Capítulo VIII – Critérios de Tributação
63. Progressividade
Muitos tributos apresentam alíquota invariável, ainda que se modifique a base de cálculo, de modo que o percentual é sempre o mesmo, apurando-se o montante devido proporcionalmente à variação da base de cálculo. Nesses casos, a carga tributária é diretamente proporcional à riqueza tributada.
Mas há tributos para os quais a Constituição determina a utilização de alíquotas progressivas, de modo que os contribuintes estejam sujeitos a percentuais diferentes conforme suas revelações de capacidade contributiva. Isso faz com que contribuintes que revelam maior riqueza suportem carga tributária progressivamente maior, ou seja, que transfiram aos cofres públicos percentuais maiores das suas riquezas, porquanto têm maior disponibilidade para tanto.
A progressividade é um critério de tributação através do qual se dimensiona o montante devido de um tributo mediante a aplicação de uma escala de alíquotas a outra escala correlata fundada, normalmente, na maior ou menor revelação de capacidade contributiva. O parâmetro de referência para a variação de alíquota, normalmente, é a própria base de cálculo do tributo. Assim, faz-se com que bases menores suportem alíquota menor e bases maiores suportem alíquota maior, do que é exemplo o imposto sobre a renda, no qual rendas menores suportam alíquotas de 7,5%, 15%, 22,5%, conforme o patamar, e rendas maiores suportam alíquota de 27,5%. Mas a progressividade pode se dar, também, por outros critérios, como no caso do imposto sobre a propriedade territorial rural, em que são aplicadas alíquotas menores para imóveis com menor tamanho e maior grau de produtividade e alíquotas maiores para imóveis de maior tamanho e menor grau de produtividade, ou seja, em que as alíquotas são menores para pequenos imóveis produtivos e maiores para latifúndios improdutivos.
Através das alíquotas progressivas é possível fazer com que aqueles que revelam melhor situação econômica e, portanto, maior capacidade para contribuir para as despesas públicas, o façam em grau mais elevado que os demais, não apenas proporcionalmente a sua maior riqueza, mas suportando maior carga em termos percentuais. É, portanto, um instrumento para a efetivação do princípio da capacidade contributiva, mas deve ser utilizado com moderação para não desestimular a geração de riqueza, tampouco desbordar para o efeito confiscatório, vedado pelo art. 150, inciso IV, da Constituição.
A progressividade pode ser simples ou gradual. Na progressividade simples, verifica-se a alíquota correspondente ao seu parâmetro de variação (normalmente a base de cálculo) e procede-se ao cálculo do tributo, obtendo o montante devido. Na progressividade gradual, por sua vez, há várias faixas de alíquota aplicáveis para os diversos contribuintes relativamente à parcela das suas revelações de riqueza que se enquadrarem nas respectivas faixas. Assim, o contribuinte que revelar riqueza aquém do limite da primeira faixa, submeter-se-á à respectiva alíquota, e o que dela extrapolar se submeterá parcialmente à alíquota inicial e, quanto ao que desbordou do patamar de referência, à alíquota superior e assim por diante. Na progressividade gradual, portanto, as diversas alíquotas são aplicadas relativamente ao mesmo contribuinte, faixa por faixa, efeito esse que por vezes é facilitado mediante a determinação da aplicação da alíquota da maior faixa e de deduções correspondente à diferença entre tal alíquota e as inferiores quanto às respectivas faixas. Há quem entenda que somente a progressividade gradual seria autorizada,291 porquanto a progressividade simples poderia levar a injustiças.
Embora mais adequada aos tributos ditos pessoais ou subjetivos, em que o dimensionamento da carga tributária leva em consideração circunstâncias específicas de cada contribuinte que apontam com maior exatidão qual a sua efetiva capacidade para contribuir, a progressividade vem tendo aplicação mais ampla, alcançando inclusive os tributos reais ou objetivos. A EC 29/01 autorizou, expressamente, a progressividade do IPTU em razão do valor do imóvel, sem prejuízo da progressividade extrafiscal já então prevista no art. 182, § 4º, da CF. A EC 42/02, por sua vez, estabeleceu a progressividade para o ITR (art. 153, § 4º, I, da CF). No RE 562045, cujo julgamento foi concluído em fevereiro de 2013, o STF admitiu a validade da progressividade do ITBI, embora não haja previsão constitucional expressa a respeito.
Já não mais se pode afirmar, categoricamente, portanto, que a progressividade seria descabida nos chamados tributos reais ou mesmo que inexistiria “espaço de liberdade decisória para o Congresso Nacional, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição”.292
64. Seletividade
Dentre os critérios para a tributação conforme a capacidade contributiva de cada contribuinte está a previsão de alíquotas diferentes para bens, produtos ou mercadorias diferentes. A seletividade implica tributação diferenciada conforme a qualidade do que é objeto da tributação.
A Constituição determina que seja utilizada a seletividade em vários dispositivos, estabelecendo, inclusive, o critério para a diferenciação de alíquotas. Em outros casos, simplesmente autoriza a seletividade.
Seu art. 153, § 3º, I, por exemplo, impõe a seletividade conforme a essencialidade do produto para o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Conforme já decidiu o STF, o princípio da seletividade “não significa haver imunidade, ainda que as operações ou bens sejam essenciais ao ser humano”, devendo-se considerar “o postulado da solidariedade no custeio das atividades estatais”.293 Em razão disso, a tabela do IPI (TIPI) estabelece inúmeras alíquotas diferentes conforme o produto industrializado objeto e tributação. Note-se que a Constituição é categórica ao determinar a observância da técnica da seletividade na instituição do IPI. Trata-se de uma imposição, e não de uma faculdade. Em se tratando de IPI, o texto constitucional é imperativo: o IPI “será seletivo, em função da essencialidade do produto”. A única discricionariedade permitida é onerar mais ou menos os produtos como um todo. Na relação entre as diversas alíquotas, conduto, o respeito ao critério da essencialidade é imperativo. As alíquotas deverão variar em função da essencialidade do produto, sob pena de inconstitucionalidade. Vale, todavia, a advertência de Alberto Xavier quando ensina que “O grau de essencialidade do produto (único critério de graduação permitido em matéria de IPI) não guarda qualquer relação com o respectivo preço; antes obedece a outros critérios adotados pelo legislador, tais como critérios éticos, sanitários, estéticos, humanitários ou em função de considerações de política econômica. Pode um produto de preço muito elevado (como um medicamento) ser taxado a zero pelo seu grau de essencialidade para a saúde, como pode um produto extremamente barato (como uma aguardente) ter uma tributação muito elevada por razões simétricas”.294
Já o art. 155, § 2º, III, autoriza a seletividade do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) também em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Assim é que os Estados deliberaram, através do convênios, que a carga tributária de ICMS sobre a cesta básica poderia ser reduzida ao patamar de 7%, bem inferior às alíquotas comuns de 17% ou 18%. De outro lado, a alíquota da energia elétrica é de 25%, considerada excessiva pelo TJRJ, no MS 2008.004.00268, justamente em função da essencialidade da energia, o que será analisado pelo STF no RE 607.253.
O art. 156, § 1º, II, da Constituição, por sua vez, permite que o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. Para esse imposto, a seletividade é uma faculdade, porquanto a Constituição prevê que “poderá... ter alíquotas diferentes”.
A seletividade se presta para a concretização do princípio da capacidade contributiva ao implicar tributação mais pesada de produtos ou serviços supérfluos e, portanto, acessíveis a pessoas com maior riqueza. Certo é, em regra, que os produtos essenciais são consumidos por toda a população e que os produtos supérfluos são consumidos apenas por aqueles que, já tendo satisfeito suas necessidades essenciais, dispõem de recursos adicionais para tanto. A essencialidade do produto, portanto, realmente constitui critério para diferenciação das alíquotas que acaba implicando homenagem ao princípio da capacidade contributiva.
Também para fins extrafiscais se pode fazer uso da seletividade, estimulando o consumo pela redução da carga tributária para determinados produtos e inibindo para outros mediante elevação da alíquota a eles aplicável. Conforme BOTTALLO, “A extrafiscalidade manifesta-se no IPI através do princípio da seletividade, que enseja a utilização deste imposto como instrumento de ordenação político-social, tanto favorecendo a realização de operações havidas por necessárias, úteis ou convenientes à sociedade, como dificultando a prática de outras, que não se mostrem capazes de ir ao encontro do interesse político”.295 Será possível, assim, excepcionalmente, atribuir-se alíquotas que desbordem da simples graduação segundo a essencialidade dos produtos ou serviços. É o caso do fumo, cuja alíquota de IPI é de 365,63%, abrigando, evidentemente, um caráter extrafiscal bastante pronunciado: não só o produto é supérfluo, como de consumo desaconselhável por razões de saúde pública, razão pela qual se o tributa de forma especialmente pesada, de modo a encarecê-lo e, com isso, restringir sua circulação.
A seletividade, via de regra, é estabelecida em razão da natureza do produto. Mas houve casos em que se teve em consideração a sua utilidade. Assim é que o STJ entendeu que não se justificava a tributação de cartões magnéticos para o transporte ferroviário à alíquota de 15%, não por se tratar de cartões magnéticos, mas em razão da essencialidade do transporte público de passageiros.296 Sobre a matéria, o TRF2 decidiu que “A natureza coletiva do serviço prestado – sistema de transporte ferroviário de massa –, e que justifica a elaboração dos bilhetes magnéticos, já é capaz de demonstrar a essencialidade do produto confeccionado, cuja função é a de autorizar a utilização do referido serviço”, bem como que “Sendo assim, a alíquota de 15% (quinze por cento) sobre o produto em tela não pode ser considerada razoável, uma vez que enfraquecido ficaria o interesse público e deveras onerado o cidadão comum, que é verdadeiro contribuinte de fato desta modalidade tributária, dissonando, com isso, de dispositivos constitucionais”.297
65. Não cumulatividade
A não cumulatividade é uma técnica de tributação que visa a impedir que incidências sucessivas nas diversas operações de uma cadeia econômica de produção ou comercialização de um produto impliquem ônus tributário muito elevado, decorrente da tributação da mesma riqueza diversas vezes. Em outras palavras, a não cumulatividade consiste em fazer com que os tributos não onerem em cascata o mesmo produto. Isso ocorreria, por exemplo, se, nas incidências sucessivas de IPI numa mesma cadeia de produção não houvesse qualquer mecanismo de compensação, e.g., na saída do insumo de uma indústria para outra com vista ao fabrico de produto intermediário, na posterior saída do produto intermediário desta última indústria para outra com vista ao fabrico do produto final e na saída do produto final para estabelecimento comercial que o oferecerá aos consumidores.
Vale ter em conta que, nas operações internas, “... o tributo não cumulativo é não cumulativo em relação a si mesmo. O que se pretende evitar é a sobreposição do tributo sobre ele próprio (IPI com IPI, ICMS com ICMS, etc.). O comando, portanto, é reflexivo...”.298 Todavia, opera-se a não cumulatividade também entre os tributos devidos nas operações de importação e seus equivalentes internos: IPI-Importação com o IPI devido na subsequente operação interna; ICMS-Importação com o ICMS devido na subsequente operação interna; PIS/COFINS-Importação com débitos de PIS/COFINS relativos à receita posterior do importador.
São pressupostos para a utilização dessa técnica, portanto, que haja uma cadeia de incidências sucessivas de um mesmo tributo sobre a mesma riqueza, com efetiva cobrança do tributo em ambas as operações, cujo ônus se pretenda amenizar, ou seja, que estejamos em face de uma tributação plurifásica.
A não cumulatividade, no sistema brasileiro, costuma operar mediante a apropriação de créditos quando da aquisição de um produto ou mercadoria onerado pelo tributo e sua utilização para compensação com o mesmo tributo quando devido novamente na incidência sobre a operação posterior com tal objeto incorporado a outro ou simplesmente revendido. Os créditos assegurados para evitar a cumulatividade são denominados de créditos básicos, correspondendo ao tributo já cobrado sobre a operação anterior. Desse modo, toma-se o tributo cobrado para deduzi-lo quando da nova incidência. Daí porque se costuma referir que se trata de uma sistemática de “imposto sobre imposto”, e não de “base sobre base”. A incidência é sempre sobre o valor total. Apura-se o montante devido e desconta-se o crédito para verificar o valor a pagar. Utiliza-se um mecanismo de créditos e débitos em que, na hora de pagar o tributo, se verificam os créditos de que se disponha, para deduzi-los.
Entendemos que não se pode identificar a técnica da não cumulatividade com a tributação do valor agregado. Embora, em ambas, se pretendam evitar os efeitos da tributação em cascata, possuem sistemáticas distintas. A não cumulatividade do IPI está determinada pelo art. 153, § 3º, II, da CF, que dispõe no sentido de que tal imposto “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. Na não cumulatividade, pois, incide o tributo sobre o montante da operação, mas o contribuinte pode abater, do montante a pagar, o montante já suportado na aquisição dos insumos. A referência à compensação com o montante “cobrado” nas operações anteriores exige que se tenha, ao menos, a incidência do imposto gerado um ônus tributário. Do contrário, não há que se falar em cumulatividade. O fato de tomar-se a não cumulatividade como constituindo tributação do valor agregado vinha implicando decisões equivocadas sobre o direito a creditamento sem que tenha sido devido o tributo na operação anterior.
A Constituição determina que o IPI e que o ICMS sejam não cumulativos. Em seu art. 153, § 3º, II, prevê que o IPI “será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores”. No art. 155, § 2º, I, diz que o ICMS “será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.
A não cumulatividade do IPI e do ICMS dá-se mediante a apropriação de créditos físicos. Essa denominação de créditos “físicos” procura vincular o direito ao crédito à aquisição de produto que será incorporado a um outro produto objeto de incidência posterior. Daí por que o direito a crédito, no IPI, diz respeito a insumos, produtos intermediários ou material de embalagem, ou seja, a produtos que de algum modo estarão incorporados ao novo produto industrializado a ser produzido. No caso do ICMS, o comerciante pode apropriar crédito quando da aquisição dos bens que serão objeto do seu comércio, ou seja, dos bens destinados à revenda. Mas a aplicação da sistemática de não cumulatividade, com apropriação e utilização de créditos, só se estabelece quando a entrada e a saída sejam oneradas pelo imposto, o que se infere o art. 155, § 2º, inciso II, expresso no sentido de que a isenção e a não incidência não implicam crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes, bem como que acarretarão a anulação do crédito relativo ás operações anteriores.
A Constituição também prevê a não cumulatividade entre contribuições de seguridade sobre a importação e sobre a receita, nos termos do seu art. 195, § 12. Daí por que é direito do importador considerar o montante pago a título de PIS/COFINS-Importação (contribuições incidentes sobre a importação) como crédito para deduzir adiante da contribuição que deva a título de PIS/COFINS (contribuições sobre a receita) quando da obtenção de receitas decorrentes das suas operações posteriores. Ademais, a legislação ordinária estabelece que as contribuições sobre a receita sejam não cumulativas entre si, embora mantenha, simultaneamente, regime cumulativo para determinados setores e para empresas tributadas pelo lucro presumido.
66. Tributação monofásica
Os tributos que recaem sucessivamente nas diversas operações de uma cadeia econômica normalmente estão sob a égide da não cumulatividade, como é o caso do IPI e do ICMS. Mas o legislador, por vezes, concentra a incidência do tributo em uma única fase, normalmente no início ou no fim da cadeia, aplicando-lhe uma alíquota diferenciada, mais elevada, e afasta a incidência nas operações posteriores, instituindo, com isso, uma tributação monofásica, ou seja, em uma única fase da cadeia econômica. No regime monofásico, portanto, a tributação fica “limitada a uma única oportunidade, em um só ponto do processo de produção e distribuição”.299
A tributação monofásica não objetiva reduzir a carga tributária, mas concentrá-la: “o que se objetiva com a fixação da sistemática monofásica de tributação, em geral, é simplesmente concentrar a obrigação pelo recolhimento das contribuições que seriam devidas ao longo da cadeia de circulação econômica em uma determinada etapa – via de regra, na produção ou importação da mercadoria sujeita a tal modalidade de tributação -, sem que isso represente redução da carga incidente sobre os respectivos produtos”.300
A tributação monofásica também é utilizada nas contribuições PIS/COFINS para receitas de determinadas atividades, com concentração da incidência com alíquota bastante elevada na primeira etapa (industrial ou importador) e desoneração das etapas posteriores, com alíquota zero para distribuidores e comerciantes. Isso ocorreu, por exemplo, quando o art. 3º da Lei 9.990/2000 concentrou o ônus de Cofins sobre as refinarias, afastando a tributação dos comerciantes varejistas de combustíveis. E também com os produtos farmacêuticos, por força da Lei 10.147/2000.
67. Substituição tributária
A substituição tributária existe para atender a princípios de racionalização e efetividade da tributação, ora simplificando os procedimentos, ora diminuindo as possibilidades de inadimplemento. Cuida-se de instituto que dá maior praticabilidade à tributação.301
O legislador pode estabelecer a substituição tributária nas hipóteses em que terceiro, em razão das suas particulares relações com o contribuinte, tenha a possibilidade de colaborar com o Fisco, verificando a ocorrência do fato gerador praticado pelo contribuinte e procedendo ao cálculo e ao recolhimento do tributo com recursos obtidos junto ao contribuinte, mediante exigência ou retenção. Pressupõe, assim, que o substituto efetivamente tenha “capacidade de colaboração”, ou seja, que esteja em situação que o habilite a proceder ao pagamento sem que tenha de suportar pessoalmente o ônus tributário. Isso porque a relação contributiva se dá entre o Fisco e o contribuinte, servindo, o substituto, como um facilitador do recolhimento do tributo, forte no seu dever de colaboração. A relação que vincula o substituto ao Fisco tem natureza não contributiva. O substituto só poderá ser chamado a recolher o tributo com recursos próprios quando tenha descumprido suas obrigações de colaboração com o Fisco (retenção e recolhimento), pois tal o coloca na posição de garante pela satisfação do crédito tributário.
O substituto tributário é o terceiro que a lei obriga a apurar o montante devido e cumprir a obrigação de pagamento do tributo “em lugar” do contribuinte. Mas, embora o substituto seja obrigado “em lugar” do contribuinte, não há o afastamento automático da responsabilidade do próprio contribuinte, o que depende de ter suportado a retenção ou de a lei expressamente afastar a sua responsabilidade.
Note-se que, na substituição tributária, a obrigação surge diretamente para o substituto, a quem cabe substituir o contribuinte na apuração e no cumprimento da obrigação de pagar, total ou parcialmente, o tributo devido pelo contribuinte, mas com recursos alcançados pelo próprio contribuinte ou dele retidos (arts. 150, § 7º, da CF, 45, parágrafo único, e 128 do CTN e diversas leis ordinárias).
Exemplos de substituição tributária são os casos em que as instituições financeiras, ao efetuarem o creditamento dos rendimentos de uma aplicação financeira, são obrigadas a proceder à retenção do Imposto sobre a Renda respectivo ou que, ao concederem crédito, são obrigadas a exigir do mutuário o montante do Imposto sobre Operações de Crédito. Lembre-se, também, da obrigação atribuída por algumas leis municipais à própria Administração Pública quando contratante, de reter o ISS incidente sobre a prestação de serviços e da obrigação constante de lei federal de que os tomadores de serviços prestados mediante cessão de mão de obra retenham antecipação da contribuição previdenciária.
Há quem distinga substituição tributária em sentido estrito da retenção por conta. A primeira estaria restrita aos casos de tributação exclusiva na fonte, em que o pagamento feito pelo substituto é exclusivo e definitivo, não sujeito a ajuste (imposto de renda devido sobre aplicações financeiras). A segunda diria respeito aos casos em que o montante pago pelo substituído constitui mera antecipação do tributo devido pelo contribuinte, devendo este apurá-lo posteriormente em face de tudo o que compõe a sua base de cálculo e deduzir o montante da retenção suportada, apurando a existência de saldo a pagar ou de valores a repetir, efetuando o acerto de contas (imposto de renda retido pelos empregadores sobre os pagamentos feitos aos seus empregados). Nosso ordenamento jurídico, contudo, não distingue tais figuras, considerando ambos como casos de substituição tributária.
A doutrina costuma classificar os casos de substituição tributária em substituição para frente, substituição para trás e, por vezes, em substituição simultânea. São dois os critérios adotados para proceder à classificação: 1º – a posição do responsável na cadeia econômica, se anterior (para frente) ou posterior (para trás) ao contribuinte; 2º – o momento da retenção relativamente à ocorrência do fato gerador, se anterior (para frente), simultânea (simultânea) ou posterior (para trás).
Na substituição para frente há uma antecipação do pagamento relativamente à obrigação que surgiria para o contribuinte à frente, caso em que o legislador tem de presumir a base de cálculo provável e, caso não se realize o fato gerador presumido, assegurar imediata e preferencial restituição ao contribuintes da quantia que lhe foi retida pelo substituto, tal como previsto, aliás, no art. 150, § 7º, da CF. Para a base de cálculo presumida não implique pagamento de tributo relativamente à riqueza que não corresponda à dimensão econômica do fato gerador, também deve ser assegurada a restituição do quanto tenha sido pago sobre valores superiores ao da base de cálculo efetiva, o que, contudo, ainda não foi reconhecido pelo STF.
Na substituição simultânea, a retenção deve ocorrer por ocasião da ocorrência do fato gerador e o pagamento logo em seguida, no prazo que for estipulado pela legislação.
Na substituição para trás, há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo-se a obrigação de reter e recolher o montante devido, que seria do vendedor, ao adquirente dos produtos ou serviços. Deve-se ter cuidado para não confundir a substituição para trás com a figura do diferimento. Na substituição para trás, continua havendo a figura do contribuinte, mas é do responsável a obrigação de recolher o tributo.
A legislação refere os casos de substituição pela sigla ST. Assim, para o ICMS exigido contribuinte pelo substituto para fins de repasse ao fisco, utiliza-se da sigla ICMS-ST, para a COFINS objeto de substituição tributária, COFINS-ST, e assim por diante. A sustituição tributária para frente é referida pela sigla STf.
Notas
291 VOLKWEISS, Roque Joaquim. Direito Tributário Nacional. 3ª ed. Livraria do Advogado, 2002, p. 35.
292 STF, Plenário, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, ADIn 2.010-2/DF, set/99, DJ 12.04.2002.
293 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, RE 429306, fev/2011.
294 XAVIER, Alberto. A tributação do IPI sobre cigarros. RDDT 118/9, jul/05.
295 BOTTALLO, Eduardo Domingos. IPI – Princípios e Estrutura. Dialética, 2009, p. 65.
296 STJ, Primeira Turma, Rel. o Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, REsp 1.087.925/PR, jun/11.
297 TRF2, Primeira Turma, Des. Fed. RICARDO REGUEIRA, AI 2002.02.01.001050-0, DJU 16.07.2002.
298 CORRÊA, José de Oliveira Ferraz. Não-cumulatividade no Brasil – entidade autônoma ou mero resultado prático de um determinado sistema de abatimentos. Elementos para sua caracterização jurídica e especificidades do Sistema Tributário Nacional. RDDT 154, jul/08.
299 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva: 2012, p. 376/377.
300 MARQUES, Thiago de Mattos. Apuração de créditos de PIS/Cofins no regime monofásico... RDDT 170/129, nov/09.
301 Consulte-se: PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e Substituição Tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. Vide, também: FERREIRA NETO, Arthur M.; NICHELE, Rafael (coord.). Curso avançado de substituição tributária: modalidades e direitos do contribuinte. São Paulo: IOB, 2010.