intenciona produzir. A clonagem terapêutica abre espaço para perspectivas positivas, já que esses tecidos produzidos em laboratórios podem ser transplantados a fim de reconstituir tecidos degenerados sem risco de rejeição, tendo em vista que o doador das células a serem clonadas pode ser o próprio paciente. Esse procedimento é chamado de transplante autólogo. No entanto, essa técnica possui limitações, pois o paciente com anomalias genéticas não pode servir como doador de células, uma vez que essa anomalia se disseminaria por todas as células oriundas de sua divisão. No caso de usar outra pessoa como doador (transplante heterólogo), o risco está na rejeição, ou seja, é necessário encontrar um doador compatível. No entanto, essa técnica, apesar de promissora, ainda necessita de muitas pesquisas para posterior aperfeiçoamento (Zatz, 2004). Outro ponto a ser destacado refere-se ao fato de que tanto no transplante homólogo com células embrionárias como no transplante heterólogo de corpos embrióides humanos em animais imunossuprimidos não se achou ainda solução para os tumores de caráter embrionário, os teratomas, que surgem em consequência da proliferação e diferenciação anárquica das células embrionárias humanas. Trabalhos como o de Thomson et al. (1998) têm constatado o problema do surgimento de teratomas em linhagens celulares produzidas.
2. Terapia celular com células-tronco oriundas de:
a. Tecidos adultos: existem células-tronco adultas em vários tecidos humanos, tais como medula óssea, sistema nervoso, epitélio e polpa dentária. Entretanto, a quantidade é pequena e não sabemos ainda em que tecidos são capazes de se diferenciar; pesquisas têm mostrado, por exemplo, que células-tronco adultas retiradas da medula óssea de indivíduos com doenças cardíacas foram aptas a reconstituir o músculo do seu coração (Zatz, 2004).
b. Cordão umbilical e placenta:o sangue de cordão umbilical e placentário contém células fetais e é outra fonte de células-tronco. As pesquisas com células-tronco de cordão umbilical não envolvem questões éticas relacionadas à manipulação de embriões, porém há o problema de compatibilidade entre as células-tronco do cordão do doador (bebê) e do receptor (por exemplo, paciente que necessita de transplante de medula óssea). Essa questão foi abordada por Zatz (2004, p.253): será necessário criar, com a maior urgência, bancos de cordão públicos, à semelhança dos bancos de sangue. Isto porque se sabe que, quanto maior o número de amostras de cordão em um banco, maior a chance de se encontrar um compatível.
c. Células reprogramadas: pesquisadores anunciaram a criação de células conhecidas como iPS (do inglês Induced Pluripotent Stem Cell). Esse tipo celular é produzido quando células de um pedaço de tecido humano são induzidas a retornar a um estado mais primitivo, indiferenciado, tão versátil quanto o estágio de células-tronco embrionárias. Vários estudos têm sido conduzidos com células iPS (Stadtefeld et al., 2008, Zhao et al., 2008, Hotta & Ellis, 2008). O Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro anunciou pela primeira vez no Brasil a criação de duas linhagens de células iPS humanas; segundo os pesquisadores da UFRJ, o domínio da técnica de reprogramação celular possibilita ao país a criação de modelos para o estudo de doenças como Parkinson, esquizofrenia, cardiopatias, além de doenças genéticas como síndrome de Down, distrofia muscular, etc. (http://www.anato.ufrj.br/ips). A utilização de células iPS em pesquisas contornam os problemas éticos referentes à utilização de embriões, pois estas são células com características embrionárias humanas obtidas de células reprogramadas de tecidos adultos.
d. Embriões:alternativa para as limitações referentes ao uso de células-tronco adultas, além da utilização de células reprogramadas iPS, é o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, obtidas tanto pela transferência de núcleo como de embriões descartados em clínicas de fertilização (Zatz, 2004). De acordo com Bydlowski et al. (2009, p.46): Estas células-tronco geralmente podem ser mantidas em um estado indiferenciado sem perda do potencial de diferenciação, embora possam desenvolver anormalidades cariotípicas quando mantidas em cultura por longos períodos de tempo.
e. Ainda há outras fontes de células-tronco: as células fetais encontradas no líquido amniótico, que, por serem capazes de se diferenciar em múltiplas linhagens celulares, apresentam grande potencial para ser utilizadas em terapia celular. Conforme Bydlowski et al. (2009, p.46),
a descoberta de células-tronco no líquido amniótico que expressavam Oct-4, um marcador específico de pluripotencialidade, com alta capacidade de proliferação e diferenciação, iniciou um novo campo promissor na área das células-tronco. [...] Não formam tumores in vivo e não levantam os questionamentos éticos associados com as células-tronco embrionárias humanas. Futuras investigações revelarão se as células-tronco do líquido amniótico realmente irão representar um tipo intermediário com vantagens em relação tanto às células-tronco embrionárias quanto às adultas.
Questões éticas estão envolvidas nos debates acerca da utilização das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas, uma vez que isso implicaria a destruição do embrião pré-implantatório. Os pesquisadores alegam que os embriões pré-implantatórios empregados nos estudos seriam aqueles descartados por clínicas especializadas em fertilização in vitro. Sabe-se que, geralmente, para a obtenção de sucesso nos procedimentos de fertilização in vitro, vários embriões pré-implantatórios são produzidos, mas nem todos são implantados no útero da mulher. De acordo com a Lei Brasileira de Biossegurança n. 11.105, de 24 de março de 2005, aqueles embriões não implantados, que foram congelados por no mínimo três anos e são considerados inviáveis,10 desde que os pais autorizem, podem ser utilizados para pesquisas com células-tronco. Diz o artigo 5º:
É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I – sejam embriões inviáveis; ou
II – sejam embriões congelados há três anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. (Brasil, 2005)
A questão-chave sobre a utilização ou não dos embriões pré-implantatórios inviáveis de clínicas de reprodução assistida para pesquisa com células-tronco se encontra na falta de consenso sobre em que momento do desenvolvimento do ser humano o embrião pode ser considerado uma vida. Segundo estudos embriológicos, o início da vida se dá a partir da fecundação. Apesar disso, alguns pesquisadores dizem que o embrião só pode ser considerado uma vida quando ocorre o processo de nidação (quando o embrião adere à parede do útero). Uma terceira corrente afirma que o embrião pode ser considerado uma vida quando se dá o início do desenvolvimento do sistema nervoso, ou seja, do tubo neural, cuja formação ocorre em duas etapas distintas designadas de neurulação11 primária e secundária.
Em relação às pesquisas com células-tronco no Brasil, há uma polaridade de opiniões: de um lado, estão os cientistas otimistas quanto aos futuros resultados das pesquisas com células-tronco embrionárias; do outro, grupos religiosos que acreditam que essas pesquisas são atentados à vida humana. Alguns cientistas partilham dessa opinião e entendem que as pesquisas com células-tronco adultas são mais promissoras, inclusive com resultados já alcançados em humanos, enquanto os estudos com células-tronco embrionárias, além do problema ético, demandariam mais tempo e mais verba para a obtenção de resultados em humanos (Ferreira, 2008).
Diante dessa celeuma, em 20 de abril de 2007, o Supremo Tribunal Federal do Brasil, conforme já mencionado, realizou a primeira audiência pública na sua história para debater o artigo 5º da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105). Isto ocorreu em razão de uma ação do Ministério Público Federal, que apontou o artigo 5º da Lei de Biossegurança como inconstitucional. Durante a votação, realizada no dia 3 de março de 2008, o ministro do Supremo Tribunal Federal pediu vistas ao processo e por isso a decisão sobre o uso das células-tronco embrionárias em pesquisas científicas foi adiada.12
Divulgação científica, biotecnologia e bioética na sala de aula
Com relação ao ambiente escolar, é interessante ressaltar que os professores de Ciências e Biologia dos ensinos fundamental e médio, respectivamente, em geral fazem uso dos textos de divulgação científica, seja no preparo de suas aulas, seja como ferramenta de ensino para ministrar ou complementar determinado conteúdo, costumeiramente relacionado à biotecnologia.
De acordo com Nascimento & Alvetti (2006), os temas contemporâneos estão sendo incorporados nos livros didáticos de Biologia, porém não há necessariamente uma modificação estrutural nos livros. Em geral, os textos sobre assuntos contemporâneos aparecem em “seções especiais, apêndices ou quadros (boxes) no decorrer dos capítulos ou junto das atividades e exercícios” (Nascimento & Alvetti, 2006, p.32). Para eles, essa forma de apresentação dos conteúdos pode evidenciar uma desvalorização dos conhecimentos científicos atuais, uma vez que não há uma sistematização e uma relação destes com os conceitos básicos da área. Outro aspecto destacado pelos autores é a utilização pelos professores, em suas aulas, de textos de divulgação científica publicados em revistas e jornais. Há também uma tendência entre os autores de adaptação dos textos de divulgação para os livros didáticos. Nascimento & Alvetti (2006) ressaltaram que
os textos de divulgação científica são produzidos por jornalistas e/ou cientistas que não têm como foco o ensino formal de ciências uma vez que seu principal objetivo é veicular informações científicas para um público de não especialistas, portanto não apresentando originalmente um caráter didático inerente à prática escolar. Essa característica acaba por destacar o papel que nós professores exercemos quando no momento de seleção, adaptação e introdução dos textos de divulgação científica nas aulas, mediação esta que possui um caráter distinto daquela que é feita pelo professor durante o uso do livro didático. (Nascimento & Alvetti, 2006, p.37)
A transposição didática, conforme Chevallard (1991), está relacionada às transformações sofridas pelo conceito científico quando este é inserido no contexto escolar. O autor chama o conhecimento produzido na academia de “saber sábio” e o conhecimento escolar de “saber ensinado”. Há ainda o “saber a ser ensinado” que está contido nos programas escolares e nos livros didáticos.
Um conceito importante na obra de Chevallard (1991) é o de noosfera. O autor a considerou o centro operacional do processo de transposição didática, de onde emergem os conflitos entre os sistemas de ensino e o entorno (sociedade) quando o saber ensinado se torna ultrapassado, envelhecido, banalizado em relação ao saber sábio, ou seja, quando há uma incompatibilidade entre o sistema de ensino e o seu entorno, verificada pela insatisfação e interferência dos acadêmicos, dos professores e dos pais. Para Chevallard (1991), a própria noosfera busca um reequilíbrio, selecionando os elementos do saber sábio que, designados como “saberes a serem ensinados”, serão submetidos ao trabalho de transposição didática.
No caso do livro didático, os conceitos científicos ali presentes sofreram um processo de transposição didática, tornando-se “saberes a serem ensinados”. Estes, por sua vez, sofrerão outras modificações, ou seja, outras transposições, até se tornarem “saberes ensinados”. Para Chevallard, o saber acadêmico é um saber de referência que legitima o saber a ser ensinado.
Astolfi & Develay (1990) atentaram ao fato de que o saber ensinado muitas vezes não possui uma equivalência com o saber sábio, originando uma “epistemologia escolar” que não tem referência na epistemologia produzida pela comunidade científica. Dessa maneira, para se pensar no conjunto de transformações que deverão nortear a produção do saber ensinado a partir do saber sábio, é imprescindível que se exerça uma vigilância epistemológica.
Sabemos que os conhecimentos científicos originados na academia se modificam ao longo do tempo e que eles passam por um complexo processo até serem aceitos pela comunidade científica. Com relação às Ciências Biológicas, a rapidez dos avanços dificulta a inserção destes no contexto escolar. Assim, os textos de divulgação científica, levados à sala de aula pelos professores ou incorporados aos livros didáticos, estabelecem uma ponte entre o saber sábio e o saber ensinado. Uma vez utilizados pelos professores, os textos de divulgação passam então por um novo processo de transposição didática. No caso dos avanços tecnológicos e científicos e suas implicações éticas, entendemos que o professor realiza um processo que vai além da transposição didática em que o saber sábio é o legitimador do saber ensinado. Preferimos nomear esse processo, assim como Lopes (1997), de mediação didática.
Desenvolvimento da pesquisa
Exposição Ciência e (In)Tolerância
No presente capítulo, conforme já mencionado, discutiremos apenas o painel 2, referente ao tema bioética e correspondente às células-tronco. Antes, porém, precisamos mencionar que o painel sobre fertilização in vitro foi importante para mostrar a origem dos embriões pré-implantatórios e extranumerários que são pleiteados para o desenvolvimento das pesquisas com células-tronco embrionárias (Figura 1). Ao visualizar esse painel, dois aspectos bioéticos podem ser considerados:
Figura 1 – Painel sobre fertilização in vitro da Exposição Ciência e (In) Tolerância
Na medida em que a ciência avança, identificam-se cada vez mais genes relacionados às características físicas e intelectuais de uma pessoa. Portanto, são maiores as chances de se manipular características não por motivo de doenças letais, mas por motivos fúteis como alterar a cor dos olhos. A Figura 2 apresenta o painel referente às células-tronco. Além de informações básicas acerca do tema, ao elaborarmos esse painel pensamos em suscitar nos expectadores as seguintes reflexões:
Figura 2 – Painel sobre células-tronco apresentado na Exposição Ciência e (In)Tolerância
Coleta e análise dos dados
A exposição dos painéis percorreu, até o momento, dez escolas de Bauru e região. Algumas escolas de outros estados, tais como Rio de Janeiro e Santa Catarina, também fizeram uso dos painéis, por meio do acesso à página da Internet. Em geral, as solicitações são feitas pelo telefone ou por e-mail. Na maioria dos casos, somos responsáveis pelo transporte dos painéis à escola. Eles permanecem lá por cerca de uma semana. Há necessidade de uma sala ampla para acomodá-los, pois cada um tem 1,5 m × 2,0 m. Juntamente com os painéis, as escolas recebem os cadernos de uso exclusivo do professor e cópias de dois questionários que devem ser aplicados aos alunos e aos professores, respectivamente. No questionário constam questões estruturadas e de múltipla escolha e servem como parâmetro para avaliarmos a exposição. Os resultados apresentados a seguir referem-se aos dados obtidos a partir da aplicação do questionário a 95 alunos do ensino médio pertencentes a duas escolas públicas do município de Bauru, após a realização da exposição.
Analisamos as seguintes perguntas presentes no questionário direcionado aos alunos de ensino médio:
Os dados foram analisados com relação à:
No presente artigo, analisamos as respostas dos questionários aplicados em 95 alunos de ensino médio. Com base na análise dos dados, constatamos que 62 alunos, isto é, 65% (n = 95), demonstraram maior interesse pelo Painel 2 (células-tronco). Esse foi o painel que mais chamou a atenção dos alunos. Lembramos que os alunos poderiam escolher mais de uma opção. Com relação às justificativas da escolha do painel sobre células-tronco, categorizamos as respostas, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1 – Categorias e valores (em porcentagem), obtidos com base na análise das respostas dos alunos que visitaram a exposição
Conforme os dados apresentados na Tabela 1, a maioria dos alunos (34%) justificou a escolha do painel que aborda o conteúdo sobre células-tronco mencionando os benefícios da aplicação das pesquisas, ou seja, possibilidade de cura ou tratamento de doenças. Do total dos alunos, 21% justificaram o seu interesse por ser um tema importante, polêmico e atual, mas não mencionaram o motivo das controvérsias.
Esses dados revelam um aspecto interessante: em nenhuma das respostas analisadas foram mencionadas questões éticas e morais relacionadas ao uso de embriões em pesquisas científicas, apesar de o painel sobre células-tronco as abordar explicitamente. Há pelo menos duas possibilidades de explicação: a primeira sugere que os alunos ficaram admirados com a expectativa de cura ou tratamento de doenças advindas das pesquisas com células-tronco embrionárias ou adultas, em detrimento das questões éticas e morais envolvidas. Essa visão é bastante semelhante à divulgada pela mídia, cuja preocupação é ressaltar o aspecto prático e imediato das pesquisas científicas em desenvolvimento. Embora não tenha sido analisada neste estudo, destacamos a resposta de um aluno que, ao apontar o painel sobre fertilização in vitro como o mais interessante, justificou o motivo da escolha do seguinte modo: “Achei interessante que dá para escolher a cor dos olhos do bebê, essas coisas”. Ao que tudo indica, as possibilidades das aplicações dos avanços científicos sensibilizaram os alunos de tal forma que as questões éticas e morais foram ofuscadas.
A segunda explicação é que nos painéis essas questões não estão devidamente enfatizadas, ou seja, talvez as imagens por nós utilizadas não tenham ocasionado o impacto esperado com relação à reflexão ética e moral acerca dos avanços científicos. A nossa expectativa era a de que os painéis fossem autoexplicativos, o que em outras palavras significa dizer que não haveria necessidade de um monitor para acompanhar o grupo e auxiliar na interpretação das imagens. Porém, na prática, aparentemente isso não ocorreu. Tendo em vista a importância e o caráter polêmico do tema, está em fase final de elaboração um novo conjunto de painéis aprofundando os aspectos científicos e éticos da utilização de células-tronco embrionárias nas pesquisas para terapias ou curas de doenças.
Considerações finais
Com base na análise dos dados é possível concluir:
Esses itens possibilitam um questionamento interessante: Quem educa os alunos acerca dos avanços da ciência contemporânea? A escola ou a mídia? A similaridade entre as respostas por nós obtidas e as informações divulgadas pela mídia nos direciona à hipótese de que esse papel tem sido realizado pela mídia. Reforça essa ideia a ausência de discussões éticas nos tópicos relativos a temas biotecnológicos presentes nos livros didáticos.
Ainda que possamos dizer que na escola é possível ensinar e que os demais meios são predominantemente informativos, não podemos mais desconsiderar a enorme quantidade de informação que circula no espaço não escolar. Tentar blindar o ambiente escolar dessa avalanche de informações, sem que os conteúdos escolares passem por drásticas transformações, é praticamente impossível. Urge, portanto, que discutamos novas pesquisas que ampliem os contextos de aprendizagem para que possamos dar respostas a como sistematizar e avaliar a formação de conhecimentos para além da sala de aula. Torna-se imprescindível também discutirmos e analisarmos a educação que acontece fora do domínio escolar, isto é, na multiplicidade de meios de divulgação. Esses aspectos são objetos de estudos em desenvolvimento no CDMCT.
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