11

Nina não tinha nem terminado de comer quando Meredith levantou e começou a limpar a mesa. No segundo em que a irmã levantou, a mãe fez o mesmo.

— Acho que o jantar acabou — disse Nina, pegando a manteiga e a geleia antes que Meredith as levasse.

Mamãe disse:

— Obrigada pelo jantar. — E saiu da cozinha. Os passos na escada foram rápidos para uma mulher da idade dela. Deveria estar praticamente correndo.

Nina não podia realmente jogar a culpa em Meredith. Assim que as conexões de conversa haviam sido usadas — a tal nova tradição —, elas caíram no familiar silêncio. Apenas Nina tentara conversar sobre amenidades, e suas interessantes histórias sobre a África tinham recebido uma resposta morna de Meredith e absolutamente nada de Mamãe.

Nina deixou a mesa somente o bastante para pegar a garrafa de vodca. Batendo-a na mesa, ela disse:

— Vamos ficar bêbadas.

Meredith, até os cotovelos na água com sabão, disse:

— Está bem.

Nina devia ter escutado errado.

— Você disse...

— Não faça disso uma missão à Lua. — Meredith foi até a mesa, pegou o prato e talheres de Nina e voltou para a pia.

— Uau! — Nina disse. — Não ficamos bêbadas juntas desde... Nós alguma vez ficamos bêbadas juntas?

Meredith enxugou as mãos no pano de prato cor-de-rosa pendurado no puxador do forno.

— Você ficou bêbada enquanto eu estava na sala, isso conta?

Nina sorriu.

— Não, de jeito nenhum, isso não conta. Puxe uma cadeira.

— Mas eu não vou beber vodca.

— Então, que seja tequila. — Nina levantou antes de Meredith poder mudar de ideia; ela correu até a sala, pegou uma garrafa de tequila no bar e, de volta à cozinha, pegou sal, limões e uma faca.

— Você não vai misturar com alguma coisa?

— Sem querer ofender, Mere, mas eu já vi você beber. Se misturar com alguma coisa, você vai ficar a noite toda tomando golinhos e eu vou terminar bêbada e você continuará controlada e competente como sempre. — Ela serviu duas doses, cortou um limão e empurrou um copo na direção da irmã.

Meredith torceu o nariz.

— Não é heroína, Mere. É só uma dose de tequila. Arrisque um pouquinho.

Meredith pareceu tomar uma decisão súbita. Ela pegou o copo e o tomou de uma vez. Quando os olhos dela saltaram, Nina entregou-lhe o limão.

— Aqui. Morda isso.

Meredith soltou um uff e balançou a cabeça.

— Mais uma.

Nina bebeu sua dose e serviu mais uma para cada, que elas beberam ao mesmo tempo. Depois, Meredith se encostou na cadeira, passando a mão pelo cabelo perfeitamente liso.

— Não estou sentindo nada.

— Mas vai sentir. Ei, como é que você consegue continuar com essa aparência... tão arrumada o tempo todo? Você esteve encaixotando coisas o dia inteiro, mas ainda parece estar pronta para o almoço no clube. Como você faz isso?

— Só você pode fazer com que estar com boa aparência pareça um insulto.

— Não foi insulto. De verdade. Eu fico imaginando como você fica tão... eu não sei. Esqueça.

— Tem uma parede ao meu redor — Meredith disse, pegando a tequila e se servindo de mais uma dose.

— Sim. Como um campo de força. Nada atinge seu cabelo. — Nina riu da ideia. Ainda estava rindo quando Meredith tomou a terceira dose, mas, quando a irmã tomou a bebida e olhou para o lado, Nina viu algo que a fez parar de rir. Não sabia dizer o que era, uma expressão nos olhos de Meredith, talvez, ou seria o modo como os cantos da boca se moveram para baixo.

— Tem algo errado? — Nina perguntou.

Meredith piscou lentamente.

— Além de o meu pai ter morrido no Natal, minha mãe estar ficando maluca, minha irmã fingir que me ajuda e meu marido... não estar aqui esta noite?

Nina sabia que não tinha graça, mas não pôde evitar rir.

— Sim, além disso. E, de qualquer forma, você sabe que sua vida é ótima. Você é uma daquelas mulheres maravilhosas que fazem tudo direito. É por isso que Papai sempre contou com você.

— Sim. Acho que sim — Meredith disse.

— É verdade — Nina disse com um suspiro, pensando subitamente outra vez no pai e em como o desapontara. Ficou imaginando quanto tempo duraria essa súbita onda de tristeza. Será que um dia ela submergiria?

— Você pode fazer tudo certo — Meredith disse calmamente —, e ainda assim terminar com tudo errado. E sozinha.

— Eu deveria ter ligado mais vezes para Papai lá da África — Nina disse. — Sei como minhas ligações eram importantes para ele. Eu sempre pensava que tinha tempo...

— Às vezes, a porta simplesmente se fecha com uma batida, sabe? E você fica sozinha.

— Tem uma coisa que podemos fazer para ajudá-lo — ela disse.

Meredith pareceu surpresa.

— Ajudar quem?

— Papai — Nina disse, impaciente. — Não é dele que estamos falando?

— Ah. Então é?

— Ele queria que nós duas conhecêssemos Mamãe. Ele disse que ela...

— Não venha com os contos de fadas novamente — Meredith disse. — Agora eu sei por que você é tão bem-sucedida. Você é obsessiva.

— E você não é? — Nina riu daquilo. — Vamos lá. Nós podemos fazer com que ela nos conte a história. Você a ouviu esta noite: ela disse que não dá para discutir comigo. Isso quer dizer que ela vai desistir de lutar.

Meredith levantou. Estava um tanto instável, então, se agarrou no encosto da cadeira para se apoiar.

— Eu sabia que não dava para conversar com você.

Nina franziu a testa.

— E você estava conversando comigo?

— Quantas vezes tenho que dizer? Não quero ouvir as histórias dela. Não dou a mínima para o Cavaleiro Negro ou as pessoas que viram fumaça ou o belo príncipe. Essa foi a sua promessa para Papai. A minha foi cuidar dela, o que vou fazer agora mesmo. Se precisar de mim, estarei no banheiro, empacotando as coisas dela.

Nina olhou Meredith sair da cozinha. Não podia dizer que estava surpresa — a irmã certamente estava sendo consistente —, mas sentia-se desapontada. Estava certa de que essa tarefa que Papai lhe passara era algo que ele queria que fizessem juntas. Esse era o ponto, não era? Estar juntas. O que mais contos de fadas faziam além disso?

— Eu tentei, Papai — ela disse. — Até mesmo ficar bêbada não ajudou.

Ela levantou, sem nenhuma instabilidade. Com a garrafa de vodca sob um braço e pegando o copo da mãe, ela foi para cima. Diante da porta entreaberta do banheiro, fez uma pausa, escutando os ruídos lá dentro, que significavam que Meredith havia voltado ao trabalho.

— Vou deixar a porta de Mamãe aberta — ela disse —, caso você queira ouvir.

Não veio nenhuma reposta do banheiro, nem mesmo uma pausa no ruído de jornal rasgando.

Nina atravessou o corredor até o quarto da mãe. Bateu na porta, mas não es­perou ser convidada a entrar. Apenas foi entrando.

Mamãe estava sentada na cama, apoiada em uma pilha de travesseiros brancos, com a manta puxada até a cintura. Toda aquela brancura — o cabelo, camisola, roupas de cama, a pele dela — contrastava fortemente com o escuro da nogueira da cabeceira da cama. Contra o escuro, ela parecia etérea, de outro mundo; uma Galadriel idosa com olhos azuis intensos.

— Eu não a convidei a entrar — ela disse.

— Não. Mas aqui estou eu. É mágica.

— E você pensou que eu ia querer vodca?

— Eu sei que vai querer.

— Como assim?

Nina aproximou-se da cama.

— Eu fiz uma promessa para meu pai moribundo. — Ela observou o efeito das palavras. A mãe se encolheu como se tivesse sido atingida. — Você o amava. Eu sei que amava. E ele queria que eu ouvisse o conto de fadas sobre a camponesa e o príncipe. Inteiro. No leito de morte, ele me pediu. Ele deve ter pedido para você também.

A mãe baixou os olhos. Observou as mãos com veias azuis, agarrando o topo das cobertas.

— Você não vai me deixar em paz.

— Não.

— É uma história para crianças. Por que você se importa tanto assim?

— Por que ele se importava?

Mamãe não respondeu.

Nina ficou ali, esperando.

Por fim, Mamãe disse:

— Sirva-me uma vodca.

Muito calmamente, Nina derramou a bebida no copo e o passou para ela. Mamãe bebeu a vodca.

— Vou fazer do meu jeito — ela disse, afastando o copo vazio. — Se você me interromper, eu paro. Vou contar em pedaços e apenas durante a noite. Não vamos falar sobre isso durante o dia. Você entendeu?

— Sim.

— No escuro.

— Por que sempre tem que ser...

O olhar que a mãe lhe lançou foi tão duro que Nina parou subitamente.

— Desculpe. — Ela foi até a porta e apagou a luz.

A noite não tinha luar, portanto não havia brilho azul-prateado vindo pela janela. A única luz vinha da porta entreaberta.

Nina sentou-se no chão, esperando.

Um som preencheu o silêncio: a mãe ajeitando-se na cama.

— Por onde começo?

— Em dezembro, você parou quando Vera estava para sair escondida e ir se encontrar com o príncipe.

Um suspiro.

E então ouviu-se a voz de contar história da mãe, doce e melíflua:

— Depois que chega em casa voltando do parque, Vera passa o resto do dia na cozinha com a mãe, mas sua mente não está na tarefa que realiza. Ela sabe que a mãe percebeu, que ela a observa com atenção, mas como uma garota pode se concentrar

em colocar gordura de ganso em jarros quando o coração dela está cheio de amor?

Veronika, preste atenção — a mãe dela diz.

Vera vê que derramou um tanto de gordura na mesa. Ela recolhe a gordura com a mão e a joga na pia. Ela odeia gordura de ganso mesmo. Ela prefere a manteiga saborosa feita em casa.

E você joga fora? O que há de errado com você?

A irmã dá uma risadinha.

— Talvez ela esteja pensando em rapazes. Ou em um rapaz.

Claro que ela está pensando em rapazes — diz Mama, enxugando o suor da testa ali parada diante do fogão, mexendo os arandos vermelhos que fervem. — Ela está com 15 anos.

Quase 16.

A mãe para de mexer e vira-se para ela.

Elas estão na cozinha, nos últimos dias do verão, preservando comida para o inverno. As mesas estão cheias de bagas para serem transformadas em geleia; cebolas, cogumelos, batatas e alho para serem colocados no sótão; pepinos a serem convertidos em picles; e feijões para serem enlatados em salmoura. Mais tarde, Mama prometeu ensiná-las como fazer blinia com recheio doce de cereja.

— Você está com quase 16 — diz Mama, como se ela não tivesse se dado conta disso antes —, dois anos mais nova do que eu estava quando conheci Petyr.

Vera coloca na mesa o jarro escorregadio com gordura de ganso.

— O que você sentiu quando o conheceu?

Mama sorri.

— Eu já contei essa história muitas vezes.

Você sempre disse que ele a arrebatou. Mas como?

Mama enxuga a testa novamente e segura no encosto da cadeira de madeira diante dela. Puxando-a um pouco, ela se senta.

Vera quase emite uma exclamação; é quanto isso a chocou. A mãe não é uma mulher que pare de trabalhar para falar. Vera e Olga cresceram ouvindo histórias sobre responsabilidade e dever. Como camponesas, obrigadas ao rei aprisionado, foram ensinadas a saber qual é seu lugar. Elas devem manter a cabeça baixa e as mãos trabalhando, pois a sombra do Cavaleiro Negro cai com a rapidez de uma lâmina de aço. É melhor jamais chamar atenção.

Ainda assim, a mãe agora está sentada.

— Ele era um preceptor e tão atraente que me deixou sem fôlego. Quando contei isso para sua Baba, ela fez tsc e disse: “Zoya, tenha cuidado. Você vai precisar de seu fôlego”.

Foi amor à primeira vista? — Vera pergunta.

Eu soube quando ele olhou para mim que tomaria a mão dele, que seguiria. Digo que foi o hidromel que bebemos, mas não foi. Foi apenas... Petyr. Meu Petya. A paixão dele por conhecimento e pela vida me arrebatou e, antes que eu percebesse, estávamos casados. Meus pais ficaram horrorizados, pois havia agitação no reino. O rei estava no exílio e estávamos com medo. A ambição de seu pai os assustava. Ele era um pobre preceptor camponês, mas sonhava em ser um poeta.

Vera suspira com o romance daquilo. Agora, ela sabe que precisa se esgueirar de noite para ir se encontrar com o príncipe. Ela até sabe que a mãe vai entender se descobrir.

Muito bem — diz a mãe, soando cansada novamente. — Vamos continuar o trabalho, e Veronika, tenha cuidado com essa gordura de ganso. Ela é preciosa.

À medida que as horas passam, Vera vê que sua mente está mais e mais distraída. Enquanto prepara os feijões e pepinos, ela imagina uma história de amor inteira com ela e Sasha. Eles vão andar à beira do rio mágico, onde imagens do futuro podem às vezes ser vistas nas ondas azuis, e eles vão parar sob um dos postes de luz, como viu muitos amantes fazerem. Não vai importar que ele seja um príncipe e ela, a filha de um preceptor pobre.

Vera.

Ela escuta seu nome ser chamado e o tom de voz foi impaciente. Ela pode dizer que não é a primeira vez que a chamaram. Seu pai está parado na cozinha, olhando feio para ela.

Papa — ela diz. Ele parece cansado e um pouco nervoso. O cabelo preto, geralmente bem penteado, ergue-se em todas as direções, como se ele tivesse esfregado a cabeça muitas vezes, e o justilho de couro foi abotoado errado. Os dedos, manchados de tinta azul, movem-se ansiosamente.

Onde está Zoya? — ele pergunta, olhando em volta.

Ela e Olga foram buscar mais vinagre.

Sozinhas? — O pai assente distraído e morde o lábio inferior.

Papa? Tem alguma coisa errada?

Não, não. Nada. — Pegando-a nos braços, ele a abraça tão apertado que ela tem que se contorcer para escapar dele e poder respirar.

Nos anos que virão, Vera repassará aquele abraço mil vezes em sua cabeça. Ela verá os jarros com tons de joias à luz de vela, sentirá o cheiro do couro curtido ao sol do justilho do pai e sentirá o arranhar da barba dele por fazer contra seu rosto. Ela imaginará a si mesma dizendo: Eu amo você, Papa.

Mas a verdade é que ela está pensando em romance e em se esgueirar mais tarde, então não diz nada para o pai e volta ao trabalho.

J

Naquela noite, Vera não consegue ficar parada.

Cada terminal nervoso em seu corpo parece estar dançando. Sons flutuam vindo pela janela aberta: pessoas falando, o distante bater de cascos em ruas de pedra, música vindo do parque. Alguém está tocando violino naquela noite morna e leve, alguém está se movendo ao redor — talvez dançando. As tábuas do assoalho rangem com cada passo.

— Você está com medo? — Olga pergunta pelo menos pela quinta vez.

Vera gira de lado. Olga faz o mesmo. Na cama estreita delas, ficam cara a cara.

— Quando você for mais velha, você verá, Olga. Vem essa sensação no seu coração quando você conhece o rapaz que vai amar. É como... se afogar e daí emergir para respirar.

Vera abraça a irmã e dá um beijo no rosto redondo dela. Então, afasta as cobertas e salta da cama. Com um pequeno espelho de mão, ela tenta conferir sua aparência, mas pode se ver apenas aos pedaços — longo cabelo negro afastado do rosto por faixas de couro, pele de marfim, lábios rosados. Está usando um vestido azul simples com um colarinho rendado — uma roupa de menina, mas é a melhor que ela possui. Se tivesse ao menos uma boina ou um grampo ou, ainda melhor, um perfume.

Ah, bem — diz ela, e vira-se para a irmã. — Como estou?

Perfeita.

Vera sorri abertamente. Ela sabe que é verdade. Ela é uma garota atraente, alguns até dizem que é bela.

Ela vai até a porta do quarto e escuta. Nenhum som atinge seu ouvido.

— Eles estão na cama — ela diz. Movendo-se cautelosamente, ela vai na ponta dos pés até a janela, que sempre é deixada aberta no verão. Lança um beijo para a irmã e sobe no gradil de ferro muito delicado. Com cada passo cuidadoso, ela tem certeza de que alguém lá embaixo, na rua, olhará para ela e apontará e gritará que aquela menina está se esgueirando para ir encontrar um rapaz.

Mas as pessoas na rua estão bêbadas com luz e hidromel e mal notam que ela está descendo do segundo andar do prédio. Quando ela pula a distância final e cai no pequeno gramado, não consegue conter a excitação. Escapa uma risadinha, que ela contém com a mão enquanto corre pela rua de pedra.

Lá está ele. Parado junto do poste de luz deste lado da Ponte Fontanka. Daqui, tudo nele é dourado: seu cabelo, o justilho, a pele.

Não achei que você fosse vir — ele diz.

Ela parece não conseguir falar. As palavras, como seu fôlego, estão presas em seu peito. Ela olha para os belos lábios dele e isso é um erro. Em um segundo, ela está fechando os olhos, inclinando-se para ele, e ainda assim é uma surpresa quando ele a beija. Ela ofega um pouco, sente que começa a chorar e, apesar de suas lágrimas tornarem-se pequenas estrelas e a embaraçarem, não há nada que possa fazer para impedir que caiam.

Agora, ele saberá que ela é uma menina camponesa tola que se apaixonou sem motivo e chora com seu primeiro beijo.

Ela começa a preparar uma desculpa — nem sabe direito o que vai dizer, mas, antes que possa falar, Sasha a puxa para baixo, fazendo com se abaixe, e diz:

— Fique quieta. — Uma voz tão penetrante que ela se sente ferida por ela. — Olhe.

Uma carruagem preta brilhante, puxada por seis dragões negros, está movendo-se lentamente descendo a rua. O silêncio cai no mesmo instante. As pessoas congelam onde estão, recuam para as sombras. É o Cavaleiro Negro...

A carruagem move-se como um animal caçando, os dragões cuspindo fogo. Quando para, Vera sente um arrepio percorrer seu corpo.

— É ali que eu moro — ela diz.

Três trolls verdes grandalhões com capas pretas descem da carruagem e se reúnem na calçada, confabulando por um momento antes de irem até a porta da frente.

— O que eles estão fazendo? — ela sussurra quando eles entram no prédio. — O que eles querem?

Os minutos passam lentamente até que a porta é aberta novamente.

Vera vê tudo em uma espécie de câmera lenta. Os trolls conduzem seu pai. Ele não está lutando, não discute, nem mesmo fala.

A mãe dela desce a escada tropeçando atrás deles, soluçando, implorando. As janelas no prédio acima dela são fechadas.

Papa! — Vera exclama.

Do outro lado da rua, seu pai ergue os olhos e a vê. É como se apenas ele tivesse ouvido seu grito.

Ele balança a cabeça e ergue a mão como que dizendo: Fique aí, e então é empurrado para dentro da carruagem e desaparece.

Ela dá mais uma cotovelada em Sasha e ele a deixa ir. Sem olhar para trás, ela corre pela rua.

— Mama, para onde eles vão levá-lo?

A mãe ergue o rosto lentamente. Por um segundo, ela parece não reconhecer a própria filha.

— Você deveria estar na cama, Vera.

Os trolls. Para onde vão levar o Papa?

Quando a mãe não responde, ela escuta a voz de Sasha atrás dela.

— É o Cavaleiro Negro, Vera. Eles fazem o que querem.

Eu não entendo — Vera grita. — Você é um príncipe...

Minha família não tem mais poder. O Cavaleiro Negro aprisionou meu pai e meus tios. Você deve saber disso. É perigoso ser da família real no Reino das Neves nesses tempos. Ninguém pode ajudá-la — ele diz. — Eu lamento.

Ela começa a chorar, e dessa vez suas lágrimas não são luz das estrelas; são pequenas pedras negras que doem ao se formar.

Veronika — diz a mãe —, precisamos entrar. Agora. — Ela segura a mão de Vera e a puxa para longe de Sasha, que apenas fica ali, olhando para ela. — Ela tem 15 anos — Mama diz para ele, passando o braço ao redor de Vera, mantendo-a próxima enquanto sobem os degraus até a porta.

Quando Vera olha novamente para a rua, seu príncipe se foi.

J

Depois disso, a família de Vera mudou. Ninguém mais sorri, ninguém ri. Ela e a mãe e a irmã tentam fingir que tudo vai melhorar, mas ninguém acredita nisso.

O reino continua lindo, ainda é uma cidade branca, murada e cheia de pontes e torres e rios mágicos, mas Vera a vê agora de forma diferente. Ela vê sombras onde antes havia luz, medo onde antes havia amor. Antes, o som de estudantes rindo em uma morna noite branca podia fazer com que chorasse com anseios. Agora, ela sabe pelo que vale a pena chorar.

Os dias se derretem em semanas e Vera começa a perder toda a esperança de que seu pai vá voltar. Ela faz 16 anos sem qualquer celebração.

Ouvi dizer que estão precisando de trabalhadoras no castelo — a mãe diz um dia, quando estão jantando. — Na biblioteca e na padaria.

Sim — Vera diz.

Sei que você queria ir para a universidade — a mãe diz.

Aquele sonho já está perdendo substância. É algo que o pai sonhava para ela, aquele dia em que ela, também, fosse uma poetisa. Por fim, ela é a adulta que desejava ser, e agora não tem escolhas. Não uma garota camponesa como ela. Ela compreende isso por fim.

Seu futuro foi mudado pela prisão dele; decidido. Não haverá estudos para ela, nenhum rapaz atraente carregando seus livros ou beijando-a sob luminárias. Nada de Sasha.

— Eu não quero cheirar a pão o dia inteiro.

Ela sente a mãe assentir. Elas agora são assim conectadas, as três. Quando uma se move, as outras sentem. Ondulações em um lago.

Vou até a biblioteca real amanhã — Vera diz.

Ela está com 16 anos. Como poderia compreender o erro que acaba de cometer? Quem poderia saber que pessoas que ela amava morreriam por causa disso?


a Tipo de panquecas russas tipicamente comidas com manteiga derretida no café da manhã. Podem ter recheio doce ou salgado (N.T.).