Capítulo IX – Legislação Tributária

68. Normas constitucionais

O Sistema Tributário Nacional tem todo o seu desenho na Constituição Federal, pois esta discrimina de modo exaustivo a competência tributária de cada ente político e estabelece limitações ao exercício do poder de tributar, evidenciando, ainda, os princípios expressos e implícitos que regem a tributação.

A análise do Texto Constitucional nos permite saber tudo o que pode ser feito em matéria tributária e quais as garantias fundamentais do contribuinte cuja inobservância vicia o exercício da tributação.

69. Leis complementares à Constituição

A Constituição elenca, expressamente, as matérias cuja disciplina se dará em caráter complementar à Constituição através de veículo legislativo próprio que exige quorum qualificado: a lei complementar.

Para sabermos se é necessária lei complementar para dispor sobre determinada matéria, temos de analisar o texto constitucional. O conteúdo da lei complementar não é arbitrário.302 Não se presume a necessidade de edição de lei complementar.303 Só é necessário lei complementar quando a Constituição expressamente a requer.304

O eventual tratamento de certa matéria por lei complementar não impõe, daí para diante, a utilização de tal veículo legislativo. Se a Constituição não exige lei complementar, a lei ordinária pode validamente dispor sobre a matéria, de modo que a lei complementar que a discipline terá nível de lei ordinária e será, pois, revogável por lei ordinária.

A ideia de hierarquia formal entre lei complementar e lei ordinária, pois, não se sustenta. A lei ordinária simplesmente não pode afrontar lei complementar nas matérias a esta reservadas, pois não constituirá, nesse caso, veículo legislativo apto a inovar na ordem jurídica quanto àqueles pontos. A posição pela existência de hierarquia formal, outrora acolhida pelo STJ, jamais encontrou eco no STF.305 Daí por que foram admitidas a revogação, pela Lei 9.430/96, da isenção de COFINS concedida pelo art. 6º, II, da LC 70/91,306 bem como a revogação expressa, pelo art. 9º da Lei 9.876/99, da LC 84/96. No primeiro caso, jamais fora exigida lei complementar para cuidar da matéria, ou seja, para instituir a COFINS.307 No segundo, ao tempo da publicação da lei ordinária já não mais se fazia necessária lei complementar para instituir contribuição sobre a remuneração de autônomo, forte na alteração do art. 195, I, da CF pela EC 20/98.

A Constituição requer lei complementar, por exemplo, em seus arts. 146, I a III, 154, I, 155, § 2º, XII, e 156, III.

O art. 146 inicia exigindo lei complementar para dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária (art. 146, I) e para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II), o que impede que a lei ordinária imponha condições materiais para o gozo das imunidades do art. 150, VI, c, e do art. 195, § 7º.308

Merece especial destaque a reserva de lei complementar para “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária”. São “‘normas gerais’ aquelas que, simultaneamente, estabelecem os princípios, os fundamentos, as diretrizes, os critérios básicos, conformadores das leis que completarão a regência da matéria e que possam ser aplicadas uniformemente em todo o País, indiferentemente de regiões sou localidades”.309 Conforme o STF, “‘gerais’ não significa ‘genéricas’, mas sim ‘aptas a vincular todos os entes federados e os administrados’”.310

O art. 146, III, da CF qualifica como normas gerais “especialmente” (trata-se de rol exemplificativo) aquelas que sobre a “definição de tributos e de suas espécies”, sobre o fato gerador, base de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição (alínea a), sobre “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários” (alínea b) e sobre o “adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas” (alínea c).

Assim é que cabe à lei complementar definir o arquétipo possível dos principais aspectos dos diversos impostos, o que é feito pelo CTN (para a maior parte dos impostos), pela LC 87/96 (para o ICMS) e pela LC 116/03 (para o ISS). A validade da legislação ordinária instituidora de tais tributos fica condicionada, não podendo extrapolar o previsto em tais leis complementares.

O STF reconheceu a inconstitucionalidade de leis ordinárias que estabeleceram prazos decadenciais e prescricionais diversos dos previstos no CTN ou causas de suspensão ou interrupção nele não previstas.311 Veja-se a Súmula Vinculante 8: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.

O STF tem ressaltado que não se trata de nenhuma imunidade para as sociedades cooperativas: “O art. 146, III, c, da Constituição não implica imunidade ou tratamento necessariamente privilegiado às cooperativas”.312 Além disso, depende de regulamentação por lei complementar, de maneira que, enquanto não sobrevém lei complementar dispondo sobre a matéria, segue tendo aplicação o tratamento comum previsto nas leis ordinárias instituidoras de cada tributo. Mas o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o caráter de lei complementar, em cumprimento a tal artigo, da isenção de COFINS estabelecida pelo art. 6º, I, da LC 70/91.313 314

O adequado tratamento tributário – interpretado em consonância com o art. 174, § 2º, da Constituição, que determina que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo – é aquele que implica carga tributária inferior a das demais atividades produtivas, incentivando o cooperativismo, ou, no mínimo, carga tributária que não seja mais gravosa que a incidente sobre outras atividades. Do contrário, ao invés de estimular, estaria inviabilizando o cooperativismo. Mas não decorre do texto constitucional que deva haver tributação privilegiada para as cooperativas relativamente a todo e a cada tributo isoladamente considerado,315 e sim, haja uma política tributária para as cooperativas que implique menor carga tributária em comparação com as pessoas jurídicas em geral.

A eficácia que se pode extrair, de pronto, do citado dispositivo é a de impedir que o legislador, ao instituir ou majorar determinado tributo, inove na ordem jurídica estabelecendo tratamento tributário que, sendo mais gravoso para os atos cooperativos relativamente aos atos praticados pelas empresas em geral, contrarie a previsão constitucional. Neste caso, ainda que inexista lei complementar estabelecendo o adequado tratamento tributário do ato cooperativo, a nova norma especialmente gravosa carecerá de fundamento de validade.

Devem-se ter bem em conta, ainda, os limites do dispositivo constitucional em questão, que não se refere genericamente às cooperativas, mas aos atos cooperativos. Veja-se o conceito de ato cooperativo constante da Lei 5.764/71, que institui o Regime Jurídico das Sociedades Cooperativas: “Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais. Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria”.

As operações que não sejam entre as cooperativas e seus associados ou entre cooperativas, ou seja, que não se enquadrem como atos cooperativos, constituem operações com terceiros, não alcançadas pelo art. 146, III, c, da CF e tributáveis normalmente.

Por fim, relativamente à alínea d, que prevê tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, com regimes especiais ou simplificados, restou disciplinada pela LC 123/06, chamada lei do Super Simples ou do Simples Nacional. A tributação simplificada estabelecida pela LC 123/06 substitui os regimes especiais anteriormente vigentes nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal, implicando o recolhimento mensal unificado do IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, PIS, contribuição previdenciária, ICMS e ISS, conforme o art. 13 de tal lei, com as exceções estabelecidas em seu § 1º. Sobre o Simples Nacional, vide item específico deste Curso.

70. Resoluções do Senado

As Resoluções do Senado são particularmente importantes em matéria de impostos estaduais, tendo em conta a competência que lhe é conferida pela Constituição no que toca ao estabelecimento de limites a esses tributos.

Cabe ao Senado fixar as alíquotas máximas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, nos termos do art. 155, § 1º, IV, da Constituição. A Resolução SF nº 9/1992, cumprindo esse mister, estabelece a alíquota máxima de 8%, dispondo ainda no sentido de que as alíquotas poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber. Em matéria de ICMS, o Senado estabelece as alíquotas aplicáveis às operações e prestações interestaduais e de exportação, nos termos do art. 155, § 2º, IV, da CF. Nesse sentido, a Resolução SF 22/1989 institui a alíquota interestadual de 12% como regra e de 7% para as “operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo”, bem como a alíquota de 13% para as operações de exportação. Já a Resolução SF 13/2012, com vista a minimizar a chamada guerra dos portos, estabelece a alíquota de 4% para as operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior e para operações interestaduais com mercadorias cuja industrialização apresente conteúdo de importação superior a 40%. É facultado ao Senado, também, estabelecer alíquotas mínimas e máximas de ICMS nas operações internas, conforme o art. 155, § 2º, V, a e b, da Constituição.

Também cabe ao Senado, mediante resolução, fixar as alíquotas mínimas do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, nos termos do art. 155, § 6º, I, da Constituição.

71. Convênios

convênios de cooperação entre os entes políticos, como os relacionados à permuta de informações e à assistência mútua para fiscalização. Esses assumem caráter de normas complementares das leis. Outros, todavia, são convênios de subordinação. Dizem respeito a matérias reservadas constitucionalmente para deliberação entre os Estados, hipótese em que, inclusive, condicionam a validade das leis estaduais, do que é exemplo a autorização de benefícios fiscais em matéria de ICMS (art. 155, § 2º, XII, g). Nesse caso, não podem ser considerados propriamente normas complementares das leis, porquanto têm, inclusive, ascendência sobre elas.

A deliberação sobre a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS é realizada mediante convênios entre as Fazendas de tais entes políticos, firmados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ). LUÍS EDUARDO SCHOUERI diz que esses equivalem a “tratados entre os integrantes da Federação”.316 Esses convênios têm papel particularmente relevante no que diz respeito a benefícios que possam afetar as operações interestaduais, em que é exigida a alíquota interestadual pelo Estado de origem e a diferença de alíquota pelo Estado de destino. Conforme acórdão do STJ, “Os convênios do ICMS têm a função de uniformizar, em âmbito nacional, a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais pelos Estados (art. 155, § 2°, XII, g, da CF/1988). Em última análise, trata-se de instrumento que busca conferir tratamento federal uniforme em matéria de ICMS, como forma de evitar a denominada guerra fiscal”.317 Eventuais benefícios, como créditos presumidos, podem incentivar investimentos em determinado Estado em detrimento dos demais. Daí a razão do controle. Há vários acórdãos do STF dizendo da invalidade de benefícios fiscais concedidos sem prévia autorização em convênio.318

Também podem, os Estados e o Distrito Federal, mediante Convênio, autorizar alíquotas internas de ICMS inferiores às das operações interestaduais, conforme prevê o art. 155, § 2º, VI, da CF.

Aos Convênios é deixada, ainda, a definição das alíquotas de ICMS sobre combustíveis e lubrificantes com incidência única, nos termos do art. 155, § 4º, IV, da Constituição.

72. Tratados internacionais319

Os tratados ou convenções internacionais320 só produzem efeitos internamente321 após se completar um complexo iter que vai da negociação dos seus termos à publicação do Decreto do Presidente. Seu ciclo envolve:

• assinatura do Tratado pelo Presidente da República;

• aprovação pelo Congresso revelada por Decreto Legislativo,

• ratificação pelo Presidente mediante depósito do respectivo instrumento,

• promulgação por Decreto do Presidente e

• publicação oficial do texto do Tratado.322

Uma vez internalizados, passam a integrar a legislação tributária (art. 96 do CTN).

Caso venham a dispor sobre garantias fundamentais dos contribuintes, serão equivalentes às normas constitucionais, nos termos do art. 5º, §§ 2º e 3º, da CF.323

Normalmente, contudo, cuidam de medidas de política tributária relacionadas ao comércio exterior. Nesse caso, serão aplicados como leis especiais.

Cuida da matéria o art. 98 do CTN, que estabelece: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Desse dispositivo, tiramos que os tratados, mesmo quando disponham de modo distinto do que estabelecem as leis internas, deverão ser observados. Mas a referência feita pelo art. 98 à revogação da legislação tributária interna é imprópria. Quando o tratado estabeleça tratamento específico para determinados produtos, países ou blocos, a lei interna geral continua aplicável aos demais casos. Com razão REGINA HELENA COSTA, ao afirmar que “os tratados e convenções internacionais não ‘revogam’ a legislação interna. ... o que de fato ocorre é que as normas contidas em tais atos, por serem especiais, prevalecem sobre a legislação interna, afastando sua eficácia no que com esta forem conflitantes (critério da especialidade para a solução de conflitos normativos). Tal eficácia, portanto, resta preservada, para todas as demais situações não contempladas nos atos internacionais”.324 RICARDO LOBO TORRES ainda esclarece que se trata de “suspensão da eficácia da norma tributária nacional, que readquirirá a sua aptidão para produzir efeitos se e quando o tratado for denunciado”.325 O art. 85-A da Lei 8.212/91, acrescido pela Lei 9.876/99, dispõe no sentido de que “Os tratados, convenções e outros acordos internacionais de que Estado estrangeiro ou organismo internacional e o Brasil sejam partes, e que versem sobre matéria previdenciária, serão interpretados como lei especial”.

Os tratados e convenções internacionais são firmados pela República Federativa do Brasil nas suas relações externas. Daí por que a proibição à União de que institua isenções de tributos da competência dos Estados e dos Municípios, constante do art. 151, III, da CF, não impede que seja firmado tratado internacional em que se estabeleça isenção de quaisquer tributos, sejam federais, estaduais ou municipais.326 Aliás, o STF já afirmou que o “Âmbito de aplicação do art. 151, CF, é o das relações das entidades federadas entre si. Não tem por objeto a União quando esta se apresenta na ordem externa”.327

Há diversos tratados e acordos internacionais em matéria de tributação. Visam a estabelecer mercados comuns, desonerar operações bilaterais, evitar a bitributação etc.

Com o Tratado de Assunção, por exemplo, foi deliberada a criação de um Mercado Comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Dispõe: “Artigo 7. Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos originários do território de um Estado Parte gozarão, nos outros Estados Partes, do mesmo tratamento que se aplique ao produto nacional. Artigo 8. Os Estados Partes [...]: d) Estenderão automaticamente aos demais Estados Partes qualquer vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio que conceda a um produto originário de ou destinado a terceiros países não membros da Associação Latino-Americana de Integração”.

Outro exemplo é o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias que compõe o Anexo I do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (OMC) e implementa o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1994 (GATT). Dentre outras normas, proíbe subsídios vinculados ao desempenho do exportador, dentre os quais a isenção de impostos diretos ou “impostos sociais” a empresas industriais e comerciais. Refira-se, também, o General Agreement on Trade in Services (Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços), que estabelece normas para a liberalização e transparência do comércio internacional de serviços, incluindo transporte aéreo, serviços financeiros, transporte marítimo e telecomunicações, dentre outros.

Há, ainda, inúmeras Convenções para evitar a bitributação da renda e evitar a evasão, em que é acordado critério uniforme para que a tributação se dê apenas em um dos países, ou seja, só no de residência ou só no de percepção da renda. Para tanto é que foi firmada a Convenção Brasil-Chile para evitar a dupla tributação, promulgada pelo Decreto 4.852/03 e a Convenção Brasil-África do Sul, promulgada através do Decreto 5.922/06, dentre muitas outras.

O Brasil não é membro da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), mas adota, ao menos parcialmente, muitos dos seus Modelos de Convênio, inclusive os relativos à dupla tributação da renda.328

73. Leis ordinárias e medidas provisórias

Exige-se lei ordinária tanto para a instituição de tributo (art. 151, I) como para qualquer modalidade de exoneração da obrigação de pagar tributo instituído por lei (art. 150, § 6º). Do mesmo modo, só lei ordinária poderá estabelecer penalidades pelo descumprimento de obrigações tributárias (arts. 5º da CF e 97, V, do CTN).329

Serão tratados por lei ordinária, por exemplo, o fato gerador e a base de cálculo dos tributos, assim como seus demais aspectos, os casos de substituição e de responsabilidade tributárias, as isenções e as concessões de créditos presumidos, as multas moratórias e de ofício.

Para todos estes casos, exige-se a chamada legalidade estrita ou absoluta, de modo que a lei deve dispor por completo sobre tais matérias, não deixando ao Executivo senão sua simples regulamentação.

A criação de outras obrigações ou deveres sujeitam-se à garantia geral da legalidade relativa estampada no art. 5º, II, da Constituição. É o caso das obrigações acessórias, que devem ser criadas por lei, mas não necessariamente de modo exaustivo, podendo deixar ao Executivo que as especifique e detalhe.

Note-se, ademais, que a lei ordinária não tem seu âmbito material limitado. Pode dispor sobre qualquer matéria, desde que respeitado o Texto Constitucional e não invadidas as matérias que requerem lei complementar. Assim é que, mesmo questões de ordem meramente regulamentar ou operacional, que não estejam sob reserva sequer relativa de lei, como o prazo de vencimento dos tributos, podem ser validamente disciplinadas por lei ordinária.330

As medidas provisórias têm força de lei ordinária (art. 62), de modo que podem dispor sobre todas as matérias sob reserva legal. Mas, assim como as leis ordinárias, não podem dispor sobre matérias para as quais se exija lei complementar (art. 62, § 1º, III, da CF). Ademais, a “Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV e V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada” (art. 62, § 2º, da CF).

74. Atos normativos infralegais: decretos, instruções normativas, portarias, ordens de serviço

Em matéria tributária, não se pode dizer que os Decretos se limitem à regulamentação estrita das leis nem que outros atos administrativos normativos, especialmente Instruções Normativas e Portarias, sejam, tão somente, normas internas da Administração.

A garantia da legalidade tributária absoluta, por exemplo, apresenta atenuação no art. 153, § 1º, da Constituição, permitindo-se que o Executivo gradue a alíquota de alguns tributos marcadamente extrafiscais (e.g. IPI, IOF), desde que observadas as condições e os limites estabelecidos por lei. Nestes casos, os atos infralegais integram a própria norma tributária impositiva.

Poderão os atos infralegais, ainda, detalhar as obrigações acessórias criadas por lei, complementando sua normatização, porquanto sujeitas tão somente à legalidade relativa.

Por fim, há um amplo campo de pura e simples regulamentação, com farta jurisprudência no sentido de que podem ser tratado diretamente pelos atos normativos infralegais. Entende-se, por exemplo, que os atos infralegais podem dispor validamente sobre o vencimento dos tributos,331 definir o indexador que servirá à correção já determinada por lei332 e especificar procedimentos de fiscalização tributária.333

Quando não ofendem reserva legal absoluta ou relativa, nem contrariam o conteúdo das leis, os atos normativos infralegais têm tanta eficácia normativa quanto às normas superiores, vinculando a Administração e os contribuintes.

Aliás, o art. 100 do CTN considera os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas, as decisões normativas, as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e os convênios celebrados entre os entes políticos normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos.

Além do mais, o parágrafo único do art. 100 do CTN consagra a proteção da confiança dos contribuintes, dispondo no sentido de que a observância das normas complementares exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros moratórios e, até mesmo, a atualização monetária da base de cálculo.

Notas

302 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro NÉRI DA SILVEIRA, AR 1264, 2002.

303 STF, ADI 2010.

304 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, ADI 2028, 1999.

305 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro XAVIER DE ALBUQUERQUE, RE 84.994, 1997.

306 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, RE 419.629, 2006.

307 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, ADC 1, 1993.

308 STF, ADIMC 1802 e AgRRE 428.815.

309 TRF4, Corte Especial, Rel. MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, AIAC 1998.04.01.020236-8, 2001.

310 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, RE 433352 AgR, 2010.

311 Art. 5º do DL 1.569/77, STF RE 559.882-9. Arts. 2º, § 3º, e 8º, § 2º, da Lei 6.830/80, STJ, REsp 708.227 e TRF4, AC 2000.04.01.071264-1.

312 STF, Segunda Turma, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, AC 2209 AgR, 2010.

313 “TRIBUTÁRIO – COFINS – LEI 9.718/98 – INCIDÊNCIA SOBRE ATOS COOPERADOS. 1. A LC 70/91, ao instituir a COFINS, deixou expressa a não-incidência sobre os atos cooperativos. 2. O STF, na ADC 01/DF, considerou a LC 70/91 substancialmente como lei ordinária quanto à instituição da contribuição, porque o art. 195, I, CF não exigiu o status de lei qualificada para tal. 3. Igual raciocínio não pode ser estendido para a questão do tratamento dispensado às cooperativas, porque para estas há exigência de lei complementar (art. 146, III, c, CF). 4. Como a isenção da COFINS sobre os atos cooperados foi estabelecida em lei complementar (LC 70/91), não poderia ter sido suprimido o benefício por lei ordinária (Lei 9.718/98). 5. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, Segunda Turma, Rel. Ministra ELIANA CALMON, RE 388.921/SC, nov/1993).

314 A incidência de COFINS sobre atos cooperativos será analisada pelo STF no RE 598.085.

315 “ICMS. Cooperativas de consumo [...] tratamento adequado não significa necessariamente tratamento privilegiado. Recurso extraordinário não conhecido.” (STF, Primeira Turma, RE-141800/SP, Rel. Ministro MOREIRA ALVES, abr/1997) Obs: a posição do STF pode ser um referencial coerente e importante se a considerarmos no sentido de que o tratamento adequado do ato cooperativo não exige privilégio relativamente à cobrança de cada tributo considerado individualmente.

316 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2ª ed. Saraiva: 2012, p. 111;

317 STJ, Segunda Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, RMS 39.554/CE, abr/2013.

318 STF, ADI 2.458, ADI 1.179, ADI 930.

319 Sobre os tratados internacionais em geral, vide VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Curso de Direito Internacional Público, Editora RT. Sobre o Direito Tributário Internacional, vide HELENO TAVEIRA TORRES, Direito Tributário Internacional Aplicado. Editora Quartier Latin. Também: ALBERTO XAVIER, Direito Tributário Internacional no Brasil, Editora Forense.

320 “As palavras tratado e convenção são sinônimas. Ambas representam acordo bilateral ou multilateral de vontades para produzir um efeito jurídico. Criam direitos e obrigações. Tratado (ou convenção) internacional vem a ser o ato jurídico firmado entre dois ou mais Estados, mediante seus respectivos órgãos competentes, com o objetivo de estabelecer normas comuns de direito internacional.” (RIBEIRO DE MORAES, Bernardo. Compêndio de Direito Tributário. 2º vol. 3ª ed. 1995, p. 26).

321 Mesmo quando fundados em tratados de integração como o MERCOSUL.

322 Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, CR (AgRg) 8.279-ARGENTINA, 1998.

323 CF: art. 5º... § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela EC 45/2004).

324 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 152. Assim também: AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 34.

325 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 16ª ed. São Paulo: Renovar, 2009, p. 49.

326 “DIREITO TRIBUTÁRIO. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 DO ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO. ISENÇÃO DE TRIBUTO ESTADUAL PREVISTA EM TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. ARTIGO 151, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ISENÇÃO HETERÔNOMA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1. A isenção de tributos estaduais prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio para as mercadorias importadas dos países signatários quando o similar nacional tiver o mesmo benefício foi recepcionada pela Constituição da República de 1988. 2. O artigo 98 do Código Tributário Nacional ‘possui caráter nacional, com eficácia para a União, os Estados e os Municípios’ (voto do eminente Ministro Ilmar Galvão). 3. No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 52, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição.” (STF, Tribunal Pleno, rel. p/ o acórdão Ministra CÁRMEN LÚCIA, RE 229.096/RS, 2007).

327 STF, Tribunal Pleno, Rel. p/Acórdão Ministro NELSON JOBIM, ADI 1.600, 2001.

328 Vide: <www.oecd.org>.

329 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, ADI 1823 MC, 1998.

330 STF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, RE 140.669, 1998.

331 STF, Primeira Turma, Rel. Ministro ILMAR GALVÃO, RE 195.218, 2002.

332 STF, RE 188.391; Súmula 160 do STJ.

333 E.g.: Portaria SRF 6.087/05.