Não existe castração, há apenas ameaças de castração. Eis por que a castração não passa, no fundo, do nome de uma angústia, jamais de uma realidade.

Desde o início, empregamos constantemente a palavra castração sem havermos encontrado oportunidade de dissipar um possível mal-entendido quanto à sua significação. Comecemos por dizer bem secamente que, deixando de lado certos atos isolados de barbárie, a castração não existe e que ninguém foi castrado para ser punido! Decerto conhecemos todas as castrações ditas “químicas” destinadas a tratar como último recurso determinados doentes perversos, como estupradores ou pedófilos; e sabemos também que doentes de caráter psicótico podem se automutilar sexualmente ou castrar uma vítima. Mas afora essas aberrações psicopatológicas, insisto em dizer que a castração propriamente dita não existe. Se Freud serviu-se desse vocábulo tão sugestivo foi a fim de dramatizar, até mesmo histericizar, o perigo imaginário que ameaça todo homem e toda mulher desejantes, isto é, todo homem e toda mulher que buscam ardentemente o prazer corporal e mais além… a felicidade. Que perigo os ameaça? O perigo de perder sua vitalidade, sua vida, a fonte íntima de seu desejo. Em que consiste então a castração? Ela é acima de tudo a idéia de um perigo, o perigo imaginário inventado por um neurótico e que ele deve imperiosamente afastar. É ao querer salvaguardar seu ser vital e estar sempre de prontidão que o neurótico sofre por ser neurótico. Por conseguinte, é sempre o medo da castração, e nunca a castração em si, que está na origem dessa crispação que é o sofrimento neurótico. Cada sintoma neurótico, portanto, deve ser compreendido como uma defesa crispada contra um medo essencial: no homem, o medo de perder a potência; na mulher, o medo de perder o amor. Assim, o vocábulo “castração” é uma incomparável alegoria psicanalítica que simboliza a hipotética perda de um hipotético objeto supremo.

Com isso, compreendemos que, para Freud, cada um de nós é em última instância uma criança desejante e voraz, medrosa diante das conseqüências de sua avidez, guardião cioso de seu Falo e sentindo-se culpado de desejar. Voraz, medroso, ciumento e culpado – eis nosso retrato mais íntimo esboçado por Freud nas cores do Édipo.

As figuras do pai no Édipo masculino

• O pai é amado como um modelo ideal

• O pai é temido como repressor e censor

• O pai é desejado e temido como sedutor

• O pai é odiado e temido como um rival

O amor do menino pelo pai admirado já existia bem antes da entrada na crise edipiana. Os sentimentos de ternura e admiração filiais persistem ao longo de toda a travessia do Édipo e encontram os sentimentos opostos, que são o desejo, a angústia e o ódio. É justamente o vivido simultâneo de todos esses sentimentos contraditórios que divide a criança e fomenta sua neurose. O neurótico, seja criança ou adulto, é aquele que, ao mesmo tempo, ama, teme, deseja e odeia o pai.

As figuras da mãe no Édipo feminino

No Tempo pré-edipiano:

• A mãe todo-poderosa provida do Falo (mãe fálica) é amada como uma figura ideal.

• A mãe é desejada como um objeto sexual que a filha quer possuir. Para a criança, não apenas a mãe tem o Falo, como é o Falo.

No Tempo da solidão:

• A mãe é culpada pela filha por ter sido incapaz de dotá-la do Falo, símbolo da potência.

• A mãe é então destituída de sua onipotência e abandonada.

No Tempo do Édipo:

• A mãe, como mulher que deseja um homem, é um modelo de identificação.

• A mulher é novamente amada, mas dessa vez como um ideal feminino.

• A mãe é odiada como uma rival.

As figuras do Falo no Édipo feminino

Aos olhos da menina, o Falo reveste-se de diferentes formas ao longo das sucessivas fases de seu Édipo:

• No Tempo pré-edipiano, a menina reconhece o Falo em suas sensações clitoridianas e na pessoa de sua mãe, considerada o objeto eleito de seu desejo. O Falo é portanto encarnado pelo clitóris como órgão de sensações erógenas e pela mãe como objeto do desejo incestuoso.

• No Tempo da solidão, ela reconhece o Falo no pênis fascinante do menino e, consciente de sua privação, reconhece-o também, dolorosamente, na auto-imagem ferida. O Falo é então encarnado pelo pênis invejado do menino e pela imagem de si.

• No Tempo do Édipo, o Falo é encarnado pela força do pai, que a menina cobiça, e, mais tarde, depois da primeira recusa paterna, pelo ela-mesma como objeto que se oferece ao desejo do pai. Finalmente, após a segunda recusa paterna, o Falo é, para a filha, seu pai introjetado.

• Superado seu Édipo, a menina, agora mulher, reconhecerá o Falo no pênis ereto do homem amado, no amor que este homem lhe dirige e, finalmente, na criança fruto desse amor.

As sensações erógenas, a mãe, o pênis do menino, a imagem de si, a força do pai, o si mesmo, a pessoa do pai, o pênis ereto do homem amado, o amor e depois a criança – eis todos os avatares do Falo no Édipo feminino. Cada um desses avatares corresponde exatamente à definição do Falo como sendo não apenas a coisa mais inestimável, mas o regulador vital e insubstituível do nosso equilíbrio psíquico.

O supereu e os três papéis do pai no Édipo masculino

O supereu, essa parte autocrítica de mim mesmo, essa parte do eu censor do eu, é uma instância que faz reviver no psiquismo as três atitudes contraditórias do pai fantasiado. Assim, o supereu é um coro de três vozes: a voz severa do interdito presentificado pelo pai repressor; a voz cativante da tentação presentificada pelo pai sedutor; e a voz denegridora da autocrítica presentificada pelo pai odioso e rival.

A brincadeira de boneca

A menininha edipiana faz a boneca desempenhar dois papéis distintos. No Tempo pré-edipiano, ela repete com a boneca a relação com a mãe: identifica-se com a boneca e, simultaneamente, identifica-se com a mãe, acariciando-a. Uma vez no Édipo propriamente dito, a menina muda de papel: agora ela é a mãe e sua boneca é o filho maravilhoso que o pai lhe deu.

A fantasia da onipotência fálica

No espírito das crianças edipianas, aqueles que detêm o Falo são criaturas fortes e os que não o detêm, fracas. Com toda a evidência, tal ficção, que considera pênis sinônimo de potência e falta de pênis sinônimo de fraqueza, é um mangá imaginado por crianças de quatro anos e de forma alguma um pensamento de adulto. Contudo, essa ficção infantil pode persistir na idade madura como uma miragem que torna conflituosa a relação do neurótico com seus próximos e consigo mesmo. Assim, o neurótico percebe aqueles que contam para ele segundo sua visão maniqueísta de fortes e fracos, dominantes e dominados.

A fobia é uma projeção; a histeria, uma rebelião; e a obsessão, um deslocamento

Agora mudemos de perspectiva e expliquemos a presença do Édipo nas três neuroses apoiando-nos na metapsicologia. Assim, diremos que a fobia resulta da projeção da angústia de castração sobre o mundo exterior. A angústia inconsciente torna-se medo consciente; o perigo interior, representado pelo pai repressor, é projetado para fora para se tornar um perigo exterior encarnado, por exemplo, pelos animais. Freud forneceu uma eloqüente demonstração disso em seu célebre caso do Pequeno Hans. O cavalo assustador é o pai, e o medo dos cavalos traduz o medo de ser mutilado e abandonado pelo pai. Em resumo, a fobia pode ser definida como a projeção para fora de um perigo interno tornado assim um perigo externo; como a substituição do pai ameaçador da fantasia por um animal assustador na realidade, e como a transformação, enfim, de uma angústia inconsciente em um medo consciente.

Deixando de lado a histeria de conversão – que resulta da concentração de toda a carga de angústia inconsciente no corpo, provocando assim uma disfunção somática (enxaqueca, vertigens, dores etc.) –, identifico outra forma de histeria muito mais insidiosa e muito freqüente que qualifico como histeria de rebelião. Essa neurose é ocasionada pelo retorno, na idade adulta, da angústia infantil de ser seduzido por um dos genitores, em particular o do mesmo sexo. Entre as fantasias infantis de angústia, a mais patogênica é a de uma cena em que o menino, seduzido mas igualmente assustado, desempenha o papel de uma mulher possuída pelo pai. Se tal fantasia persiste ativa no inconsciente do homem histérico, ela se exteriorizará então por um comportamento reativo de revolta permanente. Por exemplo, assim que se vê em uma relação normal de dependência em relação a um outro admirado ou a uma autoridade, o histérico sente-se oprimido, submisso e, a rigor – sempre segundo suas fantasias –, rebaixado ao nível de uma mulherzinha castrada e tiranizada. Ser dependente significa para ele “ser uma mulher”, pois a mulher em sua fantasia é uma criatura fraca, inferior ao homem e, em todo caso, dispensável. Assim, depender de uma autoridade será vivido pelo neurótico como a pior das submissões e, conseqüentemente, será tomado pela mais urgente necessidade de se rebelar e proteger seu amor-próprio. É então que a pessoa que encarna a autoridade torna-se, a seus olhos, um déspota a ser abatido.

Quando um paciente adota tal posição histérica, é extremamente difícil para nós, analistas, revelar ao analisando sua fantasia de sedução inconsciente e, sobretudo, diluí-la. Por quê? Porque o psicanalista, a exemplo do pai, torna-se para esse paciente um temível sedutor e, logo, uma autoridade a ser destituída. Se essa figura transferencial prevalece, o tratamento corre o risco de ser brutalmente interrompido. A fantasia infantil de sedução pode invadir de tal forma a relação analítica que qualquer intervenção do terapeuta será sistematicamente interpretada pelo analisando como um intolerável abuso de poder. Freud, o primeiro, naufragou nesse destroço insuperável que qualificou como “rochedo da castração”. Eu diria “rochedo da angústia de castração”, uma vez que o que alimenta a rebelião veemente do neurótico contra o psicanalista não é outra coisa senão a angústia de ser escravo do pai e perder sua dignidade de homem. Ao se revoltar, o histérico julga salvar seu Falo, que ele nunca teve, das mãos de um tirano que o analista nunca foi.

Acrescentemos de passagem que podemos sofrer o mesmo fracasso no tratamento de uma mulher quando a analisanda, amargurada, recrimina seu psicanalista por sua arrogância e machismo. Esse gênero de reação provém de uma inveja ciumenta a respeito do terapeuta, que ela supõe portador do Falo, isto é, poderoso, sempre feliz, amado e admirado por todos. Despeitada e furiosa, ela também gostaria de ser dotada da mesma força mágica que ele, até quem sabe maior, percebê-lo fraco e se tornar seu único recurso. Ao passo que o homem interrompe o tratamento com medo de ser uma mulherzinha, a mulher, por sua vez, pára por raiva e despeito. Assim como o rochedo da castração no homem é marcado pela angústia, o da mulher é marcado pela inveja ciumenta. Em ambos os casos, homem e mulher neuróticos têm uma imagem subestimada da mulher e uma imagem superestimada do Falo. O homem neurótico não compreende que o Falo por ele salvaguardado tão ciosamente é um objeto inexistente e que, portanto, ele não corre risco algum de perder algo que não existe; não tem razão para ter medo, uma vez que nenhum perigo o ameaça. A mulher neurótica tampouco compreende que o Falo é um embuste e que ela não tem razão alguma para disputar com o homem um objeto que ele não tem.

A obsessão resulta do deslocamento da angústia de castração, que passa do inconsciente para a consciência e se cristaliza como um sentimento de culpa. A angústia inconsciente de ser espancado pelo pai rival transforma-se em angústia de ser punido pelo próprio supereu. Essa angústia de se sentir em erro e passível de castigo chama-se sentimento de culpa. Acontece muitas vezes de o obsessivo comprazer-se em seu papel de culpado e ter necessidade de ser punido, exaurindo-se em um gozo estéril conhecido como “masoquismo moral”.

A significação bissexual de um sintoma neurótico

Diante de um sintoma neurótico, o psicanalista busca trazer à tona a cena fantasiada forjada na infância edipiana e que governa a neurose de hoje. Nesse quadro, o sujeito desempenha um papel duplo, ativo e passivo, ou, para ser mais preciso, encena um conflito entre dois personagens que ele representa: um personagem dominador mais masculino e outro dominado, mais feminino. Assim, quando você está confrontado com um paciente que sofre de uma fobia de avião, por exemplo, lembre-se de que a cena fantasiada que fomenta a angústia é representada por um pai opressor – o espaço do avião – e por um filho ameaçado – o próprio fóbico. Assinalo ainda que, na fantasia, o sujeito interpreta os dois papéis simultaneamente: é tanto o carrasco viril quanto a vítima efeminada, tanto o pai opressor quanto a criança impotente. Naturalmente, é sobretudo nesse último papel que o neurótico se compraz.

Que é histeria?

Eu disse que o Édipo é um excesso: um desejo sexual, evocador do desejo sexual adulto, vivido na cabecinha e no pequeno corpo de uma criança de quatro anos e cujo objeto são os pais. Inversamente, direi que a histeria é um desejo sexual infantil vivido na cabeça de um adulto e cujo objeto não é um homem ou uma mulher, mas uma criatura forte ou fraca. O histérico vive seu parceiro não como um homem ou uma mulher, mas como uma criatura castrada e onipotente.

A histeria sofrida por um adulto foi provocada por uma relação excessivamente sensual entre a criança que ele era e seus pais

Eis o que nos ensina o Édipo: a histeria sofrida por um adulto foi provocada outrora por um violento abalo ocorrido em sua sexualidade de criança. Com efeito, é um distúrbio da vida sexual infantil que está na origem dos tormentos neuróticos atuais. Que distúrbio? O que aconteceu na pequena infância edipiana para que uma neurose se instalasse na idade adulta? Pois bem, deu-se uma derrapagem; sim, a criança edipiana sofreu por ter sido submergida por um prazer erógeno intenso demais que se apoderou dela. Seu eu, ainda inexperiente, não soube conter a impetuosidade de um desejo enlouquecido e assimilar o prazer transbordante daí resultante. “Desejo ou prazer?”, vocês me perguntarão. Isso é totalmente equivalente, como vimos, sensações, desejo, fantasias e prazer são vividos pela criança como uma única e mesma coisa; somos nós quem separamos seus elementos. Dito isto, quando o prazer erógeno é excessivo, o eu infantil fica traumatizado. Em outras palavras, e esta será a grande lição clínica do Édipo, quando o eu da criança é incapaz de assimilar um impacto tão forte de prazer sexual, fica desamparado e condenado a reviver o mesmo trauma mil e uma vezes. Gostaria de insistir mais, tão espantoso é esse fenômeno: é o prazer, e não o sofrimento como poderíamos acreditar, que faz a criança edipiana, futura histérica, sofrer. Não apenas o sofrimento é traumático, um prazer sexual excessivo também pode sê-lo.

É então que a defasagem traumatizante entre um eu imaturo e um prazer intenso e precoce fica gravada na cera do inconsciente infantil. Qual uma placa sensível, o inconsciente guarda na memória o choque brutal do prazer erógeno e seu contexto, isto é, a presença sexual e desejante do adulto. Não existe prazer sexual traumático que não seja desencadeado pela excitação, inocente ou não, proveniente de um dos pais. É assim que se molda, no inconsciente virginal da criança, o protótipo de uma cena fantasiada em que ela se vê seduzida por um dos pais. Muito mais tarde, adulto, o sujeito experimenta – e eis a neurose – a necessidade compulsiva de reviver a mesma sensação desse prazer que causa mal e representar novamente a mesma cena traumática, incluindo dessa vez não mais seus pais, mas os parceiros de seu círculo atual. É preciso dizer com clareza: a experiência traumática de viver sensações sexuais fortes demais pode estar, para uma criança, na origem de uma futura neurose. Para concluir, gostaria de esquematizar a seqüência da formação de uma neurose. Temos um preâmbulo e três tempos. O preâmbulo é a imaturidade da criança, o anacronismo de um prazer sexual intenso demais para uma criaturazinha de quatro anos. É então que o trauma (1o tempo) fixa-se em uma cena fantasiada de prazer e dor (2o tempo). Essa cena, que eterniza o trauma, é representada incessantemente pelo sujeito em sua vida adulta (3o tempo). Eis a neurose!

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FIGURA 6

A histeria sofrida por um adulto foi provocada por uma relação sensual demais entre a criança que ele era e seus pais. O vivido prematuro de um prazer erógeno pode ser, para a criança, tão traumático quanto uma dor.

A mulher histérica e seu medo de amar

A cena fantasiada na qual a criança se vê atraída, depois excitada e finalmente assediada por um adulto sedutor constitui uma das fantasias mais freqüentemente encontradas no tratamento dos pacientes histéricos, homens e mulheres. No que se refere à mulher, a fantasia de sedução é freqüentemente a causa das dificuldades de sua vida amorosa. Ela deseja ser amada por um homem e, ao mesmo tempo, teme que ele a sufoque ou, ao contrário, que a abandone. Para uma histérica, qualquer pretendente é percebido através da neblina deformadora de uma fantasia infantil de sedução: “São todos iguais! Conversa fiada! Quando ele tiver o que quer, vai me abandonar!” A angústia infantil de ser submetida ao pai transformou-se, na histérica, em uma rebelião contra qualquer homem de quem ela poderia depender; e a angústia de ser abandonada transformou-se em fobia de amar.

As três figuras lacanianas do pai no Édipo: simbólico, real e imaginário

Segundo minha leitura, Lacan decompõe o processo do Édipo de acordo com um critério importante: os diferentes papéis que a criança faz o pai representar nas fantasias edipianas. Durante o primeiro tempo do Édipo, o pai não é encarnado; é a figura abstrata da Lei que preserva o mundo do caos que teria provocado se porventura o incesto fosse cometido. Esse pai eminentemente abstrato, muralha contra a loucura dos homens e representado pela linguagem humana, chama-se pai simbólico. Nesse primeiro tempo, o pai é a Lei tácita, ignorada pela criança. Sem contenção e sem temor, a criança seduz impudentemente a mãe e se oferece a ela como seu Falo. No segundo tempo, é o personagem real do pai que conta. O pai é aqui o pai real, agente separador que dissocia mãe e filho ao proibir a um de considerar o outro como objeto de seu desejo. É então, terceiro tempo, que a criança confronta-se com o pai separador e frustrador, respeitando-o como todo-poderoso, odiando-o como rival e invejando-o como detentor do Falo, isto é, como o único possuidor da mãe, de todas as mulheres e do poder. Esse pai respeitado, odiado e invejado é o pai imaginário. É a ele que a criança pedirá em vão o Falo. Naturalmente, o pai recusa, e essa recusa logo acarreta a identificação do filho com o pai, síntese então das três figuras paternas: simbólica, real e imaginária. Uma vez que a criança não pode ter o objeto, identifica-se com o detentor do objeto.

Em suma, a criança edipiana faz a experiência de encontrar três personagens paternos. Em primeiro lugar, o pai é o âmbito da Lei que rege a sociedade na qual ela nasceu; em seguida, o pai é o policial que faz essa Lei ser respeitada; finalmente, o pai é também o policial, mas, dessa vez, temido como autoridade, contestado como poder e invejado como detentor da onipotência. É como se, no primeiro tempo desse teatro de marionetes que é o Édipo, o garotinho, insolente, tentasse perverter a mãe sussurrando-lhe: “Abrace-me! Não tem ninguém olhando!” E, no segundo quadro, víssemos repentinamente o policial sair de sua cabine e berrar: “O que você dois estão fazendo aí? Parem imediatamente!” E, enfim, no terceiro tempo, o menino, envergonhado e fascinado, perguntasse respeitosamente ao representante da ordem se podia lhe emprestar seu cassetete para se tornar um dia tão forte quanto ele. Diante da recusa deste último, o menino inclina-se, incorpora a figura da autoridade e, ao se desdobrar, torna-se ora o rebelde, ora o policial que reprime o rebelde. Doravante, essa cenazinha de dois personagens, um que transgride e outro que sanciona, dominará toda a vida afetiva, atos e situações cruciais que pontuam a existência de um sujeito. Em suma, a travessia do Édipo pode ser lida como o encontro de uma criança com as três figuras do pai – simbólico, real e imaginário: um pai que representa a Lei, outro que a faz ser respeitada e, finalmente, aquele, invejado e contestado, que detém o Poder. Eis as três figuras paternas introjetadas que, conjugadas, formarão o supereu do menino.

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FIGURA 7

Os três tipos de falta no Édipo: castração, privação e frustração. Uma leitura da tríade lacaniana

Comentário sobre o quadro dos três tipos de falta no Édipo

A castração é uma idéia; a privação, um fato; e a frustração, uma demanda recusada. Para o menino, a castração é uma idéia angustiante, a idéia de que o essencial pode lhe faltar; ao passo que, para a menina, a privação é uma constatação dolorosa, constatação de que lhe falta o essencial que ela julgava ter. Quanto à frustração, é para a menina a decepção que sucede a recusa do pai em tomá-la como Falo. Decepcionada, ela não obstante luta para obter os dois Falos importantes na vida de uma mulher: o amor e a criança concebida com o homem amado.

Na experiência do Édipo, a criança sente pela primeira vez os desejos que estão na base de sua futura identidade sexual:

o desejo masculino de possuir e o desejo feminino de ser possuída. Eis um quadro comparativo entre as posições masculina e feminina. Naturalmente, essas duas posições podem ser ocupadas indiferentemente por um homem ou uma mulher. Existem inúmeras mulheres que desejam segundo o tipo masculino e inúmeros homem que desejam segundo o tipo feminino. “Masculino” e “feminino” são palavras que designam posições psíquicas dominantes; é impossível – e está muito bem assim – definir psicanaliticamente o retrato-tipo do homem e da mulher, tão infinitas são suas singularidades.

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FIGURA 8

Quadro comparativo entre as posições masculina e feminina