Capítulo VI – Garantias Fundamentais do Contribuinte
49. Natureza das limitações ao poder de tributar
A Constituição Federal arrola as limitações ao poder de tributar em seus arts. 150 a 152. Algumas são gerais (art. 150), outras específicas para a União (art. 151) e outras para os Estados e Municípios (art. 152).
Há limitações que configuram verdadeiras normas negativas de competência tributária, ou seja, imunidades, como é o caso das imunidades genéricas a impostos de que cuida o art. 150, VI, da CF. Outras estabelecem cláusulas fundamentais a serem observadas quando do exercício da tributação, de modo que restem preservadas a segurança jurídica, a igualdade, a unidade da federação e liberdades públicas que constituem garantias individuais.
As limitações que se apresentam como garantias do contribuinte (legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade e vedação do confisco), como concretização de outros direitos e garantias individuais (imunidade dos livros e dos templos) ou como instrumentos para a preservação da forma federativa de Estado (imunidade recíproca, vedação da isenção heterônoma e de distinção tributária em razão da procedência ou origem, bem como de distinção da tributação federal em favor de determinado ente federado), constituem cláusulas pétreas, aplicando-se-lhes o art. 60, § 4º, da CF: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; [...] IV – os direitos e garantias individuais”. Assim, são insuscetíveis de supressão ou de excepcionalização mesmo por Emenda Constitucional.
Certa feita, o Constituinte Derivado, através da EC 3/93, autorizou a instituição imediata do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) estabelecendo, expressamente, exceção tanto à anterioridade tributária como à imunidade recíproca dos entes políticos, o que foi considerado inconstitucional pelo STF.228
50. Limitações em prol da segurança jurídica, da justiça tributária, da liberdade e da federação
As limitações ao poder de tributar visam a preservar valor fundamentais para o cidadão contribuintes. O papel das garantias outorgadas ao contribuinte e das imunidades tributárias normalmente diz respeito à preservação da segurança, da justiça, da liberdade e da forma federativa de estado.
As garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade (artigos 150, I, a, III, a, b e c, e 195, § 6º, da CF) promovem a segurança jurídica enquanto certeza do direito no que diz respeito à instituição e à majoração de tributos. Ter isto bem claro permite perceber adequadamente o conteúdo normativo de cada uma delas, o que é indispensável à sua aplicação em consonância com o princípio que concretizam.
As garantias da isonomia e da vedação do confisco (arts. 150, II e IV) concretizam critérios mínimos de justiça tributária.
As imunidades dos templos e dos livros, jornais e periódicos (art. 150, VI, b e d) estão a serviço da liberdade de crença e da liberdade de expressão.
A vedação à instituição de tributos interestaduais e intermunicipais (art. 150, V) assegura, de um lado, a liberdade de ir e vir, e, de outro, a unidade da federação. Também em prol da federação são estabelecidas a imunidade recíproca a impostos (art. 150, VI, a), as proibições de que os tributos federais não sejam uniformes no território nacional (art. 151, I) e de que a União conceda isenção relativas a tributos estaduais, distritais e municipais (art. 151, III), bem como a proibição de que os Estados estabeleçam diferença tributária entre bens e serviços em razão da procedência ou destino (art. 152).
51. Garantia da legalidade absoluta
Impende distinguirmos a legalidade geral da legalidade tributária.
A legalidade geral é a referida no art. 5º, II, da CF, que se limita a prescrever que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.229 Tal sequer precisaria estar expresso no texto constitucional, porquanto resulta do próprio princípio do Estado de Direito.230 MANUEL AFONSO VAZ refere, inclusive, que a própria expressão “reserva da lei” já não se mostra mais tecnicamente significativa,231 pois, em um Estado de Direito Democrático, não se circunscreve a nenhuma matéria especificamente, constituindo garantia geral.
A legalidade tributária, por sua vez, agrega à garantia geral da legalidade um conteúdo adicional, qualificando-a em matéria de instituição e de majoração de tributos.
Vejamos o enunciado da legalidade tributária constante do art. 150, I, da CRFB: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
A referência não apenas a “exigir”, mas, especificamente, a “aumentar”, torna inequívoco que inclusive o aspecto quantitativo do tributo precisa estar definido em lei, seja mediante o estabelecimento de um valor fixo, da definição de uma base de cálculo e de uma alíquota, do estabelecimento de uma tabela, ou por qualquer outra forma suficiente que proveja critérios para a apuração do montante devido. A lei é que estabelece o quantum debeatur e somente a lei pode aumentá-lo, redefinindo seu valor, modificando a base de cálculo, majorando a alíquota.
Violaria frontalmente a legalidade tributária uma cláusula geral de tributação que permitisse ao Executivo instituir tributo.232 Seria o caso da lei que autorizasse o ente político, por exemplo, a cobrar taxas pelos serviços que prestasse ou contribuições de melhoria pelas obras que realizasse, estabelecendo apenas critérios gerais e deixando ao Executivo a especificação, para cada serviço ou obra, da sua hipótese de incidência, do contribuinte e do valor.
Aliás, não há a possibilidade de qualquer delegação de competência legislativa ao Executivo para que institua tributo, tampouco para que integre a norma tributária impositiva, ressalvadas apenas as atenuações constitucionais que se limitam a permitir, relativamente a alguns poucos tributos expressamente indicados, a graduação de alíquotas nas condições e limites de lei (art. 153, § 1º)233 ou, simplesmente, sua redução ou restabelecimento (art. 177, § 4º, b).234 Estas hipóteses reforçam o entendimento de que, em todos os demais casos, sequer atenuação será possível, restando vedada a integração da norma tributária impositiva pelo Executivo, que deve se limitar a editar os regulamentos para a fiel execução da lei.235
Como se vê, a legalidade tributária exige que os tributos sejam instituídos não apenas com base em lei ou por autorização legal, mas pela própria lei. Só à lei é permitido dispor sobre os aspectos da norma tributária impositiva: material, espacial e temporal, pessoal e quantitativo. A legalidade tributária implica, pois, reserva absoluta de lei, também designada de legalidade estrita.
A análise do atendimento ou não, por uma lei, à reserva absoluta, faz-se, pois, pela verificação da determinabilidade da relação jurídico-tributária mediante o critério da suficiência. A lei deve, necessariamente, conter todas as referências necessárias, em quantidade e densidade, para garantir a certeza do direito. Deve poder ser possível determinar, com suporte na própria lei, os aspectos da norma tributária impositiva, de modo que o contribuinte conheça os efeitos tributários dos atos que praticar ou posições jurídicas que assumir, independentemente de complementação de cunho normativo por parte do Executivo, ainda que a título de regulamentos intra legem.
Isso não significa, contudo, que todos os cinco aspectos da norma tributária impositiva (material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo) devam constar na lei de modo expresso. Há situações em que, embora a lei não ostente formalmente todos os aspectos de modo claro e didático, é possível deduzi-los implicitamente ou à luz da respectiva norma de competência. A falta de referência ao sujeito ativo do IPTU, por exemplo, deve ser interpretada como simples ausência de delegação de tal posição a nenhum ente, mantendo-a o próprio Município. A ausência de indicação do aspecto temporal da norma em tributo com fato gerador instantâneo faz com que se considere ocorrido no momento mesmo em que a situação se configura no plano fático. Outro exemplo importante é o que decorre da aplicação do art. 22, I, a, da Lei 8.212/91, que não especifica claramente o fato gerador, mas que permite que seja identificado como a realização do pagamento ou creditamento cujo montante constitui sua base de cálculo.
A conclusão sobre a completude da norma tributária impositiva depende, pois, não de uma análise simplesmente literal da lei, mas, isto sim, da possibilidade de se determinar os seus diversos aspectos ainda que mediante análise mais cuidadosa do seu texto e da consideração do tipo de fato gerador, da competência do ente tributante e dos demais elementos de que se disponha em lei, desde que seja desnecessário recorrer a atos normativos infralegais.
Não há impedimento à utilização de tipos abertos e de conceitos jurídicos indeterminados, até porque todos os conceitos são mais ou menos indeterminados, desde que tal não viole a exigência de determinabilidade quanto ao surgimento, sujeitos e conteúdo da relação jurídico-tributária, não se admitindo que a sua utilização implique delegação indevida de competência normativa ao Executivo.
Também não é vedada a utilização de norma tributária em branco que exija a consideração de simples dados fáticos ou técnicos necessários à sua aplicação. Assim, entendeu o STF que a contribuição ao SAT, de 1% a 3%, conforme o grau de risco da atividade preponderante, determinado por força de estatísticas do Ministério do Trabalho (art. 22, III, e § 3º, da Lei 8.212/91), é válida.236 Inadmissível é a norma tributária em branco que exija integração normativa pelo Executivo.
A definição em abstrato dos aspectos da norma tributária impositiva está sob reserva legal. A definição “em concreto” diz respeito a momento posterior, de aplicação da lei. Cabe ao legislador, ao instituir um tributo, definir o antecedente e o consequente da norma. A lei, por definição, tem o atributo da generalidade. A previsão legal identifica, e.g., qual o aspecto quantitativo, indicando a base de cálculo e a alíquota. O montante exato da base de cálculo será verificado em concreto, por ocasião da aplicação da lei. Assim é que a base de cálculo do IR é o montante da renda ou dos proventos, sendo que, por ocasião da sua aplicação, verifica-se o que corresponde a cada contribuinte. Idêntica é a situação relativamente ao ITR, para o qual a base de cálculo prevista em lei é o valor venal do imóvel, assim considerado o valor da terra nua tributável. É claro que a lei não poderia dizer quanto custa um hectare de terra em cada ponto do país; tal já não é mais atribuição do legislador. Ao legislador cabe dizer que a base de cálculo é o valor venal e qual a alíquota; ao aplicador, apurar e calcular o tributo em concreto. Nenhum impedimento haveria, pois, relativamente ao IPTU, que a lei dissesse que a base de cálculo é o valor venal do imóvel e que, por ato infralegal, se estabelecesse a chamada planta fiscal de valores, que é a referência com o valor do metro quadrado por tipo de construção e localização. A planta fiscal de valores é simples subsídio para a autoridade fiscal promover o lançamento do IPTU; não está no plano da instituição do tributo, da definição abstrata dos aspectos da norma tributária impositiva, mas da aplicação da mesma. É matéria para atos infralegais. Aliás, Geraldo Ataliba já destacava que a planta de valores se insere na categoria de atos administrativos que incumbem ao Executivo, para instrumentar a ação dos agentes, viabilizando a fiel execução da lei. Entretanto, os precedentes do STF são no sentido de que a planta fiscal de valores deve constar em lei, o que também é frisado na Súmula 13 do TASP.
A publicação da lei é requisito indispensável, pois aperfeiçoa o processo legislativo. Sem publicação, não há lei.
As medidas provisórias, tendo força de lei, são aptas a instituição ou majoração dos tributos para os quais se faça necessária lei ordinária.237 Ainda que, após a EC 32, haja limitações temáticas à edição de medidas provisórias (art. 62, § 1º, da CF), tal como ocorria com o antigo Decreto-Lei, tais limitações não atingem a área tributária. Dever-se-ão observar apenas as restrições impostas pelo art. 246 da CF238 e a impossibilidade de tratar de matéria reservada à lei complementar (art. 62, § 1º, III).
A jurisprudência aponta no sentido de que a previsão de que haja correção monetária da base de cálculo ou mesmo do montante devido a título de determinado tributo deve constar de lei, sob pena de não poder o Fisco exigir a correção. Não há necessidade, contudo, de que a lei defina o indexador, tampouco que seja feita por lei a atualização de tabelas indicativas para apuração da base de cálculo de tributos como o IPTU e o ITR.239 Efetivamente, dispõe o CTN: “Art. 97 [...] § 2º Não constitui majoração de tributo [...] a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo”. É válida, portanto, a definição, pelos Conselhos de Fiscalização Profissional, do valor exato das anuidades que lhe são devidas, mediante simples aplicação do INPC sobre os valores estabelecidos pela Lei 12.514/11, que determina expressamente tal atualização.
Assim, a atualização monetária depende de previsão legal, mas tal reserva de lei não é absoluta, na medida em que a atualização não implica instituição ou majoração de tributo, mas, pelo contrário, a manutenção do seu conteúdo econômico Entretanto, se, a pretexto de atualizar monetariamente a base de cálculo, o Poder Público determinar a aplicação de índice que supera a inflação real, estará majorando indiretamente o tributo, o que não poderá ser admitido, conforme já restou, inclusive, sumulado pelo STJ: “É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária”. (Súmula 160 do STJ).
O prazo para recolhimento do tributo não constitui elemento da hipótese de incidência. Trata-se de simples disposição sobre a operacionalização de pagamento relativo à obrigação principal estabelecida por lei, não acrescendo nenhuma obrigação ou dever. Pode, assim, ser estabelecido por simples ato administrativo infralegal.240 Mas, se o legislador ordinário tratar da matéria, estabelecendo o prazo de vencimento a ser observado, vinculará o Fisco, de modo que não poderá haver alteração por Portaria.241
Quanto às obrigações acessórias, a matéria é bastante delicada. É certo que o art. 150, I, da CF diz respeito tão somente à obrigação tributária principal, não alcançando as obrigações acessórias. Também não há dúvida de que o CTN leva ao entendimento de que poderiam ser instituídas pela legislação tributária em sentido amplo, incluindo os atos normativos infralegais, como decorre de interpretação combinada dos seus arts. 96, 100, 113, § 2º, e 115. Também não se pode negar que é prerrogativa do sujeito ativo da relação jurídico tributária regulamentar as questões operacionais relativas ao tributo de que é credor.
Contudo – e apesar da doutrina em contrário a que durante longo tempo aderimos –, não há como afastar, relativamente às obrigações tributárias acessórias, a garantia geral de legalidade estampada no art. 5º, II, da CF. Devem, pois, ao menos ser instituídas em lei, sem prejuízo de que esta permita ao Executivo a especificação dos seus detalhes, já que o art. 5º, II, constitui garantia de legalidade relativa, e não de legalidade absoluta.
Efetivamente, a Constituição enuncia como garantia individual que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão por força de lei, mesmo que a obrigação ou dever não tenha conteúdo econômico direto. Ademais, os chamados deveres formais constituem, sim, ônus gravosos aos contribuintes, os quais têm de despender tempo e dinheiro para o seu cumprimento.
Soma-se a isto tudo, a constatação de que os deveres formais como os de prestar declaração não configuram mera operacionalização do pagamento dos tributos. Lembre-se que as obrigações tributárias ditas acessórias têm autonomia relativamente às obrigações principais, tanto que devem ser cumpridas mesmo por entes imunes e por contribuintes isentos (art. 175, parágrafo único, do CTN).
Por fim, não há consistência na afirmação de que apenas a aplicação de multa pelo descumprimento da obrigação acessória é que dependeria de previsão legal específica. Se o consequente da norma punitiva depende de previsão legal, por certo que seu antecedente deve ser definido pela mesma via legislativa. Exigir lei para estabelecer que ao descumprimento de obrigação acessória corresponde determinada multa e deixar ao executivo dispor sobre o pressuposto de fato da norma, ou seja, sobre os deveres formais cuja infração implica sanção, é um contrassenso que viola tanto o art. 5º da CF, como o art. 97, V, do CTN. Note-se que este diz que somente a lei pode estabelecer a cominação de penalidades “para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas”, exigindo, pois, que o pressuposto de fato da sanção seja também disciplinado por lei.
52. Garantia da irretroatividade
A Constituição Federal de 1988 não traz uma regra geral de irretroatividade. Seu art. 5º, inciso XXXVI, estabelece, apenas, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Ainda que se possa extrair diretamente do princípio do Estado de Direito a ideia de irretroatividade da lei, ela assume o contorno de impedir que lei nova alcance direitos adquiridos e atos jurídicos perfeitos, ou seja, posições jurídicas já definitivamente constituídas. Assim, não pode influir sobre direitos já consumados ou, embora não consumados, já adquiridos, pendentes apenas de exercício ou exaurimento, tampouco infirmar atos jurídicos perfeitos.242
A Constituição estabelece, porém, expressamente, a irretroatividade como garantia especial quanto à definição de crimes e ao estabelecimento de penas243 e quanto à instituição e à majoração de tributos.
Vejamos tal limitação constitucional ao poder de tributar:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”
A enunciação da irretroatividade tributária no art. 150, III, a, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece, quanto à instituição e à majoração de tributos, uma garantia adicional aos contribuintes, que extrapola a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.
Como instrumento para conceder ao contribuinte um maior nível de certeza quanto ao direito aplicável aos atos que praticar ou à situação que ostentar em determinado momento,244 a previsão constitucional de irretroatividade da lei tributária ocupa papel fundamental, com a qual são incompatíveis certas retroatividades outrora admitidas no próprio Direito brasileiro245 e que, até hoje, encontram sustentação no Direito estrangeiro.246
A irretroatividade tributária, tal como posta no art. 150, III, a, da Constituição, implica a impossibilidade de que lei tributária impositiva mais onerosa seja aplicada relativamente a situações pretéritas. Não se pode admitir que, a atos, fatos ou situações já ocorridos, sejam atribuídos novos efeitos tributários, gerando obrigações não previstas quando da sua ocorrência.
Preservando o passado da atribuição de novos efeitos tributários, a irretroatividade reforça a própria garantia da legalidade, porquanto resulta na exigência de lei prévia.
O que inspira a garantia da irretroatividade é o princípio da segurança jurídica, que nela encontra um instrumento de otimização no sentido de prover uma maior certeza do direito.
Não há, no texto constitucional, qualquer atenuação ou exceção à irretroatividade tributária. A lei instituidora ou majoradora de tributos tem de ser, necessariamente, prospectiva, não se admitindo nenhum tipo de retroatividade, seja máxima, média ou mínima. Não há que se falar em retroatividade tampouco na sua variante conhecida por retrospectividade ou retroatividade imprópria, mas apenas em prospectividade da lei tributária impositiva mais onerosa.247
Aliás, a Constituição não apenas se abstém de admitir qualquer exceção à irretroatividade como estabelece garantias adicionais, quais sejam, os interstícios mínimos entre a publicação da lei tributária impositiva mais onerosa e o início da sua incidência estampados nas anterioridades de exercício e nonagesimal mínima.
Não há que se perquirir, pois, de flexibilizações ou de fragilizações à irretroatividade, mas, sim, do seu reforço pelas anterioridades.
Impõe-se considerar a locução “fato gerador”, constante do art. 150, I, a, da CRFB, no sentido tradicionalmente utilizado no Direito brasileiro e consagrado no art. 114 do CTN, como a situação definida em lei como necessária e suficiente ao surgimento da obrigação tributária. “Fato gerador” está, assim, no sentido de “aspecto material da hipótese de incidência tributária”. O aspecto temporal não tem o condão de substituir ou de se sobrepor ao aspecto material como critério para a verificação da observância das garantias constitucionais, mormente quando consubstancie ficção voltada a dar praticabilidade à tributação.
A irretroatividade assegura a certeza do direito para o contribuinte independentemente do tipo de fato gerador a que se refira a lei nova. Alcança, pois, também o fato gerador de período já ocorrido em parte.248 No Direito português e no Direito italiano, a lei geral tributária249 e o estatuto do contribuinte250 dispõem, expressamente, no sentido da aplicação da lei nova ao período que tiver início após a sua publicação. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal admite a retroatividade imprópria (a que alcança todo o período já decorrido em parte quando do advento da lei), entendimento inaplicável, contudo, no Brasil, onde, como visto, temos garantia constitucional específica e qualificada.
Sempre que se for analisar, no caso concreto, a ocorrência ou não de violação à irretroatividade, impende analisar se tinha ou não o contribuinte o conhecimento da lei quando da prática do ato considerado como gerador de obrigação tributária. Se a resposta for negativa, não terá sido atendida a garantia de irretroatividade que assegura o conhecimento prévio da lei tributária que inova majorando a carga tributária.
HUMBERTO ÁVILA afirma que o problema da retroatividade não é apenas uma questão de direito intertemporal, envolvendo, isto sim, “a não restrição arbitrária de direitos fundamentais e de atuação leal e justificada: retroativa não é apenas a norma que alcança fato gerador consumado, mas também a norma que alcança disposição consumada em razão da hipótese de incidência vigente no momento da sua adoção, assim entendida aquela que não mais pode ser revertida por reação do contribuinte”.251
53. Garantia de anterioridade
A garantia da anterioridade tributária não encontra muitos paralelos nos demais ramos do direito. Inexiste exigência de anterioridade das leis no Direito Civil, tampouco no Direito Penal. Apenas no Direito Eleitoral é que podemos vislumbrar instituto parecido, forte na anterioridade prevista no art. 16 da CF, com a redação da EC 4/93, que determina que a lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Anterioridade tributária não se confunde com anualidade. A anualidade figurava no § 34 do art. 141 da Constituição de 1946 que dizia: “nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. Impunha, portanto, que constasse do orçamento a previsão da arrecadação do tributo sob pena de não poder ser exigido. Tal norma não foi repetida nas Constituições posteriores e já não existe mais como garantia tributária.252
A anterioridade é garantia de conhecimento antecipado da lei tributária mais gravosa. Não se trata apenas de prover previsibilidade ou não surpresa. HUMBERTO ÁVILA diz que “em vez de previsibilidade, a segurança jurídica exige a realização de um estado de calculabilidade. Calculabilidade significa a capacidade de o cidadão antecipar as consequências alternativas atribuíveis pelo Direito a fatos ou a atos, comissivos ou omissivos, próprios ou alheios, de modo que a consequência efetivamente aplicada no futuro situe-se dentro daquelas alternativas reduzidas e antecipadas no presente”.253
A anterioridade apresenta-se não como princípio, mas como regras claras e inequívocas condicionantes da válida incidência das normas que instituem ou majoram tributos.
Há duas normas de anterioridade, dispostas em três dispositivos constitucionais.
A anterioridade de exercício está consagrada no art. 150, III, b, da CF. Garante que o contribuinte só estará sujeito, no que diz respeito à instituição e majoração de tributos, às leis publicadas até 31 de dezembro do ano anterior.
A anterioridade nonagesimal consta da alínea c ao art. 150, III, acrescida pela EC 42/03, bem como do § 6º do art. 195 da CF. Garante ao contribuinte o interstício de 90 dias entre a publicação da lei instituidora ou majoradora do tributo e sua incidência apta a gerar obrigações tributárias.
Ambas aplicam-se a todas as espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições e empréstimos compulsórios. Assim, como regra, a anterioridade de exercício e nonagesimal se completam, uma reforçando a outra. Ressalvam-se, todavia, as exceções previstas nos artigos 150, § 1º, 177, § 4º, e 195, § 6º, da Constituição.
Os tributos em geral continuam sujeitos à anterioridade de exercício (a lei publicada num ano só pode incidir a partir do ano seguinte), mas não haverá incidência antes de decorridos, no mínimo, 90 dias da publicação da lei instituidora ou majoradora. Prestigia-se, assim, a segurança jurídica em matéria tributária. Não ocorre mais a instituição ou majoração de tributos por lei publicada ao apagar das luzes de um ano para vigência já a partir de 1º de janeiro. Muitas vezes houve até mesmo edições extras do Diário Oficial em 31 de dezembro, sábado à noite, sem que sequer tivesse chegado a circular, e que no dia seguinte, alheia ao conhecimento sequer dos mais atentos, já geravam obrigações tributárias.
Com a aplicação simultânea das anterioridades de exercício e nonagesimal mínima, só o atendimento a ambas enseja a incidência da lei.
Assim, publicada a lei majoradora em março de um ano, poderá incidir sobre fatos ocorridos a partir de 1º de janeiro, quando já atendidas, cumulativamente, a anterioridade de exercício (publicação num ano para incidência no exercício seguinte) e a anterioridade mínima (decurso de 90 dias desde a publicação). Publicada, contudo, em 15 de dezembro de determinado ano, só poderá incidir sobre fatos ocorridos a partir de 16 de março, respeitando a anterioridade de exercício e a anterioridade nonagesimal mínima (interstício de 90 dias, incidindo, então, a partir do 91º dia).
As exceções às regras de anterioridade são taxativas, numerus clausus. Há um rol de exceções para a anterioridade de exercício e outro para a anterioridade nonagesimal mínima, os quais não se confundem.
O art. 150, § 1º, atento ao uso extrafiscal de certos tributos, diz que não se aplica a anterioridade de exercício ao empréstimo compulsório de calamidade ou guerra, aos impostos de importação e de exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações de crédito, câmbio, seguros e operações com títulos e valores mobiliários, tampouco ao imposto extraordinário de guerra. E diz que não se aplica a anterioridade nonagesimal ao empréstimo compulsório de calamidade ou guerra, aos impostos de importação e de exportação, ao imposto de renda e sobre operações de crédito, câmbio, seguros e operações com títulos e valores mobiliários, ao imposto extraordinário de guerra e à fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU.
O art. 155, § 4º, IV, c, permite que as alíquotas do ICMS sobre a comercialização de combustíveis e lubrificantes sejam reduzidas e restabelecidas sem observância da anterioridade de exercício. O art. 177, § 4º, estabelece exceção idêntica para a CIDE-combustíveis.
Por fim, o art. 195, § 6º, submete as contribuições de seguridade social exclusivamente à anterioridade nonagesimal, excluindo a aplicação da anterioridade de exercício. A anterioridade prevista no art. 195, § 6º, da CF tem sido chamada pela doutrina e pela jurisprudência de anterioridade nonagesimal, especial ou mitigada. Basta a observância do decurso de noventa dias, ainda que no curso de um mesmo ano, para que se possa ter a incidência válida de nova norma que institua ou majore contribuição de seguridade social.
Vejamos o rol das exceções:
Quanto à abrangência da garantia, as anterioridades alcançam tanto a instituição do tributo como a sua majoração. Assim, aplicam-se primeiramente à própria definição legal dos aspectos material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo. Posteriormente, também aplicam-se a eventuais modificações da norma tributária impositiva que impliquem cobrar mais tributo ou de mais pessoas. Isso pode ocorrer com a ampliação da base de cálculo ou das alíquotas e também quando a lei torna mais abrangente o polo passivo. Mesmo alterações no antecedente da norma, que impliquem definição de novos fator geradores, extensão do aspecto espacial ou mesmo antecipação do aspecto temporal estão cobertas pela garantia.
O STF consolidou entendimento no sentido de que a simples prorrogação de tributo ou de alíquota temporários254 não se sujeita à observância das regras de anterioridade. Assim, a lei que se limita a determinar a manutenção de carga tributária que já venha sendo suportada poderia ser publicada para vigência imediata.255 Pensamos que tal posição é totalmente equivocada, porquanto a prorrogação de tributo ou de alíquota temporários corresponde ao estabelecimento de uma carga tributária que não existiria não fosse a prorrogação. Configura, portanto, imposição tributária que, relativamente ao período acrescido, é nova e inédita. Assim, também a lei prorrogadora teria de observar a garantia da anterioridade.256
O STF também vem decidindo no sentido de que a revogação e a redução de benefício fiscal não estão sujeitas à observância da garantia da anterioridade. Poderiam ser imediatamente suprimidos ou reduzidos isenções, créditos presumidos, compensações de prejuízos e descontos para pagamento antecipado.257 Esta posição nos parece igualmente equivocada, pois a supressão de benefícios fiscais aumenta a carga tributária a que o contribuinte está sujeito, de modo que ao contribuinte deveria ser reconhecido o direito ao seu conhecimento antecipado, finalidade das regras dos arts. 150, III, b e c, e 195, § 6º, da Constituição. Ademais, o art. 104, III, do CTN determina a aplicação da anterioridade à extinção ou redução de isenções, norma esta, ao nosso ver, meramente interpretativa, o que não foi considerado pelo STF.
No que diz respeito aos fatos geradores de período,258 a anterioridade tributária exige conhecimento antecipado da nova lei tributária mais gravosa relativamente ao próprio início do período. Assim, a virada do exercício e/ou o decurso dos noventa dias devem estar cumpridos já no início do período considerado para fins de tributação, como imperativo de segurança jurídica. O STF revisou jurisprudência anterior em sentido contrário259 para decidir, em 2011, que não é viável a alteração da alíquota da contribuição sobre o lucro (CSL) no curso do período, sem a observância da anterioridade de 90 dias.260 Tal revisão deve ocorrer, também, quanto ao IR, estando em discussão nos autos do RE 183.130. Mas ainda não foi expressamente cancelada a Súmula 584 do STF que permitia a aplicação, a todo o ano-base, da lei de IR publicada ao longo do período, devendo-se destacar que tal súmula foi por diversas vezes aplicada mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988.261
A anterioridade não diz respeito a alterações de índices de correção monetária, desde que não impliquem aumento velado do tributo,262 cabendo a aplicação do art. 97, § 2º, do CTN.
A anterioridade também não é aplicável à determinação do prazo de recolhimento do tributo, de maneira que pode ser alterado e passar a valer no mesmo exercício. Aliás, veja-se a Súmula 669 do STF: “Norma legal que altera o prazo de recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”.
Por fim, cabe uma observação quanto ao cômputo da anterioridade relativamente aos tributos instituídos ou majorados por medida provisória. O STF vinha entendendo que o termo a quo para verificação da observância da anterioridade de exercício era a data da edição da medida provisória, inclusive considerando a primeira medida provisória da série no caso de reedições (quando as reedições eram possíveis, antes da EC 32/01). Porém, com a EC 32/01, que alterou o regime das medidas provisórias, acresceu-se o § 2º ao art. 62 da CF, com a seguinte redação: “Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. Note-se que a restrição foi posta apenas para a espécie tributária impostos, de maneira que, para as demais espécies tributárias, continua aplicável a orientação do STF. A EC 42/03, que estabeleceu a anterioridade mínima de 90 dias ao acrescer a alínea c ao inciso III do art. 150 da CF, não estabeleceu a conversão em lei como critério para a sua contagem. Assim, a majoração de impostos, decorrente de medida provisória, poderá incidir desde que publicada e convertida em lei antes do final do exercício, observada a anterioridade mínima de 90 dias contados estes da edição da medida provisória. Quanto aos demais tributos, ambas as regras de anterioridade são computadas tendo em vista a data de edição da medida provisória.
54. Isonomia
A isonomia tributária está positivada no art. 150, II, da CF. Constitui uma limitação ao poder de tributar vinculada à ideia de justiça tributária. Veda tratamento desigual entre os contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Analisamos a matéria no capítulo atinente aos princípios.
55. Não confisco263
Carga tributária demasiadamente elevada pode comprometer o direito de propriedade e o próprio exercício da atividade econômica. Daí a relevância do dispositivo constitucional que veda a utilização de tributo com efeito de confisco.
Costuma-se identificar o confisco com a tributação excessivamente onerosa, insuportável, não razoável, que absorve a própria fonte da tributação.
Mas é preciso atentar, primeiramente, para a estrutura da norma de vedação do confisco. LUIZ FELIPE SILVEIRA DIFINI, em profunda análise sobre a vedação ao confisco, destaca: “A norma que estabelece a proibição de utilizar tributo com efeito de confisco não é regra, pois não se aplica por subsunção, nem princípio no sentido mais restrito (mandamento prima facie), mas um dos princípios (em sentido lato) que regem a aplicação dos demais e é medida da ponderação destes: é norma de colisão”. E prossegue: “norma de colisão (tal qual a proporcionalidade) que, nos casos mais afetos à sua operatividade, substitui o princípio da proporcionalidade, como norma para solução de hipóteses de colisão de princípios em sentido estrito”.264
Em segundo lugar, é importante ter em conta, conforme esclarece o mesmo Autor, que não estará sempre em questão a propriedade, mas, por vezes, a livre iniciativa e o livre exercício profissional. Esclarece: “Assim como o direito de propriedade, também os princípios do livre exercício profissional e da livre iniciativa podem entrar em conflito com outros princípios, que visam a fins de sociabilidade objeto de proteção constitucional, derivados do princípio do Estado Social e Democrático de Direito, aplicando-se, no campo da tributação, o princípio da não-confiscatoriedade, como norma de colisão para a solução destes conflitos”.265
O Supremo Tribunal Federal, em 1999, quando do julgamento da ADI 2.010, entendeu que o aumento da contribuição previdenciária do servidor público para patamares que poderiam chegar a 25%, associado à incidência do imposto sobre a renda de 27,5%, implicava confisco, razão pela qual suspendeu a majoração da contribuição. Este precedente é extremamente importante porque sinalizou que a verificação do caráter confiscatório de um novo tributo ou majoração se faz em face da carga tributária total a que resta submetido o contribuinte, e não em face da onerosidade de cada tributo isoladamente considerado.266
O STF tem sinalizado, também, no sentido de que a vedação do efeito confiscatório aplica-se tanto aos tributos propriamente, como às multas pelo descumprimento da legislação tributária, invocando o art. 150, IV, da CF em ambos os casos.267 Mas deve-se ter bem presente que os fundamentos da vedação, num e noutro caso, a rigor, são distintos. A vedação de efeito confiscatório na instituição ou majoração de tributos decorre diretamente do art. 150, IV, da Constituição; relativamente às multas, da proporcionalidade das penas e do princípio da vedação do excesso.
56. Proibição de limitações ao tráfego por meio de tributos interestaduais e intermunicipais, ressalvado o pedágio
A proibição do estabelecimento de limitações ao tráfego por meio de tributos interestaduais e intermunicipais, constante do art. 150, inciso V, da CF,268 impede a instituição de tributos de passagem, ressalvada expressamente a cobrança de pedágio pelo uso de rodovia conservada pelo Poder Público. A par disso, também a tributação que torne mais gravosas as operações interestaduais e/ou intermunicipais teriam o efeito de implicar limitação ao tráfego, enquadrando-se, pois, na vedação constitucional.
O pedágio é referido, no art. 150, V, da CF, como exceção em norma que estabelece limitações ao poder de tributar. Ademais, todos têm direito à circulação em rodovia que constitui bem de uso comum do povo. Diga-se, ainda, que o trânsito por rodovias é indispensável ao exercício do direito de ir e vir, de modo que o seu uso não constitui, propriamente, uma opção de que se possa abrir mão.
Tudo aponta, pois, para o caráter tributário da exação cobrada pelo uso de rodovia, o que restou reconhecido pelo STF no RE 181.475-6, tendo sido classificado o pedágio como taxa de serviço. O STF, contudo, também tem precedente anterior, em cognição sumária, dizendo configurar preço público. Neste ponto, é importante ter em consideração que a Constituição, ao cuidar dos princípios gerais da atividade econômica, prevê a prestação de serviço público por concessionárias ou permissionárias, estabelecendo regime específico para tal hipótese. O art. 175 da CF, de fato, estabelece cláusula de exceção nesses casos, fazendo com que as salvaguardas do contribuinte (limitações constitucionais ao poder de tributar) sejam substituídas pela exigência de licitação (“sempre através de licitação”) e pela política tarifária definida em lei (“A lei disporá sobre: [...] III – política tarifária;”).
O pedágio é cobrado pela utilização de rodovia conservada pelo poder público, visando a fazer frente às despesas com a conservação. Tendo em conta que não há identidade conceitual entre conservação (manter determinada construção em condições de utilização) e ampliação (acréscimo que inova, ampliando a construção anteriormente existente), bem como que é impositivo distinguir o “serviço de conservação” da “obra de ampliação”, pode-se concluir que a ampliação de rodovias não poderia ser custeada por pedágio. De fato, a ampliação não constitui serviço de conservação da rodovia, mas obra de construção civil.
Notas
228 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro SYDNEY SANCHES, ADI 939, 1993.
229 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
230 HECK, Luís Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais: contributo para uma compreensão da Jurisdição Constitucional Federal Alemã. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 200.
231 “No seu sentido dogmático tradicional, a ‘reserva da lei’ só tem verdadeiramente sentido em estruturas constitucionais que aceitem a existência de espaços de poder estatal livres da lei, ou seja, que, de algum modo, aceitem o dualismo ao nível da estruturação política dos órgãos estaduais.” (VAZ, Manoel Afonso. Lei e reserva da lei: a causa da lei na Constituição Portuguesa de 1976. Porto, 1992, p. 141).
232 “Não há, portanto, no nosso sistema, nenhuma possibilidade de existir cláusula geral do tributo, norma aberta de tributação ou qualquer outra denominação que se lhe queira dar.” (Gonçalves, J. A. Lima. Isonomia na Norma Tributária. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 37).
233 CF: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; [...] IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; [...] § 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”.
234 CF: “Art. 177 [...] § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: [...] b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b;” Dispositivos com a redação da EC 33/01.
235 CF: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”.
236 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CARLOS VELLOSO, RE 343.446, 2003.
237 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, RE 234.463, 1999; STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro OCTÁVIO GALLOTTI, ADI 1.417, 1999.
238 CF: “Art. 246. É vedada a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive.” (com a redação da EC nº 32/01).
239 STF, AG (AgRg) 230.557-SP.
240 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, RE 195.218, 2002; STF, Segunda Turma, Rel. Ministro MAURÍCIO CORREA, AGRAG 178723, 1996.
241 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, RE 140.669, 1998.
242 Sobre a irretroatividade das leis de ordem pública e respectivas discussões, vide item 10 infra.
243 CRFB: “Art. 5º [...] XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”.
244 Caso dos tributos sobre patrimônio.
245 É o caso da retroatividade imprópria consagrada na Súmula 584 do STF.
246 A retroatividade imprópria no Direito alemão e espanhol.
247 É importante observar que, embora vedada no que diz respeito à instituição e à majoração de tributos, a retroatividade não é de todo estranha ao Direito Tributário, havendo normas que se vocacionam mesmo para retroagir, como as de remissão e anistia, além do que o art. 106 do CTN determina a aplicação retroativa da lei posterior mais benéfica relativamente à cominação de penalidades: “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática”.
248 Os artigos 105 e 144, § 2º do CTN, no que ensejariam a aplicação da lei nova a todo o período já decorrido em parte, são incompatíveis com o art. 150, III, a, da CRFB de 1988, não tendo sido recepcionados.
249 Lei Geral Tributária portuguesa (Decreto-Lei 398, de 17 de Dezembro de 1999): “Artigo 12º Aplicação da lei tributária no tempo. 1 – As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos. 2 – Se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”.
250 Statuto del contribuente italiano (Legge 212, de 27 de julho de 2000): “Art. 3. Salvo quanto previsto dall’articolo 1, comma2, lê disposizioni tributarie non hanno effetto retroattivo. Relativamente ai tributi periodici le modifiche introdotte si applicano solo a partire dal periodo d’imposta successivo a quello in corso alla data di entrata in vigore delle disposizioni che lê prevedono”.
251 ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: Entre a permanência, mudança e realização no Direito Tributário. Malheiros, 2011, p. 688.
252 A anterioridade e a anualidade são bastante distintas tanto no fundamento quanto no conteúdo. A ideia de anterioridade da lei visa a garantir que o contribuinte não seja surpreendido com um novo ônus tributário de uma hora para outra, sem que possa se preparar para a nova carga tributária, ou seja, concretiza um comando que tem como fundamento a segurança jurídica e como conteúdo a garantia de certeza do direito, assegurando o conhecimento prévio da lei. A anterioridade, pois, sempre se relaciona com inovação legislativa relativa à instituição ou majoração de tributo. A anuidade, por sua vez, precisa ser analisada conforme o momento histórico. Em uma fase inicial, identificava-se com a ideia de consentimento que deu suporte ao próprio surgimento da legalidade tributária, porquanto, a cada ano, em uma única lei se instituíam os tributos a serem cobrados no ano subsequente conforme as despesas previstas. A própria instituição dos tributos era temporária, anual, exigindo, pois, renovação. Assim, pouco importava que se estivesse cuidando da instituição ou majoração de um tributo novo ou da simples manutenção da sua cobrança tal como já vinha sendo feito em exercícios anteriores. Em uma segunda fase, quando, mais consolidado o sistema representativo, a instituição dos tributos já não mais se dava de modo temporário, mas em caráter permanente, até que a lei instituidora viesse a ser revogada, a anuidade passou a cumprir uma função limitadora da instituição de novos tributos ou majoração dos já existentes, pressupondo-se que, se não prevista no orçamento daquele ano, não poderia incidir, não estando autorizada a sua cobrança. Ficaria, assim, a incidência e arrecadação para o ano em que, já constando do orçamento aquele ingresso como receita, se justificasse a sua exigência. Em uma terceira fase, que é a atual, sequer se condiciona a instituição ou majoração de tributos à prévia inclusão na lei orçamentária. Isso porque se entende que, provindo do mesmo órgão legislativo, ainda que não prevista na lei orçamentária, a instituição posterior, por força de lei, pressupõe, ela própria, um juízo contemporâneo quanto à necessidade daquela receita e a autorização para a cobrança após o decurso do prazo constitucional que garante o conhecimento antecipado pelo contribuinte, a anterioridade. Não se deve perder de vista, contudo, que a tributação não se justifica por si só, como uma via de mão única, como um arrecadar por arrecadar, uma receita sem sentido. Pelo contrário, a tributação só se justifica e encontra amparo constitucional, sustentando-se a ingerência no patrimônio privado, quando se faça necessária. Nesta medida, excluindo-se o exercício inicial, quando a própria instituição ou majoração pressupõe tal juízo de necessidade e, por isso, dispensa autorização orçamentária prévia, a tributação só restará justificada e autorizada, nos exercício seguintes, se houver na lei orçamentária, que rege a ação do Estado em cada exercício, a previsão da arrecadação e da aplicação dos respectivos recursos, o que ganha relevância e maior destaque no que diz respeito aos tributos que, por sua própria natureza, vinculam-se diretamente a uma atividade estatal (taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios). Atualmente, pois, ainda que a anualidade não mais figure como limitação à inovação legislativa que implique instituição ou majoração de tributo, prossegue condicionando a tributação no que diz respeito ao prosseguimento da cobrança, a cada exercício.
253 ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: Entre a permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 587.
254 Tributo temporário é aquele instituído para vigência até determinada data. Alíquota temporária é aquela estabelecida para vigência por determinado período, findo o qual voltaria a ser aplicada a alíquota anterior.
255 STF, RE 584100 (DJe fev/2010), RE 566032, AI 392574, ADI 2.666, ADI 2.031.
256 Também HUMBERTO ÁVILA pensa assim: “Ora, se a regra da anterioridade visa a evitar a surpresa, tal dissociação entre instituição e prorrogação revela-se de todo imprópria. Havendo surpresa, que a regra visa a evitar, tem-se a instituição, pouco importa se sob o nome de prorrogação”. (Segurança Jurídica: Entre a permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 592).
257 STF, RE 344.994, RE 545.308, ADI 4.016, RE 204.062.
258 Fatos geradores de período ou fatos geradores complexos são aqueles que pressupõem um conjunto de fatos que acontecem ao longo de um dado período e que são considerados como um todo único, casos do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro, em que os ingressos e as despesas de todo o ano ou do trimestre concorrem para a verificação da ocorrência do lucro real e do resultado ajustado respectivos.
259 STF, RE 204.271 e RE 197.790.
260 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, RE 587008, 2011.
261 STF, RE 194.612 e AgRgpET 2.698.
262 STF, Segunda Turma, AGRRE-176.200.
263 Sobre a vedação do confisco em matéria tributária, consulte-se, principalmente: DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Proibição de tributos com Efeito de Confisco. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: RT, 2003.
264 DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Proibição de tributos com Efeito de Confisco. Op. cit., p. 263-264.
265 Idem, p. 266.
266 “[...] A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA [...] A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. [...]”. (STF, Tribunal Pleno, ADI 2.010-2/DF, rel. Min. Celso de Mello, set/1999, DJ 12.04.2002, p. 51); Tal já vinha sendo afirmado, em sede doutrinária, por Hugo de Brito Machado: “O caráter confiscatório do tributo há de ser avaliado em função do sistema, vale dizer, em face da carga tributária resultante dos tributos em conjunto”. (Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 42).
267 “[...] VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.” (STF, Tribunal Pleno, ADI 551-1, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, 2002); “TRIBUTÁRIO. MULTA PUNITIVA. VEDAÇÃO DE TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA... I – É aplicável a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo contribuinte de suas obrigações tributárias.” (STF, Primeira Turma, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, AI 482281 AgR, 2009).
268 CF: “Art. 150 [...] V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;”.