Encontro no livro escolar de minha filha (terceira série primária) algumas sábias classificações que valem a pena recordar ou aprender. Nas páginas 162 e seguintes, encontramos: “Invertebrados — Dividem-se em artrópodes, moluscos, vermes, equinodermos, celenterados e protozoários.”
Entre os artrópodes, destaquemos os moluscos: “Têm o corpo mole, uns vivem dentro de uma concha, outros não. Exemplos: lesma, polvo, caracol. O caracol é célebre pela ausência de cérebro.” Mas são de moral ilibada, incorruptíveis, bem podiam participar do Alto Comando que nos rege e guia.
Mas há os protozoários. O livro da terceira série assim os explica: “São os protozoários os seres mais simples. São de tamanho minúsculo e, apesar de infinitamente pequenos, constituem um sério perigo para a vida dos homens; referimo-nos aos micróbios de origem animal, que são protozoários causadores de muitas doenças. Só podem ser vistos através de microscópios.” Mas em horas de convulsões cívicas, os protozoários são facilmente vistos através da televisão.
Falando ainda sobre animais, o manual de terceira série expõe algumas generalidades.
“Os animais não podem viver sem alimento, e, por isso, eles comem e bebem. Uns comem carne, como o gato e a onça. Outros alimentam-se de ervas ou grãos, como a galinha e o peru. Outros, os mais numerosos, comem de tudo.”
E há o capítulo das metamorfoses:
“Há animais que têm mais ou menos a mesma forma desde que nascem e outros que mudam de forma enquanto se desenvolvem.”
E, finalmente, o curioso e atual capítulo intitulado: “Meios de defesa dos animais”. Vamos transcrevê-lo na íntegra:
Os animais vivem em luta constante, uns contra os outros. Por isso, a natureza deu a todos eles meios de defesa com os quais se defendem. Há animais que se defendem com:
a) os chifres (o touro, o veado, o carneiro etc.);
b) os dentes (a onça, o cão, o porco etc.);
c) as patas traseiras (o cavalo, o burro, a zebra etc.);
d) os pelos (o porco-espinho);
e) o casco (a tartaruga, o tatu, a ostra etc.);
f) a cauda (o jacaré, a baleia etc.);
g) a tromba (o elefante);
h) o mau cheiro que exalam (o percevejo-do-mato; o gambá);
i) a cor que tomam (a perereca, o camaleão etc.);
j) a atitude que tomam (fingindo-se de mortos).
A lição termina com o parágrafo dedicado à expressão: “Certos animais entendem-se por meio de uivos e guinchos; o homem, por meio da linguagem articulada, isto é, por meio da palavra. O homem é o único elemento da natureza que tem o dom da palavra.”
Minha filha decorou essa sabedoria toda e pretende fazer boa prova. De tanto ouvi-la repetir isso tudo, quase que acabei decorando também. E aproveito a oportunidade para oferecer a gregos e troianos, reacionários e revolucionários, guardiães da ordem vigente e pilares da sociedade, essa modesta contribuição à análise de cada um.
De protozoários estamos cheios, transbordam pelas ruas, pelos quartéis, pelas repartições, caem do céu, sobem da terra: é uma invasão. De animais que se defendem com o mau cheiro que exalam — a prudência me aconselha o silêncio. Mas é arma eficaz, tanto na guerra como na paz. Sugeriria que os estrategistas bélicos incluíssem esse importante meio de defesa entre as nobres armas que velam pela pátria.
Finalmente, há os animais que se comunicam através de guinchos e uivos. Tive o desprazer, em dias da semana passada, de receber alguns telefonemas desses animais.
Além dos animais que se comunicam com uivos e guinchos, há o homem. O livro, embora primário, é categórico ao afirmar: “só o homem tem o dom da palavra”.
E é através da palavra, é pronunciando-a clara e corajosamente, sem medo, que podemos unir todos os homens e a eles nos unir contra todos os animais que para sobreviverem exalam mau cheiro, mudam de feitio e cor, usam chifres e patas.
Animais que para sobreviverem precisam da força e da estéril tranquilidade que só a imbecilidade dá e sustém.
(19-4-1964)