De que problema o conceito de Édipo é a solução?

O sr. afirma com freqüência que um conceito psicanalítico é a resposta a uma questão. Qual seria a questão que leva ao Édipo?3

Perfeito! Um conceito psicanalítico só tem valor caso se demonstre indispensável à coerência da teoria e à eficácia de nossa prática. Princípio ainda mais verdadeiro quando se trata de noção tão capital quanto a que acabo de expor. De que problema, então, o Édipo é a solução? Para mim, o Édipo responde a duas questões: como se forma a identidade sexual de um homem e de uma mulher e como uma pessoa torna-se neurótica. Logo, o problema cuja solução é o Édipo é o da origem da nossa sexualidade de adulto e, mais além, da origem dos nossos incontáveis sofrimentos neuróticos. Essas duas questões, sexualidade e neurose, estão tão intimamente imbricadas que podemos dizer que a neurose resulta de uma sexualidade infantil perturbada, interrompida em sua maturidade, hipertrofiada ou, ao contrário, inibida. No fundo, o Édipo nos serve para compreender como um prazer erótico apodera-se de uma criança de quatro anos para se transformar em um sofrimento neurótico que atormenta o homem ou a mulher de quarenta anos que ela se tornou.

Gostaria agora de formular a mesma idéia mas lembrando a vocês o que levou Freud à descoberta do Édipo. De onde ele tirou a idéia do Édipo? Da observação das crianças? Em absoluto. Decerto estava atento a seus comportamentos, mas não foi estudando a relação pais-filhos que concebeu a noção de Édipo, ainda que a realidade familiar, seja de ontem, seja de hoje, confirme cotidianamente a descoberta freudiana. Não, não foram as crianças que introduziram o Édipo. Devemos então supor que a invenção freudiana decorre da auto-análise de Freud. Efetivamente, foi ao sonhar, analisar seus sonhos, evocar sua infância e dirigir por escrito essas reflexões ao amigo e correspondente Wilhelm Fliess que Freud elaborou o Édipo; um Édipo dominado essencialmente pelo desejo parricida e pela culpa daí resultante, na medida em que a idéia do Édipo foi exposta pela primeira vez no mesmo ano, 1897, da morte de Jacob Freud, seu pai. Entretanto, não foi a partir de sua introspecção que Freud apreendeu o essencial desse conceito nodal da psicanálise. Minha hipótese é bem outra. Submeto-a a vocês. O Édipo é uma invenção forjada por Freud na escuta de seus pacientes adultos. Deixem-me agora propor-lhes uma ficção.

Estamos em Viena em 1896, no consultório da Berggasse 19, no momento em que Freud recebe uma paciente histérica que lhe fala de sua infância. Ao mesmo tempo em que a escuta atentamente, Freud busca confirmar a tese que elaborara recentemente sobre a etiologia da histeria. Com efeito, por essa época ele acha que a histeria é provocada pela incapacidade do paciente de recordar um trauma sexual ocorrido nos primeiros anos de sua vida. Criança, Freud reflete, a paciente teria sofrido um abuso sexual cometido por um adulto. E seria o esquecimento tenaz dessa cena de sedução que a teria tornado neurótica. Enquanto permanecer recalcada no inconsciente, a cena de sedução traduz-se em sintomas que causam sofrimento; mas basta torná-la consciente para que perca a virulência. Justamente, para curar a histeria, pensava Freud, é preciso que as cenas de conteúdo sexual que jazem no inconsciente tornem-se conscientes, única condição para que se enfraqueçam e deixem de ser um foco patogênico. Assim, Freud escuta a jovem histérica tentando saber se na infância ela foi seduzida por um adulto e, em caso afirmativo, tentando fazê-la relatar os detalhes do incidente e sobretudo reviver seu vivido traumático. Muitos de vocês sabem que, anos mais tarde, Freud vai operar uma mudança capital em sua teoria, admitindo que essas famosas cenas de sedução não haviam necessariamente ocorrido, sendo antes fantasias imaginadas por seus pacientes. Assim, os sintomas neuróticos seriam não a conseqüência de um abuso sexual realmente sofrido, mas de um abuso sexual fruto da fantasia e esquecido. No fundo, seja um acontecimento real ou fantasiado, pouco importa, pensava ele, a cena de uma sedução sexual infantil, cometida por um adulto perverso, permanece a verdadeira causa da histeria, sob a condição, todavia, de que tenha sido recalcada. Lembrem-se que a histeria é principalmente uma doença do esquecimento, que a histérica é histérica porque não quer se lembrar do que foi doloroso.

Mas que relação há entre isso e o Édipo? Pois bem, acho que Freud descobriu o Édipo ao refletir no roteiro e nos atores que atuam na cena de sedução. No caso da neurose, a menina é seduzida por um homem perverso; no caso do Édipo, a menina é seduzida pelo próprio pai. A cena fantasiada de sedução na origem da histeria transformara-se, no pensamento de Freud, em uma cena fantasiada na qual a criança era seduzida pelo pai sem por isso ser vítima de um abuso sexual, sem por isso ficar siderada por um prazer de efeitos nocivos; bastava que um dos pais fosse mais carinhoso que de costume para que a criança sentisse esse excesso de ternura como um estímulo erógeno e um prazer sexual muito intenso. Mas ter pensado no pai ainda não é a plena descoberta do Édipo. Falta o elemento principal. Gostaria de ser muito claro neste ponto. Ao escutar sua paciente relatar um incidente sexual da infância, Freud imagina a cena, identifica-se com o personagem da criança seduzida e percebe que essa criança não é apenas passiva, é habitada pelo desejo ativo de ser seduzida pelo pai. Sim, a chave do Édipo reside no desejo incestuoso da criança de ser possuída pelo pai. Freud descobriu o Édipo ao passar de uma cena de sedução na qual uma menininha assustada é a vítima passiva de um agressor adulto para a cena edipiana em que uma menininha inocente e sensual é a instigadora inconsciente que incita o pai ou o irmão mais velho a desejá-la sexualmente. A criança da cena de sedução é uma vítima, ao passo que a criança da cena edipiana é atormentada entre o desejo de ser seduzida e o medo de sê-lo, entre o medo de sentir o prazer e o medo de experimentá-lo.

Agora que conhecemos o contexto da descoberta do Édipo, podemos voltar à sua pergunta inicial: de que problema o Édipo é a solução? O Édipo é uma fantasia de sedução na base da identidade sexual de todo homem e toda mulher: uma fantasia de prazer e de angústia. Em geral, essa fantasia é metabolizada pela criança, mas pode ocorrer de o prazer, a angústia ou a dor serem traumáticas e dificilmente recalcáveis, isto é, de as emoções vividas pela criança edipiana na situação de sedução serem tão violentas que permaneçam ativas e fomentem uma neurose na idade adulta. A fantasia edipiana que não foi liquidada permanece virulenta, aflora à consciência e se exterioriza repetitiva e compulsivamente na vida do neurótico.

Com que idade uma criança sente prazer sexual pela primeira vez?

Em primeiro lugar, uma evidência: o prazer sexual vivido por uma criança é de natureza diversa do que nós, adultos, experimentamos. Dito isto, sabemos que na vida intra-uterina um feto já pode ter ereções que nos permitem atribuir-lhe uma vivência, se não de excitação sexual, pelo menos de frêmito genital. Isso mostra como não há idade para o prazer sexual, sob a condição de que o corpo da criança esteja em contato com um adulto igualmente excitado, desejante e sentindo prazer em se dedicar a ela, ainda que o mais terna e castamente possível. A esse respeito, tenho aqui algumas espantosas linhas de Freud, que gostaria de ler para vocês. Freud não hesita em “identificar os sentimentos de ternura com o amor sexual”. Afirma assim que “as relações entre a criança e a mãe são para esta uma fonte contínua de excitação e satisfação sexuais, intensificando-se quanto mais ela demonstrar, para a criança, sentimentos que derivem de sua própria vida sexual: beijá-la, niná-la, considerá-la o substituto de um objeto sexual pleno. É provável, prossegue Freud, que uma mãe fique vivamente surpresa se lhe dissermos que, dessa forma, com suas ternuras, ela desperta a pulsão sexual da criança. Ela julga que seus gestos demonstram um amor assexual e puro no qual a sexualidade não desempenha papel algum, uma vez que ela evita excitar os órgãos sexuais da criança além dos cuidados corporais exigidos. Mas a pulsão sexual, como sabemos, não é despertada apenas pela excitação da zona genital; a ternura também pode ser excitante.

Ao lhes apresentar o Édipo, afirmei que a sexualidade estava no cerne do amor e do ódio familiares, porém, na passagem que acabo de ler, Freud vai muito mais longe, pois não diz que o sexual jaz na ternura, mas que a própria ternura é uma excitação sexual.

Se é verdade que um bebê pode sentir prazer sexual nos braços da mãe, poderíamos deduzir que o Édipo aparece bem antes dos três ou quatro anos de idade?

Esta é precisamente a posição de Melanie Klein, que postula um Édipo precoce no recém-nascido; e a de Lacan, ao considerar que não haveria idade para o Édipo, uma vez que o desejo da criança não passa do prolongamento do desejo da mãe; posição que é efetivamente a de Freud no trecho que acabam de ouvir. Logo, há uma diferença entre o Édipo kleiniano e o Édipo freudiano. Para Melanie Klein, as pulsões eróticas de um bebê incidem sobre a mãe percebida não como uma pessoa global, mas como um objeto parcial; a mãe reduz-se ao seio. O Édipo kleiniano pode ser um Édipo oral, anal etc. Para Freud, é diferente. O Édipo existe apenas se as pulsões eróticas da criança incidirem sobre a mãe ou o pai como pessoas globais dotadas de um corpo, habitadas por um desejo e suscetíveis de sentirem prazer. Enquanto para Melanie Klein o Édipo é oral ou anal, para Freud o Édipo está além do pré-genital e aquém do genital, sendo acima de tudo fálico.

Como se dá o Édipo quando a mãe vive sozinha com o filho?

Plenamente, sob a condição de que a mãe seja desejante. Pouco importa que a mãe viva sozinha, o que conta é que seja apegada a alguém, que deseje alguém; e, no caso de não ter nenhum parceiro amoroso, o que conta é que seja interessada por outra coisa que não o filho, que o amor pelo filho não seja o único amor de sua vida. Em suma, há Édipo a partir do momento em que a mãe deseja um terceiro entre ela e o filho. Eis o pai! O pai é o terceiro que a mãe deseja.

image

“Freud não deu explicação científica para o mundo mítico. Propôs um novo mito, eis o que ele fez.”

WITTGENSTEIN

Claro que Freud propôs um mito novo, mas que mito! Que fecundidade! É graças a esse formidável instrumento teórico que os psicanalistas sabem atualmente escutar seus pacientes e os consolar.

Afinal, o Édipo é uma realidade observável ou uma fantasia deduzida pelos psicanalistas?

Já lhes mostrei que o Édipo era ao mesmo tempo realidade e fantasia, mas aproveito sua pergunta para abordar o problema de outro ângulo. Digamos que o complexo de Édipo seja um conjunto de sentimentos contraditórios de natureza inconsciente refletindo os sentimentos conscientemente vividos pela criança na relação triangular com os pais. No fundo, o Édipo é um complexo intra-subjetivo engendrado por uma realidade intersubjetiva. É importante conceber o Édipo como uma fantasia inconsciente em um único indivíduo, ainda que seja preciso o apoio de outro indivíduo desejante – acabamos de ver isso ao ler Freud – para que essa fantasia se forme e subsista. Por outro lado, sabemos que a fantasia edipiana é uma hipótese, uma construção do espírito construída a partir dos comportamentos da criança a respeito dos pais e, sobretudo, a partir das recordações infantis relatadas por nossos pacientes adultos em análise. De fato, o Édipo nem sempre é um fenômeno observável ou uma hipótese verificável. A psicanálise não é uma ciência do comportamento. Não. O Édipo deve ser tomado como um esquema teórico eficaz com impacto inegável na vida afetiva de um indivíduo em nossa cultura. É portanto, falando propriamente, uma fantasia e um mito. Digamos com mais clareza ainda: de um ponto de vista clínico, o Édipo é uma fantasia que atua desde o âmago do ser e o impregna por inteiro. E, do ponto de vista cultural, o Édipo é um mito, mito de todos, uma vez que é a fábula simbólica, simples e chocante, que põe em cena personagens familiares encarnando as forças do desejo humano e os interditos que se lhes opõem. Ora, seja fantasia ou mito, o complexo edipiano também é um conceito crucial absolutamente indispensável à consistência da teoria e à eficácia da prática psicanalítica. Não hesito em lhes dizer: sem o conceito de Édipo, a maioria das noções analíticas estaria à deriva, e, sem a fantasia do Édipo, seríamos incapazes de esclarecer a infinita complexidade dos sofrimentos psíquicos. Seguramente, é graças a esse formidável instrumento conceitual que os psicanalistas sabem atualmente escutar seus pacientes, compreendê-los e consolá-los. Penso aqui em um texto em que Lacan já assinala o valor teórico insubstituível do Édipo. Eis o que ele escreve em sua “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola”: “Eu gostaria de iluminar meu ponto essencial simplesmente com o seguinte: retire-se o Édipo e a psicanálise … torna-se inteiramente da alçada do delírio… .” Incontestavelmente, o Édipo é a pedra angular do edifício analítico: ele é uma crise manifesta da sexualidade infantil; uma fantasia inconsciente; um mito social; e o conceito mais crucial da psicanálise.

Na tragédia de Sófocles, o personagem principal é o destino, sobre o qual os heróis não têm influência alguma. Qual seria o lugar do destino no complexo de Édipo?

Não se esqueça de que Freud sempre foi obcecado pelo destino, pelo que a vida nos reserva e ignoramos. O jovem Édipo termina por matar o pai, ao passo que, paradoxalmente, Laio fizera de tudo para escapar ao oráculo que pressagiava o gesto parricida do filho. Ninguém conhece seu destino ou dele escapa! Assim, o complexo de Édipo é a prova da qual criança alguma escapa, e que a marca para sempre. Mas de que prova iniciática se trata? Qual é esse ritual incontornável que denominamos Édipo? É a experiência de uma perda e de um luto, o dos pais fantasiados como parceiros sexuais. Sim, o Édipo é, na vida de uma criança, a primeira separação profunda e interior dos pais. É uma separação obrigada que prenuncia a futura emancipação do jovem adulto. Quer se trate do Édipo feminino ou masculino, em ambos os casos são os pais que perdemos, e isto inelutavelmente. Decerto a criança já se separou da mãe ao nascer, ganhou independência ao andar e rompeu seu casulo familiar ao ir para a creche, mas é apenas no fim do Édipo que o menino e a menina vão perceber diferentemente os pais e amá-los de outra forma. Claro, é de uma separação ideal que lhes falo, uma vez que em nossa vida cotidiana continuamos sempre a desejar nossos pais, o mais freqüentemente sob a forma sublimada da ternura, e, outras vezes, infelizmente, sob a forma de um conflito penoso, devido à persistência de um desejo sempre virulento.

A propósito do menino, poderia voltar à expressão “Édipo invertido”?

O Édipo invertido é a atração sexual de uma criança pelo pai do mesmo sexo. Em relação ao Édipo masculino, colocamos geralmente a ênfase no apego erótico do menino com a mãe e na rivalidade odiosa a respeito do pai. Ora, muitas vezes acontece de o Édipo masculino girar não em torno da relação desejante do filho com sua mãe, mas da relação desejante do filho com seu pai considerado um parceiro sexual. Sim, o pai pode ser, na cabeça do filho, um parceiro sexual! E é isso que denominamos um “Édipo invertido”. Em que consiste ele? Para lhe responder, apresentarei o Édipo do menino como uma peça em três atos. É realmente divertido fazer o complexo edipiano viver dessa forma, marcados que somos pela tragédia grega. Tal artifício nos permitirá não apenas lembrar de outra maneira o essencial da dinâmica edipiana, como aprofundar a idéia de que o personagem principal do Édipo masculino é mais freqüentemente o pai que a mãe.

Vamos aos três atos do drama. Comecemos pelo primeiro ato, que inclui indiferentemente a menina e o menino. O pano se abre e todos os personagens aparecem ao mesmo tempo no palco: um garotinho, uma garotinha, uma mãe, um pai e, até mesmo, todos os seres humanos que habitam nosso planeta. Imaginem um palco cheio de gente, de um mundo em que todos, aos olhos das duas crianças, são detentores de uma potência representada por um sinal corporal visível: o pênis. Na cabeça da criança, menino ou menina, todo mundo possui um pênis, ou melhor, todo mundo é investido da potência representada pelo pênis. Freud chama essa abertura do Édipo de premissa da possessão universal do Falo. É o momento em que reina na criança a crença mágica em um universo inteiramente povoado por portadores de um pênis maravilhoso. Corrijo-me imediatamente e, em vez de usar a expressão “pênis maravilhoso”, utilizo o termo “Falo”.

Desculpe mas ainda não compreendi como se passa do pênis ao Falo. O que entende exatamente por Falo?

Falo é o nome que damos à fantasia do pênis, à interpretação subjetiva do pênis, à maneira que cada um e cada uma tem de perceber o apêndice peniano. Mais genericamente usamos a palavra “Falo” para designar a fantasia de todo objeto que se reveste, a nossos olhos de crianças, ainda que adultos, do mais alto valor afetivo. Quando digo “aos nossos olhos de crianças”, é para fazê-los compreender que o amor apaixonado que dirigimos a uma criatura ou a um objeto é sempre um amor de criança, uma vez que amar é apenas um aprimoramento da candura infantil. Amar é acreditar em toda inocência – e essa inocência nos é preciosa – que o outro, nosso amado, saberá um dia nos completar. Pois bem, essa soberba esperança que é o amor me torna feliz, me dá tranqüilidade e força. Da mesma forma, todo objeto amado, admirado e possuído me tranqüiliza e me conforta em meu sentimento de ser eu mesmo. Ora, esse objeto tão investido, tão carregado de toda a minha afetividade e que me é indispensável, chama-se Falo. Assim, a palavra Falo designa não apenas o pênis quando fantasiado, isto é, quando vivido como símbolo da força, como também toda pessoa, objeto ou ideal a que sou visceralmente ligado, de que sou dependente e que sinto como a fonte de minha potência. Falo é, portanto, o nome que damos a qualquer coisa altamente investida, tão investida e amada que não cessa de ser concreta para ser fantasiada. Uma mãe, um pai, nosso cônjuge, o pênis, o clitóris ou mesmo uma casa, uma carreira, uma promoção – tudo são suportes concretos que podem se tornar o nosso Falo. Ora, qual é a coisa concreta que dá à criança edipiana o sentimento de ter um Falo? Respondo: seu corpo, seu próprio corpo, seu corpo de sensações. Com efeito, para o menino a base real do Falo é seu pequeno sexo enquanto apêndice erógeno, ou ainda as excitações que emanam dos testículos ou do baixo-ventre. Quanto à menina, a base real de seu Falo é o conjunto das sensações erógenas provenientes de seus órgãos genitais, em particular de seu clitóris.

Se o compreendo bem, uma mãe, por exemplo, pode ser, aos olhos do filho, tanto portadora de um Falo quanto ser ela própria um Falo?

Precisamente. Quando a mãe impõe sua autoridade, ela tem o Falo; mas quando a criança a sente toda dele, ela é seu Falo. Se minha mãe se zanga comigo, ela é fálica e todo-poderosa; se, em contrapartida, rivalizo com meu colega para saber quem tem a mamãe mais bonita, minha mãe é meu Falo mais precioso. Vocês vêem que uma mãe pode ser duplamente fantasiada como tendo o Falo e como sendo o Falo.

Um menino pode então ter dois Falos, seu pênis e sua mãe?

Claro! E será justamente o problema a ser resolvido pelo menino edipiano; não podendo manter os dois Falos, terá de escolher um ou outro: o pênis ou a mãe. Mas não antecipemos, pois essa escolha crucial só será feita no segundo ato do nosso drama edipiano. Por ora, permaneçamos no primeiro. Eu lhes dizia então que a criança acredita que todos os seres humanos são dotados do mesmo atributo que ela tanto valoriza: o Falo. Menino ou menina, a criança experimenta sensações erógenas, observa seu sexo, se toca, se acha todo-poderosa e olha em silêncio os personagens que a cercam atribuindo-lhes um sentimento similar de onipotência. É de fato na percepção de si mesmo que se forja, em silêncio, a crença mágica em um Falo universal. Ver, sentir e acreditar são portanto os três primeiros gestos mudos da criança edipiana. Em suma, meninos e meninas inauguram seu Édipo a partir da ilusão que eleva o Falo ou seu representante corporal, o pênis, ao nível de atributo universal. Eis o primeiro ato da nossa peça, em que todos são fortes. Ato essencial, mas freqüentemente esquecido na literatura analítica, ao passo que é o degrau obrigatório que dá acesso ao conceito de angústia de castração. Por quê? Porque é preciso em primeiro lugar acreditar que se é forte e rico para ver surgir o medo de ser despossuído.

Chegamos agora ao segundo ato do Édipo masculino; o Édipo da menina segue outro roteiro. É quando justificaremos nossa proposição segundo a qual é o pai, e não a mãe, que é o personagem principal do Édipo do menino. E eis o argumento. Sempre habitado pela ilusão de um Falo universal, o menino estabelece duas relações afetivas essenciais: uma relação de desejo com a mãe considerada objeto sexual e, principalmente, uma relação de amor com o pai tomado como modelo a ser imitado; o menininho faz assim do pai um ideal ao qual gostaria de se assemelhar. Em suma, o laço com a mãe – objeto sexual – não passa para o menino do apetite de um desejo, ao passo que seu laço com o pai – objeto ideal – repousa em um sentimento de amor. Essas duas moções, desejo pela mãe e amor pelo pai, diz-nos Freud, “aproximam-se uma da outra, acabam por se encontrar e é desse encontro de sentimentos que resulta o complexo de Édipo normal”. Traduzo dizendo que, para um menino, o complexo de Édipo normal significa desejar a mãe e assemelhar-se ao pai.

Mas entremos agora no terceiro ato. De repente, o menininho sente-se incomodado pela presença imponente de um rival que lhe barra o caminho em direção à mãe. A criança vê-se então ameaçada por um concorrente mais forte que ela. Sob o efeito da angústia de ter perdido – angústia de castração –, o menininho vai finalmente renunciar ao desejo de possuir a mãe e de eliminar o pai. Que reviravolta cênica! Eis que se opera uma inversão inesperada da situação. Ameaçado de castração e sem objeto a almejar, o menino volta-se subitamente para o pai e se pergunta: “Mas por que não mudar de parceiro? Por que não ele? Em vez de saciar meu desejo de possuir uma mulher, pensa, poderia saciá-lo, com o mesmo prazer, deixando-me possuir por um homem forte e viril.” Que aconteceu? Tudo estremeceu. De ideal que suscitava admiração e de rival que inspirava medo, o pai tornou-se uma criatura que excita o desejo do menino. Antes o pai era o que queríamos ser, um ideal; agora o pai é aquele que queríamos ter oferecendo-nos a ele. Com efeito, é muito freqüente um menino pequeno reagir à ameaça de castração de um pai excessivamente severo retraindo-se em uma posição feminina e colocando-se no lugar de uma mulher submissa, objeto do desejo paterno. Eis como concebo o Édipo invertido, expressão desgastada e raramente bem compreendida. O Édipo invertido, tão importante para compreendermos a origem da neurose masculina, consiste em uma reviravolta radical dos sentimentos do menino em relação ao pai: o pai – objeto admirado, odiado e temido – aparece aos olhos da criança como um possível parceiro sexual ao qual ele gostaria de se entregar. O desejo de possuir a mãe transformou-se em desejo de ser possuído pelo pai; e o desejo de afastar o pai transformou-se em desejo de o atrair para si. Eis a dupla inversão da configuração clássica do Édipo masculino. Assim, o pai apresenta-se aos olhos do menino sob quatro aspectos distintos: amado como um ideal, odiado e temido como um rival e desejado como um parceiro sexual, a quem se oferece. Dessas quatro moções – amor, ódio, medo e desejo pelo pai –, é sobretudo o desejo que eu queria enfatizar em razão de sua importância na formação da identidade do futuro rapaz. Mas atenção! Não é porque o menino deseja o pai que se tornará obrigatoriamente homossexual ou neurótico. Possivelmente, uma vez adulto, será arrebatado por uma estranha ternura e uma delicada sensibilidade, mas sem por isso sofrer de distúrbios neuróticos. Em suma, eis o essencial da minha proposição: a neurose masculina é em geral provocada por um Édipo invertido congelado em uma fantasia intrusiva; o problema do neurótico é sempre uma relação conflituosa com o genitor do mesmo sexo.

Um corolário, finalmente, para o Édipo do menino: os traços marcantes do pai – amado como ideal, odiado e temido como rival e desejado como objeto sexual – definirão o supereu normal do rapaz. Com efeito, o supereu é o resultado da incorporação no eu desses quatro rostos do pai. É graças a essa introjeção que a criança começa enfim a se separar de seu pai real, uma vez que o percebe diversamente; algo mudou na disposição interior do menino em relação ao pai. Ele se separa do pai real mas o preserva em seu eu sob a forma de um supereu ora estimulante para se atingir um ideal, ora cruel e temível para sancionar uma conduta, ora excitante para realizar um desejo, mas sempre mantendo a sensação de pudor necessária à vida em sociedade.

Mas como o senhor situa o complexo de castração nesse drama?

O complexo de castração situa-se precisamente no terceiro ato. Castração sempre quer dizer angústia, pois não há castração senão sob a ameaça angustiante que pesa sobre o sujeito. Se deixarmos de lado o caso do Édipo invertido e permanecermos na configuração edipiana clássica segundo a qual o filho deseja incestuosamente a mãe, podemos deduzir três causas que provocam a angústia de castração. Em primeiro lugar, simplesmente, a presença da pessoa do pai na realidade; trata-se, como vimos, de uma presença angustiante. Em seguida, a voz imperiosa do pai intimando o menino: “Você não pode… Você não tem o direito de perseverar em seu desejo!” Em outras palavras: “Você vai se haver comigo!” Observem que essa ameaça pode ser proferida pela mãe ou por uma tia, tanto faz, ela exprime invariavelmente uma lei social marcada pela autoridade paterna. Pouco importa a pessoa que evoca o interdito, o essencial reside no caráter paterno de uma lei incontestável. Vejam bem, é porque a lei é incontestável que é paterna. Com efeito, a lei do interdito do incesto e todas as leis em geral permanecem marcadas pelo sinete da autoridade paterna porque não são negociáveis. Portanto, é indiferente que a voz que evoca o interdito seja masculina ou feminina, o essencial é a firmeza do tom para dizê-lo. É preciso que a ameaça seja proferida por uma firme e calma autoridade que sabe julgar, condenar e punir: “Você não deve ir para cama com sua mãe e a tomar como objeto sexual, senão será punido!” Punido, como? “Punido com a castração do seu pênis, ou melhor, punido com a castração do que anima sua arrogância todo-poderosa.” Enfim, a terceira causa de angústia tampouco consiste em uma ameaça verbal proferida pela voz de um censor, mas em uma ameaça sugerida por ocasião de uma experiência visual. O menino – pois continuamos no Édipo masculino – descobre um dia no corpo nu da mãe ou de uma garotinha a sombra escura de uma ausência. Ao observar a falta de pênis na região pubiana, sente medo e se angustia. “Uma vez que ela não tem pênis, pensa, então não tem poder. Ora, se existe uma criatura sem pênis, isso significa que eu também corro o risco de ficar privado dele.”

Em suma, esmagado pela presença imponente da pessoa do pai, ameaçado pela lei punitiva e chocado com a constatação visual de que existem seres castrados, o menino angustia-se, recalca seus desejos e fantasias incestuosas e modera seu prazer. Freqüentemente – é a tese do Édipo invertido – o menino angustiado refugia-se covardemente em uma posição de submissão feminina a respeito do pai, situação em que viverá uma nova angústia de castração despertada pelo risco de perder a virilidade. Enquanto no Édipo masculino, em que a mãe é o objeto incestuoso, a ameaça de castração incide sobre o Falo-pênis, no Édipo invertido, em que o pai é o objeto incestuoso, a ameaça de castração incide sobre o Falovirilidade.

É a angústia que faz a criança recuar e se separar dos pais?

Exatamente. Voltemos ao caso da mãe. O garoto sente medo e se separa da mãe. Eis por que eu diria que sua angústia é uma angústia saudável, pois, graças a ela, a criança vê-se obrigada a se separar da criatura até então mais próxima, da qual devia necessariamente – segundo a ordem das coisas humanas – se afastar. Pela primeira vez na história da evolução de sua libido, a criança vê-se confrontada com a prova decisiva de uma escolha: “Ou você pára de desejar sua mãe ou perde a força!” É uma escolha crucial: “Ou escolho o objeto incestuoso ou me preservo narcisicamente. Ou conservo minha mãe ou conservo meu pênis. Claro, é meu pênis que vou conservar!” Observem que esse tipo de alternativa radical evoca as escolhas eminentes às quais somos freqüentemente confrontados em nossa vida de adultos. A partir do momento que queremos realizar nosso desejo, constatamos o surgimento da angústia. “Será que sou capaz disso? Não vou pôr tudo a perder?” No momento de decidir e agir, surge a angústia. Ora, de acordo com a experiência do Édipo tal como a interpreto, nós escolhemos sempre o objeto narcísico, isto é, escolhemos sempre nos preservar, a nós e a nosso corpo. Decididamente, o ser humano é essencialmente medroso e narcísico: diante do perigo, com freqüência deixa o objeto de seu desejo cair, julgando salvar a pele. Ouço aqui um hipotético supereu analítico que tranqüilizaria o homem trêmulo diante dos riscos inerentes à afirmação de seu desejo. Ele lhe diria: “Não tenha medo! Deixe-se carregar pelo desejo. Siga seu caminho.Vá aonde o destino o espera!”

Ocorre, porém, outro fenômeno notável. Uma outra perda terá lugar, perda muito mais importante que a da mãe. O menino pode perder a mãe e conservar o pênis, mas logo descobre que sem o objeto do desejo, a mãe, o pênis acaba por perder seu valor de Falo. “De que serve me sentir forte se não há um outro que me deseje?” Decerto o pênis é útil, mas sob a condição de que haja um outro desejante e desejável. O menino perde a mãe e simultaneamente o valor fálico de seu pênis. No fundo, essa perda de valor é mil vezes mais importante que a perda da mãe, que já é, sem dúvida, uma experiência fundamental. Melhor ainda, o drama edipiano é a mais bela lição sobre o valor relativo de nossas árduas conquistas. O mito de Édipo é de um alcance ético extraordinário. Podem continuar me dizendo: “Mas o Édipo… o complexo de castração… de cem anos para cá as coisas evoluíram… a cultura, a sexualidade não são mais as mesmas… poderíamos muito bem viver sem o Édipo etc.” Claro que quero prescindir da lenda edipiana, mas criem outra que consiga explicar tão bem o sentido profundo das provas vitais que nós, adultos, atravessamos incessantemente! A primeira prova é aceitar que, diante de uma escolha difícil, nunca perderei tudo, e, se ganhar, nunca ganharei sem perda.

O senhor acaba de nos mostrar como a peça se desenvolve para o menino; e para a menina?

O roteiro do Édipo feminino é bem diferente. Lembremos que, durante o primeiro ato do drama edipiano, reina, como para o menino, a premissa da possessão universal do Falo: todos são portadores do Falo e, por conseguinte, todos são fortes! Na menina, porém, diferentemente do menino, há uma pré-história do Édipo e uma espécie de “pós-história”, ausentes do Édipo masculino. A pré-história do Édipo feminino associa-se à relação estreitíssima da mãe com a filha. Antes do advento da fase fálica, no momento de aleitamento no seio, a mãe apresenta-se à filha como objeto de desejo, mas sobretudo como objeto que abastece seu narcisismo e alimenta sua potência. Em uma palavra: a mãe desempenha função de Falo para a menina. Na aurora do Édipo feminino, o objeto do desejo da menina, assim como no caso do menino, é em primeiro lugar o seio e, logo depois, com o desmame, a pessoa da mãe; a zona erógena dominante é a boca. Durante a fase oral, o seio materno representa o mais terno Falo. Completemos acrescentando um outro elemento essencial do Édipo feminino. Com o desmame, a menina já sente um amargo ressentimento contra uma mãe que acaba de privá-la do prazer de mamar. A perda do seio suscita no bebê menina uma hostilidade que será reativada mais tarde, durante a fase fálica em si. Observemos que essa amargura provocada pelo desmame é, segundo Freud, mais moderada no menino. Mais tarde, o Falo da menina não será mais representado pela mãe como objeto incestuoso, mas pela força atribuída ao pai. O Édipo feminino culmina no momento em que a menina, já tendo feito a experiência da separação da mãe, está preparada para desejar o pai, renunciar-lhe, introjetar os traços de sua pessoa e seus valores, e, finalmente, substituí-lo, uma vez jovem mulher, por um parceiro masculino.

Por que afirmar que a filha odeia a mãe por ocasião do desmame? O que isso tem a ver com o complexo de castração na mulher?

Muitos mal-entendidos circulam sobre o conceito do complexo de castração na mulher. Julga-se equivocadamente que não há castração na mulher porque seu corpo é desprovido de pênis e que ela não teria nenhum órgão suscetível de ser castrado. Ora, não se trata disso. Segundo Freud, o complexo de castração na mulher existe efetivamente, mas prefiro, após ter estabelecido a lógica do Édipo feminino, dar-lhe o nome de complexo de privação. Esse complexo é inaugurado com uma impressão visual: a menina vê o corpo nu de um menino e constata, comparando-se com ele, que não apenas é desprovida de pênis, como desprovida da potência que o pênis significa, isto é, o Falo. A ausência de pênis a leva a perder a ilusão da premissa universal do Falo e sentir vontade de tê-lo. Ter o quê? Não tanto o pênis em si, mas a ilusão de potência suscitada pelo órgão. Chamo essa sede de poder de inveja do Falo e não inveja do pênis. Acredito profundamente no interesse clínico de apresentar dessa forma o conceito da inveja feminina do Falo, pois na clínica das mulheres histéricas é sempre o problema do poder que se coloca, bem como do medo neurótico de ser dominada. Com a constatação de ser despossuída, surge então na menina uma série de sentimentos. Em primeiro lugar, a desilusão, em seguida a nostalgia desse poder ilusório e, depois e sobretudo, um ressentimento a respeito da mãe que não lhe… a frase clássica seria “que não lhe deu”, mas prefiro falar de ressentimento a respeito da mãe que não soube prepará-la para essa constatação nem lhe poupar o momento em que ela descobriria a perda de sua ilusão. É como se ela dissesse: “Mamãe, você já sabia que eu ia me decepcionar! Por que não me avisou?” É portanto um ressentimento a respeito da mãe, ressentimento que atualiza o antigo ódio provocado pelo desmame do primeiro período pré-edipiano.

Então não é a angústia que prevalece na menina?

Não! Nesses momentos, não observamos nenhuma angústia. Se os principais sentimentos do Édipo masculino são o desejo e a angústia, os do Édipo feminino são sobretudo o desejo, o sofrimento e a inveja. Contudo, reconhecemos uma angústia típica na mulher adulta. Trata-se de uma angústia bem particular, que Freud desvenda apenas no fim de sua obra. A angústia feminina é com freqüência esquecida nos trabalhos analíticos, pois tende-se a pensar que a angústia permanece o traço distintivo do menino, enquanto a menina seria afetada pela inveja ou o ódio. Na clínica, observamos muito uma angústia própria da mulher: a angústia de perder o amor que lhe dedica o amado. Em uma mulher, o medo não é tanto de nunca encontrar o amor, mas de perder o amor conquistado. Para a mulher, o Falo é o próprio amor, a coisa inestimável que nunca se deve perder!